A não oposição a que se refere o artº 64º1 RGCO a que a decisão seja proferida por simples despacho deve ser expressa em especial quando o impugnante indica prova a produzir em audiência e o despacho não se pronuncia sobre a irrelevância da prova apresentada para a solução do caso.
Proc. nº 9839/14.9T8PRT.P1 Secção de Pequena Criminalidade (J3) da Instância Local da Comarca do Porto Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório No processo de impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa nº 9839/14.9T8PRT, da Secção de Pequena Criminalidade (J3) da Instância Local da Comarca do Porto, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, decido manter a decisão da entidade administrativa, julgando improcedente o recurso apresentado pelo arguido B…. Custas a cargo do arguido, no mínimo legal. Notifique o arguido para entregar, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, a sua carta de condução neste tribunal, ou em qualquer posto policial, sob pena de cometer um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), do C.P. Notifique e deposite. Após trânsito comunique ao IMT e à ANSR.***Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as seguintes conclusões: I- O arguido, na impugnação que fez da decisão administrativa, alegou os seguintes factos: a) Que a infração foi praticada com ausência de perigosidade da conduta do arguido, atentas as características do local e as demais circunstancias, nomeadamente, a ausência de tráfego e a boa visibilidade. b) Que o arguido, com a sua conduta, não pôs em causa a integridade física de terceiros ou a sua própria, e nem sequer causou qualquer tipo de transtorno à circulação rodoviária. c) Que o arguido é empresário, e que, por força dessa sua atividade, a carta de condução é-lhe absolutamente imprescindível para o exercício da sua atividade profissional. d) Que o arguido é detentor de empresas na área da restauração, de que é o principal gerente e responsável, e que explora vários restaurantes, espalhados entre as cidades do Porto e Matosinhos. e) Que o funcionamento das suas empresas depende do seu desempenho pessoal, como gerente responsável e também como técnico. f) Que, para que possa exercer o seu trabalho e, dessa forma, assegurar o funcionamento da sua empresa, o arguido tem necessidade imperiosa de utilizar o seu veículo, uma vez que tem constante necessidade de se deslocar aos diversos estabelecimentos que a sua empresa explora. g) Que, para além disso, é também o arguido que, nos âmbito das suas funções de gerente, realiza as necessárias, constantes e habituais deslocações a fornecedores, instituições financeiras, e aos demais diversos organismos, públicos ou privados. h) Que a carta de condução do arguido lhe é ainda absolutamente imprescindível para corresponder às obrigações pessoais e familiares que lhe estão adstritas, não por opção, mas por força das circunstancias que rodeiam o seu quotidiano, designadamente, o transporte dos seus três filhos menores, entre estabelecimentos de ensino e locais onde desenvolvem atividades extracurriculares. i) Que, dessa forma, é certo que, com a inibição de condução decidida, deixará o arguido de poder corresponder aos referidos compromissos, familiares e profissionais, daí decorrendo gravíssimas consequências, não só para si, já que deixará de poder exercer a sua profissão, seu único meio de subsistência, como para a sua restante família. j) Que o arguido é um condutor prudente, com mais de vinte anos de experiência na condução de veículos, e com um comportamento social irrepreensível. l) E que, na ocasião da prática dos factos, não era suposto que o arguido tivesse de conduzir, apenas o tendo feito dado que teve necessidade de utilizar o veículo, para dar resposta a uma emergência, pela necessidade de assegurar a presença de uma das suas funcionárias na respetiva casa, com caráter de urgência, devido a um problema de natureza familiar que lhe surgiu. II- Todas circunstâncias de facto que se enumeram são suscetíveis de funcionar como atenuantes especiais, capazes que influenciam a determinação da medida da sanção aplicável. III- Ao decidir através de simples despacho, preterindo a realização de audiência de Julgamento, o Tribunal recorrido inviabilizou a produção de prova sobre os factos alegados, que assim não levou em conta para os efeitos referidos no ponto anterior. IV- Ao preterir a realização da audiência de Julgamento, o Tribunal recorrido, violou o disposto no artº64º do Dec-Lei nº488/82, designadamente, o disposto no seu número 2, dado que, por um lado, atento à relevância dos factos alegados, não deveria ter considerado dispensável a realização da audiência de Julgamento e, por outro lado, dado que não notificou o arguido para que este se pudesse opor à decisão de não realizar a referida audiência. V- Essa violação consubstancia uma nulidade insanável, suscetível de influenciar a decisão da causa. VI- Desse modo, nos termos do disposto nos artºs 410º e 426º do Código de Processo Penal, deverá determinar-se o reenvio dos presentes autos para o Tribunal recorrido, com vista à realização novo julgamento, mediante realização de audiência a isso destinada, e que tenha por objeto os factos alegados pelo arguido que sejam susceptíveis de influenciar a determinação da medida concreta da sanção acessória de inibição de conduzir. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências legais.***O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho de fls. 78. O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu conforme fls. 82 a 86, defendendo que a decisão proferida enferma de nulidade insanável nos termos do disposto no artigo 119º, alínea f), do Código de Processo Penal. Formulou as seguintes conclusões: 1. O arguido no recurso de interpõe da decisão administrativa para o Tribunal admite a prática da contra-ordenação, levantando somente a alteração medida da sanção acessória como questão a decidir. 2. Refere que não foi notificado para que se pudesse opor a decisão por mero despacho, nos termos do disposto no artigo 64º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas. 3. Compulsados os presentes autos de contraordenação verificamos que em 12 de novembro de 2014 foi proferido despacho pela Mma. Juiz onde é referido não se afigurar necessário a audiência de julgamento por constarem os elementos suficientes para a decisão e determinada a notificação do arguido, para querendo deduzir oposição, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 64º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, cfr. fls. 29 e 30. 4. Ao arguido foi enviada notificação por via postal com prova de receção para declarar se se opõe a que o Mmo. Juiz profira decisão por mero despacho, sem necessidade de julgamento, tendo-lhe sido concedido o prazo de 10 dias para o efeito, cfr. fls. 32. 5. Contudo, o seu mandatário não foi notificado do despacho proferido pela Mma. Juiz a fls. 29 e 30. 6. Assim, não poderemos considerar que o arguido tenha sido regularmente notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 64º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas. 7. Ora, tendo sido proferido despacho a decidir o recurso de impugnação interposto pelo arguido, sem que o mesmo tivesse sido regularmente notificado, a decisão proferida enferma de nulidade insanável nos termos do disposto no artigo 119º, alínea f), do Código de Processo Penal. 8. Nestes termos, considera-se que a decisão recorrida enferma de nulidade insanável. ***Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.***Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido deduzida resposta ao parecer.***Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.***II – FUNDAMENTAÇÃO Segue a transcrição da decisão proferida.SENTENÇA IRelatório Por decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, notificada ao arguido: B…, PORTADOR DO BI N.º ……. E DO TÍTULO DE CONDUÇÃO N.º P-……, RESIDENTE EM …, N.º … – .DTO, ….-…, PORTO, Foi este condenado, na sequência do auto de notícia de fls. 1 dos autos, pela prática de uma infracção ao artigo 81.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada e sancionada nos termos dos artigos 81.º, n.º 5, al. b), 136.º, 138.º e 146.º, al. j), todos do Código da Estrada, no pagamento da coima no valor de € 750 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias. Dessa decisão interpôs recurso o arguido requerendo, em súmula: ● Que face a diminuta gravidade da sua conduta – considerando a ausência de perigosidade e de transtornos à circulação – e as graves consequências que resultariam da sua inibição de conduzir, a medida de 120 dias de sanção acessória de inibição de conduzir revela-se desproporcionada, pelo que deverá ser reduzida para um período que não exceda trinta dias; ● Que deve considerar-se estarem reunidos os pressupostos da suspensão da medida aplicada.*Proferido despacho nos termos do artigo 64.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 433/82, não foi deduzida oposição, pelo que cumpre apreciar e decidir. *O Tribunal é competente. Não se verificam outras nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. * IIResultaram provados os seguintes factos: No dia 23/6/2012, pelas 03.15h, na Rua Coronel Raul Peres, Porto, o arguido conduzia o veículo automóvel com matrícula 76-LI-73, com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,05 g/l. O arguido agiu sem o devido cuidado. O arguido foi condenado: ● No dia 19-4-2010, pela prática, no dia 16-8-2009, de uma contra-ordenação grave (relativa a condução de automóveis ligeiros, f. loc., +30 até 60km/h lim. sinaliza.), tendo-lhe sido aplicada uma sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de trinta dias, suspensa na sua execução pelo período de 180 dias; ● No dia 17-6-2013, pela prática, no dia 18-8-2011, de uma contra-ordenação grave (relativa a condução de automóveis ligeiros, f. loc., +30 até 60km/h), tendo-lhe sido aplicada uma sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de sessenta dias.*Factos não provados: Não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa.*Fundamentação da matéria de facto: O Tribunal fundou a sua convicção, em síntese, no auto de notícia de fls. 1, no talão constante de fls. 3, e no RIC de fls. 37 e 38.*Fundamentação da matéria de direito: Expostos os factos, vejamos o direito. Foi o arguido condenado, na sequência do auto de notícia de fls. 1 dos autos, pela prática de uma infracção ao artigo 81.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada e sancionada nos termos dos artigos 81.º, n.º 5, al. b), 136.º, 138.º e 146.º, al. j), todos do Código da Estrada, no pagamento da coima no valor de € 750 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias. Face aos factos dados como assentes – nomeadamente que o arguido nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,99 – conclui-se que o mesmo cometeu uma contra-ordenação de natureza muito grave, nos termos do artigo 146.º, al. j), do citado C.E. *Nos termos do art.º 147.º, n.º 2, do C.E., a sanção de inibição de conduzir tem a duração mínima de dois meses e máxima de dois anos quando em causa estejam a prática de contra-ordenações muito graves. Mas preceitua o artigo 143.º, n.º 1, do mesmo diploma que “É sancionado como reincidente o infractor que cometa contra-ordenação cominada com sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contra-ordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos e também sancionada com sanção acessória”. E prevê ainda o seu n.º 3 que “No caso de reincidência, os limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respectiva contra-ordenação são elevados para o dobro”. Tendo o arguido sido condenado no dia 19-4-2010, pela prática, no dia 16-8-2009, de uma contra-ordenação grave (relativa a condução de automóveis ligeiros, f. loc., +30 até 60km/h lim. sinaliza.), tendo-lhe sido aplicada uma sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de trinta dias, suspensa na sua execução pelo período de 180 dias, foi o mesmo condenado nestes autos como reincidente, no mínimo admissível (relativamente à sanção acessória aplicada), pelo que não é legalmente admissível a redução da medida aplicada.*Sendo a contra-ordenação em causa de natureza muito grave não é legalmente admissível a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, conforme preceitua o artigo 141.º do C.E.***Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada]. [Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95]. Além disso, há que dizer que o presente recurso é restrito à matéria de direito, visto o disposto nos artigos. 75º, n.º 1 e 41º, n.º 1, ambos do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, sucessivamente alterado (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro – Regime Geral das Contra-ordenações - RGCO), salvo verificação de qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal (sabemos que só o processamento e julgamento conjunto de crimes e contra-ordenações, previsto no art. 78º do RGCO, permite o conhecimento pela 2.ª instância, em sede de recurso, da matéria de facto). Assim, balizados pelos termos das conclusões, diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls. 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt. Pelo que, face às conclusões apresentadas, a questão a decidir consiste em saber se se verifica a invocada nulidade insanável, por violação do disposto no nº 2 do artº 64º do Dec-Lei nº433/82. Alega o recorrente que o tribunal a quo “violou o disposto no artº64º do Dec-Lei nº433/82, designadamente, o disposto no seu número 2, dado que, por um lado, atento à relevância dos factos alegados, não deveria ter considerado dispensável a realização da audiência de Julgamento e, por outro lado, dado que não notificou o arguido para que este se pudesse opor à decisão de não realizar a referida audiência. Essa violação consubstancia uma nulidade insanável, suscetível de influenciar a decisão da causa”. Vejamos, então, o que, para o efeito, de relevante decorre dos autos. Na sequência da decisão da autoridade administrativa – Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária -, reagiu o arguido, ora recorrente, representado por advogado, mediante a impugnação judicial de fls. 10 a 14, na qual não pôs em causa a factualidade descrita, entendendo, no entanto, que a sanção acessória não deve exceder os 30 dias, que deverá ser suspensa na sua execução mediante prestação de caução de boa conduta, concretizando os respectivos motivos. Do mesmo passo, juntou procuração forense e arrolou duas testemunhas. No despacho de admissão do recurso, ficou, entre o mais, consignado: «Não se afigura necessária a audiência de julgamento por constarem dos autos elementos suficientes para a decisão. Notifique o arguido e o Ministério Público para, querendo, deduzir oposição a que o recurso seja decidido por despacho – artigo 64º, nº 2 do DL 433/82, de 27.10.» - cfr. fls. 30 Ao arguido foi enviada “notificação por via postal registado com prova de receção” “para no prazo de 10 dias, a contar da mesma, declarar se se opõe a que o Mmo. Juiz decida por despacho, sem necessidade de julgamento” - cfr. fls. 32. O arguido remeteu-se ao silêncio. Notificado o Ministério Público [cfr. fls. 31], expressamente, manifestou a sua não oposição [à decisão por despacho] – cfr. fls. 39. O mandatário constituído pelo arguido não foi notificado do despacho proferido pela Mma. Juiz a fls. 30. Perante o que – como, aliás, resulta do teor da decisão recorrida [supra transcrita] – entendeu o tribunal, face à não oposição, decidir por despacho, precisamente o, ora, em crise. Cumpre decidir. Neste contexto, atentemos sobre o artigo 64º do RGCO. Dispõe este artigo, sob a epigrafe “Decisão por despacho judicial” que: 1 - O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho. 2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham. 3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação. 4 - Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção. 5 - Em caso de absolvição deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contra-ordenação. Ora, do normativo transcrito, ressalta a necessária conjugação dos factores, inscritos no n.º 2, para que a decisão tenha lugar mediante despacho. Neste sentido escrevem António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral «Consideramos, assim, adquirido que a decisão do recurso da entidade administrativa apenas se pode efectuar através de despacho desde que, para além do juízo nesse sentido formulado pelo julgador e da não oposição do M.º P.º e do arguido, não exista prova cujos respectivos meios de produção apenas tenham a possibilidade de ser contraditados em sede de audiência de julgamento. Significa o exposto que apenas quando o juiz considera adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa e que não existem outras provas a produzir é que deverá decidir através de despacho. (…) Os casos em que o juiz deverá decidir por despacho terão de ser casos em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova. Assim, poderá decidir-se por despacho sempre que for de julgar procedente alguma excepção, dilatória … ou peremptória …, ou a questão que é objecto de recurso for apenas de direito ou, quando a questão que é objecto de recurso for de facto, o processo forneça todos os elementos necessários para o seu conhecimento – [cf. “Notas ao Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas”, 3.ª Edição, Almedina, págs. 228/230]. Também a propósito refere António Beça Pereira «Da conjugação coordenada copulativa e utilizada neste n.º 2, resulta, claramente, que estamos perante dois requisitos cumulativos, a saber: 1.º O juiz considera desnecessária a realização da audiência de julgamento; 2.º O arguido e o Ministério Público não se opõem à decisão do recurso por despacho» - [cfr. “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 7.ª Edição, Almedina, pág. 134]. E coisa diferente não resulta das palavras de Paulo Pinto de Albuquerque quando escreve «Para a decisão por despacho são necessárias três condições cumulativas: (1) o juiz considerar desnecessária a audiência de julgamento; (2) o arguido não se opor à decisão por despacho, nem requerer produção de prova e (3) o MP não se opor à decisão por despacho. Faltando uma das condições, o juiz tem de marcar audiência de julgamento …» - [cf. “Comentário do Regime Geral das Contra – Ordenações”, Universidade Católica Editora, págs. 265/266]. E como refere este mesmo autor “a oposição à decisão por despacho judicial pode ser expressa ou tácita” [cfr. ob. cit. pág. 267]. Posto isto, importa, pois, determinar o valor a atribuir ao silêncio do arguido, atendendo até à circunstância de, na sua impugnação, ter indicado testemunhas. A este respeito existem duas posições opostas, quer na doutrina quer na jurisprudência: para uns, nesta situação, o juiz não pode decidir por despacho, uma vez que deve entender-se que constitui manifestação implícita de oposição o oferecimento de prova que deva ser produzida em audiência – neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in “Contra-Ordenações. Anotações ao Regime Geral”, 5ª edição, Setembro de 2009, Vislis, p. 550, e na jurisprudência, entre outros, os Acs. desta RP de 25/10/2006 (Pº 643695), de 17/9/2008 (Pº 2397/08), de 4/2/2009 (Pº 816413), da RL de 07.12.2011 (Pº 1214/10.0TBBNV.L1) e da RC de 15.05.2013 (Pº 58912.1T2ILH.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt e Ac. RL de 4/3/1992, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, tomo II, pág. 164]; para outros, a oposição exigida pelo n.º 2 do art.º 64.º tem de ser expressa e inequívoca, não podendo ser tida por oposição a circunstância do arguido, na impugnação judicial ter arrolado testemunhas – neste sentido, António Beça Pereira, in “Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas”, em anotação ao mencionado art.º 64º e na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 17.10.2001 (Pº 111027), de 24.01.2007 (Pº 615898) e de 09.02.2009 (Pº 846813), bem como Ac. da Relação de Évora de 11/10/2011 (Pº 272/11.5TBLGS), todos disponíveis em www.dgsi.pt. Também no Ac. desta Relação de 24.04.2002 (Pº 1462/01-4) se considera que o facto de o recorrente não se ter oposto à decisão do recurso por despacho não significa que prescindiu da prova arrolada na impugnação. Neste contexto, afigura-se-nos ainda relevante citar o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.01.2008, no qual se escreveu: «Em termos gerais, a “não oposição” pode ser expressa ou meramente tácita. Porém, não decorrendo da citada norma que a não oposição tácita tem o mesmo valor da expressa, essa consequência terá necessariamente de ser comunicada ao acoimado, isto é, se nada disser no prazo concedido, se terá por assente que não se opõe a que a causa seja decidida “através de simples despacho”. E a necessidade dessa cominação será ainda maior naqueles casos – como o presente - em que o acoimado, na impugnação judicial, negue os factos e ofereça prova testemunhal. É que, independentemente da relevância da defesa, é normal que o recorrente espere que o juiz apenas decida das questões colocadas na impugnação depois de produzir a prova que ofereceu, ou depois de lhe serem comunicadas as razões porque se considera a prova irrelevante. Ora, in casu, para além do despacho de fls. … não conter tais razões perante a expressão genérica utilizada (“face à situação concreta dos autos”), o certo é que, atenta a forma como foi efectuada a notificação, não podia o Ex.mo Sr. Juiz a quo concluir pela “não oposição”… A decisão por despacho nos casos em que não tiver sido validamente obtida a não oposição do MºPº ou do arguido a tal forma de decisão «constitui uma nulidade processual susceptível de ser enquadrada na al. d) do n.º 2 do art. 120º do CPP, pois a imposição legal da obrigatoriedade de realização da audiência, nestes casos, tem como corolário que ele deva considerar-se como essencial para a descoberta da verdade» - vide Simas Santos e Lopes de Sousa, em anotação ao RGCO, pág. 376» - [cfr. CJ, Ano XXXIII, T. I, 2008, págs. 294/295]. No caso dos autos, tal como na situação retratada e, para além da omissão da notificação do despacho de fls. 30 ao mandatário do arguido, parece-nos que não podia o Sr. Juiz a quo, sem ofensa do contraditório, extrair do silêncio do arguido a sua não oposição à decisão por despacho, já porque pelo mesmo foi apresentada prova testemunhal, já porque o despacho proferido não deixa, minimamente, antever os motivos da irrelevância da prova arrolada, já, finalmente, porque o despacho que, para o efeito, lhe foi notificado, não afasta a necessidade de uma tomada de posição expressa, no sentido de «oposição» ou de «não oposição» à decisão pela forma preconizada por parte do julgador. O que, conforme se refere no douto parecer, invalida a decisão por despacho proferida nos presentes autos, quer se considere estarmos perante uma nulidade insanável, nos termos do artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal (a “ausência do arguido” a que se refere esta alínea não se confina à simples ausência física, antes compreende também a ausência processual quando a lei, como é o caso, faz depender a forma da decisão da posição que o arguido venha a tomar), quer se considere nulidade dependente de arguição, nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d) do mesmo diploma legal – cfr. já citado Ac. da RL de 07.12.2011 e Ac da RP de 9.02.2009, disponível em www.dgsi.pt - quer se considere estarmos perante uma nulidade dependente de arguição, nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d) do mesmo diploma legal (a imposição legal de só ser dispensável a decisão mediante audiência de julgamento, nos casos em que não haja oposição à decisão por simples despacho, tem como corolário a omissão de um acto (a realização da audiência) que pode reputar-se essencial para a descoberta da verdade) [Neste sentido, acórdãos da Relação de Lisboa, de 13/03/1990, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 395, p. 650, e do Porto, de 4/11/1992, no recurso n.º 30049 (ambos sumariados por Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., pp. 379 e 380, acórdão da Relação do Porto, de 20/11/1996, Colectânea de Jurisprudência, 1996, Tomo V, pp. 234-235, e, na doutrina, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., p. 376], porque tempestivamente invocada [artigos 410.º, nº 3 do Código de Processo Penal e 73.º, n.º 1, al. e) do RGCO]. Pelo que, só resta revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que designe data para a realização do julgamento.***III. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que designe data para realização da audiência de julgamento. Sem tributação.***Porto, 15 de Abril de 2015 Elsa Paixão Maria dos Prazeres Silva
Proc. nº 9839/14.9T8PRT.P1 Secção de Pequena Criminalidade (J3) da Instância Local da Comarca do Porto Acordam, em Conferência, as Juízas desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório No processo de impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa nº 9839/14.9T8PRT, da Secção de Pequena Criminalidade (J3) da Instância Local da Comarca do Porto, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, decido manter a decisão da entidade administrativa, julgando improcedente o recurso apresentado pelo arguido B…. Custas a cargo do arguido, no mínimo legal. Notifique o arguido para entregar, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, a sua carta de condução neste tribunal, ou em qualquer posto policial, sob pena de cometer um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), do C.P. Notifique e deposite. Após trânsito comunique ao IMT e à ANSR.***Inconformado com tal decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, terminando a motivação com as seguintes conclusões: I- O arguido, na impugnação que fez da decisão administrativa, alegou os seguintes factos: a) Que a infração foi praticada com ausência de perigosidade da conduta do arguido, atentas as características do local e as demais circunstancias, nomeadamente, a ausência de tráfego e a boa visibilidade. b) Que o arguido, com a sua conduta, não pôs em causa a integridade física de terceiros ou a sua própria, e nem sequer causou qualquer tipo de transtorno à circulação rodoviária. c) Que o arguido é empresário, e que, por força dessa sua atividade, a carta de condução é-lhe absolutamente imprescindível para o exercício da sua atividade profissional. d) Que o arguido é detentor de empresas na área da restauração, de que é o principal gerente e responsável, e que explora vários restaurantes, espalhados entre as cidades do Porto e Matosinhos. e) Que o funcionamento das suas empresas depende do seu desempenho pessoal, como gerente responsável e também como técnico. f) Que, para que possa exercer o seu trabalho e, dessa forma, assegurar o funcionamento da sua empresa, o arguido tem necessidade imperiosa de utilizar o seu veículo, uma vez que tem constante necessidade de se deslocar aos diversos estabelecimentos que a sua empresa explora. g) Que, para além disso, é também o arguido que, nos âmbito das suas funções de gerente, realiza as necessárias, constantes e habituais deslocações a fornecedores, instituições financeiras, e aos demais diversos organismos, públicos ou privados. h) Que a carta de condução do arguido lhe é ainda absolutamente imprescindível para corresponder às obrigações pessoais e familiares que lhe estão adstritas, não por opção, mas por força das circunstancias que rodeiam o seu quotidiano, designadamente, o transporte dos seus três filhos menores, entre estabelecimentos de ensino e locais onde desenvolvem atividades extracurriculares. i) Que, dessa forma, é certo que, com a inibição de condução decidida, deixará o arguido de poder corresponder aos referidos compromissos, familiares e profissionais, daí decorrendo gravíssimas consequências, não só para si, já que deixará de poder exercer a sua profissão, seu único meio de subsistência, como para a sua restante família. j) Que o arguido é um condutor prudente, com mais de vinte anos de experiência na condução de veículos, e com um comportamento social irrepreensível. l) E que, na ocasião da prática dos factos, não era suposto que o arguido tivesse de conduzir, apenas o tendo feito dado que teve necessidade de utilizar o veículo, para dar resposta a uma emergência, pela necessidade de assegurar a presença de uma das suas funcionárias na respetiva casa, com caráter de urgência, devido a um problema de natureza familiar que lhe surgiu. II- Todas circunstâncias de facto que se enumeram são suscetíveis de funcionar como atenuantes especiais, capazes que influenciam a determinação da medida da sanção aplicável. III- Ao decidir através de simples despacho, preterindo a realização de audiência de Julgamento, o Tribunal recorrido inviabilizou a produção de prova sobre os factos alegados, que assim não levou em conta para os efeitos referidos no ponto anterior. IV- Ao preterir a realização da audiência de Julgamento, o Tribunal recorrido, violou o disposto no artº64º do Dec-Lei nº488/82, designadamente, o disposto no seu número 2, dado que, por um lado, atento à relevância dos factos alegados, não deveria ter considerado dispensável a realização da audiência de Julgamento e, por outro lado, dado que não notificou o arguido para que este se pudesse opor à decisão de não realizar a referida audiência. V- Essa violação consubstancia uma nulidade insanável, suscetível de influenciar a decisão da causa. VI- Desse modo, nos termos do disposto nos artºs 410º e 426º do Código de Processo Penal, deverá determinar-se o reenvio dos presentes autos para o Tribunal recorrido, com vista à realização novo julgamento, mediante realização de audiência a isso destinada, e que tenha por objeto os factos alegados pelo arguido que sejam susceptíveis de influenciar a determinação da medida concreta da sanção acessória de inibição de conduzir. Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências legais.***O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho de fls. 78. O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu conforme fls. 82 a 86, defendendo que a decisão proferida enferma de nulidade insanável nos termos do disposto no artigo 119º, alínea f), do Código de Processo Penal. Formulou as seguintes conclusões: 1. O arguido no recurso de interpõe da decisão administrativa para o Tribunal admite a prática da contra-ordenação, levantando somente a alteração medida da sanção acessória como questão a decidir. 2. Refere que não foi notificado para que se pudesse opor a decisão por mero despacho, nos termos do disposto no artigo 64º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas. 3. Compulsados os presentes autos de contraordenação verificamos que em 12 de novembro de 2014 foi proferido despacho pela Mma. Juiz onde é referido não se afigurar necessário a audiência de julgamento por constarem os elementos suficientes para a decisão e determinada a notificação do arguido, para querendo deduzir oposição, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 64º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, cfr. fls. 29 e 30. 4. Ao arguido foi enviada notificação por via postal com prova de receção para declarar se se opõe a que o Mmo. Juiz profira decisão por mero despacho, sem necessidade de julgamento, tendo-lhe sido concedido o prazo de 10 dias para o efeito, cfr. fls. 32. 5. Contudo, o seu mandatário não foi notificado do despacho proferido pela Mma. Juiz a fls. 29 e 30. 6. Assim, não poderemos considerar que o arguido tenha sido regularmente notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 64º, n.º 2, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas. 7. Ora, tendo sido proferido despacho a decidir o recurso de impugnação interposto pelo arguido, sem que o mesmo tivesse sido regularmente notificado, a decisão proferida enferma de nulidade insanável nos termos do disposto no artigo 119º, alínea f), do Código de Processo Penal. 8. Nestes termos, considera-se que a decisão recorrida enferma de nulidade insanável. ***Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.***Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido deduzida resposta ao parecer.***Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.***II – FUNDAMENTAÇÃO Segue a transcrição da decisão proferida.SENTENÇA IRelatório Por decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, notificada ao arguido: B…, PORTADOR DO BI N.º ……. E DO TÍTULO DE CONDUÇÃO N.º P-……, RESIDENTE EM …, N.º … – .DTO, ….-…, PORTO, Foi este condenado, na sequência do auto de notícia de fls. 1 dos autos, pela prática de uma infracção ao artigo 81.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada e sancionada nos termos dos artigos 81.º, n.º 5, al. b), 136.º, 138.º e 146.º, al. j), todos do Código da Estrada, no pagamento da coima no valor de € 750 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias. Dessa decisão interpôs recurso o arguido requerendo, em súmula: ● Que face a diminuta gravidade da sua conduta – considerando a ausência de perigosidade e de transtornos à circulação – e as graves consequências que resultariam da sua inibição de conduzir, a medida de 120 dias de sanção acessória de inibição de conduzir revela-se desproporcionada, pelo que deverá ser reduzida para um período que não exceda trinta dias; ● Que deve considerar-se estarem reunidos os pressupostos da suspensão da medida aplicada.*Proferido despacho nos termos do artigo 64.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 433/82, não foi deduzida oposição, pelo que cumpre apreciar e decidir. *O Tribunal é competente. Não se verificam outras nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. * IIResultaram provados os seguintes factos: No dia 23/6/2012, pelas 03.15h, na Rua Coronel Raul Peres, Porto, o arguido conduzia o veículo automóvel com matrícula 76-LI-73, com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,05 g/l. O arguido agiu sem o devido cuidado. O arguido foi condenado: ● No dia 19-4-2010, pela prática, no dia 16-8-2009, de uma contra-ordenação grave (relativa a condução de automóveis ligeiros, f. loc., +30 até 60km/h lim. sinaliza.), tendo-lhe sido aplicada uma sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de trinta dias, suspensa na sua execução pelo período de 180 dias; ● No dia 17-6-2013, pela prática, no dia 18-8-2011, de uma contra-ordenação grave (relativa a condução de automóveis ligeiros, f. loc., +30 até 60km/h), tendo-lhe sido aplicada uma sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de sessenta dias.*Factos não provados: Não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa.*Fundamentação da matéria de facto: O Tribunal fundou a sua convicção, em síntese, no auto de notícia de fls. 1, no talão constante de fls. 3, e no RIC de fls. 37 e 38.*Fundamentação da matéria de direito: Expostos os factos, vejamos o direito. Foi o arguido condenado, na sequência do auto de notícia de fls. 1 dos autos, pela prática de uma infracção ao artigo 81.º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada e sancionada nos termos dos artigos 81.º, n.º 5, al. b), 136.º, 138.º e 146.º, al. j), todos do Código da Estrada, no pagamento da coima no valor de € 750 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias. Face aos factos dados como assentes – nomeadamente que o arguido nas circunstâncias de tempo e lugar supra descritas com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,99 – conclui-se que o mesmo cometeu uma contra-ordenação de natureza muito grave, nos termos do artigo 146.º, al. j), do citado C.E. *Nos termos do art.º 147.º, n.º 2, do C.E., a sanção de inibição de conduzir tem a duração mínima de dois meses e máxima de dois anos quando em causa estejam a prática de contra-ordenações muito graves. Mas preceitua o artigo 143.º, n.º 1, do mesmo diploma que “É sancionado como reincidente o infractor que cometa contra-ordenação cominada com sanção acessória, depois de ter sido condenado por outra contra-ordenação ao mesmo diploma legal ou seus regulamentos, praticada há menos de cinco anos e também sancionada com sanção acessória”. E prevê ainda o seu n.º 3 que “No caso de reincidência, os limites mínimos de duração da sanção acessória previstos para a respectiva contra-ordenação são elevados para o dobro”. Tendo o arguido sido condenado no dia 19-4-2010, pela prática, no dia 16-8-2009, de uma contra-ordenação grave (relativa a condução de automóveis ligeiros, f. loc., +30 até 60km/h lim. sinaliza.), tendo-lhe sido aplicada uma sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de trinta dias, suspensa na sua execução pelo período de 180 dias, foi o mesmo condenado nestes autos como reincidente, no mínimo admissível (relativamente à sanção acessória aplicada), pelo que não é legalmente admissível a redução da medida aplicada.*Sendo a contra-ordenação em causa de natureza muito grave não é legalmente admissível a suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir, conforme preceitua o artigo 141.º do C.E.***Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada]. [Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95]. Além disso, há que dizer que o presente recurso é restrito à matéria de direito, visto o disposto nos artigos. 75º, n.º 1 e 41º, n.º 1, ambos do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, sucessivamente alterado (alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro – Regime Geral das Contra-ordenações - RGCO), salvo verificação de qualquer dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal (sabemos que só o processamento e julgamento conjunto de crimes e contra-ordenações, previsto no art. 78º do RGCO, permite o conhecimento pela 2.ª instância, em sede de recurso, da matéria de facto). Assim, balizados pelos termos das conclusões, diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls. 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões») – Cfr. ainda Acórdão da Relação de Évora de 7/4/2005 in www.dgsi.pt. Pelo que, face às conclusões apresentadas, a questão a decidir consiste em saber se se verifica a invocada nulidade insanável, por violação do disposto no nº 2 do artº 64º do Dec-Lei nº433/82. Alega o recorrente que o tribunal a quo “violou o disposto no artº64º do Dec-Lei nº433/82, designadamente, o disposto no seu número 2, dado que, por um lado, atento à relevância dos factos alegados, não deveria ter considerado dispensável a realização da audiência de Julgamento e, por outro lado, dado que não notificou o arguido para que este se pudesse opor à decisão de não realizar a referida audiência. Essa violação consubstancia uma nulidade insanável, suscetível de influenciar a decisão da causa”. Vejamos, então, o que, para o efeito, de relevante decorre dos autos. Na sequência da decisão da autoridade administrativa – Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária -, reagiu o arguido, ora recorrente, representado por advogado, mediante a impugnação judicial de fls. 10 a 14, na qual não pôs em causa a factualidade descrita, entendendo, no entanto, que a sanção acessória não deve exceder os 30 dias, que deverá ser suspensa na sua execução mediante prestação de caução de boa conduta, concretizando os respectivos motivos. Do mesmo passo, juntou procuração forense e arrolou duas testemunhas. No despacho de admissão do recurso, ficou, entre o mais, consignado: «Não se afigura necessária a audiência de julgamento por constarem dos autos elementos suficientes para a decisão. Notifique o arguido e o Ministério Público para, querendo, deduzir oposição a que o recurso seja decidido por despacho – artigo 64º, nº 2 do DL 433/82, de 27.10.» - cfr. fls. 30 Ao arguido foi enviada “notificação por via postal registado com prova de receção” “para no prazo de 10 dias, a contar da mesma, declarar se se opõe a que o Mmo. Juiz decida por despacho, sem necessidade de julgamento” - cfr. fls. 32. O arguido remeteu-se ao silêncio. Notificado o Ministério Público [cfr. fls. 31], expressamente, manifestou a sua não oposição [à decisão por despacho] – cfr. fls. 39. O mandatário constituído pelo arguido não foi notificado do despacho proferido pela Mma. Juiz a fls. 30. Perante o que – como, aliás, resulta do teor da decisão recorrida [supra transcrita] – entendeu o tribunal, face à não oposição, decidir por despacho, precisamente o, ora, em crise. Cumpre decidir. Neste contexto, atentemos sobre o artigo 64º do RGCO. Dispõe este artigo, sob a epigrafe “Decisão por despacho judicial” que: 1 - O juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho. 2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham. 3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação. 4 - Em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção. 5 - Em caso de absolvição deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contra-ordenação. Ora, do normativo transcrito, ressalta a necessária conjugação dos factores, inscritos no n.º 2, para que a decisão tenha lugar mediante despacho. Neste sentido escrevem António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral «Consideramos, assim, adquirido que a decisão do recurso da entidade administrativa apenas se pode efectuar através de despacho desde que, para além do juízo nesse sentido formulado pelo julgador e da não oposição do M.º P.º e do arguido, não exista prova cujos respectivos meios de produção apenas tenham a possibilidade de ser contraditados em sede de audiência de julgamento. Significa o exposto que apenas quando o juiz considera adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa e que não existem outras provas a produzir é que deverá decidir através de despacho. (…) Os casos em que o juiz deverá decidir por despacho terão de ser casos em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova. Assim, poderá decidir-se por despacho sempre que for de julgar procedente alguma excepção, dilatória … ou peremptória …, ou a questão que é objecto de recurso for apenas de direito ou, quando a questão que é objecto de recurso for de facto, o processo forneça todos os elementos necessários para o seu conhecimento – [cf. “Notas ao Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas”, 3.ª Edição, Almedina, págs. 228/230]. Também a propósito refere António Beça Pereira «Da conjugação coordenada copulativa e utilizada neste n.º 2, resulta, claramente, que estamos perante dois requisitos cumulativos, a saber: 1.º O juiz considera desnecessária a realização da audiência de julgamento; 2.º O arguido e o Ministério Público não se opõem à decisão do recurso por despacho» - [cfr. “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 7.ª Edição, Almedina, pág. 134]. E coisa diferente não resulta das palavras de Paulo Pinto de Albuquerque quando escreve «Para a decisão por despacho são necessárias três condições cumulativas: (1) o juiz considerar desnecessária a audiência de julgamento; (2) o arguido não se opor à decisão por despacho, nem requerer produção de prova e (3) o MP não se opor à decisão por despacho. Faltando uma das condições, o juiz tem de marcar audiência de julgamento …» - [cf. “Comentário do Regime Geral das Contra – Ordenações”, Universidade Católica Editora, págs. 265/266]. E como refere este mesmo autor “a oposição à decisão por despacho judicial pode ser expressa ou tácita” [cfr. ob. cit. pág. 267]. Posto isto, importa, pois, determinar o valor a atribuir ao silêncio do arguido, atendendo até à circunstância de, na sua impugnação, ter indicado testemunhas. A este respeito existem duas posições opostas, quer na doutrina quer na jurisprudência: para uns, nesta situação, o juiz não pode decidir por despacho, uma vez que deve entender-se que constitui manifestação implícita de oposição o oferecimento de prova que deva ser produzida em audiência – neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in “Contra-Ordenações. Anotações ao Regime Geral”, 5ª edição, Setembro de 2009, Vislis, p. 550, e na jurisprudência, entre outros, os Acs. desta RP de 25/10/2006 (Pº 643695), de 17/9/2008 (Pº 2397/08), de 4/2/2009 (Pº 816413), da RL de 07.12.2011 (Pº 1214/10.0TBBNV.L1) e da RC de 15.05.2013 (Pº 58912.1T2ILH.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt e Ac. RL de 4/3/1992, in Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, tomo II, pág. 164]; para outros, a oposição exigida pelo n.º 2 do art.º 64.º tem de ser expressa e inequívoca, não podendo ser tida por oposição a circunstância do arguido, na impugnação judicial ter arrolado testemunhas – neste sentido, António Beça Pereira, in “Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas”, em anotação ao mencionado art.º 64º e na jurisprudência, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 17.10.2001 (Pº 111027), de 24.01.2007 (Pº 615898) e de 09.02.2009 (Pº 846813), bem como Ac. da Relação de Évora de 11/10/2011 (Pº 272/11.5TBLGS), todos disponíveis em www.dgsi.pt. Também no Ac. desta Relação de 24.04.2002 (Pº 1462/01-4) se considera que o facto de o recorrente não se ter oposto à decisão do recurso por despacho não significa que prescindiu da prova arrolada na impugnação. Neste contexto, afigura-se-nos ainda relevante citar o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.01.2008, no qual se escreveu: «Em termos gerais, a “não oposição” pode ser expressa ou meramente tácita. Porém, não decorrendo da citada norma que a não oposição tácita tem o mesmo valor da expressa, essa consequência terá necessariamente de ser comunicada ao acoimado, isto é, se nada disser no prazo concedido, se terá por assente que não se opõe a que a causa seja decidida “através de simples despacho”. E a necessidade dessa cominação será ainda maior naqueles casos – como o presente - em que o acoimado, na impugnação judicial, negue os factos e ofereça prova testemunhal. É que, independentemente da relevância da defesa, é normal que o recorrente espere que o juiz apenas decida das questões colocadas na impugnação depois de produzir a prova que ofereceu, ou depois de lhe serem comunicadas as razões porque se considera a prova irrelevante. Ora, in casu, para além do despacho de fls. … não conter tais razões perante a expressão genérica utilizada (“face à situação concreta dos autos”), o certo é que, atenta a forma como foi efectuada a notificação, não podia o Ex.mo Sr. Juiz a quo concluir pela “não oposição”… A decisão por despacho nos casos em que não tiver sido validamente obtida a não oposição do MºPº ou do arguido a tal forma de decisão «constitui uma nulidade processual susceptível de ser enquadrada na al. d) do n.º 2 do art. 120º do CPP, pois a imposição legal da obrigatoriedade de realização da audiência, nestes casos, tem como corolário que ele deva considerar-se como essencial para a descoberta da verdade» - vide Simas Santos e Lopes de Sousa, em anotação ao RGCO, pág. 376» - [cfr. CJ, Ano XXXIII, T. I, 2008, págs. 294/295]. No caso dos autos, tal como na situação retratada e, para além da omissão da notificação do despacho de fls. 30 ao mandatário do arguido, parece-nos que não podia o Sr. Juiz a quo, sem ofensa do contraditório, extrair do silêncio do arguido a sua não oposição à decisão por despacho, já porque pelo mesmo foi apresentada prova testemunhal, já porque o despacho proferido não deixa, minimamente, antever os motivos da irrelevância da prova arrolada, já, finalmente, porque o despacho que, para o efeito, lhe foi notificado, não afasta a necessidade de uma tomada de posição expressa, no sentido de «oposição» ou de «não oposição» à decisão pela forma preconizada por parte do julgador. O que, conforme se refere no douto parecer, invalida a decisão por despacho proferida nos presentes autos, quer se considere estarmos perante uma nulidade insanável, nos termos do artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal (a “ausência do arguido” a que se refere esta alínea não se confina à simples ausência física, antes compreende também a ausência processual quando a lei, como é o caso, faz depender a forma da decisão da posição que o arguido venha a tomar), quer se considere nulidade dependente de arguição, nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d) do mesmo diploma legal – cfr. já citado Ac. da RL de 07.12.2011 e Ac da RP de 9.02.2009, disponível em www.dgsi.pt - quer se considere estarmos perante uma nulidade dependente de arguição, nos termos do artigo 120º, nº 2, alínea d) do mesmo diploma legal (a imposição legal de só ser dispensável a decisão mediante audiência de julgamento, nos casos em que não haja oposição à decisão por simples despacho, tem como corolário a omissão de um acto (a realização da audiência) que pode reputar-se essencial para a descoberta da verdade) [Neste sentido, acórdãos da Relação de Lisboa, de 13/03/1990, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 395, p. 650, e do Porto, de 4/11/1992, no recurso n.º 30049 (ambos sumariados por Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., pp. 379 e 380, acórdão da Relação do Porto, de 20/11/1996, Colectânea de Jurisprudência, 1996, Tomo V, pp. 234-235, e, na doutrina, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., p. 376], porque tempestivamente invocada [artigos 410.º, nº 3 do Código de Processo Penal e 73.º, n.º 1, al. e) do RGCO]. Pelo que, só resta revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que designe data para a realização do julgamento.***III. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que designe data para realização da audiência de julgamento. Sem tributação.***Porto, 15 de Abril de 2015 Elsa Paixão Maria dos Prazeres Silva