Processo:148/14.4TVPRT.P1
Data do Acordão: 09/01/2017Relator: ANABELA DIAS DA SILVATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - Só o incumprimento definitivo do contrato promessa confere ao contratante fiel o direito à resolução do contrato. II - A impossibilidade da prestação só existe quando esta se torna seguramente inviável, por ser física e legalmente impossível ou quando a probabilidade da sua realização, por não depender de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, se torna extremamente improvável. III – Em rigor, a venda de fracção prometida vender a terceiro, não torna, por si só, impossível o cumprimento do contrato promessa, pois que, essa prestação, se mantêm física e legalmente possível, por exemplo poderá a promitente-vendedora vir a readquiri-la e então cumprir a sua promessa, ou mesmo, diligenciar junto do terceiro em cuja titularidade a fracção se encontra para que a transmita à promitente-compradora, cumprindo ele a obrigação prometida. IV - A venda da fracção prometida vender a terceiro, além da manifestação de violação do dever de boa-fé contratual, é bem elucidativa da intenção inequívoca de não vir a celebrar o contrato prometido objecto do contrato promessa. V - A recusa ilegítima de cumprimento (recusa inequívoca, concludente, do devedor em cumprir a sua prestação), ainda que tácita e inferida da global actuação da promitente-vendedora, equivale ao incumprimento definitivo e culposo do contrato por parte desta, dispensando-se a interpelação admonitória e possibilitando, de imediato, a declaração de resolução do contrato.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA RESOLUÇÃO DO CONTRATO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
No do documento
Data do Acordão
01/10/2017
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
REVOGADA
Sumário
I - Só o incumprimento definitivo do contrato promessa confere ao contratante fiel o direito à resolução do contrato. II - A impossibilidade da prestação só existe quando esta se torna seguramente inviável, por ser física e legalmente impossível ou quando a probabilidade da sua realização, por não depender de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, se torna extremamente improvável. III – Em rigor, a venda de fracção prometida vender a terceiro, não torna, por si só, impossível o cumprimento do contrato promessa, pois que, essa prestação, se mantêm física e legalmente possível, por exemplo poderá a promitente-vendedora vir a readquiri-la e então cumprir a sua promessa, ou mesmo, diligenciar junto do terceiro em cuja titularidade a fracção se encontra para que a transmita à promitente-compradora, cumprindo ele a obrigação prometida. IV - A venda da fracção prometida vender a terceiro, além da manifestação de violação do dever de boa-fé contratual, é bem elucidativa da intenção inequívoca de não vir a celebrar o contrato prometido objecto do contrato promessa. V - A recusa ilegítima de cumprimento (recusa inequívoca, concludente, do devedor em cumprir a sua prestação), ainda que tácita e inferida da global actuação da promitente-vendedora, equivale ao incumprimento definitivo e culposo do contrato por parte desta, dispensando-se a interpelação admonitória e possibilitando, de imediato, a declaração de resolução do contrato.
Decisão integral
Apelação
Processo n.º 148/14.4 TVPRT.P1  
Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1.ª Secção Cível – J2
Recorrente – B…, SA 
Recorrida – C…, Ld.ª
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
                  Desemb. Maria do Carmo Domingues

Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – B…, SA, com sede em …, …, Felgueiras, intentou na Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1.ª Secção Cível a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra C…, Ld.ª, com sede na Rua …, n.º . no Porto, pedindo que:
1. fosse declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre autora e ré, devido a impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento por parte desta;
2. fosse condenada a ré a devolver o sinal prestado, no montante de €116.850,00, em dobro;
3. e a pagar juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegou em síntese que entre a autora (como promitente-compradora) e a ré (como promitente-vendedora) foi celebrado o contrato promessa de compra e venda a que se referem os autos, estando a ré definitivamente impossibilitada de cumprir a obrigação prometida por, entretanto, ter vendido a(s) fracção (fracções) a terceiros.*Pessoal e regularmente citada, a ré veio contestar ré por excepção, invocando caso julgado anterior, impugnando a versão dos factos tal como apresentada pelo autora e fornecendo a sua própria versão dos mesmos, que deverá conduzir à absolvição dos pedidos formulados, bem como deduziu reconvenção, pedindo que:
A - fosse declarado o incumprimento definitivo e culposo, por parte da autora, do contrato, e o consequente direito da autora a fazer suas as quantias pagas a título de sinal, no valor de €116.850,00, condenando-se a ré nesses preciso termos;
ou se assim não se entender,
B - fosse a ré condenada a ressarcir a autora das despesas em que esta incorreu - e venha a incorrer, até ao cumprimento ou resolução do contrato - com a mora da autora, no valor, até à data, de €38.224,01, e dos restantes danos, a apurar em execução de sentença, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde os respectivos vencimentos e até efectivo e integral pagamento.*A autora respondeu à contestação.*Realizou-se audiência prévia, após o que foi proferido despacho saneador/sentença, onde se veio a decidir: “Em conclusão, tudo ponderado e ao abrigo das disposições legais supra referidas, nesta acção em que é autora/reconvinda B…, SA, e em que é ré/reconvinte C…, Ld.ª, ambas com os demais sinais dos autos, julgo improcedentes tanto a acção como a reconvenção e, em consequência, decido:
A- julgar improcedente a excepção dilatória de caso julgado invocada pela ré, dela absolvendo a autora;
B- Absolver a ré de todos os pedidos contra ela formulados pela autora em sede de acção, bem como absolver a autora de todos os pedidos contra si formulados pela ré em sede de reconvenção”.*Inconformada com tal decisão dela veio a autora recorrer de apelação pedindo que a mesma seja revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido principal, considerando-se resolvido o contrato promessa e que seja a ré condenada a restituir à autora/apelante o sinal prestado em dobro, acrescido de juros moratórios à taxa legal a contar da citação e até integral pagamento.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e manifestamente prolixas conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na firme convicção que a mesma incorreu na prática de uma nulidade processual de acordo com o disposto no art.º 195.º do CPC, atento o incumprimento da uma formalidade legalmente prescrita e que, em boa verdade, influenciou o exame e decisão da causa, bem como de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido diferente daquele que V.ªs Ex.ªs elegerão, certamente, como mais acertada depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de Direito.
2. A autora B…, Ld.ª propôs a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra C…, SA, peticionando: a) que seja declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os autores e a ré melhor identificado nos itens 1 a 4 da P.I.; b) que seja a ré condenada a restituir à autora a quantia recebida a título de sinal em dobro, no valor de 116.850,00€, acrescida de juros legais desde a citação da ré e até efectivo pagamento. 
3. Esta acção foi intentada na sequência de outra anterior, também proposta pela autora/apelante que peticionou que fosse declarado nula a resolução do mesmo contrato de promessa, operada pela ré. 
4. Na qual foi proferido Acórdão pelo STJ, em 21 de Janeiro de 2014, que considerou válido o contrato-promessa e que a autora se encontrava em mora debitoris. 
5. Entretanto, ainda na pendência do recurso no STJ, a ré, em 5.07.2012 vendeu a terceiro a fracção prometida. 
6. O saneador-sentença julgou a acção improcedente, e, em consequência, decidiu: a) não declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda, discutido nos autos; b) não condenar a ré a devolver o sinal dobrado. 
7. No entanto, esta sentença foi proferida sem que as partes fossem notificadas para a finalidade prevista no art.º 591.º n.º 1 al. b) do C.P.C., pelo que, foram confrontadas com um despacho saneador-sentença, que conheceu do mérito da causa, sem que lhes tenha sido facultada a oportunidade processual de se pronunciarem quer de facto quer de direito. 
8. A formulação legal determina que o Juiz só estará habilitado processualmente a conhecer do mérito da causa, se convocar as partes, obrigatoriamente, para a audiência prévia em despacho que expressamente contenha o objectivo e/ou finalidade previsto no art.º 591.º n.º 1 al. b) do C.P.C., sob pena de o não fazendo, violar o disposto nos art.ºs 6.º, n.º 1 e 3.º n.º 3 do mesmo código. 
9. A prolação de decisão final de mérito em saneador-sentença com dispensa de audiência prévia, desacompanhada da prévia auscultação das partes constitui nulidade susceptível de influenciar o exame e a decisão da causa e prevista no art.º 195.º n.º 1 do C.P.C. 
10. Deste modo, deve ser a sentença ser anulada bem como os termos processuais subsequentes à mesma. 
11. Caso assim não seja entendido, a autora também não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, porquanto, fundamentou o Mm.º Juiz a sua decisão no facto de entender que a venda a terceiro da fracção prometida vender, não significa, sem mais, o incumprimento definitivo do contrato-promessa, pois que a mesma ainda é possível, fazendo a ré intervir o terceiro, readquirindo a fracção ou outras diversas soluções, que não especificou. 
12. A sentença recorrida considera que ambas as partas ainda mantêm interesse no negócio, pelo que devem interpelar-se mutuamente por forma cumpri-lo, com o que se discorda, 
13. São três as questões do dissídio que opõem a autora relativamente à decisão do tribunal a quo. 
14. A primeira, saber se a alienação a terceiros da fracção habitacional prometida vender, configura Incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda. 
15. A segunda, saber se a recorrente deveria interpelar a parte contrária para cumprir a sua obrigação. 
16. A terceira, saber se, apesar de alienado a terceiro, o bem, objecto do contrato ainda pode ser possível a prestação da ré e se assim se entender, saber se foi acertada a decisão de por fim ao processo, ou se, porventura, deveria passar-se à fase instrutória, para que a ré provasse, como lhe competia, de que forma a poderia cumprir. 
17. Quanto à primeira questão, a recorrente fundamentou o seu pedido de resolução do contrato promessa de compra e venda no facto de ter constatado que a promitente vendedora alienou a fracção habitacional prometida, vender, a terceiro. 
18. Entendeu o Tribunal a quo, que o facto da fracção habitacional se mostrar registada em nome de terceira pessoa, não significa que o contrato se mostra definitivamente incumprido, 
19. Sublinhe-se que a autora efectivamente alegou – art.º 25.º da P.I. que a promitente vendedora havia vendido a fracção a terceira pessoa, a qual registou em seu nome, conforme atestava a cópia do registo na conservatória predial, correspondente, 
20. E posteriormente juntou aos autos, cópia da escritura de compra e venda, na qual ficou a constar que o comprador declarou “... que a fracção autónoma ora adquirida se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente”. 
21. Apesar disso, o Tribunal a quo, malgrado manifestar conhecer a jurisprudência que milita no sentido apontado pela autora, decidiu que não podia subscrever tal entendimento sem mais. 
22. Prosseguindo, mais adiante, que não está demonstrado que tal incumprimento se mostre como incumprimento definitivo que justifique a resolução do negócio sem mais. 
23. No entanto, e recorrente entende que um dos efeitos essenciais de compra e venda é a "transmissão da propriedade da coisa", de acordo com o disposto nos artigos 408.º, n.º1, 874.º e 879.º, alínea a), do Código Civil. 
24. De modo que, vendida a coisa a terceiro, o promitente vendedor já não pode vendê-la, segunda vez, ao promitente-comprador, pois ela deixou de ser sua, pelo que se colocou na posição de, por culpa própria, lhe ser impossível satisfazer a sua prestação prometida. 
25. É esta a posição que cremos ser unânime, quer na doutrina quer na jurisprudência, pelo que a posição do tribunal a quo se afigura única e isolada. 
26. Na doutrina, apontam-se, entre outros, Brandão Proença, “A Resolução do Contrato no Direito Civil", pp. 89 a 92, Antunes Varela, "RLJ ano 121", pp. 223 e ss. e "Das Obrigações em Geral, II, reimpressão 7.ª edição", p. 74; Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª Edição Revista e Actualizada", pp. 58-59, nota 4, Vaz Serra em anotação a acórdão na "RLJ 100, n.º 3349 de 15.12.1967". pp. 253 e 55; Galvão Telles, "Direito das obrigações", pág. 90, 145/146; Baptista Machado "Pressupostos de Resolução Estudos de Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro vol. II Jurídica, pp, 343 e ss, Almeida Costa, "Direito das Obrigações, 9.ª ed,", pp. 400-401; Ana Prata, "O Contrato Promessa e seu Regime Civil, 1999", pp. 693-694. 
27. E a Jurisprudência é vasta na proclamação daquele entendimento, citando-se, a título de exemplo, os mais recentes acórdãos do STJ, Acórdão de 15.01.2004, proc. n.º 04B2296; Acórdão de 23.11.2006, proc. n.º 06B4160; Acórdão de 13.12.2007, proc. n.º 07A2378; Acórdão de 15.05.2008, proc. n.º 088773; Acórdão de 16.04.2009, proc. n.º 08 B0491; Acórdão de 22.09.2009, proc. n.º 5988/0G,STSCSC.51; Acórdão de 28.06.2012, Proc. n.º 1150/08.0TBMFR.L1.S1; Acórdão de 14.04.2015, Proc. n.º 2733/10.4TBLLE.E1.S.; Acórdão da Relação do Porto, de 23.06.2015, proc. n.º 646/11.1TBSS.P1, Acórdão da Relação de Coimbra de 10.11.2015, proc. 767/13.6T8CBR.C1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.10.2003, proc. n.º 1603/03-1. 
28. Quanto à segunda questão, relativa à interpelação da ré para cumprimento do contrato, pondo a autora termo à sua própria mora, uma vez mais se dissente do decidido pelo Tribunal a quo. 
29. Na verdade a recorrida não só recorreu para o STJ da decisão da Relação que indeferiu a resolução do contrato-promessa, como requereu a uniformização de acórdãos, o que só podia ser interpretado como uma manifestação de que não queria cumprir o contrato promessa. 
30. No entanto, só após a decisão definitiva do STJ, proferida em 21 de Janeiro de 2014, seria exigível à recorrente interpelar a recorrida para cumprimento do contrato. 
31. Interpelação que só faria sentido relativamente a uma obrigação que ainda fosse possível ser cumprida pelo que, não sendo, seria um acto manifestamente inútil e perda de tempo, interpelá-la, tal como se defende no anteriormente citado Acórdão do STJ de 15.05.2008. 
32. Relativamente à terceira questão, diz o Tribunal a quo que a venda a terceiro da fracção prometida, e o registo em nome do comprador, não significa que a prestação não possa ser cumprida, pois que a ré podia fazer intervir o terceiro ou podia readquiri-la, entre outras possibilidades. 
33. Ora a recorrente prometeu comprar a fracção descrita no contrato-promessa, esta e não outra qualquer, pois que até acompanhou a conclusão dos trabalhos finais e escolheu alguns dos materiais aplicados. 
34. E o comprador, actual proprietário, declarou na escritura de compra e venda que a adquiria para sua habitação própria e permanente. 
35. Mesmo a admitir-se a remota possibilidade da recorrida “de fazer intervir o terceiro" ou da ré a "readquirir", a venda à recorrente, configurar-se-ia sempre como uma venda de uma fracção já usada, o que naturalmente, já não era a do contrato-promessa. 
36. Acresce que a recorrida, apesar de citada da presente acção, nunca interpelou a autora para a concretização do contrato-promessa, nem nunca invocou que ia fazer intervir o terceiro ou que ia readquirir a fracção ou qualquer outra iniciativa que demonstrasse que conservava a disponibilidade do bem e que ainda lhe seria possível cumprir a obrigação, limitando-se a afirmar que a mesma ainda era possível. 
37. Por isso o Tribunal a quo nunca poderia concluir que a recorrida ainda podia cumprir, pois que a mesma não demonstrou nos autos como o pretendia fazer, nem sequer que tinha possibilidades de o fazer pois que tinha ainda a disponibilidade do bem. 
38. A intervenção de um terceiro na obrigação de contratar pode derivar de várias fontes, com regimes específicos, seja através da "promessa de contrato por terceiro", de um "contrato para pessoa a nomear", de uma cláusula de "reserva de nomeação" ou de uma "cessão da posição contratual”, 
39. Não tendo ocorrido qualquer modificação subjectiva o terceiro adquirente da fracção objecto do contrato promessa não assumiu qualquer obrigação perante a promitente compradora, que assim permanece estranho à obrigação emergente do contrato promessa. 
40. E o disposto no art.º 767.º n.º 1 do C.C., não tem aplicabilidade à situação dos presentes autos. 
41. A prestação a cargo do promitente pode ser transmitida a terceiro, mas para isso torna-se necessário um acto de transmissão, via sucessória ou contratual (v.g. cessão da posição contratual), o que nos autos não teve lugar. 
42. Na situação dos autos, o promitente-comprador já efectuou a entrega de sinal, fê-lo ao promitente vendedor e não a terceiro, não lhe sendo exigível, que aguarde que o terceiro se apresente a cumprir prestação que se não acha vinculado e aceite abater no preço (e que preço?) o sinal recebido por outrem. 
43. Uma vez que através do contrato de promessa os promitentes apenas se obrigam a celebrar uma prestação no futuro, a verdade é que não pode deixar-se de entender que, celebrada promessa de compra de bens que, no momento do negócio, pertencem ao promitente vendedor, caso este os aliene posteriormente, esse seu comportamento não pode deixar de ser visto como incumprimento contratual grave, nos termos assinalados pela doutrina e jurisprudência. 
44. Entender coisa distinta é abrir uma brecha grave nas regras que disciplinam o cumprimento contratual e colocar o promissário à mercê das mais variadas arbitrariedades do promitente vendedor. De resto, ainda admitindo que se provasse, nesta acção, que o terceiro está disposto a vender, ficaria desprotegido o promitente- comprador, caso aquele, posteriormente, se resolvesse a não cumprir. 
45. Ora, a ré nem sequer alegou que ia fazer intervir o terceiro, nem que o terceiro se dispunha a cumprir, nem que ia readquirir a fracção, nem alegou qualquer outras das possibilidades que o Mm.º Juiz considera admissíveis. 
46. Mas admitindo-se a tese do Mm.º Juiz, então justificar-se-ia o prosseguimento dos autos, assim se conferindo à ré a oportunidade de demonstrar que a sua prestação ainda era possível. 
47. Assim se cumprindo também o comando constitucional de realização da justiça com a composição do litígio de modo célere e também se prevenindo a reiteração de recurso aos Tribunais. 
48. No entanto, de que fica exposto, só se pode concluir que a recorrida incumpriu a prestação que para si decorria da promessa de venda à apelante, alienando para terceiro o objecto mediato da promessa, incumprimento que não seria afastado, mesmo que fosse invocado, e não foi, de que o terceiro adquirente estava na disposição de transmitir o bem ao promissário. 
49. Atenta a equiparação que no art.º 801.º do CC é feita entre a impossibilidade da prestação imputável ao devedor e a falta de cumprimento culposa da obrigação, deve ser declarada a resolução do contrato promessa. 
50. O incumprimento definitivo do contrato promessa confere ao contraente fiel o direito à resolução do contrato (art.º 801.º do CC) e desencadeia e aplicação das sanções do art.º 442.º n.º1 (sinal em dobro ou a perda ela sinal passado). 
51. No âmbito do contrato-promessa, na falta de estipulação em contrário, a indemnização pelo não cumprimento confinar-se-á à perda do sinal ou ao pagamento do dobro deste, ou ao aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento, nos termos do n.º 4 do artigo 442.º do CC. Porém a par disso, tem sido admitido que para os mesmos efeitos, é dispensável a interpelação admonitória, desde que se verifique uma recusa inequívoca de cumprir por parte do devedor. 
52. Ao ter decidido como decidiu a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na aplicação do direito e violou o disposto nos art.ºs 801.º e 442.º do Código Civil. 

II – Da 1.ª instância chegam-nos provados os seguintes factos:
1. Entre a autora B…, SA, na qualidade de promitente-compradora, e a ré C…, Lda., na qualidade de promitente-vendedora, foi celebrado, em 07 de Dezembro de 2004, um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma composta por uma habitação tipo T4, três lugares de garagem e um arrumo, inseridos num empreendimento denominado por “D…”, imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 2053 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 7933 da freguesia …, nesta cidade e concelho do Porto (doc. de fls.131 a 134, que se dá por reproduzido);
2. Com a realização da escritura de propriedade horizontal, o artigo da matriz passou a ser o 8310, a fracção autónoma, constituída pela habitação, dois lugares de garagem e arrumo passou a ser identificada pelas letras BR e o outro lugar de garagem pelas letras EU;
3. Em consequência do mesmo contrato-promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, a autora realizou quatro prestações, no total de 116.850,00 euros;
4. A autora intentou acção de fixação de prazo para realização da escritura de compra e venda, a qual decorreu termos no 4.º Juízo, 2.ª Secção, desta comarca, sob o n.º 1963/09.0TJPRT, acabando as partes por subscrever um acordo através do qual fixaram um prazo de 90 dias para a realização da mesma;
5. Ainda entre as partes neste processo correu a acção n.º 13/09.7TVPRT, que acabou por se definitivamente julgada por acórdão do STJ datado de 8 de Maio de 2013, declarando que subsistia “repristinado” o contrato-promessa entre as partes (doc. de fls. 18 a 60, que se dá por reproduzido);
6. Tal acórdão foi objecto de reclamação, decidida pelo STJ em 21 de Janeiro de 2014 (doc. de fls. 150 a 158, que se dá por reproduzido);
7. As fracções acima prometidas vender mostram-se registadas em nome de terceira pessoa, nomeadamente a fracção designada com as letras BR, encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial, a favor de terceira pessoa desde 2012.07.05 (docs. de fls. 13 e 16, que se dão por reproduzidos);
8. A fracção correspondente às letras EU, composta por um lugar de aparcamento automóvel, deixou de ter qualquer interesse para a promitente-compradora, pois que este só existia, caso pudesse habitar na fracção prometida vender.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. *Ora, visto o teor das alegações da apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da alegada nulidade processual.
2.ª – Saber se “in casu” se verifica a impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre autora e ré, consequentemente se há lugar à declaração judicial de resolução do mesmo e, em caso afirmativo, quais as consequências desse facto.*1.ªquestão – Da alegada nulidade processual. 
Começa a autora/apelante por defender que nos autos foi cometida uma nulidade processual, consistente na omissão de um acto que a lei impõe e que tal influiu no exame e decisão da causa. Consequentemente pede que, declarada essa nulidade, sejam anulados os actos subsequentes, incluindo o saneador sentença proferido. 
Vejamos.
Compulsados os autos, resultam assentes os seguintes factos:
- por despacho de 23.10.2014, foi designada a realização de audiência prévia, “… com as finalidades estabelecidas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do art.º 591 do Cód. Processo Civil”.
- por acordo das partes a data designada para tal diligência foi transferida para o dia 24.11.2014, cfr. despacho de 6.11.2014.
- no dia 24 de Novembro de 2014 e depois de aberta a referida diligência, por requerimento das partes que alegaram existirem negociações com vista à resolução do litígio, foi a instância suspensa por 15 dias.
- por despacho de 28.01.2015 foi designada a realização de audiência prévia para o dia 22.04.2015 “… com as finalidades já assinaladas no despacho exarado a fls. 161”.
- por requerimento de ambas as partes a referida diligência foi transferida para o dia 29.04.2015.
- de novo no dia 29.04.2015 e depois de (re)aberta a audiência prévia, por requerimento das partes que alegaram existirem negociações com vista à resolução do litígio, foi a instância suspensa por 15 dias.
– por requerimento da autora de 22.05.2015, foi pedido prosseguimento dos autos, por não ter sido possível o acordo.
- por despacho de 25.05.2015 foi designado o dia 7.09.2015, pelas 14 horas, para “…a continuação dos trabalhos da audiência prévia”.
- resulta da acta de audiência prévia de fls. 255 dos autos que nela apenas se verificou estar presente o mandatário da autora, ora apelante, tendo sido então proferido o seguinte despacho, de que os presentes foram de imediato notificados: - “Não se encontrando presente o ilustre mandatário da ré e sendo esta a primeira vez que contactamos com o presente processo (mercê de movimento dos magistrados judiciais) é-nos de todo impossível proferir despacho saneador de imediato, ditado para a acta.
Assim sendo, ao abrigo do disposto no art.º 595.º n.º2 do Código de Processo Civil determino que os autos sejam feitos conclusos.
Notifique”.
-por requerimento de 7.09.2015, a ré veio invocar o justo impedimento como causa da sua ausência na diligência supra referida e solicitou a designação de nova data para a realização de audiência prévia.
- a autora, ora apelante, por requerimento de 10.09.2015, veio pedir o indeferimento do requerido pela ré e “…que os autos prossigam com a prolação do despacho saneador”.
- por despacho de 14.09.2015 foi indeferida a pretensão da ré na designação nova data para continuação da audiência prévia e, de seguida, foi proferido despacho saneador-sentença.
- admitido o recurso interposto pela autora do referido despacho saneador-sentença, o Tribunal de 1.ª instância conheceu da arguida nulidade processual, dizendo: “Em nosso entendimento e smo, o saneador/sentença que proferimos não enferma de qualquer nulidade, nomeadamente por violação do princípio do contraditório, constituindo uma decisão surpresa, como alegado pelo recorrente nos artºs 10º e 11º das suas alegações.
Com efeito, logo no primeiro despacho que designou dia para realização de audiência prévia (fls. 161), se declarou que a mesma teria “as finalidades estabelecidas nas als. a) a g) do nº 1 do art.º 591º do Cód. Processo Civil”, aí se incluindo, pois, a eventualidade de “conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (al. b) do referido preceito legal).
Aliás, em rigor, parece-nos do alegado pela recorrente que se insurge não tanto quanto ao facto de o despacho saneador ter conhecido do mérito da causa, mas sobretudo por tal decisão sobre o mérito lhe ter sido desfavorável (tendo sido a acção julgada improcedente, como foi também julgado improcedente o pedido formulado em sede de reconvenção contra a autora e que, nesta parte, transitou em julgado).
Com efeito, desde logo a sua petição inicial é alicerçada fundamentalmente no facto (alegado e demonstrado pela autora e aceite pela ré) de o imóvel prometido vender ter sido vendido a terceiros. Factos, por conseguinte, que não careciam de outras demonstrações ou actividade probatória, cabendo tão só analisar as consequências jurídicas desse facto, pelo que seria de esperar uma decisão de mérito nesta fase processual.
Depois, como vemos das suas conclusões de recurso, a autora não pretende o prosseguimento do processo para audiência final, pois que conclui pedindo que:
“a) a decisão recorrida seja revogada,
b) seja substituída por outra que julgue procedente o pedido principal formulado pela autora, aqui recorrente, considerando-se resolvido o contrato promessa,
c) seja condenada a ré, aqui recorrida, a restituir-lhe o sinal prestado em dobro, acrescido de juros moratórios à taxa legal a contar da citação até integral pagamento,”.
Ou seja, como referimos acima, a autora/recorrente insurge-se não porque o conhecimento do mérito da acção em sede de despacho saneador tenha sido para si uma “surpresa”, mas porque a decisão de mérito lhe foi desfavorável.
E quanto ao mérito da acção, a autora interpôs o competente recurso.
Entendemos assim que não se verifica qualquer nulidade, o que se declara para efeitos do disposto no art.º 641º nº 1 do Código de Processo Civil”.*Desde já deixamos consignado que nenhuma censura nos merece a supra referida decisão de 1.ª instância.
Na verdade, em geral, ou seja, à excepção das situações enunciadas nos art.ºs 193.º a 200.º do C.P.Civil, que integram as nulidades principais, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa, cfr. art.º 201.º n.º 1 do C.P.Civil.
São as designadas nulidades secundárias ou atípicas, cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 373. As referidas irregularidades consubstanciam-se em desvios do formalismo processual. Dessas nulidades, por regra, o Tribunal só conhece sob a reclamação dos interessados, salvo os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso, cfr. art.º 202.º, 2.ª parte, do C.P.Civil. E fora dos referidos casos de conhecimento oficioso, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto em causa, cfr. art.º 203.º n.º 1 do C.P.Civil. O interesse da parte para a arguição dessa nulidade actuação há-de aferir-se pelo prejuízo que para ela advenha da irregularidade cometida.
Sendo aqui directamente aplicáveis os sempre actuais ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 507, o qual citou como aplicável ao caso o postulado segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. 
Tratando-se de nulidades processuais secundárias, estão as mesmas sujeitas ao regime de arguição previsto no art.º 205.º do C.P.Civil, segundo o qual “quanto às outras nulidades (as do art.º 201.º), se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”, sendo que o prazo para a arguição de que se fala é o geral, de dez dias, cfr. art.º 153.º n.º 1 do C.P.Civil.
As nulidades processuais de que tratamos devem ser arguidas perante o Tribunal que as cometeu, cabendo recurso, nos termos gerais, do despacho que as apreciar.
Ou seja, a nulidade processual apontada pela autora/apelante deveria ter sido por ela reclamada, oportunamente, na 1.ª instância, ou seja, na própria sessão de continuação da audiência prévia em que alegadamente foi cometida – realizada no dia 7.09.2015 e, onde foi determinado que ao abrigo do disposto no art.º 595.º n.º2 do C.P.Civil os autos fossem feitos conclusos ao juiz do processo para prolação de despacho saneador, porque se revelava impossível ditar o mesmo de imediato para a acta - perante o Tribunal que a cometeu e onde a autora, ora apelante, esteve presente/devidamente representada, cfr. art.º 205.º do C.P.Civil, e, manifestamente, no caso em apreço, não o foi.
Dir-se-á ainda que contrariamente ao que parece ser defendido pela apelante, no caso em apreço, não houve qualquer dispensa de realização de audiência prévia, ela foi convocada e realizou-se, tendo apenas sido determinado que a prolação do respectivo despacho não seria feito no acto, mas depois dos autos serem conclusos para esse efeito.
Por outro lado, a referida audiência prévia, como resulta do teor do despacho convocatório da mesma tinha como finalidades, entre outras, a possibilidade de conhecimento imediato do pedido, e bem sabendo desse facto, a autora, ora apelante, nada fez quando foi determinado que os autos fossem feitos conclusos para prolação do despacho que, em regra, deveria ser proferido nessa mesma diligência, pelo que contrariamente ao que agora defende, não foi proferida nos autos uma “decisão-surpresa”. 
Ademais é tão flagrante a falta de razão da apelante, se atentarmos no facto de a própria se ter, expressamente, oposto ao deferimento do pedido de verificação do justo impedimento invocado pela mandatária da ré/apelada e, consequente designação de data para continuação da audiência prévia dos autos, defendendo, então, “…que os autos prossigam com a prolação de despacho saneador”. E isto, como bem se aquilatou em 1.ª instância, “…a autora/recorrente insurge-se não porque o conhecimento do mérito da acção em sede de despacho saneador tenha sido para si uma “surpresa”, mas porque a decisão de mérito lhe foi desfavorável”, vindo agora, como alega a ré/apelada fazer um “pirueta jurídica”, em situação de “venire contra factum proprium”, pois que a sua actuação acima referida – requerimento de fls. 266-267 – poderia ser entendido como uma renúncia expressa à arguição da nulidade, cfr. n.º2 do art.º 197.º do C.P.Civil, não fora o caso de, como acima se deixou consignado, a não ter reclamado na ocasião e tempo próprios, cfr. n.º1 do art.º 199.º do C.P.Civil.
Logo, no caso dos autos, deveria a autora/apelante ter, oportunamente e em 1.ª instância, reclamado da invocada nulidade processual, o que em caso de deferimento dessa pretensão daria lugar à anulação dos actos inquinados; no caso contrário, ou seja, rejeitada essa invocação, caberia então recurso do respectivo despacho de indeferimento.
Assim sendo, há que concluir que não tendo a autora/apelante arguido atempadamente a nulidade invocada, através do meio processual adequado (reclamação junto da 1.ª instância), não pode discuti-la em sede de recurso da sentença, pois, a ter sido cometida, tem de se considerar, para todos os efeitos legais, sanada. 
Pelo que sem necessidade de outros considerandos, improcedem as respectivas conclusões da apelante.*2.ªquestão - Saber se “in casu” se verifica a impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre autora e ré, consequentemente se há lugar à declaração judicial de resolução do mesmo e, em caso afirmativo, quais as consequências desse facto.
Por via da presente acção a autora, na qualidade de promitente-compradora pede, além do mais, que o Tribunal declare a resolução do contrato promessa de compra e venda que celebrou com a ré, devido a alegada impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento por parte desta.
A 1.ª instância decidiu que efectivamente o contrato subjacente ao litígio dos autos é uma contrato promessa de compra e venda, o que não é, nem foi, posto em causa pelas partes, - celebrado, em 7.12,2004, pelo qual a ré prometeu vender à autora e esta prometeu comprar-lhe uma fracção autónoma composta por uma habitação tipo T4, três lugares de garagem e um arrumo, inseridos num empreendimento denominado por “D…”, imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 2053 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 7933 da freguesia de Ramalde, no Porto - o qual não foi cumprido, ou seja, o contrato prometido não foi realizado nos prazos acordados, nem posteriormente, havendo divergência entre as partes no que respeita à imputação da responsabilidade pelo não cumprimento do contrato. 
Na realidade, anteriormente ao presente litígio, a autora intentou contra a ré a acção n.º 13/09.7 TVPRT, que correu termos na 5.ª Vara, 1.ª Secção, para impugnar a resolução extrajudicial do contrato que a ré havia feito, sendo que a decisão da 1.ª instância veio a ser objecto de recurso para os Tribunais superiores, tendo o STJ, por acórdão proferido a 8.05.2013, decidido que “não obstante a ilicitude da resolução, que não é inválida ou ineficaz, declaram subsistir, repristinando, o contrato-promessa celebrado entre a ré e a autora, que continua a vincular ambas as partes, consequente à obrigação da ré reconstituir a situação que existiria se ela não acontecesse”. Mais de decidindo então que a autora se encontrava em mora debitoris. 
Pelo que mantendo-se o contrato válido e divergindo as partes quanto à responsabilidade pelo seu não cumprimento até ao presente, já que a autora alega que neste momento se verifica a impossibilidade do seu cumprimento por causa unicamente imputável à ré, uma vez que a fracção BR, correspondente ao apartamento tipo T4, 2 lugares de garagem e arrumos objecto do contrato promessa foi já transaccionada, tendo sido alienada a outrem, encontrando-se registada na Conservatória do Registo Predial, a favor de E…, desde 2012.07.05, pelo que defende a autora ter direito à resolução do contrato, por incumprimento definitivo culposo por banda da ré e consequentemente à devolução do sinal prestado em dobro. Por seu turno, defende a ré que a prestação ainda hoje é física e legalmente possível já que o registo da fracção em nome de terceiro não gera o incumprimento definitivo. Por outro lado, diz a ré que a autora é que perdeu o interesse no cumprimento do contrato e consequentemente peticionou em reconvenção, que fosse declarado o incumprimento definitivo e culposo, por parte da autora, do contrato, e o consequente direito da ré fazer suas as quantias pagas a título de sinal, no valor de €116.850,00.
A 1.ª instância considerando que:
- nenhuma delas assume desinteresse pelo contrato prometido, e pelo contrário, ambas alegam (pelo menos assim o dizem) interesse na manutenção do negócio, pretendendo é imputar responsabilidades à parte contrária pelo não cumprimento;
- o contrato promessa não foi cumprido, pelo que existe incumprimento contratual:
- mesmo que à autora assistisse o direito de ver a ré constituída em mora por não ter ainda realizado o contrato prometido, não pode considerar a actuação da ré como de incumprimento definitivo, pedindo a resolução do negócio, ou seja, mesmo que se considerasse haver mora da ré, tal mora não se converteu ainda em incumprimento definitivo, uma vez que a prestação continua a ser possível e a autora não interpelou ainda a ré para cumprir em prazo razoável sob a cominação de considerar o contrato não cumprido ou de perda de interesse na prestação (efectuando a interpelação admonitória prevista no art.º 808.º do C.Civil);
- a decisão definitiva no processo que anteriormente correu entre as partes e que declarou que era a aqui autora quem se encontrava em mora está datada de 21.01.2014 e a autora fez distribuir esta nova acção em Tribunal menos de um mês após tal decisão (em 18.02.2014), impondo-se à autora, quer pôr termo à sua própria mora (como decidido naquele outro processo), quer efectuar a interpelação admonitória, por forma a compelir a ré a cumprir o acordado;
- por si só, o facto de actualmente a fracção prometida vender se mostrar registada em nome de terceira pessoa, não demonstra por si só (nem tal foi alegado) que a ré não possa cumprir o contrato (fazendo intervir o terceiro, “readquirindo” a fracção… as mais diversas possibilidades serão admissíveis);
- não colhe a alegação da ré, para justificar o seu pedido reconvencional, de que a autora com a sua petição inicial “confessou, nestes autos, que perdeu definitivamente o interesse na prestação”, pois o que a autora afirma na sua petição inicial é que se não puder adquirir a fracção habitacional deixa de ter interesse na fracção de lugar de garagem;
- de nenhum dos comportamentos das partes anteriores à instauração da presente acção se pode retirar que exprimam inequivocamente uma vontade de não cumprir, sendo que também em nenhum dos seus articulados dos autos qualquer das partes declara que não cumprirá, limitando-se a solicitar ao Tribunal que declare o contrato resolvido;
- a perda de interesse na prestação em consequência da mora tem de ser analisada objectivamente e nenhum dado consta do processo que objectivamente legitime que as partes tenham perdido interesse na efectivação do negócio (art.º 808.º do C.Civil) ou que legitime a dispensa de interpelação para cumprimento do contrato.
Pelo que o Tribunal recorrido concluiu que não se mostram ainda verificados (pelo menos neste momento) os necessários requisitos para que quer a autora quer a ré possam invocar incumprimento definitivo por banda da outra parte, podendo ainda ser
realizada a prestação a que estes estão contratualmente vinculados, devendo ambas diligenciar, querendo, por interpelar a parte contrária para cumprir (a acima referida interpelação admonitória).
A autora/apelante insurge-se contra o assim decidido.
Vejamos. *Como é sabido a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam a celebrar, dentro de certo prazo ou observados determinados condicionalismos, um concreto contrato, integra a figura do contrato-promessa – cfr. art.º 410.º C.Civil.
O contrato-promessa cria a obrigação de contratar, ou, mais concretamente, como refere Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, I, pág. 309, “a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido”. A obrigação assim assumida gera uma prestação de facto positiva. 
Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, preconiza o n.º 2 do art.º 442.º C.Civil, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato foi devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou. 
Ainda que não seja pacífico, vem maioritariamente sendo entendido que a simples mora não desencadeia a aplicação das sanções previstas no art.º 442.º C.Civil, sendo para tal necessário que ocorra uma situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa, cfr. entre muitos outros, Acs. Do STJ, de 26.05.1998, 8.02.2000, 12.07.2001 e 10.03.2010, in CJ/STJ, VI-2.º,100, VIII-1.º,72, IX-3.º,30 e XIII-1.º,126. Sendo que também a nós se nos afigura mais correcta a interpretação de que só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato-promessa e a exigência do sinal em dobro do promitente-vendedor faltoso. 
Por força do estipulado no n.º 1 do art.º 410.º C.Civil, que faz equiparar o contrato-promessa ao contrato prometido, neste caso, a compra e venda, o incumprimento do contrato-promessa rege-se pelas disposições dos art.ºs 790.º e segs. C.Civil.
Ora, de acordo com o art.º 808.º C.Civil a mora pode transformar-se em incumprimento definitivo nos casos de perda de interesse do credor pela prestação e não realização desta dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor.
Enquanto o interesse do credor na prestação se mantiver e se quiser que a mora do devedor se converta em falta de cumprimento, terá ele que dar nova oportunidade ao devedor em mora para que cumpra a sua obrigação. A interpelação admonitória do devedor em mora, sob a cominação apontada no n.º 1 do art.º 808.º, como assegura Antunes Varela ((6) ob. cit., pág. 346), não constitui apenas um poder conferido ao credor, porque representa ao mesmo tempo um ónus que a lei lhe impõe. Sendo certo que pode acontecer que a simples mora inviabilize logo a realização do contrato, como genericamente o admite o art.º 808º, no seu n.º 1, ao preconizar que a obrigação se tem como não cumprida quando a mora faça desaparecer o interesse do credor na prestação. Nestes casos já não haverá necessidade da interpelação admonitória para resolução do contrato, embora essa perda de interesse tenha de ser apreciada objectivamente, tal como se dispõe no n.º 2 do art.º 808.º, isto é, que se revele através de dados factuais, de comportamentos, acções ou omissões, que indubitavelmente demonstrem que a perda de interesse se equipara ao não cumprimento definitivo da obrigação. 
O incumprimento definitivo da obrigação pressupõe uma situação de mora de uma das partes e ocorre quando haja perda de interesse do credor na prestação, apreciada em termos objectivos, ou pelo incumprimento do devedor dentro de prazo razoável fixado e comunicado pelo credor, notificação admonitória a que se reporta o art.º 808.º C.Civil.
Como é também sabido, a interpelação admonitória deve conter a intimação para o cumprimento, a fixação de um prazo peremptório para esse cumprimento e a cominação da obrigação se ter por definitivamente incumprida se o cumprimento não ocorrer dentro desse prazo.
Por outro lado, a resolução, segundo Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, pág. 238, “é a destruição da relação contratual, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado”. Sendo que o direito, protestativo, de resolução, tanto pode resultar da lei, como de convenção das partes, cfr. art.º 432.º n.º 1 do C.Civil.
Só o incumprimento definitivo do contrato promessa confere ao contratante fiel o direito à resolução do contrato, cfr. art.º 801.º do C.Civil e desencadeia a aplicação das sanções previstas no art.º 442.º n.º 2 do C.Civil, cfr. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, pág. 129, Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato Promessa”, pág. 118, e ainda Antunes Varela, in RLJ, Ano 119.º, pág. 216.
A mora, essa, só se converte em incumprimento definitivo, a ocorrer alguma hipótese contemplada no art.º 808.º n.º 1 do C.Civil.
Por fim ainda se dirá que a resolução do contrato, fundada na lei ou em convenção, implica essencialmente a sua dissolução “ex tunc” com base em facto posterior à sua celebração, ou seja, funciona como direito potestativo extintivo dependente do incumprimento, colocando as partes, tanto quanto possível, na posição que teriam se não tivessem celebrado o contrato.
Salvo nos casos especialmente previstos na lei, não tem a resolução que ser objecto de declaração judicial, mas, como declaração de vontade receptícia que a veicula, impõe-se que o seja por via da sua comunicação pelo credor ao devedor, cfr. art.ºs 224.º n.º1 e 436.º n.º1, ambos do C.Civil.
No que concerne ao regime legal geral e específico de incumprimento do contrato-promessa, dir-se-á que se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; e se o incumprimento for de quem recebeu o sinal, tem a outra parte a faculdade de lhe exigir o dobro do que prestou, cfr. art.º 442.º n.º 2 do C.Civil.
Em qualquer dos casos, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica, nos termos do art.º 830.º do C.Civil, cfr. art.º 442.º n.º3 do C.Civil.
Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar pelo não cumprimento do contrato a qualquer outra indemnização nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, cfr. art.º 442.º n.º4 do C.Civil.
Presume-se ter o carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor a título de antecipação do pagamento do preço, cfr.art.º441.º do C.Civil.
Sendo que a par do regime legal específico do contrato-promessa referido, aplica-se, em tanto quanto for pertinente, o regime geral do cumprimento e ou do incumprimento das obrigações. Pelo que, como se sabe, “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte” - culpa na formação do contrato, cfr. art.º 227.º n.º1 do C.Civil, e o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ou seja, quando realiza pontualmente, com diligência e boa-fé, o comportamento devido, cfr. art.º 762.º do C.Civil, e considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não realize, no tempo devido, a prestação ainda possível a que está vinculado, cfr. art.º 804.º n.º2 do C.Civil. E repete-se, o incumprimento definitivo da obrigação pressupõe sempre uma situação de mora de cumprimento de uma das partes e consuma-se por via da perda do interesse do credor na prestação, verificada em termos objectivos, ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável que lhe tenha sido fixado e comunicado pelo credor cfr. art.ºs 801.º e 808.º do C.Civil. A mora é assim susceptível de ocasionar a perda do interesse do credor (e não mera diminuição) na prestação tardia, ou de o devedor em mora não cumprir dentro do prazo adicional e peremptório que aquele lhe tenha fixado, situações em que a obrigação se considera, para todos os efeitos, como não cumprida, o mesmo é dizer que a mora se transformou incumprimento definitivo.
Por outro lado, é inegável que o cumprimento da obrigação pressupõe, pois, que a prestação do devedor é realizada nos seus precisos termos, caso contrário, haverá mora ou incumprimento definitivo do devedor, por exemplo se a prestação se tornou impossível ou inviável.
O incumprimento é imputável ao devedor se puder atribuir-se a uma sua conduta voluntária, caso em que será responsável pelos prejuízos que causar ao credor, cfr. art.ºs 798.º e 801.º n.º 1, ambos do C.Civil. Na hipótese de se estar perante um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolvê-lo, cfr. art.º 801.º n.º2 do C.Civil.
Como nos ensina Baptista Machado, in “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, pág. 348“(…) O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem: 
a) O incumprimento definitivo, propriamente dito;
b) A impossibilidade de cumprimento;
c) A conversão da mora em incumprimento definitivo – art.º 808.º, n.º1, do C.Civil; 
d) A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não; 
e) E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso. 
No que respeita à inadimplência por impossibilidade de cumprimento, com J. Baptista Machado (ob. cit., pág. 345), podem configurar-se as seguintes situações:
a) De impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor – art.º793º n.º2; 
b) De impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor - art.º 801º n.º2; 
c) De impossibilidade parcial e definitiva imputável ao devedor – art.º 802.º, todos do C. Civil.” *“In casu” defende a autora/apelante que se verifica uma situação de incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa em apreço nos autos, o que é imputável à ré, decorrente da impossibilidade de cumprimento da prestação, uma vez que a mesma vendeu a fracção do imóvel objecto do contrato prometido a terceiro, que entretanto até já registou essa aquisição a seu favor na respectiva Conservatória do Registo Predial.
Ou seja, o direito que se pretendia transmitir através do contrato prometido entrou e encontra-se na esfera jurídica de terceiro.
Vejamos, pois, se a prestação decorrente do contrato promessa e a que a ré/apelada se encontra obrigada é impossível.
Na realidade, embora a venda de bens alheios seja nula, sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar, cfr. art.º 892.º do C.Civil, o contrato promessa de venda de bens alheios é válido já que, estando em causa uma mera obrigação de contratar, não se exige em relação ao promitente-vendedor qualquer requisito de legitimidade. Pois que, como refere Abel Pereira Delgado “in” Do Contrato Promessa”, pág. 95, pelo contrato de promessa de compra e venda, se não transfere a propriedade da coisa, obrigando-se apenas as partes à celebração futura do contrato de compra e venda, bem podendo, portanto, adquirir o promitente-vendedor a propriedade da coisa, de modo a poder cumprir na altura própria, neste sentido, também Pires e Lima e Antunes Varela in ”Código Civil Anotado”, em anotação ao art.º 410.º, pelo que, nestes casos, o objecto do contrato não é, em si mesmo, impossível. E não é impossível porque a impossibilidade da prestação só existe quando esta se torna seguramente inviável, ou quando a probabilidade da sua realização, por não depender de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, se torna extremamente improvável.
Como já se disse, entende a apelante, contra o decidido em 1.ª instância, que o contrato promessa em causa nos autos não poderá nunca ser cumprido pela ré promitente-vendedora porque ela, entretanto, transferiu a propriedade das fracções do imóvel prometidas vender para terceiro, havendo pois impossibilidade de cumprimento.
Na senda do decidido em 1.ª instância, também nós entendemos que, em rigor, não se verifica uma situação de impossibilidade (superveniente) de cumprimento da obrigação prometida, ou seja, de celebração da escritura de compra e venda, transferindo a propriedade das fracções autónomas em causa para a autora/apelante.
Como refere Galvão Telles in “Direito das Obrigações”, pág. 46, a prestação debitória tem que ser possível, legal e também lícita, “Exige-se que a prestação seja realizável, pois ninguém pode considerar-se obrigado ao que não é susceptível de cumprimento …Ainda sob outra perspectiva a impossibilidade diz-se física ou legal, conforme resulta da própria natureza das coisas ou decorre da lei. A prestação é fisicamente impossível se consiste em acto materialmente irrealizável …; legalmente impossível se consiste em acto jurídico que a lei fere de invalidade”,
“In casu” é manifesto que o cumprimento da prestação prometida pela ré à autora – celebração do contrato de compra e venda das fracções autónomas em causa - é física, lícita e legalmente possível. Na verdade, o objecto desse contrato existe, a sua transmissão por venda é lícita e legal, o que se verifica é que neste momento, as mesmas não estão na titularidade da ré e consequentemente, de momento não poderá celebrar tal contrato (nulidade da venda de coisa alheia sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar, cfr. art.º 892.º do C.Civil) contudo, por exemplo poderá vir a readquiri-las e então transmiti-las à autora, ou mesmo, diligenciar junto do terceiro em cuja titularidade neste momento as ditas fracções se encontram para que as transmita à autora, cumprindo ele a obrigação da ré derivada do referido contrato promessa. Pois que o credor só não pode ser obrigado a receber a prestação de terceiro se houver acordo expresso em contrário ou quando a substituição o prejudique, conforme resulta do art.º 767.º do C.Civil, segundo o qual (nº1) “a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação” e (n.º2) “o credor não pode, todavia, ser constrangido a receber de terceiro a prestação, quando se tenha acordado expressamente em que esta deva ser feita pelo devedor, ou quando a substituição o prejudique”, o que parece se não verificar no caso dos autos.  
E assim sendo, nenhuma censura nos merece a 1.ª instância quando afirma que “Na verdade, por si só, o facto de actualmente a fracção prometida vender se mostrar registada em nome de terceira pessoa, não demonstra por si só (nem tal foi alegado) que a ré não possa cumprir o contrato (fazendo intervir o terceiro, “readquirindo” a fracção… as mais diversas possibilidades serão admissíveis)”.
É assim para nós ponto assente que no caso em apreço se não verifica uma situação de impossibilidade total, absoluta e definitiva de cumprimento da prestação que ocasione o incumprimento definitivo da prestação assumida pela ré perante a autora.*Todavia não podemos olvidar a actuação da ré ao celebrar com terceiro escritura de compra e venda, tendo por objecto parte das fracções que anteriormente havia prometido vender à autora, revelam tacitamente, no demais contexto factual do global litígio existente entre autora e ré, a vontade de não cumprir por parte da ré o dito contrato promessa, ou seja, a sua recusa de cumprimento. A esta conclusão se chega, ou esta ilação se alcança dos factos provados em sede de presunção judicial, nos termos dos art.ºs 349.º e 351.º do C.Civil e art.º 607.º n.º 4 do C.P.Civil – ou seja, as fracções acima prometidas vender mostram-se registadas em nome de terceira pessoa, nomeadamente a fracção designada com as letras BR, encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial, a favor de terceira pessoa desde 2012.07.05.
A lei não prevê a recusa do cumprimento como causa de extinção da obrigação, todavia é comummente aceite e vem sendo entendimento comum na Doutrina e na Jurisprudência, que a recusa ilegítima de cumprimento equivale ao incumprimento definitivo. Ou seja, havendo recusa inequívoca, concludente, do devedor em cumprir a sua prestação, configurado está o incumprimento definitivo a dispensar, desde logo, a interpelação admonitória do credor, cfr. Calvão da Silva in “Sinal e Contrato-Promessa”, págs. 140 a 146, e in “A declaração da intenção de não cumprir”- “Estudos de Direito Civil e Processo Civil”, pág. 123 e Acs do STJ, de 15.03.2005, de 24.10.2006 e de 5.7.2007 todos in www.dgsi.pt. 
Em regra, a decisão do devedor em não cumprir é revelada de forma expressa mediante uma declaração dirigida ao credor de que não pode ou não quer cumprir, mas como afirma Brandão Proença, in “ A Resolução do Contrato no Direito Civil”, pág. 114, “a vontade negativa do devedor também pode ser retirada de factos significantes activos ou omissivos, de natureza material ou jurídica, como será nos casos em que o empreiteiro abandone a obra, o trabalhador fuja do local de trabalho, o obrigado à preferência celebre uma promessa de venda sem reserva de desvinculação ou o devedor negligencie os preparativos de cumprimento (atraso comprometedor no adimplemento de um contrato promessa ou de outro contrato com termo essencial), não afaste dificuldades colocadas por terceiros, destrua o bem devido ou viole, mesmo, o contrato através da alienação do bem prometido vender”.
Também Ana Prata, in “O Contrato Promessa e o seu Regime Civil”, pág. 711, refere que “os mesmos efeitos da declaração expressa de não cumprir são produzidos pelo comportamento do devedor que seja inequivocamente incompatível com a vontade de cumprir”.
E também Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato Promessa”, pág. 93, não tem dúvidas na equivalência a incumprimento definitivo da declaração antecipada de não querer ou não poder cumprir, ou quando o seu comportamento seja próprio de pessoa que não quer ou não pode cumprir: “ponto é que seja séria, certa e segura a declaração (ou o comportamento) do promitente vendedor de não querer ou não poder cumprir, hipótese em que o promitente-comprador fundamente a toma por boa, a aceita como uma decisão unívoca e resolve o contrato, não fazendo sentido uma oferta ulterior de cumprimento que, a existir surgirá em total incoerência com o comportamento anterior, qual venire contra factum proprium a legitimar – et pour cause – a sua recusa pelo credor”.
Entendendo-se ainda que, se o devedor declarar não querer cumprir, está o credor dispensado quer da prova da insubsistência do seu interesse no cumprimento, quer do ónus de fixação do prazo suplementar cominatório previsto no art.º 808,º do C.Civil, para que a obrigação se considere definitivamente incumprida.
No caso dos autos, a actuação da ré ao concretizar a venda das fracções prometidas vender à autora a terceiro é bem elucidativo da sua intenção de não celebrar o contrato prometido com a autora, pois que foi ela quem voluntariamente celebrou a escritura de compra e venda com terceiro, bem sabendo que havia anteriormente prometido vender essas mesmas fracções autónomas à autora, ou seja, a ré voluntariamente fez sair tais bens da sua esfera jurídica, bem sabendo que nessas circunstâncias não poderia vir a cumprir o acordado com a autora. 
Ou seja, vendo e interpretando todo o quadro circunstancial apurado e atentos os ditames da boa-fé, temos de concluir, como o faria qualquer destinatário normal, que o comportamento da promitente-vendedora (ré) evidencia uma inequívoca vontade de não cumprir a obrigação assumida para com a promitente-compradora, autora, ora apelante, o que é inteiramente imputável àquela, sendo ainda legítimo “in casu” dispensar-se qualquer interpelação prévia admonitória. 
Na verdade, julgamos que a vontade inequívoca de não cumprir, para efeitos de dispensa de interpelação admonitória, pode não ser expressa, admitindo-se que possa resultar de uma declaração negocial tácita estribada “em comportamentos concludentes apreensíveis pela actuação da parte inadimplente, em função dos deveres co-envolvidos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos actos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objectivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor esteja adstrito à vontade lassa do devedor.”
Não é legítimo impor-se à autora/apelante a manutenção de um contrato-promessa contra a vontade inequívoca da outra parte em cumpri-lo, assim, considerando-se a definitivamente incumprido o dito contrato promessa por facto imputável à promitente-vendedora, devendo declarar-se o mesmo resolvido. Pois que, além do mais, decorre da actuação da ré a manifesta a violação da boa-fé contratual que se lhe impunha. Pois que o dever de proceder de boa-fé impõe-se aos contratantes tanto nos preliminares como na formação do contrato, cfr. 227.º n.º1 do C.Civil, vincula o devedor no cumprimento da obrigação e o credor no exercício do direito correspondente, cfr. art.º 762.º n.º2 do C.Civil. E como referem Pires de Lima-A. Varela, in “C.Civil Anotado”, II, pág. 2 “Proceder de boa-fé quer antes apontar para o dever social de agir com a lealdade, a correcção, a diligência e a lisura exigíveis das pessoas, conforme as circunstâncias de cada acto jurídico e de conteúdo variável ou flexível, adequado às circunstâncias de cada tipo de situações”
E tendo-se concluído que “in casu” estamos perante uma situação de incumprimento definitivo unicamente imputável à ré – promitente-vendedora – pelas razões acima expostas, o que legitima a declaração de resolução do contrato promessa, conforme é peticionada pela autora/apelante, nos termos do art.º 442,º nº2 do C.Civil, há ainda que julgar procedente o pedido da mesma de restituição do sinal prestado, em dobro.
Impõe-se por isso, na procedências das respectivas conclusões da apelante, revogar a decisão recorrida, declarando-se resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo e culposo por parte da promitente-vendedora, ora ré/apelada; mais se condenando a ré/apelada a devolver à autora/apelante o sinal prestado, no montante de €116.850,00, em dobro e ainda no pagamento de juros moratórios desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Sumário – I - Só o incumprimento definitivo do contrato promessa confere ao contratante fiel o direito à resolução do contrato.
II - A impossibilidade da prestação só existe quando esta se torna seguramente inviável, por ser física e legalmente impossível ou quando a probabilidade da sua realização, por não depender de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, se torna extremamente improvável.
III – Em rigor, a venda de fracção prometida vender a terceiro, não torna, por si só, impossível o cumprimento do contrato promessa, pois que, essa prestação, se mantêm física e legalmente possível, por exemplo poderá a promitente-vendedora vir a readquiri-la e então cumprir a sua promessa, ou mesmo, diligenciar junto do terceiro em cuja titularidade a fracção se encontra para que a transmita à promitente-compradora, cumprindo ele a obrigação prometida.
IV - A venda da fracção prometida vender a terceiro, além da manifestação de violação do dever de boa-fé contratual, é bem elucidativa da intenção inequívoca de não vir a celebrar o contrato prometido objecto do contrato promessa.
V - A recusa ilegítima de cumprimento (recusa inequívoca, concludente, do devedor em cumprir a sua prestação), ainda que tácita e inferida da global actuação da promitente-vendedora, equivale ao incumprimento definitivo e culposo do contrato por parte desta, dispensando-se a interpelação admonitória e possibilitando, de imediato, a declaração de resolução do contrato.

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente e em revogar a decisão recorrida, e em seu lugar declara-se resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo e culposo por parte da ré/apelada; mais se condena a ré/apelada a devolver à autora/apelante o sinal prestado, no montante de €116.850,00, em dobro, e ainda no pagamento de juros moratórios desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Custas pela apelada.

Porto, 2017.01.10 
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues

Apelação Processo n.º 148/14.4 TVPRT.P1 Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1.ª Secção Cível – J2 Recorrente – B…, SA Recorrida – C…, Ld.ª Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral Desemb. Maria do Carmo Domingues Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível) I – B…, SA, com sede em …, …, Felgueiras, intentou na Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1.ª Secção Cível a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra C…, Ld.ª, com sede na Rua …, n.º . no Porto, pedindo que: 1. fosse declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre autora e ré, devido a impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento por parte desta; 2. fosse condenada a ré a devolver o sinal prestado, no montante de €116.850,00, em dobro; 3. e a pagar juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento. Para tanto, alegou em síntese que entre a autora (como promitente-compradora) e a ré (como promitente-vendedora) foi celebrado o contrato promessa de compra e venda a que se referem os autos, estando a ré definitivamente impossibilitada de cumprir a obrigação prometida por, entretanto, ter vendido a(s) fracção (fracções) a terceiros.*Pessoal e regularmente citada, a ré veio contestar ré por excepção, invocando caso julgado anterior, impugnando a versão dos factos tal como apresentada pelo autora e fornecendo a sua própria versão dos mesmos, que deverá conduzir à absolvição dos pedidos formulados, bem como deduziu reconvenção, pedindo que: A - fosse declarado o incumprimento definitivo e culposo, por parte da autora, do contrato, e o consequente direito da autora a fazer suas as quantias pagas a título de sinal, no valor de €116.850,00, condenando-se a ré nesses preciso termos; ou se assim não se entender, B - fosse a ré condenada a ressarcir a autora das despesas em que esta incorreu - e venha a incorrer, até ao cumprimento ou resolução do contrato - com a mora da autora, no valor, até à data, de €38.224,01, e dos restantes danos, a apurar em execução de sentença, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde os respectivos vencimentos e até efectivo e integral pagamento.*A autora respondeu à contestação.*Realizou-se audiência prévia, após o que foi proferido despacho saneador/sentença, onde se veio a decidir: “Em conclusão, tudo ponderado e ao abrigo das disposições legais supra referidas, nesta acção em que é autora/reconvinda B…, SA, e em que é ré/reconvinte C…, Ld.ª, ambas com os demais sinais dos autos, julgo improcedentes tanto a acção como a reconvenção e, em consequência, decido: A- julgar improcedente a excepção dilatória de caso julgado invocada pela ré, dela absolvendo a autora; B- Absolver a ré de todos os pedidos contra ela formulados pela autora em sede de acção, bem como absolver a autora de todos os pedidos contra si formulados pela ré em sede de reconvenção”.*Inconformada com tal decisão dela veio a autora recorrer de apelação pedindo que a mesma seja revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido principal, considerando-se resolvido o contrato promessa e que seja a ré condenada a restituir à autora/apelante o sinal prestado em dobro, acrescido de juros moratórios à taxa legal a contar da citação e até integral pagamento. A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e manifestamente prolixas conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na firme convicção que a mesma incorreu na prática de uma nulidade processual de acordo com o disposto no art.º 195.º do CPC, atento o incumprimento da uma formalidade legalmente prescrita e que, em boa verdade, influenciou o exame e decisão da causa, bem como de uma errada e insuficiente qualificação jurídica que serviu de base à decisão, a qual vai em sentido diferente daquele que V.ªs Ex.ªs elegerão, certamente, como mais acertada depois da necessária reponderação dos pertinentes pontos da matéria de facto e de Direito. 2. A autora B…, Ld.ª propôs a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra C…, SA, peticionando: a) que seja declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os autores e a ré melhor identificado nos itens 1 a 4 da P.I.; b) que seja a ré condenada a restituir à autora a quantia recebida a título de sinal em dobro, no valor de 116.850,00€, acrescida de juros legais desde a citação da ré e até efectivo pagamento. 3. Esta acção foi intentada na sequência de outra anterior, também proposta pela autora/apelante que peticionou que fosse declarado nula a resolução do mesmo contrato de promessa, operada pela ré. 4. Na qual foi proferido Acórdão pelo STJ, em 21 de Janeiro de 2014, que considerou válido o contrato-promessa e que a autora se encontrava em mora debitoris. 5. Entretanto, ainda na pendência do recurso no STJ, a ré, em 5.07.2012 vendeu a terceiro a fracção prometida. 6. O saneador-sentença julgou a acção improcedente, e, em consequência, decidiu: a) não declarar resolvido o contrato-promessa de compra e venda, discutido nos autos; b) não condenar a ré a devolver o sinal dobrado. 7. No entanto, esta sentença foi proferida sem que as partes fossem notificadas para a finalidade prevista no art.º 591.º n.º 1 al. b) do C.P.C., pelo que, foram confrontadas com um despacho saneador-sentença, que conheceu do mérito da causa, sem que lhes tenha sido facultada a oportunidade processual de se pronunciarem quer de facto quer de direito. 8. A formulação legal determina que o Juiz só estará habilitado processualmente a conhecer do mérito da causa, se convocar as partes, obrigatoriamente, para a audiência prévia em despacho que expressamente contenha o objectivo e/ou finalidade previsto no art.º 591.º n.º 1 al. b) do C.P.C., sob pena de o não fazendo, violar o disposto nos art.ºs 6.º, n.º 1 e 3.º n.º 3 do mesmo código. 9. A prolação de decisão final de mérito em saneador-sentença com dispensa de audiência prévia, desacompanhada da prévia auscultação das partes constitui nulidade susceptível de influenciar o exame e a decisão da causa e prevista no art.º 195.º n.º 1 do C.P.C. 10. Deste modo, deve ser a sentença ser anulada bem como os termos processuais subsequentes à mesma. 11. Caso assim não seja entendido, a autora também não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, porquanto, fundamentou o Mm.º Juiz a sua decisão no facto de entender que a venda a terceiro da fracção prometida vender, não significa, sem mais, o incumprimento definitivo do contrato-promessa, pois que a mesma ainda é possível, fazendo a ré intervir o terceiro, readquirindo a fracção ou outras diversas soluções, que não especificou. 12. A sentença recorrida considera que ambas as partas ainda mantêm interesse no negócio, pelo que devem interpelar-se mutuamente por forma cumpri-lo, com o que se discorda, 13. São três as questões do dissídio que opõem a autora relativamente à decisão do tribunal a quo. 14. A primeira, saber se a alienação a terceiros da fracção habitacional prometida vender, configura Incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda. 15. A segunda, saber se a recorrente deveria interpelar a parte contrária para cumprir a sua obrigação. 16. A terceira, saber se, apesar de alienado a terceiro, o bem, objecto do contrato ainda pode ser possível a prestação da ré e se assim se entender, saber se foi acertada a decisão de por fim ao processo, ou se, porventura, deveria passar-se à fase instrutória, para que a ré provasse, como lhe competia, de que forma a poderia cumprir. 17. Quanto à primeira questão, a recorrente fundamentou o seu pedido de resolução do contrato promessa de compra e venda no facto de ter constatado que a promitente vendedora alienou a fracção habitacional prometida, vender, a terceiro. 18. Entendeu o Tribunal a quo, que o facto da fracção habitacional se mostrar registada em nome de terceira pessoa, não significa que o contrato se mostra definitivamente incumprido, 19. Sublinhe-se que a autora efectivamente alegou – art.º 25.º da P.I. que a promitente vendedora havia vendido a fracção a terceira pessoa, a qual registou em seu nome, conforme atestava a cópia do registo na conservatória predial, correspondente, 20. E posteriormente juntou aos autos, cópia da escritura de compra e venda, na qual ficou a constar que o comprador declarou “... que a fracção autónoma ora adquirida se destina exclusivamente a sua habitação própria e permanente”. 21. Apesar disso, o Tribunal a quo, malgrado manifestar conhecer a jurisprudência que milita no sentido apontado pela autora, decidiu que não podia subscrever tal entendimento sem mais. 22. Prosseguindo, mais adiante, que não está demonstrado que tal incumprimento se mostre como incumprimento definitivo que justifique a resolução do negócio sem mais. 23. No entanto, e recorrente entende que um dos efeitos essenciais de compra e venda é a "transmissão da propriedade da coisa", de acordo com o disposto nos artigos 408.º, n.º1, 874.º e 879.º, alínea a), do Código Civil. 24. De modo que, vendida a coisa a terceiro, o promitente vendedor já não pode vendê-la, segunda vez, ao promitente-comprador, pois ela deixou de ser sua, pelo que se colocou na posição de, por culpa própria, lhe ser impossível satisfazer a sua prestação prometida. 25. É esta a posição que cremos ser unânime, quer na doutrina quer na jurisprudência, pelo que a posição do tribunal a quo se afigura única e isolada. 26. Na doutrina, apontam-se, entre outros, Brandão Proença, “A Resolução do Contrato no Direito Civil", pp. 89 a 92, Antunes Varela, "RLJ ano 121", pp. 223 e ss. e "Das Obrigações em Geral, II, reimpressão 7.ª edição", p. 74; Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado, Vol. II, 4.ª Edição Revista e Actualizada", pp. 58-59, nota 4, Vaz Serra em anotação a acórdão na "RLJ 100, n.º 3349 de 15.12.1967". pp. 253 e 55; Galvão Telles, "Direito das obrigações", pág. 90, 145/146; Baptista Machado "Pressupostos de Resolução Estudos de Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro vol. II Jurídica, pp, 343 e ss, Almeida Costa, "Direito das Obrigações, 9.ª ed,", pp. 400-401; Ana Prata, "O Contrato Promessa e seu Regime Civil, 1999", pp. 693-694. 27. E a Jurisprudência é vasta na proclamação daquele entendimento, citando-se, a título de exemplo, os mais recentes acórdãos do STJ, Acórdão de 15.01.2004, proc. n.º 04B2296; Acórdão de 23.11.2006, proc. n.º 06B4160; Acórdão de 13.12.2007, proc. n.º 07A2378; Acórdão de 15.05.2008, proc. n.º 088773; Acórdão de 16.04.2009, proc. n.º 08 B0491; Acórdão de 22.09.2009, proc. n.º 5988/0G,STSCSC.51; Acórdão de 28.06.2012, Proc. n.º 1150/08.0TBMFR.L1.S1; Acórdão de 14.04.2015, Proc. n.º 2733/10.4TBLLE.E1.S.; Acórdão da Relação do Porto, de 23.06.2015, proc. n.º 646/11.1TBSS.P1, Acórdão da Relação de Coimbra de 10.11.2015, proc. 767/13.6T8CBR.C1; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.10.2003, proc. n.º 1603/03-1. 28. Quanto à segunda questão, relativa à interpelação da ré para cumprimento do contrato, pondo a autora termo à sua própria mora, uma vez mais se dissente do decidido pelo Tribunal a quo. 29. Na verdade a recorrida não só recorreu para o STJ da decisão da Relação que indeferiu a resolução do contrato-promessa, como requereu a uniformização de acórdãos, o que só podia ser interpretado como uma manifestação de que não queria cumprir o contrato promessa. 30. No entanto, só após a decisão definitiva do STJ, proferida em 21 de Janeiro de 2014, seria exigível à recorrente interpelar a recorrida para cumprimento do contrato. 31. Interpelação que só faria sentido relativamente a uma obrigação que ainda fosse possível ser cumprida pelo que, não sendo, seria um acto manifestamente inútil e perda de tempo, interpelá-la, tal como se defende no anteriormente citado Acórdão do STJ de 15.05.2008. 32. Relativamente à terceira questão, diz o Tribunal a quo que a venda a terceiro da fracção prometida, e o registo em nome do comprador, não significa que a prestação não possa ser cumprida, pois que a ré podia fazer intervir o terceiro ou podia readquiri-la, entre outras possibilidades. 33. Ora a recorrente prometeu comprar a fracção descrita no contrato-promessa, esta e não outra qualquer, pois que até acompanhou a conclusão dos trabalhos finais e escolheu alguns dos materiais aplicados. 34. E o comprador, actual proprietário, declarou na escritura de compra e venda que a adquiria para sua habitação própria e permanente. 35. Mesmo a admitir-se a remota possibilidade da recorrida “de fazer intervir o terceiro" ou da ré a "readquirir", a venda à recorrente, configurar-se-ia sempre como uma venda de uma fracção já usada, o que naturalmente, já não era a do contrato-promessa. 36. Acresce que a recorrida, apesar de citada da presente acção, nunca interpelou a autora para a concretização do contrato-promessa, nem nunca invocou que ia fazer intervir o terceiro ou que ia readquirir a fracção ou qualquer outra iniciativa que demonstrasse que conservava a disponibilidade do bem e que ainda lhe seria possível cumprir a obrigação, limitando-se a afirmar que a mesma ainda era possível. 37. Por isso o Tribunal a quo nunca poderia concluir que a recorrida ainda podia cumprir, pois que a mesma não demonstrou nos autos como o pretendia fazer, nem sequer que tinha possibilidades de o fazer pois que tinha ainda a disponibilidade do bem. 38. A intervenção de um terceiro na obrigação de contratar pode derivar de várias fontes, com regimes específicos, seja através da "promessa de contrato por terceiro", de um "contrato para pessoa a nomear", de uma cláusula de "reserva de nomeação" ou de uma "cessão da posição contratual”, 39. Não tendo ocorrido qualquer modificação subjectiva o terceiro adquirente da fracção objecto do contrato promessa não assumiu qualquer obrigação perante a promitente compradora, que assim permanece estranho à obrigação emergente do contrato promessa. 40. E o disposto no art.º 767.º n.º 1 do C.C., não tem aplicabilidade à situação dos presentes autos. 41. A prestação a cargo do promitente pode ser transmitida a terceiro, mas para isso torna-se necessário um acto de transmissão, via sucessória ou contratual (v.g. cessão da posição contratual), o que nos autos não teve lugar. 42. Na situação dos autos, o promitente-comprador já efectuou a entrega de sinal, fê-lo ao promitente vendedor e não a terceiro, não lhe sendo exigível, que aguarde que o terceiro se apresente a cumprir prestação que se não acha vinculado e aceite abater no preço (e que preço?) o sinal recebido por outrem. 43. Uma vez que através do contrato de promessa os promitentes apenas se obrigam a celebrar uma prestação no futuro, a verdade é que não pode deixar-se de entender que, celebrada promessa de compra de bens que, no momento do negócio, pertencem ao promitente vendedor, caso este os aliene posteriormente, esse seu comportamento não pode deixar de ser visto como incumprimento contratual grave, nos termos assinalados pela doutrina e jurisprudência. 44. Entender coisa distinta é abrir uma brecha grave nas regras que disciplinam o cumprimento contratual e colocar o promissário à mercê das mais variadas arbitrariedades do promitente vendedor. De resto, ainda admitindo que se provasse, nesta acção, que o terceiro está disposto a vender, ficaria desprotegido o promitente- comprador, caso aquele, posteriormente, se resolvesse a não cumprir. 45. Ora, a ré nem sequer alegou que ia fazer intervir o terceiro, nem que o terceiro se dispunha a cumprir, nem que ia readquirir a fracção, nem alegou qualquer outras das possibilidades que o Mm.º Juiz considera admissíveis. 46. Mas admitindo-se a tese do Mm.º Juiz, então justificar-se-ia o prosseguimento dos autos, assim se conferindo à ré a oportunidade de demonstrar que a sua prestação ainda era possível. 47. Assim se cumprindo também o comando constitucional de realização da justiça com a composição do litígio de modo célere e também se prevenindo a reiteração de recurso aos Tribunais. 48. No entanto, de que fica exposto, só se pode concluir que a recorrida incumpriu a prestação que para si decorria da promessa de venda à apelante, alienando para terceiro o objecto mediato da promessa, incumprimento que não seria afastado, mesmo que fosse invocado, e não foi, de que o terceiro adquirente estava na disposição de transmitir o bem ao promissário. 49. Atenta a equiparação que no art.º 801.º do CC é feita entre a impossibilidade da prestação imputável ao devedor e a falta de cumprimento culposa da obrigação, deve ser declarada a resolução do contrato promessa. 50. O incumprimento definitivo do contrato promessa confere ao contraente fiel o direito à resolução do contrato (art.º 801.º do CC) e desencadeia e aplicação das sanções do art.º 442.º n.º1 (sinal em dobro ou a perda ela sinal passado). 51. No âmbito do contrato-promessa, na falta de estipulação em contrário, a indemnização pelo não cumprimento confinar-se-á à perda do sinal ou ao pagamento do dobro deste, ou ao aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento, nos termos do n.º 4 do artigo 442.º do CC. Porém a par disso, tem sido admitido que para os mesmos efeitos, é dispensável a interpelação admonitória, desde que se verifique uma recusa inequívoca de cumprir por parte do devedor. 52. Ao ter decidido como decidiu a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na aplicação do direito e violou o disposto nos art.ºs 801.º e 442.º do Código Civil. II – Da 1.ª instância chegam-nos provados os seguintes factos: 1. Entre a autora B…, SA, na qualidade de promitente-compradora, e a ré C…, Lda., na qualidade de promitente-vendedora, foi celebrado, em 07 de Dezembro de 2004, um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma composta por uma habitação tipo T4, três lugares de garagem e um arrumo, inseridos num empreendimento denominado por “D…”, imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 2053 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 7933 da freguesia …, nesta cidade e concelho do Porto (doc. de fls.131 a 134, que se dá por reproduzido); 2. Com a realização da escritura de propriedade horizontal, o artigo da matriz passou a ser o 8310, a fracção autónoma, constituída pela habitação, dois lugares de garagem e arrumo passou a ser identificada pelas letras BR e o outro lugar de garagem pelas letras EU; 3. Em consequência do mesmo contrato-promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, a autora realizou quatro prestações, no total de 116.850,00 euros; 4. A autora intentou acção de fixação de prazo para realização da escritura de compra e venda, a qual decorreu termos no 4.º Juízo, 2.ª Secção, desta comarca, sob o n.º 1963/09.0TJPRT, acabando as partes por subscrever um acordo através do qual fixaram um prazo de 90 dias para a realização da mesma; 5. Ainda entre as partes neste processo correu a acção n.º 13/09.7TVPRT, que acabou por se definitivamente julgada por acórdão do STJ datado de 8 de Maio de 2013, declarando que subsistia “repristinado” o contrato-promessa entre as partes (doc. de fls. 18 a 60, que se dá por reproduzido); 6. Tal acórdão foi objecto de reclamação, decidida pelo STJ em 21 de Janeiro de 2014 (doc. de fls. 150 a 158, que se dá por reproduzido); 7. As fracções acima prometidas vender mostram-se registadas em nome de terceira pessoa, nomeadamente a fracção designada com as letras BR, encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial, a favor de terceira pessoa desde 2012.07.05 (docs. de fls. 13 e 16, que se dão por reproduzidos); 8. A fracção correspondente às letras EU, composta por um lugar de aparcamento automóvel, deixou de ter qualquer interesse para a promitente-compradora, pois que este só existia, caso pudesse habitar na fracção prometida vender. III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. *Ora, visto o teor das alegações da apelante são questões a apreciar no presente recurso: 1.ª – Da alegada nulidade processual. 2.ª – Saber se “in casu” se verifica a impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre autora e ré, consequentemente se há lugar à declaração judicial de resolução do mesmo e, em caso afirmativo, quais as consequências desse facto.*1.ªquestão – Da alegada nulidade processual. Começa a autora/apelante por defender que nos autos foi cometida uma nulidade processual, consistente na omissão de um acto que a lei impõe e que tal influiu no exame e decisão da causa. Consequentemente pede que, declarada essa nulidade, sejam anulados os actos subsequentes, incluindo o saneador sentença proferido. Vejamos. Compulsados os autos, resultam assentes os seguintes factos: - por despacho de 23.10.2014, foi designada a realização de audiência prévia, “… com as finalidades estabelecidas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do art.º 591 do Cód. Processo Civil”. - por acordo das partes a data designada para tal diligência foi transferida para o dia 24.11.2014, cfr. despacho de 6.11.2014. - no dia 24 de Novembro de 2014 e depois de aberta a referida diligência, por requerimento das partes que alegaram existirem negociações com vista à resolução do litígio, foi a instância suspensa por 15 dias. - por despacho de 28.01.2015 foi designada a realização de audiência prévia para o dia 22.04.2015 “… com as finalidades já assinaladas no despacho exarado a fls. 161”. - por requerimento de ambas as partes a referida diligência foi transferida para o dia 29.04.2015. - de novo no dia 29.04.2015 e depois de (re)aberta a audiência prévia, por requerimento das partes que alegaram existirem negociações com vista à resolução do litígio, foi a instância suspensa por 15 dias. – por requerimento da autora de 22.05.2015, foi pedido prosseguimento dos autos, por não ter sido possível o acordo. - por despacho de 25.05.2015 foi designado o dia 7.09.2015, pelas 14 horas, para “…a continuação dos trabalhos da audiência prévia”. - resulta da acta de audiência prévia de fls. 255 dos autos que nela apenas se verificou estar presente o mandatário da autora, ora apelante, tendo sido então proferido o seguinte despacho, de que os presentes foram de imediato notificados: - “Não se encontrando presente o ilustre mandatário da ré e sendo esta a primeira vez que contactamos com o presente processo (mercê de movimento dos magistrados judiciais) é-nos de todo impossível proferir despacho saneador de imediato, ditado para a acta. Assim sendo, ao abrigo do disposto no art.º 595.º n.º2 do Código de Processo Civil determino que os autos sejam feitos conclusos. Notifique”. -por requerimento de 7.09.2015, a ré veio invocar o justo impedimento como causa da sua ausência na diligência supra referida e solicitou a designação de nova data para a realização de audiência prévia. - a autora, ora apelante, por requerimento de 10.09.2015, veio pedir o indeferimento do requerido pela ré e “…que os autos prossigam com a prolação do despacho saneador”. - por despacho de 14.09.2015 foi indeferida a pretensão da ré na designação nova data para continuação da audiência prévia e, de seguida, foi proferido despacho saneador-sentença. - admitido o recurso interposto pela autora do referido despacho saneador-sentença, o Tribunal de 1.ª instância conheceu da arguida nulidade processual, dizendo: “Em nosso entendimento e smo, o saneador/sentença que proferimos não enferma de qualquer nulidade, nomeadamente por violação do princípio do contraditório, constituindo uma decisão surpresa, como alegado pelo recorrente nos artºs 10º e 11º das suas alegações. Com efeito, logo no primeiro despacho que designou dia para realização de audiência prévia (fls. 161), se declarou que a mesma teria “as finalidades estabelecidas nas als. a) a g) do nº 1 do art.º 591º do Cód. Processo Civil”, aí se incluindo, pois, a eventualidade de “conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (al. b) do referido preceito legal). Aliás, em rigor, parece-nos do alegado pela recorrente que se insurge não tanto quanto ao facto de o despacho saneador ter conhecido do mérito da causa, mas sobretudo por tal decisão sobre o mérito lhe ter sido desfavorável (tendo sido a acção julgada improcedente, como foi também julgado improcedente o pedido formulado em sede de reconvenção contra a autora e que, nesta parte, transitou em julgado). Com efeito, desde logo a sua petição inicial é alicerçada fundamentalmente no facto (alegado e demonstrado pela autora e aceite pela ré) de o imóvel prometido vender ter sido vendido a terceiros. Factos, por conseguinte, que não careciam de outras demonstrações ou actividade probatória, cabendo tão só analisar as consequências jurídicas desse facto, pelo que seria de esperar uma decisão de mérito nesta fase processual. Depois, como vemos das suas conclusões de recurso, a autora não pretende o prosseguimento do processo para audiência final, pois que conclui pedindo que: “a) a decisão recorrida seja revogada, b) seja substituída por outra que julgue procedente o pedido principal formulado pela autora, aqui recorrente, considerando-se resolvido o contrato promessa, c) seja condenada a ré, aqui recorrida, a restituir-lhe o sinal prestado em dobro, acrescido de juros moratórios à taxa legal a contar da citação até integral pagamento,”. Ou seja, como referimos acima, a autora/recorrente insurge-se não porque o conhecimento do mérito da acção em sede de despacho saneador tenha sido para si uma “surpresa”, mas porque a decisão de mérito lhe foi desfavorável. E quanto ao mérito da acção, a autora interpôs o competente recurso. Entendemos assim que não se verifica qualquer nulidade, o que se declara para efeitos do disposto no art.º 641º nº 1 do Código de Processo Civil”.*Desde já deixamos consignado que nenhuma censura nos merece a supra referida decisão de 1.ª instância. Na verdade, em geral, ou seja, à excepção das situações enunciadas nos art.ºs 193.º a 200.º do C.P.Civil, que integram as nulidades principais, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa, cfr. art.º 201.º n.º 1 do C.P.Civil. São as designadas nulidades secundárias ou atípicas, cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 373. As referidas irregularidades consubstanciam-se em desvios do formalismo processual. Dessas nulidades, por regra, o Tribunal só conhece sob a reclamação dos interessados, salvo os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso, cfr. art.º 202.º, 2.ª parte, do C.P.Civil. E fora dos referidos casos de conhecimento oficioso, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto em causa, cfr. art.º 203.º n.º 1 do C.P.Civil. O interesse da parte para a arguição dessa nulidade actuação há-de aferir-se pelo prejuízo que para ela advenha da irregularidade cometida. Sendo aqui directamente aplicáveis os sempre actuais ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 507, o qual citou como aplicável ao caso o postulado segundo o qual “dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Tratando-se de nulidades processuais secundárias, estão as mesmas sujeitas ao regime de arguição previsto no art.º 205.º do C.P.Civil, segundo o qual “quanto às outras nulidades (as do art.º 201.º), se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o acto não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”, sendo que o prazo para a arguição de que se fala é o geral, de dez dias, cfr. art.º 153.º n.º 1 do C.P.Civil. As nulidades processuais de que tratamos devem ser arguidas perante o Tribunal que as cometeu, cabendo recurso, nos termos gerais, do despacho que as apreciar. Ou seja, a nulidade processual apontada pela autora/apelante deveria ter sido por ela reclamada, oportunamente, na 1.ª instância, ou seja, na própria sessão de continuação da audiência prévia em que alegadamente foi cometida – realizada no dia 7.09.2015 e, onde foi determinado que ao abrigo do disposto no art.º 595.º n.º2 do C.P.Civil os autos fossem feitos conclusos ao juiz do processo para prolação de despacho saneador, porque se revelava impossível ditar o mesmo de imediato para a acta - perante o Tribunal que a cometeu e onde a autora, ora apelante, esteve presente/devidamente representada, cfr. art.º 205.º do C.P.Civil, e, manifestamente, no caso em apreço, não o foi. Dir-se-á ainda que contrariamente ao que parece ser defendido pela apelante, no caso em apreço, não houve qualquer dispensa de realização de audiência prévia, ela foi convocada e realizou-se, tendo apenas sido determinado que a prolação do respectivo despacho não seria feito no acto, mas depois dos autos serem conclusos para esse efeito. Por outro lado, a referida audiência prévia, como resulta do teor do despacho convocatório da mesma tinha como finalidades, entre outras, a possibilidade de conhecimento imediato do pedido, e bem sabendo desse facto, a autora, ora apelante, nada fez quando foi determinado que os autos fossem feitos conclusos para prolação do despacho que, em regra, deveria ser proferido nessa mesma diligência, pelo que contrariamente ao que agora defende, não foi proferida nos autos uma “decisão-surpresa”. Ademais é tão flagrante a falta de razão da apelante, se atentarmos no facto de a própria se ter, expressamente, oposto ao deferimento do pedido de verificação do justo impedimento invocado pela mandatária da ré/apelada e, consequente designação de data para continuação da audiência prévia dos autos, defendendo, então, “…que os autos prossigam com a prolação de despacho saneador”. E isto, como bem se aquilatou em 1.ª instância, “…a autora/recorrente insurge-se não porque o conhecimento do mérito da acção em sede de despacho saneador tenha sido para si uma “surpresa”, mas porque a decisão de mérito lhe foi desfavorável”, vindo agora, como alega a ré/apelada fazer um “pirueta jurídica”, em situação de “venire contra factum proprium”, pois que a sua actuação acima referida – requerimento de fls. 266-267 – poderia ser entendido como uma renúncia expressa à arguição da nulidade, cfr. n.º2 do art.º 197.º do C.P.Civil, não fora o caso de, como acima se deixou consignado, a não ter reclamado na ocasião e tempo próprios, cfr. n.º1 do art.º 199.º do C.P.Civil. Logo, no caso dos autos, deveria a autora/apelante ter, oportunamente e em 1.ª instância, reclamado da invocada nulidade processual, o que em caso de deferimento dessa pretensão daria lugar à anulação dos actos inquinados; no caso contrário, ou seja, rejeitada essa invocação, caberia então recurso do respectivo despacho de indeferimento. Assim sendo, há que concluir que não tendo a autora/apelante arguido atempadamente a nulidade invocada, através do meio processual adequado (reclamação junto da 1.ª instância), não pode discuti-la em sede de recurso da sentença, pois, a ter sido cometida, tem de se considerar, para todos os efeitos legais, sanada. Pelo que sem necessidade de outros considerandos, improcedem as respectivas conclusões da apelante.*2.ªquestão - Saber se “in casu” se verifica a impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre autora e ré, consequentemente se há lugar à declaração judicial de resolução do mesmo e, em caso afirmativo, quais as consequências desse facto. Por via da presente acção a autora, na qualidade de promitente-compradora pede, além do mais, que o Tribunal declare a resolução do contrato promessa de compra e venda que celebrou com a ré, devido a alegada impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento por parte desta. A 1.ª instância decidiu que efectivamente o contrato subjacente ao litígio dos autos é uma contrato promessa de compra e venda, o que não é, nem foi, posto em causa pelas partes, - celebrado, em 7.12,2004, pelo qual a ré prometeu vender à autora e esta prometeu comprar-lhe uma fracção autónoma composta por uma habitação tipo T4, três lugares de garagem e um arrumo, inseridos num empreendimento denominado por “D…”, imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 2053 e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 7933 da freguesia de Ramalde, no Porto - o qual não foi cumprido, ou seja, o contrato prometido não foi realizado nos prazos acordados, nem posteriormente, havendo divergência entre as partes no que respeita à imputação da responsabilidade pelo não cumprimento do contrato. Na realidade, anteriormente ao presente litígio, a autora intentou contra a ré a acção n.º 13/09.7 TVPRT, que correu termos na 5.ª Vara, 1.ª Secção, para impugnar a resolução extrajudicial do contrato que a ré havia feito, sendo que a decisão da 1.ª instância veio a ser objecto de recurso para os Tribunais superiores, tendo o STJ, por acórdão proferido a 8.05.2013, decidido que “não obstante a ilicitude da resolução, que não é inválida ou ineficaz, declaram subsistir, repristinando, o contrato-promessa celebrado entre a ré e a autora, que continua a vincular ambas as partes, consequente à obrigação da ré reconstituir a situação que existiria se ela não acontecesse”. Mais de decidindo então que a autora se encontrava em mora debitoris. Pelo que mantendo-se o contrato válido e divergindo as partes quanto à responsabilidade pelo seu não cumprimento até ao presente, já que a autora alega que neste momento se verifica a impossibilidade do seu cumprimento por causa unicamente imputável à ré, uma vez que a fracção BR, correspondente ao apartamento tipo T4, 2 lugares de garagem e arrumos objecto do contrato promessa foi já transaccionada, tendo sido alienada a outrem, encontrando-se registada na Conservatória do Registo Predial, a favor de E…, desde 2012.07.05, pelo que defende a autora ter direito à resolução do contrato, por incumprimento definitivo culposo por banda da ré e consequentemente à devolução do sinal prestado em dobro. Por seu turno, defende a ré que a prestação ainda hoje é física e legalmente possível já que o registo da fracção em nome de terceiro não gera o incumprimento definitivo. Por outro lado, diz a ré que a autora é que perdeu o interesse no cumprimento do contrato e consequentemente peticionou em reconvenção, que fosse declarado o incumprimento definitivo e culposo, por parte da autora, do contrato, e o consequente direito da ré fazer suas as quantias pagas a título de sinal, no valor de €116.850,00. A 1.ª instância considerando que: - nenhuma delas assume desinteresse pelo contrato prometido, e pelo contrário, ambas alegam (pelo menos assim o dizem) interesse na manutenção do negócio, pretendendo é imputar responsabilidades à parte contrária pelo não cumprimento; - o contrato promessa não foi cumprido, pelo que existe incumprimento contratual: - mesmo que à autora assistisse o direito de ver a ré constituída em mora por não ter ainda realizado o contrato prometido, não pode considerar a actuação da ré como de incumprimento definitivo, pedindo a resolução do negócio, ou seja, mesmo que se considerasse haver mora da ré, tal mora não se converteu ainda em incumprimento definitivo, uma vez que a prestação continua a ser possível e a autora não interpelou ainda a ré para cumprir em prazo razoável sob a cominação de considerar o contrato não cumprido ou de perda de interesse na prestação (efectuando a interpelação admonitória prevista no art.º 808.º do C.Civil); - a decisão definitiva no processo que anteriormente correu entre as partes e que declarou que era a aqui autora quem se encontrava em mora está datada de 21.01.2014 e a autora fez distribuir esta nova acção em Tribunal menos de um mês após tal decisão (em 18.02.2014), impondo-se à autora, quer pôr termo à sua própria mora (como decidido naquele outro processo), quer efectuar a interpelação admonitória, por forma a compelir a ré a cumprir o acordado; - por si só, o facto de actualmente a fracção prometida vender se mostrar registada em nome de terceira pessoa, não demonstra por si só (nem tal foi alegado) que a ré não possa cumprir o contrato (fazendo intervir o terceiro, “readquirindo” a fracção… as mais diversas possibilidades serão admissíveis); - não colhe a alegação da ré, para justificar o seu pedido reconvencional, de que a autora com a sua petição inicial “confessou, nestes autos, que perdeu definitivamente o interesse na prestação”, pois o que a autora afirma na sua petição inicial é que se não puder adquirir a fracção habitacional deixa de ter interesse na fracção de lugar de garagem; - de nenhum dos comportamentos das partes anteriores à instauração da presente acção se pode retirar que exprimam inequivocamente uma vontade de não cumprir, sendo que também em nenhum dos seus articulados dos autos qualquer das partes declara que não cumprirá, limitando-se a solicitar ao Tribunal que declare o contrato resolvido; - a perda de interesse na prestação em consequência da mora tem de ser analisada objectivamente e nenhum dado consta do processo que objectivamente legitime que as partes tenham perdido interesse na efectivação do negócio (art.º 808.º do C.Civil) ou que legitime a dispensa de interpelação para cumprimento do contrato. Pelo que o Tribunal recorrido concluiu que não se mostram ainda verificados (pelo menos neste momento) os necessários requisitos para que quer a autora quer a ré possam invocar incumprimento definitivo por banda da outra parte, podendo ainda ser realizada a prestação a que estes estão contratualmente vinculados, devendo ambas diligenciar, querendo, por interpelar a parte contrária para cumprir (a acima referida interpelação admonitória). A autora/apelante insurge-se contra o assim decidido. Vejamos. *Como é sabido a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam a celebrar, dentro de certo prazo ou observados determinados condicionalismos, um concreto contrato, integra a figura do contrato-promessa – cfr. art.º 410.º C.Civil. O contrato-promessa cria a obrigação de contratar, ou, mais concretamente, como refere Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, I, pág. 309, “a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido”. A obrigação assim assumida gera uma prestação de facto positiva. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, preconiza o n.º 2 do art.º 442.º C.Civil, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato foi devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou. Ainda que não seja pacífico, vem maioritariamente sendo entendido que a simples mora não desencadeia a aplicação das sanções previstas no art.º 442.º C.Civil, sendo para tal necessário que ocorra uma situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa, cfr. entre muitos outros, Acs. Do STJ, de 26.05.1998, 8.02.2000, 12.07.2001 e 10.03.2010, in CJ/STJ, VI-2.º,100, VIII-1.º,72, IX-3.º,30 e XIII-1.º,126. Sendo que também a nós se nos afigura mais correcta a interpretação de que só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato-promessa e a exigência do sinal em dobro do promitente-vendedor faltoso. Por força do estipulado no n.º 1 do art.º 410.º C.Civil, que faz equiparar o contrato-promessa ao contrato prometido, neste caso, a compra e venda, o incumprimento do contrato-promessa rege-se pelas disposições dos art.ºs 790.º e segs. C.Civil. Ora, de acordo com o art.º 808.º C.Civil a mora pode transformar-se em incumprimento definitivo nos casos de perda de interesse do credor pela prestação e não realização desta dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor. Enquanto o interesse do credor na prestação se mantiver e se quiser que a mora do devedor se converta em falta de cumprimento, terá ele que dar nova oportunidade ao devedor em mora para que cumpra a sua obrigação. A interpelação admonitória do devedor em mora, sob a cominação apontada no n.º 1 do art.º 808.º, como assegura Antunes Varela ((6) ob. cit., pág. 346), não constitui apenas um poder conferido ao credor, porque representa ao mesmo tempo um ónus que a lei lhe impõe. Sendo certo que pode acontecer que a simples mora inviabilize logo a realização do contrato, como genericamente o admite o art.º 808º, no seu n.º 1, ao preconizar que a obrigação se tem como não cumprida quando a mora faça desaparecer o interesse do credor na prestação. Nestes casos já não haverá necessidade da interpelação admonitória para resolução do contrato, embora essa perda de interesse tenha de ser apreciada objectivamente, tal como se dispõe no n.º 2 do art.º 808.º, isto é, que se revele através de dados factuais, de comportamentos, acções ou omissões, que indubitavelmente demonstrem que a perda de interesse se equipara ao não cumprimento definitivo da obrigação. O incumprimento definitivo da obrigação pressupõe uma situação de mora de uma das partes e ocorre quando haja perda de interesse do credor na prestação, apreciada em termos objectivos, ou pelo incumprimento do devedor dentro de prazo razoável fixado e comunicado pelo credor, notificação admonitória a que se reporta o art.º 808.º C.Civil. Como é também sabido, a interpelação admonitória deve conter a intimação para o cumprimento, a fixação de um prazo peremptório para esse cumprimento e a cominação da obrigação se ter por definitivamente incumprida se o cumprimento não ocorrer dentro desse prazo. Por outro lado, a resolução, segundo Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, pág. 238, “é a destruição da relação contratual, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado”. Sendo que o direito, protestativo, de resolução, tanto pode resultar da lei, como de convenção das partes, cfr. art.º 432.º n.º 1 do C.Civil. Só o incumprimento definitivo do contrato promessa confere ao contratante fiel o direito à resolução do contrato, cfr. art.º 801.º do C.Civil e desencadeia a aplicação das sanções previstas no art.º 442.º n.º 2 do C.Civil, cfr. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, pág. 129, Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato Promessa”, pág. 118, e ainda Antunes Varela, in RLJ, Ano 119.º, pág. 216. A mora, essa, só se converte em incumprimento definitivo, a ocorrer alguma hipótese contemplada no art.º 808.º n.º 1 do C.Civil. Por fim ainda se dirá que a resolução do contrato, fundada na lei ou em convenção, implica essencialmente a sua dissolução “ex tunc” com base em facto posterior à sua celebração, ou seja, funciona como direito potestativo extintivo dependente do incumprimento, colocando as partes, tanto quanto possível, na posição que teriam se não tivessem celebrado o contrato. Salvo nos casos especialmente previstos na lei, não tem a resolução que ser objecto de declaração judicial, mas, como declaração de vontade receptícia que a veicula, impõe-se que o seja por via da sua comunicação pelo credor ao devedor, cfr. art.ºs 224.º n.º1 e 436.º n.º1, ambos do C.Civil. No que concerne ao regime legal geral e específico de incumprimento do contrato-promessa, dir-se-á que se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; e se o incumprimento for de quem recebeu o sinal, tem a outra parte a faculdade de lhe exigir o dobro do que prestou, cfr. art.º 442.º n.º 2 do C.Civil. Em qualquer dos casos, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica, nos termos do art.º 830.º do C.Civil, cfr. art.º 442.º n.º3 do C.Civil. Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar pelo não cumprimento do contrato a qualquer outra indemnização nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, cfr. art.º 442.º n.º4 do C.Civil. Presume-se ter o carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor a título de antecipação do pagamento do preço, cfr.art.º441.º do C.Civil. Sendo que a par do regime legal específico do contrato-promessa referido, aplica-se, em tanto quanto for pertinente, o regime geral do cumprimento e ou do incumprimento das obrigações. Pelo que, como se sabe, “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte” - culpa na formação do contrato, cfr. art.º 227.º n.º1 do C.Civil, e o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ou seja, quando realiza pontualmente, com diligência e boa-fé, o comportamento devido, cfr. art.º 762.º do C.Civil, e considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não realize, no tempo devido, a prestação ainda possível a que está vinculado, cfr. art.º 804.º n.º2 do C.Civil. E repete-se, o incumprimento definitivo da obrigação pressupõe sempre uma situação de mora de cumprimento de uma das partes e consuma-se por via da perda do interesse do credor na prestação, verificada em termos objectivos, ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável que lhe tenha sido fixado e comunicado pelo credor cfr. art.ºs 801.º e 808.º do C.Civil. A mora é assim susceptível de ocasionar a perda do interesse do credor (e não mera diminuição) na prestação tardia, ou de o devedor em mora não cumprir dentro do prazo adicional e peremptório que aquele lhe tenha fixado, situações em que a obrigação se considera, para todos os efeitos, como não cumprida, o mesmo é dizer que a mora se transformou incumprimento definitivo. Por outro lado, é inegável que o cumprimento da obrigação pressupõe, pois, que a prestação do devedor é realizada nos seus precisos termos, caso contrário, haverá mora ou incumprimento definitivo do devedor, por exemplo se a prestação se tornou impossível ou inviável. O incumprimento é imputável ao devedor se puder atribuir-se a uma sua conduta voluntária, caso em que será responsável pelos prejuízos que causar ao credor, cfr. art.ºs 798.º e 801.º n.º 1, ambos do C.Civil. Na hipótese de se estar perante um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolvê-lo, cfr. art.º 801.º n.º2 do C.Civil. Como nos ensina Baptista Machado, in “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica, pág. 348“(…) O incumprimento é uma categoria mais vasta onde cabem: a) O incumprimento definitivo, propriamente dito; b) A impossibilidade de cumprimento; c) A conversão da mora em incumprimento definitivo – art.º 808.º, n.º1, do C.Civil; d) A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não; e) E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso. No que respeita à inadimplência por impossibilidade de cumprimento, com J. Baptista Machado (ob. cit., pág. 345), podem configurar-se as seguintes situações: a) De impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor – art.º793º n.º2; b) De impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor - art.º 801º n.º2; c) De impossibilidade parcial e definitiva imputável ao devedor – art.º 802.º, todos do C. Civil.” *“In casu” defende a autora/apelante que se verifica uma situação de incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa em apreço nos autos, o que é imputável à ré, decorrente da impossibilidade de cumprimento da prestação, uma vez que a mesma vendeu a fracção do imóvel objecto do contrato prometido a terceiro, que entretanto até já registou essa aquisição a seu favor na respectiva Conservatória do Registo Predial. Ou seja, o direito que se pretendia transmitir através do contrato prometido entrou e encontra-se na esfera jurídica de terceiro. Vejamos, pois, se a prestação decorrente do contrato promessa e a que a ré/apelada se encontra obrigada é impossível. Na realidade, embora a venda de bens alheios seja nula, sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar, cfr. art.º 892.º do C.Civil, o contrato promessa de venda de bens alheios é válido já que, estando em causa uma mera obrigação de contratar, não se exige em relação ao promitente-vendedor qualquer requisito de legitimidade. Pois que, como refere Abel Pereira Delgado “in” Do Contrato Promessa”, pág. 95, pelo contrato de promessa de compra e venda, se não transfere a propriedade da coisa, obrigando-se apenas as partes à celebração futura do contrato de compra e venda, bem podendo, portanto, adquirir o promitente-vendedor a propriedade da coisa, de modo a poder cumprir na altura própria, neste sentido, também Pires e Lima e Antunes Varela in ”Código Civil Anotado”, em anotação ao art.º 410.º, pelo que, nestes casos, o objecto do contrato não é, em si mesmo, impossível. E não é impossível porque a impossibilidade da prestação só existe quando esta se torna seguramente inviável, ou quando a probabilidade da sua realização, por não depender de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, se torna extremamente improvável. Como já se disse, entende a apelante, contra o decidido em 1.ª instância, que o contrato promessa em causa nos autos não poderá nunca ser cumprido pela ré promitente-vendedora porque ela, entretanto, transferiu a propriedade das fracções do imóvel prometidas vender para terceiro, havendo pois impossibilidade de cumprimento. Na senda do decidido em 1.ª instância, também nós entendemos que, em rigor, não se verifica uma situação de impossibilidade (superveniente) de cumprimento da obrigação prometida, ou seja, de celebração da escritura de compra e venda, transferindo a propriedade das fracções autónomas em causa para a autora/apelante. Como refere Galvão Telles in “Direito das Obrigações”, pág. 46, a prestação debitória tem que ser possível, legal e também lícita, “Exige-se que a prestação seja realizável, pois ninguém pode considerar-se obrigado ao que não é susceptível de cumprimento …Ainda sob outra perspectiva a impossibilidade diz-se física ou legal, conforme resulta da própria natureza das coisas ou decorre da lei. A prestação é fisicamente impossível se consiste em acto materialmente irrealizável …; legalmente impossível se consiste em acto jurídico que a lei fere de invalidade”, “In casu” é manifesto que o cumprimento da prestação prometida pela ré à autora – celebração do contrato de compra e venda das fracções autónomas em causa - é física, lícita e legalmente possível. Na verdade, o objecto desse contrato existe, a sua transmissão por venda é lícita e legal, o que se verifica é que neste momento, as mesmas não estão na titularidade da ré e consequentemente, de momento não poderá celebrar tal contrato (nulidade da venda de coisa alheia sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar, cfr. art.º 892.º do C.Civil) contudo, por exemplo poderá vir a readquiri-las e então transmiti-las à autora, ou mesmo, diligenciar junto do terceiro em cuja titularidade neste momento as ditas fracções se encontram para que as transmita à autora, cumprindo ele a obrigação da ré derivada do referido contrato promessa. Pois que o credor só não pode ser obrigado a receber a prestação de terceiro se houver acordo expresso em contrário ou quando a substituição o prejudique, conforme resulta do art.º 767.º do C.Civil, segundo o qual (nº1) “a prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação” e (n.º2) “o credor não pode, todavia, ser constrangido a receber de terceiro a prestação, quando se tenha acordado expressamente em que esta deva ser feita pelo devedor, ou quando a substituição o prejudique”, o que parece se não verificar no caso dos autos. E assim sendo, nenhuma censura nos merece a 1.ª instância quando afirma que “Na verdade, por si só, o facto de actualmente a fracção prometida vender se mostrar registada em nome de terceira pessoa, não demonstra por si só (nem tal foi alegado) que a ré não possa cumprir o contrato (fazendo intervir o terceiro, “readquirindo” a fracção… as mais diversas possibilidades serão admissíveis)”. É assim para nós ponto assente que no caso em apreço se não verifica uma situação de impossibilidade total, absoluta e definitiva de cumprimento da prestação que ocasione o incumprimento definitivo da prestação assumida pela ré perante a autora.*Todavia não podemos olvidar a actuação da ré ao celebrar com terceiro escritura de compra e venda, tendo por objecto parte das fracções que anteriormente havia prometido vender à autora, revelam tacitamente, no demais contexto factual do global litígio existente entre autora e ré, a vontade de não cumprir por parte da ré o dito contrato promessa, ou seja, a sua recusa de cumprimento. A esta conclusão se chega, ou esta ilação se alcança dos factos provados em sede de presunção judicial, nos termos dos art.ºs 349.º e 351.º do C.Civil e art.º 607.º n.º 4 do C.P.Civil – ou seja, as fracções acima prometidas vender mostram-se registadas em nome de terceira pessoa, nomeadamente a fracção designada com as letras BR, encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial, a favor de terceira pessoa desde 2012.07.05. A lei não prevê a recusa do cumprimento como causa de extinção da obrigação, todavia é comummente aceite e vem sendo entendimento comum na Doutrina e na Jurisprudência, que a recusa ilegítima de cumprimento equivale ao incumprimento definitivo. Ou seja, havendo recusa inequívoca, concludente, do devedor em cumprir a sua prestação, configurado está o incumprimento definitivo a dispensar, desde logo, a interpelação admonitória do credor, cfr. Calvão da Silva in “Sinal e Contrato-Promessa”, págs. 140 a 146, e in “A declaração da intenção de não cumprir”- “Estudos de Direito Civil e Processo Civil”, pág. 123 e Acs do STJ, de 15.03.2005, de 24.10.2006 e de 5.7.2007 todos in www.dgsi.pt. Em regra, a decisão do devedor em não cumprir é revelada de forma expressa mediante uma declaração dirigida ao credor de que não pode ou não quer cumprir, mas como afirma Brandão Proença, in “ A Resolução do Contrato no Direito Civil”, pág. 114, “a vontade negativa do devedor também pode ser retirada de factos significantes activos ou omissivos, de natureza material ou jurídica, como será nos casos em que o empreiteiro abandone a obra, o trabalhador fuja do local de trabalho, o obrigado à preferência celebre uma promessa de venda sem reserva de desvinculação ou o devedor negligencie os preparativos de cumprimento (atraso comprometedor no adimplemento de um contrato promessa ou de outro contrato com termo essencial), não afaste dificuldades colocadas por terceiros, destrua o bem devido ou viole, mesmo, o contrato através da alienação do bem prometido vender”. Também Ana Prata, in “O Contrato Promessa e o seu Regime Civil”, pág. 711, refere que “os mesmos efeitos da declaração expressa de não cumprir são produzidos pelo comportamento do devedor que seja inequivocamente incompatível com a vontade de cumprir”. E também Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato Promessa”, pág. 93, não tem dúvidas na equivalência a incumprimento definitivo da declaração antecipada de não querer ou não poder cumprir, ou quando o seu comportamento seja próprio de pessoa que não quer ou não pode cumprir: “ponto é que seja séria, certa e segura a declaração (ou o comportamento) do promitente vendedor de não querer ou não poder cumprir, hipótese em que o promitente-comprador fundamente a toma por boa, a aceita como uma decisão unívoca e resolve o contrato, não fazendo sentido uma oferta ulterior de cumprimento que, a existir surgirá em total incoerência com o comportamento anterior, qual venire contra factum proprium a legitimar – et pour cause – a sua recusa pelo credor”. Entendendo-se ainda que, se o devedor declarar não querer cumprir, está o credor dispensado quer da prova da insubsistência do seu interesse no cumprimento, quer do ónus de fixação do prazo suplementar cominatório previsto no art.º 808,º do C.Civil, para que a obrigação se considere definitivamente incumprida. No caso dos autos, a actuação da ré ao concretizar a venda das fracções prometidas vender à autora a terceiro é bem elucidativo da sua intenção de não celebrar o contrato prometido com a autora, pois que foi ela quem voluntariamente celebrou a escritura de compra e venda com terceiro, bem sabendo que havia anteriormente prometido vender essas mesmas fracções autónomas à autora, ou seja, a ré voluntariamente fez sair tais bens da sua esfera jurídica, bem sabendo que nessas circunstâncias não poderia vir a cumprir o acordado com a autora. Ou seja, vendo e interpretando todo o quadro circunstancial apurado e atentos os ditames da boa-fé, temos de concluir, como o faria qualquer destinatário normal, que o comportamento da promitente-vendedora (ré) evidencia uma inequívoca vontade de não cumprir a obrigação assumida para com a promitente-compradora, autora, ora apelante, o que é inteiramente imputável àquela, sendo ainda legítimo “in casu” dispensar-se qualquer interpelação prévia admonitória. Na verdade, julgamos que a vontade inequívoca de não cumprir, para efeitos de dispensa de interpelação admonitória, pode não ser expressa, admitindo-se que possa resultar de uma declaração negocial tácita estribada “em comportamentos concludentes apreensíveis pela actuação da parte inadimplente, em função dos deveres co-envolvidos na sua prestação, sendo de atender ao grau e intensidade dos actos por si perpetrados na inexecução do contrato, desde que objectivamente revelem inquestionável censura, não sendo justo que o credor esteja adstrito à vontade lassa do devedor.” Não é legítimo impor-se à autora/apelante a manutenção de um contrato-promessa contra a vontade inequívoca da outra parte em cumpri-lo, assim, considerando-se a definitivamente incumprido o dito contrato promessa por facto imputável à promitente-vendedora, devendo declarar-se o mesmo resolvido. Pois que, além do mais, decorre da actuação da ré a manifesta a violação da boa-fé contratual que se lhe impunha. Pois que o dever de proceder de boa-fé impõe-se aos contratantes tanto nos preliminares como na formação do contrato, cfr. 227.º n.º1 do C.Civil, vincula o devedor no cumprimento da obrigação e o credor no exercício do direito correspondente, cfr. art.º 762.º n.º2 do C.Civil. E como referem Pires de Lima-A. Varela, in “C.Civil Anotado”, II, pág. 2 “Proceder de boa-fé quer antes apontar para o dever social de agir com a lealdade, a correcção, a diligência e a lisura exigíveis das pessoas, conforme as circunstâncias de cada acto jurídico e de conteúdo variável ou flexível, adequado às circunstâncias de cada tipo de situações” E tendo-se concluído que “in casu” estamos perante uma situação de incumprimento definitivo unicamente imputável à ré – promitente-vendedora – pelas razões acima expostas, o que legitima a declaração de resolução do contrato promessa, conforme é peticionada pela autora/apelante, nos termos do art.º 442,º nº2 do C.Civil, há ainda que julgar procedente o pedido da mesma de restituição do sinal prestado, em dobro. Impõe-se por isso, na procedências das respectivas conclusões da apelante, revogar a decisão recorrida, declarando-se resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo e culposo por parte da promitente-vendedora, ora ré/apelada; mais se condenando a ré/apelada a devolver à autora/apelante o sinal prestado, no montante de €116.850,00, em dobro e ainda no pagamento de juros moratórios desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Sumário – I - Só o incumprimento definitivo do contrato promessa confere ao contratante fiel o direito à resolução do contrato. II - A impossibilidade da prestação só existe quando esta se torna seguramente inviável, por ser física e legalmente impossível ou quando a probabilidade da sua realização, por não depender de circunstâncias controláveis pela vontade do devedor, se torna extremamente improvável. III – Em rigor, a venda de fracção prometida vender a terceiro, não torna, por si só, impossível o cumprimento do contrato promessa, pois que, essa prestação, se mantêm física e legalmente possível, por exemplo poderá a promitente-vendedora vir a readquiri-la e então cumprir a sua promessa, ou mesmo, diligenciar junto do terceiro em cuja titularidade a fracção se encontra para que a transmita à promitente-compradora, cumprindo ele a obrigação prometida. IV - A venda da fracção prometida vender a terceiro, além da manifestação de violação do dever de boa-fé contratual, é bem elucidativa da intenção inequívoca de não vir a celebrar o contrato prometido objecto do contrato promessa. V - A recusa ilegítima de cumprimento (recusa inequívoca, concludente, do devedor em cumprir a sua prestação), ainda que tácita e inferida da global actuação da promitente-vendedora, equivale ao incumprimento definitivo e culposo do contrato por parte desta, dispensando-se a interpelação admonitória e possibilitando, de imediato, a declaração de resolução do contrato. IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente e em revogar a decisão recorrida, e em seu lugar declara-se resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo e culposo por parte da ré/apelada; mais se condena a ré/apelada a devolver à autora/apelante o sinal prestado, no montante de €116.850,00, em dobro, e ainda no pagamento de juros moratórios desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Custas pela apelada. Porto, 2017.01.10 Anabela Dias da Silva Ana Lucinda Cabral Maria do Carmo Domingues