Processo:3542/15.0T8GDM.P1
Data do Acordão: 07/05/2017Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - No âmbito do NRAU o arrendatário só pode proceder à realização de obras nas situações previstas no n.º 2 do artigo 1074.º ou nas previstas no artigo 1036.º ambos do Código Civil (nº 3 do artigo 1074.º do mesmo diploma). II - As obras urgentes que não consentem qualquer dilação a que se faz referência no artigo 1036.º, nº 2 do CCivil são aquelas que em geral não permitam a utilização do locado, no todo ou em parte, se não forem executadas imediatamente, razão pela qual a existência de humidade numa das paredes de um dos cómodos do locado, cuja não utilização não está demonstrada, não integra a referida urgência. III - Também a referida existência de humidade não integra a urgência a que se refere o nº 1 do citado artigo 1036.º pois que a sua reparação, estando desgarrada de outra realidade factual, não se pode qualificar de urgente e muito menos que não se compadeça com a instauração de uma acção judicial. IV - No contrato de arrendamento existe correspectividade entre a prestação do senhorio de proporcionar ao inquilino o gozo da coisa locada e a prestação do inquilino de pagar o valor da renda. V - Para que o inquilino possa deixar de pagar a renda com base na excepção de não cumprimento do contrato pelo senhorio, tem de alegar e provar que ficou privado do gozo do locado e que existe um nexo de causalidade entre a privação desse gozo e a falta de pagamento da renda.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores
CONTRATO DE ARRENDAMENTO RESOLUÇÃO FALTA DE PAGAMENTO DE RENDA
No do documento
Data do Acordão
05/08/2017
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
CONFIRMADA
Sumário
I - No âmbito do NRAU o arrendatário só pode proceder à realização de obras nas situações previstas no n.º 2 do artigo 1074.º ou nas previstas no artigo 1036.º ambos do Código Civil (nº 3 do artigo 1074.º do mesmo diploma). II - As obras urgentes que não consentem qualquer dilação a que se faz referência no artigo 1036.º, nº 2 do CCivil são aquelas que em geral não permitam a utilização do locado, no todo ou em parte, se não forem executadas imediatamente, razão pela qual a existência de humidade numa das paredes de um dos cómodos do locado, cuja não utilização não está demonstrada, não integra a referida urgência. III - Também a referida existência de humidade não integra a urgência a que se refere o nº 1 do citado artigo 1036.º pois que a sua reparação, estando desgarrada de outra realidade factual, não se pode qualificar de urgente e muito menos que não se compadeça com a instauração de uma acção judicial. IV - No contrato de arrendamento existe correspectividade entre a prestação do senhorio de proporcionar ao inquilino o gozo da coisa locada e a prestação do inquilino de pagar o valor da renda. V - Para que o inquilino possa deixar de pagar a renda com base na excepção de não cumprimento do contrato pelo senhorio, tem de alegar e provar que ficou privado do gozo do locado e que existe um nexo de causalidade entre a privação desse gozo e a falta de pagamento da renda.
Decisão integral
Processo nº 3542/15.0T8GDM.P1-Apelação
Origem: Comarca do Porto-Gondomar-Inst. Local-Secção Cível-J2
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 
2º Adjunto Des. Jorge SeabraSumário:I - No âmbito do NRAU o arrendatário só pode proceder à realização de obras nas situações previstas no n.º 2 do artigo 1074.º ou nas previstas no artigo 1036.º ambos do Código Civil (nº 3 do artigo 1074.º do mesmo diploma).
II - As obras urgentes que não consentem qualquer dilação a que se faz referência no artigo 1036.º, nº 2 do CCivil são aquelas que em geral não permitam a utilização do locado, no todo ou em parte, se não forem executadas imediatamente, razão pela qual a existência de humidade numa das paredes de um dos cómodos do locado, cuja não utilização não está demonstrada, não integra a referida urgência.
III - Também a referida existência de humidade não integra a urgência a que se refere o nº 1 do citado artigo 1036.º pois que a sua reparação, estando desgarrada de outra realidade factual, não se pode qualificar de urgente e muito menos que não se compadeça com a instauração de uma acção judicial.
IV - No contrato de arrendamento existe correspectividade entre a prestação do senhorio de proporcionar ao inquilino o gozo da coisa locada e a prestação do inquilino de pagar o valor da renda.
V - Para que o inquilino possa deixar de pagar a renda com base na excepção de não cumprimento do contrato pelo senhorio, tem de alegar e provar que ficou privado do gozo do locado e que existe um nexo de causalidade entre a privação desse gozo e a falta de pagamento da renda.*
I-RELATÓRIOAcordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, residente na Rua …, …, Maia, em representação de C… e marido D…, veio intentar a presente acção declarativa de condenação contra E… e F…, residentes na Rua …, …, …, Gondomar formulando os seguintes pedidos:
- a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os representados da autora e os réus por falta de pagamento de rendas;
- a entrega imediata do locado à autora livre de pessoas e bens;
- a condenação dos réus a pagar à autora a quantia de €1.274,00, bem como as rendas vincendas.
Alegou, para tanto e em resumo que C… e D… concederam-lhe, pela outorga de procuração no dia 16 de Outubro de 2015, poderes para, entre outras coisas, propor acções de despejo, de indemnização e outras que se relacionem com os arrendamentos dos prédios que possuem em Gondomar e na Maia. Mais alegou que os pais da representada, celebraram entre o ano de 1970 e 1972, em data que não consegue precisar, um contrato de arrendamento para fins habitacionais, por via do qual cederam aos réus a habitação sita na Rua …, …, …, Gondomar, mediante o pagamento de renda mensal que actualmente se cifra em €182. Sucede que os réus não pagaram as rendas referentes aos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016, que deveriam ter sido pagas no primeiro dia útil dos meses de maio a Dezembro de 2015.*Os Réus contestaram a acção nos termos e com os fundamentos que constam do articulado de folhas 46 a 50, justificando a falta de pagamento das rendas com a omissão da senhoria em fazer obras no locado, o qual não oferecia condições de habitabilidade, sendo que em 15 de Junho enviaram missiva à Autora, nos termos e para os efeitos do artigo 1036.º do Código Civil, dando-lhe conhecimento que iriam proceder a partir do dia 15 de Junho de 2015 à realização das obras constantes do orçamento anteriormente enviado e proceder ao desconto daquele valor total nas rendas futuras, mais alegaram que padecem de problemas de saúde.
Concluíram, referindo que procederam à realização das obras que cabiam ao senhorio fazer, já que a casa não tinha condições mínimas de habitabilidade e salubridade, invocando o disposto nos artigos 1074.º e 1036.º do Código Civil.*Foi proferido despacho a dispensar a convocação da audiência prévia.
Foi exarado despacho saneador que dispensou a enunciação do objecto do litígio e dos temas da prova.*Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.*O processo correu a sua tramitação normal e, tendo tido lugar a audiência de discussão e julgamento foi, a final, proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente por provada e consequentemente declarou a resolução o contrato de arrendamento celebrado entre os representados da Autora e os Réus, decretou o despejo imediato do imóvel sito na Rua …, …, ….-…, Gondomar, condenando os Réus a entregá-lo à Autora livre e devoluto de pessoas e bens e ainda no pagamento das rendas referentes aos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016, no montante global de €1.274,00 (mil duzentos e setenta e quatro euros), vencidas entre maio a Dezembro de 2015, bem como nas que se venceram e vencerem na pendência da presente acção até entrega efectiva do locado.*Não se conformando com o assim decidido vieram os Réus interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
I. O artigo 1074.º do Código Civil determina que “cabe ao senhorio efectuar todas as obras de conservação ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário”.
II. O gozo proporcionado da coisa locada deve ser conforme aos fins a que a coisa se destina. Isto significa que se o imóvel é destinado à habitação e o arrendatário celebra contrato com vista a habitar o imóvel, então o senhorio tem a obrigação de garantir que o imóvel está em condições próprias para a habitação durante todo o tempo da duração do contrato.
Se as condições do imóvel se deteriorarem, sem que tal seja imputável à actuação anormal do locatário, é ao senhorio que compete fazer as obras necessárias à sua conservação de modo a manter a adequação da coisa ao fim a que contratualmente está destinada.
III. O artigo 1031.º do CC na sua al. b) impõe ao locador a obrigação de assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que ela se destina.
IV. O locador é assim obrigado a realizar todas as reparações essenciais ou indispensáveis, de harmonia com os fins a que a coisa se destina, quer se trate de pequenas ou de grandes reparações, quer a necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro (cf. Antunes Varela, RLJ, ano 100, p. 381).
V. O locador está também obrigado a proceder às reparações ordenadas por entidade Pública, no caso em concreto a Câmara Municipal e, não o fazendo em conformidade com o ordenado entra em mora.
VI. A lei impõe ao senhorio a manutenção do locado com um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato e as impostas pela Administração, face aos regulamentos gerais ou locais aplicáveis, para lhes conferir as características habitacionais existentes ao tempo da concessão da licença de habitabilidade, sem prejuízo do estabelecido nos artigos 1043.º do CC.
VII. Os Réus fundamentaram a sua contestação no direito de realização de obras previsto no artigo 1036.º do CC, que por força deste texto legal, nem todas as reparações ou despesas urgentes autorizam o locatário a substituir-se ao senhorio na sua realização. Só as que não se compadeçam com as delongas do procedimento judicial, ou sejam, as relativamente urgentes (n.º 1) e as que não consintam qualquer dilação, ou sejam, as extremamente urgentes (n.º 2).
VIII. No que concerne às obras relativamente urgentes exige-se que o senhorio se encontre em mora quanto à obrigação de as realizar. Já no que respeita as obras extremamente urgentes o locatário pode agir independentemente de mora do locador, devendo contudo avisa-lo na altura em que efectua a reparação ou realiza a despesa.
IX. No presente caso foi a Autora notificada pela Câmara Municipal para proceder à realização das obras aí previstas, em 8 de agosto de 2014.
X. A autora, pese embora instada a proceder a tais obras não só pelas várias interpelações dos Réus, conforme doc. 2; doc. 13; doc. 14 e doc.15 juntos com a contestação, mas também por ordenação da Câmara Municipal em 8 de Agosto de 2014, não as realiza de acordo com a vistoria realizada em 29 de Julho de 2014.
XI. Posto que, persistiram as patologias inicialmente apontadas, em consonância com o ponto 10 dos factos dados como provados.
XII. Ou seja, decorrido um ano desde a notificação da Câmara Municipal as patologias na habitação mantiveram-se.
XIII. Dada a idade e situação de saúde dos Réus, conforme consta dos documentos juntos aos autos (doc. 18, 19, 20 e 21 da contestação) em que o 1.º Réu padece de bronquite asmática crónica e a 2.ª Ré síndrome de apneia obstrutiva do sono, hipertensão arterial e dislipidemia, o que obriga a 2.ª Ré a ser ventilada aquando o sono por forma a poder respirar, tentaram incessantemente junto da Autora que esta cumprisse pontualmente e integralmente a comunicação de ordenação pela Câmara Municipal em suprir as patologias verificadas e constantes do relatório de vistoria. Também pelo doc. 13 junto com a contestação que, pese embora, não conste especificamente dado como factualidade provada, tal documento não foi impugnado e, em depoimento de parte a Autora confessa a recepção de todas as cartas enviadas pelos Réus. (conforme depoimento de parte gravado em CD no dia 13/06/2016 entre as 10:08:24 horas e pelas 10:18:00 horas).
XIV. Conforme se lê na douta sentença recorrida a fls. 9, 2.º parágrafo, “A testemunha G… confirmou que, a pedido da autora, executou obras no locado descrevendo as mesmas, apontando como causa do aparecimento das infiltrações a humidade por capilaridade dos terrenos vizinhos, alegando dificuldade técnica de resolução do problema e, em suma, admitiu que as obras por si realizadas não terão resolvido o problema. De referir que o Tribunal valorou este depoimento como isento e credível, o qual até reconheceu factualidade que lhe era desfavorável.”
XV. Seria exigível aos Réus, que são pessoas de idade avançada e com problemas de saúde que se prendem com o aparelho respiratório, que após tantas tentativas infrutíferas, aguardassem o decurso de um processo judicial????
XVI. Quanto às obras executadas pelos Réus, no entender do Homem Médio seriam necessárias e urgentes, conforme se poderá extrair da fundamentação da douta decisão a fls. 10, 2.º parágrafo, na qual se escreve: “A testemunha H…, funcionário da I…, prestou depoimento que o Tribunal classificou de isento e credível e, em suma confirmou o orçamento e relatório juntou os autos a fls. 75 e 77 e relatório a fls. 86 a 90 como descritivo das obras que executou, mais confirmou as fotografias junto aos autos e que as mesmas correspondem ao local antes da execução das obras. Descreveu o método adoptado na execução da obra e causa, em seu entender, do aparecimento das humidades em causa. Disse, ainda, que quando iniciou as obras as mobílias estavam no meio do quarto, o mesmo não estava a ser usado para dormir, o quarto cheirava a bolor e que era difícil alguém dormir naquele quarto.”
XVII. E ainda tal depoimento foi corroborado pela testemunha “Eugénio Moreira, também funcionário da Teprocil e trabalhou na obra em causa, em suma, corroborou o depoimento Nuno Amaral depondo de forma isenta e credível, revelando conhecimento quanto às obras executadas no locado, descrevendo as mesmas e bem assim o estado em que se encontrou o imóvel.” (fls. 10 da sentença, 3.º parágrafo).
XVIII. Como se pode extrair da douta sentença, o quarto de dormir não estava a ser utilizado e, no entender dos técnicos, muito difícil de lá pernoitar a qualquer pessoa, mais urgente se torna a reparação, sendo os Réus pessoas de idade avançada e com problemas de saúde. A pernoita será de uma casa habitacional será o fim essencial da mesma.
XIX. Ora, se o quarto de dormir não permitia tal finalidade, vislumbra-se daqui a real urgência das obras, até porque o arrendado não tinha outros quartos onde os Réus pudessem pernoitar.
XX. Entendem os recorrentes que em face de tudo quanto antecede a sua actuação enquadra-se na previsão normativa do n.º 1 do art. 1036.º do CC.
XXI. Os Réus encontravam-se em mora, havia uma ordem dada pela Câmara Municipal para a realização de obras e a própria necessidade das obras não se compadecia com a morosidade de um processo judicial.
XXII. E perante estes Réus, dúvidas não restam que além de serem obras urgentes, as mesmas não se compadeciam com as delongas judiciais, perante a mora da Autora e o estado do locado (conforme fotografias do locado, doc. 4 a doc. 12 juntos com a contestação.
XXIII. Nos termos do n.º 1 do artigo 805.º do CC, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. Mas, dada a natureza da prestação do senhorio, a interpelação, quer a judicial quer a extrajudicial, será acompanhada do estabelecimento de um prazo (cf. João de Matos, "Manual do Arrendamento e do Aluguer", vol. II, p. 24 e seguintes).
XXIV. Na interpelação que se pode considerar vertida na comunicação da Câmara Municipal datada de 08.08.2014, dirigida à Autora e por ela recepcionada, em que ordena a realização das obras, conforme matéria dada como provada no pontos 5, impôs o prazo de 60 dias para a realização de tais obras.
XXV. Os Réus procederam às obras quase um ano após precludir aquele prazo.
XXVI. Pelo que, nestas circunstâncias tinham os Réus o direito a ser indemnizados, mormente através da compensação com as rendas.
XXVII. Acresce que, em face das circunstâncias supra descritas, a acção de despejo enferma desde logo de abuso de direito por parte da Autora em pedir o despejo por falta de pagamento das rendas. Posto que, os Réus procederam à compensação de acordo com o orçamento enviado e posteriormente continuaram a pagar as rendas.
XXVIII. Escapa à acção da Autora o fundamento legitimador de despejo por falta de pagamento de rendas. Quanto muito o douto Tribunal a quo o que poderia sentenciar seria a legalidade ou não da compensação efectuada pelos Réus e nunca o despejo.
XXIX. Não é despiciendo referir que estamos perante um contrato de arrendamento com mais de 40 anos durante os quais foram sempre feitas as actualizações legais, mormente a última na qual a renda aumentou exponencialmente e nem assim os Réus faltaram ou sequer atrasaram qualquer pagamento.
XXX. Acresce que, a idade dos Réus (ambos com 72 anos) aqui é uma circunstância deveras a ter em conta, uma vez que a situação de saúde não é ultrapassável da mesma forma do que quando se é jovem, o que vem salientar a necessidade e urgência das obras.
XXXI. É de conhecimento público, ou seja, não é necessário ter conhecimentos técnicos para se poder concluir que um quarto com as humidades dadas como provadas e por isso ordenadas a ser reparadas, em nada é saudável, quanto mais com anciãos com problemas de saúde, entre outros respiratórios, como os Réus.
XXXII. Deve, pelo exposto, ser alterada a decisão de facto quanto a esta questão, no sentido atrás preconizado, isto é, julgar-se a procedência da impugnação da matéria de facto nos segmentos aqui identificados, deve a Apelante ser absolvida do pedido.
XXXIII. Ou, quando assim se não entenda, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concebe, devem os Réus apenas serem condenados ao pagamento de uma indemnização correspondente ao valor das rendas compensadas e não ao despejo.
XXXIV. Ao decidir, como decidiu, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 1074.º; 1031.º; 1038.º e 1038.º, todos do Código Civil, 607º do Código de Processo Civil, bem como uma errada apreciação da prova documental junta aos autos.*Devidamente notificada contra-alegou a Autora concluindo pelo não provimento do recurso.*Corridos os vistos legais cumpre decidir.*
II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.*No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a) - saber se existe, ou não, fundamento para que seja decretado o despejo;
b) - saber se, mesmo existindo fundamento, não se verifica uma situação de abuso de direito.*
A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOÉ a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido: 
1- Por procuração datada de 12 de Outubro de 2015, cujas assinaturas foram reconhecidas no mesmo dia através de Solicitador, os representados da autora, concederam-lhe poderes para “dar de arrendamento, no todo ou em parte, os prédios urbanos ou suas fracções autónomas, que possuem no concelho de Gondomar e da Maia”, podendo, entre outras coisas, “mediante substabelecimento em Advogado, propor acções de despejo, de indemnização ou outras que se relacionem com os arrendamentos”, conforme documento de folhas 12 e 13, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2- Os Pais da representada da autora, entre o ano de 1970 e 1972, a data que não se pode precisar, cederam o uso e fruição aos réus para habitação destes do imóvel sito na Rua …, …, ….-… Gondomar, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal que actualmente, após sucessivas actualizações legais se cifra em €182,00, a pagar no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele que disser respeito.
3- Os réus não entregaram à autora os montantes referentes às rendas dos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016 que deveriam ter sido pagas no primeiro dia útil dos meses de Maio a Dezembro de 2015.
4- Os réus fizeram uma participação à Camara Municipal de Gondomar por falta de obras.
5- Por esse facto o Município efectuou uma vistoria de salubridade ao locado em 29 de Julho de 2014, no âmbito da qual foi elaborado auto no qual consta, além do mais, o seguinte “(…) Parecer da Comissão de Vistorias-Trata-se de um pedido de fiscalização às condições de salubridade da habitação sita no rés-do-chão, num edifício de 2 pisos, face a infiltrações de água ocorridas na fachada posterior. Pela comissão de vistorias foi constatada a existência das referidas infiltrações, eventualmente provenientes da fachada posterior, e do peitoril da janela, não sendo possível determinar com rigor a sua proveniência. Deverá ser notificado o proprietário para proceder à vedação correta da janela e impermeabilização da fachada posterior”, conforme documento de folhas 15, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6- A autora foi notificada, em 8 de agosto de 2014, pelo departamento de urbanismo da Câmara Municipal de Gondomar do auto de vistoria e para, no prazo de 60 dias, proceder à intervenção necessária à resolução das anomalias, conforme documento de folhas 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7- Após tal notificação a autora realizou obras no locado.
8- Os réus enviaram à autora um orçamento datado de 15 de Maio de 2015, com a indicação reabilitação do pátio exterior, no valor global de €2.421,91, conforme documento de folhas 16 a 18, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9- A autora não aceitou tal orçamento uma vez que já tinha efectuado as obras e, em seu entender, os itens descritos no orçamento na sua maior parte não tinham causalidade com os motivos das queixas.
10- No dia 17 de Junho de 2015 a autora recebe uma notificação da Câmara Municipal de Gondomar, na qual consta, além do mais, o seguinte: “Após deslocação do fiscal ao local acima mencionado, constatou-se segundo informações do inquilino que apesar das obras terem sido executadas, não foram suficientes para impedir a infiltração de humidades. Face ao exposto, notifica-se V. Exa., por meu despacho de 16/6/2015, no uso das competências que me foram subdelegadas por (…) para, no prazo de 30 dias, proceder às correcções necessárias”, conforme documento de folhas 19, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11- No dia 3 de Julho de 2015 e na sequência da notificação referida em 10) a autora dirigiu ao Município a missiva de folhas 20, nos termos da qual pedia uma reunião no local para esclarecimento de forma técnica das intervenções que os serviços preconizam como necessárias, conforme documento de folhas 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12- O departamento de urbanismo agendou o dia 22 de Setembro de 2015 para realização de vistoria de salubridade ao prédio, da qual a autora foi notificada em 20/8/2015, conforme documento de folhas 21 cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido.
13- Tal vistoria só foi realizada no dia 13 de Outubro de 2015 devido a impossibilidade de comparência de um dos técnicos, conforme documento de folhas 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
14- No dia 13 de Outubro de 2015 foi realizada nova vistoria de salubridade ao locado, na qual estiveram presentes as partes acompanhadas de técnicos por si indicados, e foi elaborado auto no qual consta: “Em seguimento à vistoria realizada em 29 de Julho de 2014 e face às informações de que persistiam as patologias aí enumeradas, deslocou-se novamente a comissão de vistorias ao locado. Pela comissão não foi verificado a existência de infiltrações de água nem de humidades na fachada posterior, uma vez que ocorreram obras na habitação. De acordo com o perito do arrendatário, a causa para o aparecimento da infiltração de água e humidade deveu-se à falta de escoamento das águas pluviais do logradouro posterior que após infiltração no terreno apareciam, por capilaridade, no pavimento da sala e suas paredes. A solução adoptada passou pela cobertura do logradouro e encaminhamento das águas pluviais para a caixa de saneamento existente no terreno. De acordo com a proprietária, tais obras não foram autorizadas, estando a proceder à resolução da ligação das águas pluviais. É parecer desta comissão que deverá, no prazo de 30 dias, ser removida a cobertura do logradouro, bem como promovida a ligação de águas pluviais ao colector público/sargeta. Foi ainda verificado pela comissão de vistorias a deficiente exaustão de gases proveniente do aparelho de aquecimento de águas sanitárias, que deve cumprir legislação”, conforme documento de folhas 183, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
15- Entre a Primavera e o Verão de 2015, em data não concretamente apurada, os réus construíram no logradouro do locado uma estrutura metálica em toda a sua extensão com cobertura.
16- Nessa estrutura abriram uma janela numa das paredes laterais que permite a devassa da habitação contígua.
17- E construíram 3 chaminés/coluna por cima dessa mesma estrutura metálica, com emissão de fumos e cheiros, chaminés que estão ao nível da varanda de uma residência que se situa por cima do locado, na qual reside arrendatária dos representados da autora que apresentou à autora reclamação e pediu que a autora tomasse as medidas adequadas.
18- Os réus não comunicaram ou pediram autorização para a realização de tais obras.Da contestação19- Os réus solicitaram à autora para visitar o locado e verificar a necessidade de obras.
20- Em 2 de Julho de 2014 os réus, na qualidade de inquilinos, do imóvel descrito em 2), dirigiram ao Presidente da Câmara Municipal de Gondomar, pedido de vistoria e salubridade ao locado, no qual consta, além do mais, o seguinte: “o locado está de tal forma que a minha mulher já não consegue dormir no quarto dada as humidades existentes, bem como eu, muitas vezes tenho de dormir na sala. Acresce que a minha mulher está muito doente e as condições do locado têm agravado o seu estado clinico. Já foram enviadas várias missivas à senhoria (…) porém ou responde com promessas nunca cumpridas ou nem responde às nossas solicitações. No passado eu própria fazia as obras que achava necessárias, pois nunca tive a colaboração da minha senhoria, mas com a actualização da renda do mês de Dezembro de 2013, que passou de €54,00 para €182,00 é-me impossível despender qualquer montante para o efeito. Esta é uma situação urgente, principalmente pela agravação do estado de saúde da minha mulher”, conforme documento de folhas 68, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
21- Em 9 de Julho de 2014 os réus enviaram à autora missiva na qual lhe dá conhecimento que dispõe de um prazo de 8 dias úteis para contactar a advogada ali identificada no sentido de resolver a questão das obras no locado, já que a situação está insustentável ao ponto do constituinte não poder dormir no quarto e a sua mulher não dorme no quarto desde o ano transacto, e Vxa. comprometeu-se a proceder às obras, contudo já decorreram vários meses e nada aconteceu”, conforme documento de folhas 69, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
22- Após a realização das obras pela autora o quarto afectado manteve o problema de humidade.
23- Por missiva datada de 11 de Novembro de 2014 os réus comunicaram à autora que “continuam à espera que as obras se concluam, conforme sua promessa. O meu constituinte, já lhe tinha transmitido a necessidade urgente na realização das obras, já que a sua mulher está muito doente e o locado, nas condições em que se encontra, está a piorar e muito o estado de saúde desta.
Assim, aguardo a realização das obras o mais urgente possível, caso contrário, o meu constituinte deu-me indicações para avançar judicialmente. (…)”, conforme documento de folhas 72, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
24- Os réus solicitaram a presença de um técnico para avaliação do estado do locado e orçamentasse o valor das obras.
25- Por missiva datada de 29 de Maio de 2015 os réus enviaram o orçamento e pediram que informação se pretende suportar as despesas decorrentes das obras e uma vez que a situação é urgente, dado o estado de saúde da mulher do senhor Adérito propõe o seguinte: “que V. Exa. assuma 70% do valor orçamentado para a realização das imprescindíveis obras, cabendo aos arrendatários suportar os restantes 30%, a descontar nas rendas a pagar doravante”, conforme documento de folhas 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
26- A missiva supra referida em 24 foi enviada à autora em 9 de Junho de 2015, conforme registo de folhas 78 e recebida pela autora no dia 11 de Junho de 2015.
27- Por missiva datada de 15 de Junho de 2015, recepcionada pela autora em 18 de Junho de 2015, os réus comunicam à autora o seguinte: “(…) remeto a presente carta perante seu silêncio e inacção face à missiva postal previamente dirigida em representação do Exmo. sr. E…, arrendatário do imóvel identificado supra e do qual V. Exa. é senhoria.
Nos termos e para os efeitos do disposto na norma do artigo 1036.º do Código Civil, atenta a não realização das urgentes reparações no locado, serve a presente para comunicar que o sr. E… levará a cabo as mesmas, com direito ao seu reembolso. Assim, será compensado os créditos das despesas das obras nos seguintes meses até completar o valor do orçamento previamente enviado e assim que conclusas será enviada a respectiva factura/recibo, de acordo com o previsto no artigo 1074.º do Código Civil. As obras terão o seu início no próximo dia 25 de Junho de 2015”, conforme documento de folhas 79 a 80, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
28- Por missiva datada de 7 de Julho de 2015 os réus comunicaram à autora que as obras tiveram o seu início e já foi liquidado o montante de € 1.048,00, valor esse a ser descontado nas rendas seguintes, conforme documento que juntaram, como resulta dos documentos de folhas 82 a 85, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
29- Os réus tiveram que pedir dinheiro emprestado à irmã do réu para a realização das obras, liquidaram a primeira tranche no valor de €1.048,00 e pagam mensalmente em prestações o valor de tal empréstimo à irmã do réu.
30- As obras realizadas pelos réus consistiram no descrito no orçamento e relatório de folhas 86 a 90, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido.
31- Na vistoria realizada pelos técnicos do Município em Outubro de 2015 os mesmos informaram os réus que a marquise construída no terraço não poderia ter aquelas medidas e teria que ser demolida, o que réus fizeram.
32- A ré precisa de dormir com ventilação, o que aconteceu nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2015.
33- O réu padece de bronquite crónica, mas em 16 de Dezembro de 2015 estava sem medicação, conforme atestado de folhas 21, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Mais se provou que:
34- Por missiva datada de 3 de Julho de 2015 a autora respondeu à mandatária dos réus nos termos que constam do documento de folhas 112 e 113, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, disponibilizando-se para reunião com os réus onde acompanhada de técnico será discutido e visualizado os defeitos que possam existir, as quais assumirá e não aceitará qualquer atraso no pagamento da renda e se este persistir irá, no final do segundo mês, operar a resolução do contrato nos termos do artigo 1083.º, nº 3 do Código Civil.*
Factos não provados:1- Após a solicitação referida em 19) dos factos provados a autora nada fez.
2- Em 2014 a ré, que padece de problemas de saúde, já não conseguia dormir no quarto, dada a humidade ali existente, sendo que o seu estado de saúde estava a agravar-se dia para dia, bem como o réu marido muitas vezes tinha que dormir na sala.
3- Em resposta à missiva de folhas 23 a autora disse aos réus que não ia gastar mais dinheiro e que não fazia mais obras.
4- Em Junho de 2015 os problemas de saúde da ré Joana agravavam-se dia para dia.*
III. O DIREITOImporta antes de entrarmos na apreciação das questões supra elencadas e que constituem o objecto de recurso dizer que, não obstante os Réus façam referência nas suas alegações recursivas à impugnação da matéria de facto, o certo é que, para além de não terem cumprido nenhum dos ónus impostos pelo artigo 640.º do CPCivil, também não se descortina o que se pretende, a esse propósito, com a conclusão XIII formulada pela corrente, única, aliás, onde se faz referência à impugnação da matéria de facto.
Com efeito, nos termos do artigo 662.º,nº 1 do CPCivil a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“ […]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. 
Por sua vez o artigo 640.º do mesmo diploma legal estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
Sendo este o arquétipo legal que preside à impugnação da matéria de facto, torna-se evidente que os Réus não deram cumprimento a qualquer dos referidos ónus, não indicando sequer que factos se encontram incorrectamente julgados, seja na vertente dos provados seja dos não provados ou mesmo dos alegados.
Como assim, a matéria factual a que tem de se atender para a apreciação das questões colocadas no recurso é que o tribunal recorrido deu como assente.*Isto dito, a primeira questão que cumpra apreciar consiste em:

a)- saber se existe, ou não, fundamento para que seja decretado o despejo.

Como emerge da fundamentação factual os pais da representante Autora, entre o ano de 1970 e 1972, em data que não se pode precisar, cederam o uso e fruição aos Réus, para habitação destes, do imóvel sito na Rua …, …, ….-… Gondomar, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal que actualmente, após sucessivas actualizações legais se cifra em €182,00, a pagar no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele que disser respeito.
Ora, de tal factualidade retira-se que entre as partes foi celebrado um contrato de locação/arrendamento de imóvel, qualificação jurídica, aliás, aceite por ambas as partes, e que ocorreu antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano RAU (Decreto-Lei n.º 321-B/1990 que entrou em vigor no dia 15/11).
Acontece que, a Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que e entrou em vigor 27/07/2006 e que revogou o citado Decreto-Lei n.º 321-B/1990 estatuiu no seu artigo 59.º que tal diploma se aplica às relações contratuais constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor (concretização, aliás, do princípio geral estabelecido no artigo 12.º, n.º2 do Código Civil), sem prejuízo do disposto nas normas transitórias (artigo 26.º da Lei 6/2006 de 27/2).[1]
Portanto, embora celebrado antes da vigência da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, aplicam-se ao presente contrato as normas previstas no NRAU com as sucessivas alterações.*Como se sabe o contrato de locação é um contrato sinalagmático e oneroso, ou seja, um contrato do qual emergem para ambas as partes obrigações reciprocas e interdependentes e em que ambas as partes realizam atribuições patrimoniais ligadas entre si por um nexo de correspectividade.
O sinalagma em causa estabelece-se, assim, entre as respectivas obrigações principais, ou seja, a disponibilidade do gozo do imóvel pelo senhorio contra o pagamento da respectiva renda pelo arrendatário.
Como refere Almeida Costa[2], “são três os elementos essenciais do contrato de locação: a) a obrigação resultante para uma das partes (locados) de proporcionar à outra (locatário) o gozo de uma coisa, designadamente o aproveitamento das suas utilidades; b) a existência de um prazo, enquanto o gozo da coisa facultado ao locatário é temporário; e c) o pagamento de uma retribuição pelo locatário”.
Quanto ao pagamento de renda, estabelece o artigo 1039.º do Código Civil que a renda ou aluguer deve ser pago no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes ou os usos não fixarem outro regime.
Preceitua ainda o artigo 1075.º, n.º 2 do mesmo diploma legal que se estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, as rendas devem ser pagas, na falta de convenção em contrário, a primeira no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito.
No caso vertente provou-se que os Réus não entregaram à Autora os montantes referentes às rendas dos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016 que deveriam ter sido pagas no primeiro dia útil dos meses de Maio a Dezembro de 2015 (cfr. ponto 3 do elenco dos factos provados).
Ora os Réus, admitindo o não pagamento das citadas rendas, vieram excepcionar tal omissão alegando que fizeram obras urgentes no locado e que, por isso, compensaram o valor de tais obras nas rendas em causa, tudo nos termos do artigo do artigo 1074.º, n.º 3 do Código Civil.
Na decisão recorrida entendeu-se não se verificar a referida excepção.
Com o assim decidido não concordam os Réus.
Quid iuris?
Como é do conhecimento geral um dos deveres do senhorio na relação locatícia é do fazer obras.
Preceitua o artigo 1074.º do Código Civil sob a epígrafe “Obras” que:
1-Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
2- O arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizada, por escrito, pelo senhorio.
3- Exceptuam-se do disposto no número anterior as situações previstas no artigo 1036.º , caso em que o arrendatário pode efectuar a compensação do crédito pelas despesas com a realização da obra com a obrigação de pagamento de renda.
4- O arrendatário que pretenda exercer o direito à compensação previsto no número anterior comunica essa intenção aquando do aviso de execução da obra e junta os comprovativos das despesas até à data do vencimento da renda seguinte.
5- Salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé.
O inciso transcrito prevê uma alteração em relação ao regime anterior, porquanto no regime do RAU apenas as obras de conservação ordinária estavam a cargo do senhorio, sendo que, actualmente no NRAU o senhorio é responsável por fazer a generalidade das obras no imóvel arrendado, o que está, aliás, em consonância com a obrigação que impende sobre ele de proporcionar o gozo da coisa ao locatário para os fins a que se destina.
Resulta também deste preceito que a referida obrigação pode ser afastada por vontade das partes, sendo certo que no caso em apreço nada foi alegado nem demonstrado que os réus tenham assumido tal obrigação.
O regime do artigo 1074.º relaciona-se, assim, com a obrigação do senhorio em desenvolver uma actividade positiva no sentido de assegurar o gozo do prédio arrendado para os fins a que se destina, neste caso, para a habitação.
Repare-se, porém, que ainda assim estamos no âmbito de uma zona de intervenção exclusiva do senhorio, como decorre do nº 2 do citado artigo 1074.º onde se consigna que o arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato lho faculte ou quando seja autorizado por escrito pelo senhorio.
Aliás, uma das obrigações do locatário é tolerar as reparações urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública, conforme resulta do artigo 1038.º e) do Código Civil.
Por outro lado, o locatário tem o direito de exigir que o senhorio faça as obras necessárias à manutenção do imóvel adequado ao fim do contrato [cfr. artigos 1074.º, 1111.º e 1031.º b) do CCivil].
Caso o senhorio não faça as obras necessárias para manter o imóvel adequado à finalidade, o mesmo incumpre uma obrigação contratual e o arrendatário poderá, desde logo, resolver o contrato, nos termos previstos no artigo 1083.º, n.º 5 do Código Civil.
No que diz respeito ao direito de realizar por si as obras, o arrendatário só pode fazê-lo, como vimos, nas situações previstas no n.º 2 do artigo 1074.º ou no caso das situações previstas no artigo 1036.º do Código Civil (nº 3 do artigo 1074.º).
Estatuiu o artigo 1036.º do Código Civil sob a epígrafe de “Reparações ou outras despesas urgentes” que:
1- Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas e umas ou outras, pela sua urgência, não se compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso.
2- Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas, também com direito ao reembolso, independentemente da mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo.
Portanto, resulta deste normativo, que para além das situações previstas no citado artigo 1074.º, n.º 2, o arrendatário pode realizar obras quando a obra seja urgentíssima (artigo 1036.º, n.º 2) ou quando o senhorio esteja em mora quanto à obrigação de executar certa obra e a sua urgência não permita esperar pela decisão judicial (artigo 1036.º, n.º 1).
Sob este conspecto importa ainda ter atenção a legislação complementar ao NRAU, nomeadamente, o regime jurídico das obras em prédios arrendados, plasmado no Decreto-lei nº 157/2006 de 08/08 que regula, além do mais, nos contratos anteriores ao NRAU, os direitos de intervenção dos arrendatários, possibilitando ao arrendatário a realização de obras com posterior compensação no valor das rendas, nos termos previstos nos artigos 30.º a 33.º do referido diploma legal.*Postas estas breves considerações voltemos a nossa atenção para o caso concreto dos autos, tendo como referência o seguinte quadro factual:
- Em 2 de Julho de 2014 os Réus na qualidade de inquilinos dirigiram ao Município um pedido de vistoria e salubridade ao locado, invocando urgência atento o seu estado de saúde referenciando a existência de humidade no quarto (cfr. pontos 4 e 20 da fundamentação factual).
- Em 29 de Julho de 2014 é realizada a vistoria e no respectivo auto consta que foi constatada a existência de infiltrações, eventualmente provenientes da fachada posterior, e do peitoril da janela, não sendo possível determinar com rigor a sua proveniência, devendo ser notificado o proprietário para proceder à vedação correta da janela e impermeabilização da fachada posterior (cfr. facto descrito em 5 da fundamentação factual).
- Mais resultou provado que a Autora foi notificada, em 8 de agosto de 2014, para no prazo de 60 dias proceder à intervenção necessária à resolução das anomalias. Provou-se, ainda, que a autora realizou obras no locado (cfr. pontos 6 e 7 do elenco dos factos provados).
- Está também demonstrado nos autos que após a realização das obras pela Autora o quarto afectado manteve o problema de humidade (cf. ponto 22 do elenco dos factos provados).
- Em 11 de Novembro de 2014 os Réus comunicam à Autora que continuam à espera que os obras se concluam.
- No dia 17 de Junho de 2015 a Autora foi notificada pelo Município que as obras não foram suficientes para impedir a infiltração das humidades e foi notificada para, no prazo de trinta dias, proceder às correcções necessárias.
- Em 11 de Junho a Autora foi notificada pelos Réus do teor do orçamento para realização de obras no locado e bem assim da proposta para assumir 70% do valor orçamentado.
- No dia 15 de Junho a Autora recebe nova notificação dos Réus a informar a realização das obras e compensação do crédito das despesas das obras com o valor das rendas nos meses seguintes e que as obras terão início no dia 25 de Junho de 2015.
- Em 7 de Julho de 2015 os Réus comunicaram à autora que as obras tiveram o seu início e já foi liquidado o montante de €1.048,00, valor esse a ser descontado nas rendas seguintes.
- As obras realizadas são as no orçamento e relatório de folhas 86 a 90 dos autos.
Diante deste acervo factual a questão que agora importa dilucidar é saber se a intervenção dos Réus na realização das obras no locado preenche a facti species do artigo 1036.º do CCivil supra transcrito.
Não cremos, desde logo, que se esteja perante um caso de obras urgentes a que se refere o nº 2 do citado artigo 1036.º.
As reparações urgentes que não consentem qualquer dilação são, como bem se refere na decisão, por exemplo, as reparações de danos no telhado para evitar a entrada de água, reparação de janelas ou portas para evitar a entrada de estranhos, água ou frio, reparações nas instalações eléctricas ou rotura de canalizações e quaisquer outras que, verificadas, não permitam a utilização do locado se não forem executadas imediatamente.
Ora, as obras executadas pelos Réus referem-se à existência de humidades numa única divisão da casa (quarto) e como tal não se vê, nem isso foi alegado e muito menos provado, que a existência dessa humidade impossibilitasse os Réus de utilizar o locado e muito menos a referida divisão (cfr. matéria de facto dada como não provada e que não foi objecto de impugnação)
Acresce que, não obstante os problemas de saúde dos Réus descritos nos pontos 32 e 33 da fundamentação factual, também não está alegado nem provado que isso os impedia de utilizar a referida divisão e que a existência da referida humidade pudesse agravar o mencionado estado de saúde, aliás, que assim não era demonstra-o a circunstância de por um lado terem recorrido ao Município de Gondomar alegando a omissão da obrigação de realização de obras por parte da senhoria e por outro lado terem estado desde 11 de Novembro de 2014 até Maio de 2015, sem terem procedido à realização das obras.
Não se verificando a hipótese preceituada no nº 2 do artigo 1036.º, importa então perscrutar se ocorre a situação do nº 1 do mesmo preceito legal.
Ora, independentemente da ocorrência de mora por parte da senhoria, requisito exigido pelo artigo 1036.º, nº 1, não cremos, salvo o devido respeito, que a realização das obras em causa se não compadecesse com as delongas de um procedimento judicial dado o seu carácter urgente.
Com efeito, a reparação da patologia em causa-humidade numa parede de uma divisão do locado (quarto)-mesmo tendo presente o estado de saúde dos Réus (cfr. factos 32  e  33 da fundamentação factual), não se mostra urgente quando desgarrada de qualquer outra factualidade não alegada nem provada que permita extrair semelhante ilação e a que já noutro passo se fez referência.
Repare-se, aliás, que os Réus previram accionar judicialmente a Autora em Novembro de 2014 e só iniciaram a execução das obras no final do mês de Junho de 2015, ou seja, cerca de 7 meses depois.
Portanto, pelo menos, desde de Novembro de 2014 que os Réus poderiam, se assim o entendessem, accionar judicialmente a Autora com vista à realização das obras que entendiam em falta, como aliás, dão conta na referida missiva.
Decorre do exposto que a obra executada pelos réus também não se integra na previsão do nº 1 do artigo 1036.º do Código Civil.
Destarte, podendo o arrendatário apenas realizar obras no locado com direito a compensação do crédito pelas despesas com a sua realização com a obrigação de pagamento de renda nos termos do 1074.º, n.º 3 e 4 e só nas situações previstas no artigo 1036.º do Código Civil, os Réus não lograram demonstrar que a obra executada se integrava numa dessas situações, ónus de prova que, aliás, a eles cabia enquanto matéria de excepção, conforme decorre do disposto no artigo 342.º, nº 2 do Código Civil.
Evidentemente que não se põe em causa que assistia aos Réus o direito à reparação e à realização das obras necessárias a assegurar o gozo do locado e a cessar a ocorrência das humidades em causa.
Com efeito, a doutrina e a jurisprudência admitem que na locação (e, portanto, no arrendamento em especial) existe, como já noutro passo se referiu, correspectividade entre as obrigações do senhorio de entregar ao locatário a coisa locada e de lhe assegurar o respectivo gozo e a obrigação de pagamento de renda por parte deste.[3]
A excepção de não cumprimento do contrato em termos gerais traduz-se na possibilidade de, no âmbito de um contrato bilateral, um dos contraentes recusar a sua prestação, enquanto a outra parte não realizar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo (artigo. 428.° CCivil).
Assim, se não é entregue a coisa objecto do negócio, o outro contraente pode, invocando aquele meio de defesa, deixar de cumprir a sua contra prestação até que a outra parte o faça (exceptio non adimpleti contractus). Também no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso é comummente aceite pela doutrina o recurso a este instrumento (exceptio non rite adimpleti contractus).[4]
Entende-se que se não se concedesse tal possibilidade a uma das partes quebrar-se-ia o equilíbrio contratual que subjaz às relações sinalagmáticas. Trata-se, portanto, de um meio de compelir à execução do contrato, sendo certo que sem recurso a tal figura poderiam produzir-se resultados contraditórios com o princípio da equivalência das prestações, expressão dos contratos bilaterais.
Ora, à luz das regras enunciadas, como refere Gravato Morais[5] há que responder a certas questões para apurar, em concreto, se é viável o emprego da excepção:
- Por um lado, se houve privação total ou parcial do gozo do imóvel, pois só nestes casos se pode suscitar a invocação da excepção de não cumprimento pelo arrendatário (se existirem, por hipótese, pequenas infiltrações de água no locado que não impeçam o gozo do locado, não pode haver lugar à suspensão-sequer parcial-do pagamento da renda. Ao invés, se essas deteriorações não permitem ao arrendatário gozar, total e plenamente do prédio, a conclusão é a inversa).
- Por outro lado, se tal privação é imputável ao senhorio ou ao arrendatário (pois sendo o acto imputável ao inquilino, dúvidas não haverá que o senhorio não corre o risco de suspensão do pagamento da renda), sendo que só naquele caso é que se suscita a invocação do meio de defesa em causa.
Acresce que há igualmente que considerar a específica situação que está na base da invocação da exceptio (v.g., se está em causa um vício da coisa, a falta da licença de utilização do imóvel) para avaliar adequadamente a sua fundamentação.
Repare-se que a falta de pagamento só pode ser total se o prédio não realiza cabalmente o fim a que é destinado, carecendo o mesmo das qualidades asseguradas no início do contrato; em todos os outros casos, a falta de pagamento da renda apenas poderá ser parcial (artigo 1040° do CC).
Relevante a este propósito é o que refere Menezes leitão[6] sobre o instituto em apreço: “Tem-se entendido que, para a excepção de não cumprimento do contrato poder ser invocada sem que haja contrariedade à boa fé, exige-se uma tripla relação entre o não cumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte de quem invoca a excepção, em termos de sucessão, causalidade e proporcionalidade entre uma e outra.
A relação de sucessão pressupõe que quem invoca a excepção não tenha sido o primeiro a cair em incumprimento, uma vez que a recusa em cumprir deve ser posterior e não anterior ao incumprimento da outra parte;
A relação de causalidade pressupõe que a invocação da excepção vise exclusivamente compelir a outra parte à realização da sua prestação, sendo essa invocação ilegítima quando seja determinada por outros fins;
Finalmente, a relação de proporcionalidade pressupõe que a invocação da excepção seja proporcional ao incumprimento que a legitima, não sendo admitido o recurso à excepção sempre que esse incumprimento for de escassa importância (José João Abrantes, a excepção, pag. 124 e ss e Ac RP de 10.3.2008, CJ 33 (2008), p. 173 - 176)”.*Ora, no caso em análise, a humidade apenas se manifestou num dos cómodos do locado, sendo que os réus sempre continuaram a habitar o locado, pelo que não poderiam, salvo opinião em sentido contrário, tendo presente o equilíbrio das prestações contratuais, excepcionar o pagamento da totalidade das rendas em causa.*Decorre do exposto que as obras realizadas pelos Réus não se integrando na previsão do artigo 1036.º do Código Civil, vedado lhe estava o direito de efectuar a compensação do crédito das despesas com a realização da obra com a obrigação do pagamento das rendas de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016 e bem assim as vencidas na pendência da presente acção, sendo, deste modo, infundada a sua falta de pagamento.
Por conseguinte, forçoso é concluir que os Réus não cumpriram com a obrigação a que se vincularam aquando da celebração do contrato em causa, cabendo-lhe, deste modo, a obrigação de efectuar à Autora o pagamento das rendas em falta, cujo montante se cifra em €1,274,00, referentes às rendas dos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016 vencidas à data da entrada da petição inicial.
Assiste, de igual modo, direito à Autora de fazer pagar do montante das rendas que se venceram e das que vencerem durante a pendência da acção até à entrega do locado.*Aqui chegados e verificando-se existir incumprimento do contrato, por banda dos Réus, traduzido na falta de pagamento das rendas dos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016 a questão que agora se coloca é saber se tal incumprimento legitima a Autora a proceder à resolução do contrato.
Analisando.
Com a entrada em vigor do NRAU, as causas de resolução do contrato de arrendamento deixaram de estar taxativamente enunciadas na lei, tendo o legislador optado por consagrar no n.º 1 do artigo 1083.º do Código Civil um fundamento genérico de resolução do contrato que assenta no conceito indeterminado de “justa causa”, entendida esta como “o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequência, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”, aplicável a ambos os contraentes, ou seja, quer ao senhorio, quer ao arrendatário.
Nas alíneas dos n.ºs 2 e 3 do referido artigo 1083.º, o legislador exemplificou situações em que se verifica incumprimento por parte do arrendatário que, pela sua gravidade e consequências, torna inexigível ao senhorio a manutenção da relação contratual.
No que tange ao não pagamento de rendas, o n.º 3 do artigo 1083.º estatui ser “inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas”.
Portanto, ao contrário do regime jurídico estatuído no RAU, em que não se fixava qualquer número mínimo de rendas em dívida para que ao senhorio ficasse conferido o direito potestativo a resolver o contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento de rendas, bastando-se a lei com o não pagamento pelo arrendatário de uma única renda, com a entrada em vigor do NRAU, a mora no pagamento da renda só passou a assumir relevância como fundamento da resolução do contrato quando exceda os três meses de rendas em dívida.
Mantém-se, no entanto, no domínio de vigência do NRAU, o direito que vigorava na vigência do regime anterior de, instaurada a acção de despejo pelo senhorio com fundamento no não pagamento de rendas, o arrendatário poder operar a caducidade do direito potestativo daquele a obter a resolução do contrato de arrendamento com esse fundamento, pagando ou depositando, até ao termo do prazo de contestação da acção de despejo, as rendas em dívida, acrescidas de 50% do respectivo valor, a título de indemnização e, bem assim, o valor das rendas que se venceram desde a propositura da acção de despejo até ao termo do prazo de contestação (artigo 1048.º do CCivil).
No caso vertente, estando provado a falta de pagamento das rendas por período superior a três meses e não tendo os Réus logrado provar a excepção que invocaram, assiste à Autora o direito à resolução do contrato de arrendamento com o referido fundamento.*Estando a Autora legitimada a peticionar o despejo com base na falta de pagamento das rendas, a última questão colocada no recurso prende-se com:b)- saber se tal exercício não será abusivo.Referem os Réus recorrentes sob este conspecto que a acção de despejo com o referido fundamento (falta de pagamento das rendas) enferma de abuso de direito por parte da Autora já que procederam à compensação de acordo com o orçamento enviado e posteriormente continuaram a pagar as rendas.
Não se concorda, salvo o devido respeito, com semelhante alegação.
Não verdade, não se verificando a excepção da compensação nos termos alegados pelos Réus na sua contestação, única forma de poder paralisar o direito da Autora, outra realidade factual não se encontra provada nos autos a partir da qual se possa concluir pelo seu exercício abusivo por parte daquela nos termos estatuídos no artigo 334.º do CCivil, sendo que, quer o tempo de duração do contrato quer a idade dos Réus (72 anos) por si só e, portanto, desacompanhas de outros factos, não permitem que se lance mão da referida válvula de segurança que representa a figura do abuso de direito.*Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelos recorrente e, com elas, o respectivo recurso.IV - DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.*Custas da apelação pelos Réus recorrentes (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).*Porto, 8 de Maio de 2017.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
___
[1] O NRAU foi já alvo de revisão por via da Lei n.º31/2012 de 14 de Agosto, que procedeu à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro.
[2] In RLJ, 118º, 217.
[3] Cfr., entre outros, Vaz Serra, “Excepção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus)”, BMJ, nº 67,1957, pp. 22 e 23, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª edição pg. 400, Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção pecuniária Compulsória”, 4ª ed. p. 332, nota 599, e José João Abrantes, “A Excepção de Não Cumprimento do contrato no Direito Civil Português, Conceito e fundamento, Coimbra, 1986, pag. 43. Na jurisprudência, Ac. RP de 11.12.2003 (ww.dgsi.pt), citados por Gravato Morais em “Falta de pagamento da renda no arrendamento urbano”, Almedina, pag. 204 e ss.
[4] Quanto à admissibilidade da excepção de cumprimento parcial e da excepção de cumprimento defeituoso, entre outros, Menezes Cordeiro “Violação positiva do contrato. Cumprimento imperfeito e garantia de bom funcionamento da coisa vendida; âmbito da excepção do Contrato não cumprido”, ROA, 1981, pag. 147 ss..
[5] Obra citada pag. 204.
[6] In Direito das Obrigações, Vol. II, 7ª Edição, Almedina, pag. 269.

Processo nº 3542/15.0T8GDM.P1-Apelação Origem: Comarca do Porto-Gondomar-Inst. Local-Secção Cível-J2 Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Miguel Baldaia 2º Adjunto Des. Jorge SeabraSumário:I - No âmbito do NRAU o arrendatário só pode proceder à realização de obras nas situações previstas no n.º 2 do artigo 1074.º ou nas previstas no artigo 1036.º ambos do Código Civil (nº 3 do artigo 1074.º do mesmo diploma). II - As obras urgentes que não consentem qualquer dilação a que se faz referência no artigo 1036.º, nº 2 do CCivil são aquelas que em geral não permitam a utilização do locado, no todo ou em parte, se não forem executadas imediatamente, razão pela qual a existência de humidade numa das paredes de um dos cómodos do locado, cuja não utilização não está demonstrada, não integra a referida urgência. III - Também a referida existência de humidade não integra a urgência a que se refere o nº 1 do citado artigo 1036.º pois que a sua reparação, estando desgarrada de outra realidade factual, não se pode qualificar de urgente e muito menos que não se compadeça com a instauração de uma acção judicial. IV - No contrato de arrendamento existe correspectividade entre a prestação do senhorio de proporcionar ao inquilino o gozo da coisa locada e a prestação do inquilino de pagar o valor da renda. V - Para que o inquilino possa deixar de pagar a renda com base na excepção de não cumprimento do contrato pelo senhorio, tem de alegar e provar que ficou privado do gozo do locado e que existe um nexo de causalidade entre a privação desse gozo e a falta de pagamento da renda.* I-RELATÓRIOAcordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, residente na Rua …, …, Maia, em representação de C… e marido D…, veio intentar a presente acção declarativa de condenação contra E… e F…, residentes na Rua …, …, …, Gondomar formulando os seguintes pedidos: - a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre os representados da autora e os réus por falta de pagamento de rendas; - a entrega imediata do locado à autora livre de pessoas e bens; - a condenação dos réus a pagar à autora a quantia de €1.274,00, bem como as rendas vincendas. Alegou, para tanto e em resumo que C… e D… concederam-lhe, pela outorga de procuração no dia 16 de Outubro de 2015, poderes para, entre outras coisas, propor acções de despejo, de indemnização e outras que se relacionem com os arrendamentos dos prédios que possuem em Gondomar e na Maia. Mais alegou que os pais da representada, celebraram entre o ano de 1970 e 1972, em data que não consegue precisar, um contrato de arrendamento para fins habitacionais, por via do qual cederam aos réus a habitação sita na Rua …, …, …, Gondomar, mediante o pagamento de renda mensal que actualmente se cifra em €182. Sucede que os réus não pagaram as rendas referentes aos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016, que deveriam ter sido pagas no primeiro dia útil dos meses de maio a Dezembro de 2015.*Os Réus contestaram a acção nos termos e com os fundamentos que constam do articulado de folhas 46 a 50, justificando a falta de pagamento das rendas com a omissão da senhoria em fazer obras no locado, o qual não oferecia condições de habitabilidade, sendo que em 15 de Junho enviaram missiva à Autora, nos termos e para os efeitos do artigo 1036.º do Código Civil, dando-lhe conhecimento que iriam proceder a partir do dia 15 de Junho de 2015 à realização das obras constantes do orçamento anteriormente enviado e proceder ao desconto daquele valor total nas rendas futuras, mais alegaram que padecem de problemas de saúde. Concluíram, referindo que procederam à realização das obras que cabiam ao senhorio fazer, já que a casa não tinha condições mínimas de habitabilidade e salubridade, invocando o disposto nos artigos 1074.º e 1036.º do Código Civil.*Foi proferido despacho a dispensar a convocação da audiência prévia. Foi exarado despacho saneador que dispensou a enunciação do objecto do litígio e dos temas da prova.*Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.*O processo correu a sua tramitação normal e, tendo tido lugar a audiência de discussão e julgamento foi, a final, proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente por provada e consequentemente declarou a resolução o contrato de arrendamento celebrado entre os representados da Autora e os Réus, decretou o despejo imediato do imóvel sito na Rua …, …, ….-…, Gondomar, condenando os Réus a entregá-lo à Autora livre e devoluto de pessoas e bens e ainda no pagamento das rendas referentes aos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016, no montante global de €1.274,00 (mil duzentos e setenta e quatro euros), vencidas entre maio a Dezembro de 2015, bem como nas que se venceram e vencerem na pendência da presente acção até entrega efectiva do locado.*Não se conformando com o assim decidido vieram os Réus interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte: I. O artigo 1074.º do Código Civil determina que “cabe ao senhorio efectuar todas as obras de conservação ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário”. II. O gozo proporcionado da coisa locada deve ser conforme aos fins a que a coisa se destina. Isto significa que se o imóvel é destinado à habitação e o arrendatário celebra contrato com vista a habitar o imóvel, então o senhorio tem a obrigação de garantir que o imóvel está em condições próprias para a habitação durante todo o tempo da duração do contrato. Se as condições do imóvel se deteriorarem, sem que tal seja imputável à actuação anormal do locatário, é ao senhorio que compete fazer as obras necessárias à sua conservação de modo a manter a adequação da coisa ao fim a que contratualmente está destinada. III. O artigo 1031.º do CC na sua al. b) impõe ao locador a obrigação de assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que ela se destina. IV. O locador é assim obrigado a realizar todas as reparações essenciais ou indispensáveis, de harmonia com os fins a que a coisa se destina, quer se trate de pequenas ou de grandes reparações, quer a necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro (cf. Antunes Varela, RLJ, ano 100, p. 381). V. O locador está também obrigado a proceder às reparações ordenadas por entidade Pública, no caso em concreto a Câmara Municipal e, não o fazendo em conformidade com o ordenado entra em mora. VI. A lei impõe ao senhorio a manutenção do locado com um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato e as impostas pela Administração, face aos regulamentos gerais ou locais aplicáveis, para lhes conferir as características habitacionais existentes ao tempo da concessão da licença de habitabilidade, sem prejuízo do estabelecido nos artigos 1043.º do CC. VII. Os Réus fundamentaram a sua contestação no direito de realização de obras previsto no artigo 1036.º do CC, que por força deste texto legal, nem todas as reparações ou despesas urgentes autorizam o locatário a substituir-se ao senhorio na sua realização. Só as que não se compadeçam com as delongas do procedimento judicial, ou sejam, as relativamente urgentes (n.º 1) e as que não consintam qualquer dilação, ou sejam, as extremamente urgentes (n.º 2). VIII. No que concerne às obras relativamente urgentes exige-se que o senhorio se encontre em mora quanto à obrigação de as realizar. Já no que respeita as obras extremamente urgentes o locatário pode agir independentemente de mora do locador, devendo contudo avisa-lo na altura em que efectua a reparação ou realiza a despesa. IX. No presente caso foi a Autora notificada pela Câmara Municipal para proceder à realização das obras aí previstas, em 8 de agosto de 2014. X. A autora, pese embora instada a proceder a tais obras não só pelas várias interpelações dos Réus, conforme doc. 2; doc. 13; doc. 14 e doc.15 juntos com a contestação, mas também por ordenação da Câmara Municipal em 8 de Agosto de 2014, não as realiza de acordo com a vistoria realizada em 29 de Julho de 2014. XI. Posto que, persistiram as patologias inicialmente apontadas, em consonância com o ponto 10 dos factos dados como provados. XII. Ou seja, decorrido um ano desde a notificação da Câmara Municipal as patologias na habitação mantiveram-se. XIII. Dada a idade e situação de saúde dos Réus, conforme consta dos documentos juntos aos autos (doc. 18, 19, 20 e 21 da contestação) em que o 1.º Réu padece de bronquite asmática crónica e a 2.ª Ré síndrome de apneia obstrutiva do sono, hipertensão arterial e dislipidemia, o que obriga a 2.ª Ré a ser ventilada aquando o sono por forma a poder respirar, tentaram incessantemente junto da Autora que esta cumprisse pontualmente e integralmente a comunicação de ordenação pela Câmara Municipal em suprir as patologias verificadas e constantes do relatório de vistoria. Também pelo doc. 13 junto com a contestação que, pese embora, não conste especificamente dado como factualidade provada, tal documento não foi impugnado e, em depoimento de parte a Autora confessa a recepção de todas as cartas enviadas pelos Réus. (conforme depoimento de parte gravado em CD no dia 13/06/2016 entre as 10:08:24 horas e pelas 10:18:00 horas). XIV. Conforme se lê na douta sentença recorrida a fls. 9, 2.º parágrafo, “A testemunha G… confirmou que, a pedido da autora, executou obras no locado descrevendo as mesmas, apontando como causa do aparecimento das infiltrações a humidade por capilaridade dos terrenos vizinhos, alegando dificuldade técnica de resolução do problema e, em suma, admitiu que as obras por si realizadas não terão resolvido o problema. De referir que o Tribunal valorou este depoimento como isento e credível, o qual até reconheceu factualidade que lhe era desfavorável.” XV. Seria exigível aos Réus, que são pessoas de idade avançada e com problemas de saúde que se prendem com o aparelho respiratório, que após tantas tentativas infrutíferas, aguardassem o decurso de um processo judicial???? XVI. Quanto às obras executadas pelos Réus, no entender do Homem Médio seriam necessárias e urgentes, conforme se poderá extrair da fundamentação da douta decisão a fls. 10, 2.º parágrafo, na qual se escreve: “A testemunha H…, funcionário da I…, prestou depoimento que o Tribunal classificou de isento e credível e, em suma confirmou o orçamento e relatório juntou os autos a fls. 75 e 77 e relatório a fls. 86 a 90 como descritivo das obras que executou, mais confirmou as fotografias junto aos autos e que as mesmas correspondem ao local antes da execução das obras. Descreveu o método adoptado na execução da obra e causa, em seu entender, do aparecimento das humidades em causa. Disse, ainda, que quando iniciou as obras as mobílias estavam no meio do quarto, o mesmo não estava a ser usado para dormir, o quarto cheirava a bolor e que era difícil alguém dormir naquele quarto.” XVII. E ainda tal depoimento foi corroborado pela testemunha “Eugénio Moreira, também funcionário da Teprocil e trabalhou na obra em causa, em suma, corroborou o depoimento Nuno Amaral depondo de forma isenta e credível, revelando conhecimento quanto às obras executadas no locado, descrevendo as mesmas e bem assim o estado em que se encontrou o imóvel.” (fls. 10 da sentença, 3.º parágrafo). XVIII. Como se pode extrair da douta sentença, o quarto de dormir não estava a ser utilizado e, no entender dos técnicos, muito difícil de lá pernoitar a qualquer pessoa, mais urgente se torna a reparação, sendo os Réus pessoas de idade avançada e com problemas de saúde. A pernoita será de uma casa habitacional será o fim essencial da mesma. XIX. Ora, se o quarto de dormir não permitia tal finalidade, vislumbra-se daqui a real urgência das obras, até porque o arrendado não tinha outros quartos onde os Réus pudessem pernoitar. XX. Entendem os recorrentes que em face de tudo quanto antecede a sua actuação enquadra-se na previsão normativa do n.º 1 do art. 1036.º do CC. XXI. Os Réus encontravam-se em mora, havia uma ordem dada pela Câmara Municipal para a realização de obras e a própria necessidade das obras não se compadecia com a morosidade de um processo judicial. XXII. E perante estes Réus, dúvidas não restam que além de serem obras urgentes, as mesmas não se compadeciam com as delongas judiciais, perante a mora da Autora e o estado do locado (conforme fotografias do locado, doc. 4 a doc. 12 juntos com a contestação. XXIII. Nos termos do n.º 1 do artigo 805.º do CC, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. Mas, dada a natureza da prestação do senhorio, a interpelação, quer a judicial quer a extrajudicial, será acompanhada do estabelecimento de um prazo (cf. João de Matos, "Manual do Arrendamento e do Aluguer", vol. II, p. 24 e seguintes). XXIV. Na interpelação que se pode considerar vertida na comunicação da Câmara Municipal datada de 08.08.2014, dirigida à Autora e por ela recepcionada, em que ordena a realização das obras, conforme matéria dada como provada no pontos 5, impôs o prazo de 60 dias para a realização de tais obras. XXV. Os Réus procederam às obras quase um ano após precludir aquele prazo. XXVI. Pelo que, nestas circunstâncias tinham os Réus o direito a ser indemnizados, mormente através da compensação com as rendas. XXVII. Acresce que, em face das circunstâncias supra descritas, a acção de despejo enferma desde logo de abuso de direito por parte da Autora em pedir o despejo por falta de pagamento das rendas. Posto que, os Réus procederam à compensação de acordo com o orçamento enviado e posteriormente continuaram a pagar as rendas. XXVIII. Escapa à acção da Autora o fundamento legitimador de despejo por falta de pagamento de rendas. Quanto muito o douto Tribunal a quo o que poderia sentenciar seria a legalidade ou não da compensação efectuada pelos Réus e nunca o despejo. XXIX. Não é despiciendo referir que estamos perante um contrato de arrendamento com mais de 40 anos durante os quais foram sempre feitas as actualizações legais, mormente a última na qual a renda aumentou exponencialmente e nem assim os Réus faltaram ou sequer atrasaram qualquer pagamento. XXX. Acresce que, a idade dos Réus (ambos com 72 anos) aqui é uma circunstância deveras a ter em conta, uma vez que a situação de saúde não é ultrapassável da mesma forma do que quando se é jovem, o que vem salientar a necessidade e urgência das obras. XXXI. É de conhecimento público, ou seja, não é necessário ter conhecimentos técnicos para se poder concluir que um quarto com as humidades dadas como provadas e por isso ordenadas a ser reparadas, em nada é saudável, quanto mais com anciãos com problemas de saúde, entre outros respiratórios, como os Réus. XXXII. Deve, pelo exposto, ser alterada a decisão de facto quanto a esta questão, no sentido atrás preconizado, isto é, julgar-se a procedência da impugnação da matéria de facto nos segmentos aqui identificados, deve a Apelante ser absolvida do pedido. XXXIII. Ou, quando assim se não entenda, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concebe, devem os Réus apenas serem condenados ao pagamento de uma indemnização correspondente ao valor das rendas compensadas e não ao despejo. XXXIV. Ao decidir, como decidiu, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 1074.º; 1031.º; 1038.º e 1038.º, todos do Código Civil, 607º do Código de Processo Civil, bem como uma errada apreciação da prova documental junta aos autos.*Devidamente notificada contra-alegou a Autora concluindo pelo não provimento do recurso.*Corridos os vistos legais cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.*No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir: a) - saber se existe, ou não, fundamento para que seja decretado o despejo; b) - saber se, mesmo existindo fundamento, não se verifica uma situação de abuso de direito.* A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOÉ a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido: 1- Por procuração datada de 12 de Outubro de 2015, cujas assinaturas foram reconhecidas no mesmo dia através de Solicitador, os representados da autora, concederam-lhe poderes para “dar de arrendamento, no todo ou em parte, os prédios urbanos ou suas fracções autónomas, que possuem no concelho de Gondomar e da Maia”, podendo, entre outras coisas, “mediante substabelecimento em Advogado, propor acções de despejo, de indemnização ou outras que se relacionem com os arrendamentos”, conforme documento de folhas 12 e 13, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 2- Os Pais da representada da autora, entre o ano de 1970 e 1972, a data que não se pode precisar, cederam o uso e fruição aos réus para habitação destes do imóvel sito na Rua …, …, ….-… Gondomar, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal que actualmente, após sucessivas actualizações legais se cifra em €182,00, a pagar no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele que disser respeito. 3- Os réus não entregaram à autora os montantes referentes às rendas dos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016 que deveriam ter sido pagas no primeiro dia útil dos meses de Maio a Dezembro de 2015. 4- Os réus fizeram uma participação à Camara Municipal de Gondomar por falta de obras. 5- Por esse facto o Município efectuou uma vistoria de salubridade ao locado em 29 de Julho de 2014, no âmbito da qual foi elaborado auto no qual consta, além do mais, o seguinte “(…) Parecer da Comissão de Vistorias-Trata-se de um pedido de fiscalização às condições de salubridade da habitação sita no rés-do-chão, num edifício de 2 pisos, face a infiltrações de água ocorridas na fachada posterior. Pela comissão de vistorias foi constatada a existência das referidas infiltrações, eventualmente provenientes da fachada posterior, e do peitoril da janela, não sendo possível determinar com rigor a sua proveniência. Deverá ser notificado o proprietário para proceder à vedação correta da janela e impermeabilização da fachada posterior”, conforme documento de folhas 15, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 6- A autora foi notificada, em 8 de agosto de 2014, pelo departamento de urbanismo da Câmara Municipal de Gondomar do auto de vistoria e para, no prazo de 60 dias, proceder à intervenção necessária à resolução das anomalias, conforme documento de folhas 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 7- Após tal notificação a autora realizou obras no locado. 8- Os réus enviaram à autora um orçamento datado de 15 de Maio de 2015, com a indicação reabilitação do pátio exterior, no valor global de €2.421,91, conforme documento de folhas 16 a 18, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 9- A autora não aceitou tal orçamento uma vez que já tinha efectuado as obras e, em seu entender, os itens descritos no orçamento na sua maior parte não tinham causalidade com os motivos das queixas. 10- No dia 17 de Junho de 2015 a autora recebe uma notificação da Câmara Municipal de Gondomar, na qual consta, além do mais, o seguinte: “Após deslocação do fiscal ao local acima mencionado, constatou-se segundo informações do inquilino que apesar das obras terem sido executadas, não foram suficientes para impedir a infiltração de humidades. Face ao exposto, notifica-se V. Exa., por meu despacho de 16/6/2015, no uso das competências que me foram subdelegadas por (…) para, no prazo de 30 dias, proceder às correcções necessárias”, conforme documento de folhas 19, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 11- No dia 3 de Julho de 2015 e na sequência da notificação referida em 10) a autora dirigiu ao Município a missiva de folhas 20, nos termos da qual pedia uma reunião no local para esclarecimento de forma técnica das intervenções que os serviços preconizam como necessárias, conforme documento de folhas 20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 12- O departamento de urbanismo agendou o dia 22 de Setembro de 2015 para realização de vistoria de salubridade ao prédio, da qual a autora foi notificada em 20/8/2015, conforme documento de folhas 21 cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido. 13- Tal vistoria só foi realizada no dia 13 de Outubro de 2015 devido a impossibilidade de comparência de um dos técnicos, conforme documento de folhas 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 14- No dia 13 de Outubro de 2015 foi realizada nova vistoria de salubridade ao locado, na qual estiveram presentes as partes acompanhadas de técnicos por si indicados, e foi elaborado auto no qual consta: “Em seguimento à vistoria realizada em 29 de Julho de 2014 e face às informações de que persistiam as patologias aí enumeradas, deslocou-se novamente a comissão de vistorias ao locado. Pela comissão não foi verificado a existência de infiltrações de água nem de humidades na fachada posterior, uma vez que ocorreram obras na habitação. De acordo com o perito do arrendatário, a causa para o aparecimento da infiltração de água e humidade deveu-se à falta de escoamento das águas pluviais do logradouro posterior que após infiltração no terreno apareciam, por capilaridade, no pavimento da sala e suas paredes. A solução adoptada passou pela cobertura do logradouro e encaminhamento das águas pluviais para a caixa de saneamento existente no terreno. De acordo com a proprietária, tais obras não foram autorizadas, estando a proceder à resolução da ligação das águas pluviais. É parecer desta comissão que deverá, no prazo de 30 dias, ser removida a cobertura do logradouro, bem como promovida a ligação de águas pluviais ao colector público/sargeta. Foi ainda verificado pela comissão de vistorias a deficiente exaustão de gases proveniente do aparelho de aquecimento de águas sanitárias, que deve cumprir legislação”, conforme documento de folhas 183, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 15- Entre a Primavera e o Verão de 2015, em data não concretamente apurada, os réus construíram no logradouro do locado uma estrutura metálica em toda a sua extensão com cobertura. 16- Nessa estrutura abriram uma janela numa das paredes laterais que permite a devassa da habitação contígua. 17- E construíram 3 chaminés/coluna por cima dessa mesma estrutura metálica, com emissão de fumos e cheiros, chaminés que estão ao nível da varanda de uma residência que se situa por cima do locado, na qual reside arrendatária dos representados da autora que apresentou à autora reclamação e pediu que a autora tomasse as medidas adequadas. 18- Os réus não comunicaram ou pediram autorização para a realização de tais obras.Da contestação19- Os réus solicitaram à autora para visitar o locado e verificar a necessidade de obras. 20- Em 2 de Julho de 2014 os réus, na qualidade de inquilinos, do imóvel descrito em 2), dirigiram ao Presidente da Câmara Municipal de Gondomar, pedido de vistoria e salubridade ao locado, no qual consta, além do mais, o seguinte: “o locado está de tal forma que a minha mulher já não consegue dormir no quarto dada as humidades existentes, bem como eu, muitas vezes tenho de dormir na sala. Acresce que a minha mulher está muito doente e as condições do locado têm agravado o seu estado clinico. Já foram enviadas várias missivas à senhoria (…) porém ou responde com promessas nunca cumpridas ou nem responde às nossas solicitações. No passado eu própria fazia as obras que achava necessárias, pois nunca tive a colaboração da minha senhoria, mas com a actualização da renda do mês de Dezembro de 2013, que passou de €54,00 para €182,00 é-me impossível despender qualquer montante para o efeito. Esta é uma situação urgente, principalmente pela agravação do estado de saúde da minha mulher”, conforme documento de folhas 68, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 21- Em 9 de Julho de 2014 os réus enviaram à autora missiva na qual lhe dá conhecimento que dispõe de um prazo de 8 dias úteis para contactar a advogada ali identificada no sentido de resolver a questão das obras no locado, já que a situação está insustentável ao ponto do constituinte não poder dormir no quarto e a sua mulher não dorme no quarto desde o ano transacto, e Vxa. comprometeu-se a proceder às obras, contudo já decorreram vários meses e nada aconteceu”, conforme documento de folhas 69, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 22- Após a realização das obras pela autora o quarto afectado manteve o problema de humidade. 23- Por missiva datada de 11 de Novembro de 2014 os réus comunicaram à autora que “continuam à espera que as obras se concluam, conforme sua promessa. O meu constituinte, já lhe tinha transmitido a necessidade urgente na realização das obras, já que a sua mulher está muito doente e o locado, nas condições em que se encontra, está a piorar e muito o estado de saúde desta. Assim, aguardo a realização das obras o mais urgente possível, caso contrário, o meu constituinte deu-me indicações para avançar judicialmente. (…)”, conforme documento de folhas 72, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 24- Os réus solicitaram a presença de um técnico para avaliação do estado do locado e orçamentasse o valor das obras. 25- Por missiva datada de 29 de Maio de 2015 os réus enviaram o orçamento e pediram que informação se pretende suportar as despesas decorrentes das obras e uma vez que a situação é urgente, dado o estado de saúde da mulher do senhor Adérito propõe o seguinte: “que V. Exa. assuma 70% do valor orçamentado para a realização das imprescindíveis obras, cabendo aos arrendatários suportar os restantes 30%, a descontar nas rendas a pagar doravante”, conforme documento de folhas 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 26- A missiva supra referida em 24 foi enviada à autora em 9 de Junho de 2015, conforme registo de folhas 78 e recebida pela autora no dia 11 de Junho de 2015. 27- Por missiva datada de 15 de Junho de 2015, recepcionada pela autora em 18 de Junho de 2015, os réus comunicam à autora o seguinte: “(…) remeto a presente carta perante seu silêncio e inacção face à missiva postal previamente dirigida em representação do Exmo. sr. E…, arrendatário do imóvel identificado supra e do qual V. Exa. é senhoria. Nos termos e para os efeitos do disposto na norma do artigo 1036.º do Código Civil, atenta a não realização das urgentes reparações no locado, serve a presente para comunicar que o sr. E… levará a cabo as mesmas, com direito ao seu reembolso. Assim, será compensado os créditos das despesas das obras nos seguintes meses até completar o valor do orçamento previamente enviado e assim que conclusas será enviada a respectiva factura/recibo, de acordo com o previsto no artigo 1074.º do Código Civil. As obras terão o seu início no próximo dia 25 de Junho de 2015”, conforme documento de folhas 79 a 80, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 28- Por missiva datada de 7 de Julho de 2015 os réus comunicaram à autora que as obras tiveram o seu início e já foi liquidado o montante de € 1.048,00, valor esse a ser descontado nas rendas seguintes, conforme documento que juntaram, como resulta dos documentos de folhas 82 a 85, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 29- Os réus tiveram que pedir dinheiro emprestado à irmã do réu para a realização das obras, liquidaram a primeira tranche no valor de €1.048,00 e pagam mensalmente em prestações o valor de tal empréstimo à irmã do réu. 30- As obras realizadas pelos réus consistiram no descrito no orçamento e relatório de folhas 86 a 90, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido. 31- Na vistoria realizada pelos técnicos do Município em Outubro de 2015 os mesmos informaram os réus que a marquise construída no terraço não poderia ter aquelas medidas e teria que ser demolida, o que réus fizeram. 32- A ré precisa de dormir com ventilação, o que aconteceu nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2015. 33- O réu padece de bronquite crónica, mas em 16 de Dezembro de 2015 estava sem medicação, conforme atestado de folhas 21, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Mais se provou que: 34- Por missiva datada de 3 de Julho de 2015 a autora respondeu à mandatária dos réus nos termos que constam do documento de folhas 112 e 113, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, disponibilizando-se para reunião com os réus onde acompanhada de técnico será discutido e visualizado os defeitos que possam existir, as quais assumirá e não aceitará qualquer atraso no pagamento da renda e se este persistir irá, no final do segundo mês, operar a resolução do contrato nos termos do artigo 1083.º, nº 3 do Código Civil.* Factos não provados:1- Após a solicitação referida em 19) dos factos provados a autora nada fez. 2- Em 2014 a ré, que padece de problemas de saúde, já não conseguia dormir no quarto, dada a humidade ali existente, sendo que o seu estado de saúde estava a agravar-se dia para dia, bem como o réu marido muitas vezes tinha que dormir na sala. 3- Em resposta à missiva de folhas 23 a autora disse aos réus que não ia gastar mais dinheiro e que não fazia mais obras. 4- Em Junho de 2015 os problemas de saúde da ré Joana agravavam-se dia para dia.* III. O DIREITOImporta antes de entrarmos na apreciação das questões supra elencadas e que constituem o objecto de recurso dizer que, não obstante os Réus façam referência nas suas alegações recursivas à impugnação da matéria de facto, o certo é que, para além de não terem cumprido nenhum dos ónus impostos pelo artigo 640.º do CPCivil, também não se descortina o que se pretende, a esse propósito, com a conclusão XIII formulada pela corrente, única, aliás, onde se faz referência à impugnação da matéria de facto. Com efeito, nos termos do artigo 662.º,nº 1 do CPCivil a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto: “ […]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Por sua vez o artigo 640.º do mesmo diploma legal estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3. […]” Sendo este o arquétipo legal que preside à impugnação da matéria de facto, torna-se evidente que os Réus não deram cumprimento a qualquer dos referidos ónus, não indicando sequer que factos se encontram incorrectamente julgados, seja na vertente dos provados seja dos não provados ou mesmo dos alegados. Como assim, a matéria factual a que tem de se atender para a apreciação das questões colocadas no recurso é que o tribunal recorrido deu como assente.*Isto dito, a primeira questão que cumpra apreciar consiste em: a)- saber se existe, ou não, fundamento para que seja decretado o despejo. Como emerge da fundamentação factual os pais da representante Autora, entre o ano de 1970 e 1972, em data que não se pode precisar, cederam o uso e fruição aos Réus, para habitação destes, do imóvel sito na Rua …, …, ….-… Gondomar, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal que actualmente, após sucessivas actualizações legais se cifra em €182,00, a pagar no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele que disser respeito. Ora, de tal factualidade retira-se que entre as partes foi celebrado um contrato de locação/arrendamento de imóvel, qualificação jurídica, aliás, aceite por ambas as partes, e que ocorreu antes da entrada em vigor do Regime de Arrendamento Urbano RAU (Decreto-Lei n.º 321-B/1990 que entrou em vigor no dia 15/11). Acontece que, a Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), que e entrou em vigor 27/07/2006 e que revogou o citado Decreto-Lei n.º 321-B/1990 estatuiu no seu artigo 59.º que tal diploma se aplica às relações contratuais constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor (concretização, aliás, do princípio geral estabelecido no artigo 12.º, n.º2 do Código Civil), sem prejuízo do disposto nas normas transitórias (artigo 26.º da Lei 6/2006 de 27/2).[1] Portanto, embora celebrado antes da vigência da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro, aplicam-se ao presente contrato as normas previstas no NRAU com as sucessivas alterações.*Como se sabe o contrato de locação é um contrato sinalagmático e oneroso, ou seja, um contrato do qual emergem para ambas as partes obrigações reciprocas e interdependentes e em que ambas as partes realizam atribuições patrimoniais ligadas entre si por um nexo de correspectividade. O sinalagma em causa estabelece-se, assim, entre as respectivas obrigações principais, ou seja, a disponibilidade do gozo do imóvel pelo senhorio contra o pagamento da respectiva renda pelo arrendatário. Como refere Almeida Costa[2], “são três os elementos essenciais do contrato de locação: a) a obrigação resultante para uma das partes (locados) de proporcionar à outra (locatário) o gozo de uma coisa, designadamente o aproveitamento das suas utilidades; b) a existência de um prazo, enquanto o gozo da coisa facultado ao locatário é temporário; e c) o pagamento de uma retribuição pelo locatário”. Quanto ao pagamento de renda, estabelece o artigo 1039.º do Código Civil que a renda ou aluguer deve ser pago no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes ou os usos não fixarem outro regime. Preceitua ainda o artigo 1075.º, n.º 2 do mesmo diploma legal que se estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, as rendas devem ser pagas, na falta de convenção em contrário, a primeira no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito. No caso vertente provou-se que os Réus não entregaram à Autora os montantes referentes às rendas dos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016 que deveriam ter sido pagas no primeiro dia útil dos meses de Maio a Dezembro de 2015 (cfr. ponto 3 do elenco dos factos provados). Ora os Réus, admitindo o não pagamento das citadas rendas, vieram excepcionar tal omissão alegando que fizeram obras urgentes no locado e que, por isso, compensaram o valor de tais obras nas rendas em causa, tudo nos termos do artigo do artigo 1074.º, n.º 3 do Código Civil. Na decisão recorrida entendeu-se não se verificar a referida excepção. Com o assim decidido não concordam os Réus. Quid iuris? Como é do conhecimento geral um dos deveres do senhorio na relação locatícia é do fazer obras. Preceitua o artigo 1074.º do Código Civil sob a epígrafe “Obras” que: 1-Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário. 2- O arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizada, por escrito, pelo senhorio. 3- Exceptuam-se do disposto no número anterior as situações previstas no artigo 1036.º , caso em que o arrendatário pode efectuar a compensação do crédito pelas despesas com a realização da obra com a obrigação de pagamento de renda. 4- O arrendatário que pretenda exercer o direito à compensação previsto no número anterior comunica essa intenção aquando do aviso de execução da obra e junta os comprovativos das despesas até à data do vencimento da renda seguinte. 5- Salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa-fé. O inciso transcrito prevê uma alteração em relação ao regime anterior, porquanto no regime do RAU apenas as obras de conservação ordinária estavam a cargo do senhorio, sendo que, actualmente no NRAU o senhorio é responsável por fazer a generalidade das obras no imóvel arrendado, o que está, aliás, em consonância com a obrigação que impende sobre ele de proporcionar o gozo da coisa ao locatário para os fins a que se destina. Resulta também deste preceito que a referida obrigação pode ser afastada por vontade das partes, sendo certo que no caso em apreço nada foi alegado nem demonstrado que os réus tenham assumido tal obrigação. O regime do artigo 1074.º relaciona-se, assim, com a obrigação do senhorio em desenvolver uma actividade positiva no sentido de assegurar o gozo do prédio arrendado para os fins a que se destina, neste caso, para a habitação. Repare-se, porém, que ainda assim estamos no âmbito de uma zona de intervenção exclusiva do senhorio, como decorre do nº 2 do citado artigo 1074.º onde se consigna que o arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato lho faculte ou quando seja autorizado por escrito pelo senhorio. Aliás, uma das obrigações do locatário é tolerar as reparações urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública, conforme resulta do artigo 1038.º e) do Código Civil. Por outro lado, o locatário tem o direito de exigir que o senhorio faça as obras necessárias à manutenção do imóvel adequado ao fim do contrato [cfr. artigos 1074.º, 1111.º e 1031.º b) do CCivil]. Caso o senhorio não faça as obras necessárias para manter o imóvel adequado à finalidade, o mesmo incumpre uma obrigação contratual e o arrendatário poderá, desde logo, resolver o contrato, nos termos previstos no artigo 1083.º, n.º 5 do Código Civil. No que diz respeito ao direito de realizar por si as obras, o arrendatário só pode fazê-lo, como vimos, nas situações previstas no n.º 2 do artigo 1074.º ou no caso das situações previstas no artigo 1036.º do Código Civil (nº 3 do artigo 1074.º). Estatuiu o artigo 1036.º do Código Civil sob a epígrafe de “Reparações ou outras despesas urgentes” que: 1- Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas e umas ou outras, pela sua urgência, não se compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso. 2- Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas, também com direito ao reembolso, independentemente da mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo. Portanto, resulta deste normativo, que para além das situações previstas no citado artigo 1074.º, n.º 2, o arrendatário pode realizar obras quando a obra seja urgentíssima (artigo 1036.º, n.º 2) ou quando o senhorio esteja em mora quanto à obrigação de executar certa obra e a sua urgência não permita esperar pela decisão judicial (artigo 1036.º, n.º 1). Sob este conspecto importa ainda ter atenção a legislação complementar ao NRAU, nomeadamente, o regime jurídico das obras em prédios arrendados, plasmado no Decreto-lei nº 157/2006 de 08/08 que regula, além do mais, nos contratos anteriores ao NRAU, os direitos de intervenção dos arrendatários, possibilitando ao arrendatário a realização de obras com posterior compensação no valor das rendas, nos termos previstos nos artigos 30.º a 33.º do referido diploma legal.*Postas estas breves considerações voltemos a nossa atenção para o caso concreto dos autos, tendo como referência o seguinte quadro factual: - Em 2 de Julho de 2014 os Réus na qualidade de inquilinos dirigiram ao Município um pedido de vistoria e salubridade ao locado, invocando urgência atento o seu estado de saúde referenciando a existência de humidade no quarto (cfr. pontos 4 e 20 da fundamentação factual). - Em 29 de Julho de 2014 é realizada a vistoria e no respectivo auto consta que foi constatada a existência de infiltrações, eventualmente provenientes da fachada posterior, e do peitoril da janela, não sendo possível determinar com rigor a sua proveniência, devendo ser notificado o proprietário para proceder à vedação correta da janela e impermeabilização da fachada posterior (cfr. facto descrito em 5 da fundamentação factual). - Mais resultou provado que a Autora foi notificada, em 8 de agosto de 2014, para no prazo de 60 dias proceder à intervenção necessária à resolução das anomalias. Provou-se, ainda, que a autora realizou obras no locado (cfr. pontos 6 e 7 do elenco dos factos provados). - Está também demonstrado nos autos que após a realização das obras pela Autora o quarto afectado manteve o problema de humidade (cf. ponto 22 do elenco dos factos provados). - Em 11 de Novembro de 2014 os Réus comunicam à Autora que continuam à espera que os obras se concluam. - No dia 17 de Junho de 2015 a Autora foi notificada pelo Município que as obras não foram suficientes para impedir a infiltração das humidades e foi notificada para, no prazo de trinta dias, proceder às correcções necessárias. - Em 11 de Junho a Autora foi notificada pelos Réus do teor do orçamento para realização de obras no locado e bem assim da proposta para assumir 70% do valor orçamentado. - No dia 15 de Junho a Autora recebe nova notificação dos Réus a informar a realização das obras e compensação do crédito das despesas das obras com o valor das rendas nos meses seguintes e que as obras terão início no dia 25 de Junho de 2015. - Em 7 de Julho de 2015 os Réus comunicaram à autora que as obras tiveram o seu início e já foi liquidado o montante de €1.048,00, valor esse a ser descontado nas rendas seguintes. - As obras realizadas são as no orçamento e relatório de folhas 86 a 90 dos autos. Diante deste acervo factual a questão que agora importa dilucidar é saber se a intervenção dos Réus na realização das obras no locado preenche a facti species do artigo 1036.º do CCivil supra transcrito. Não cremos, desde logo, que se esteja perante um caso de obras urgentes a que se refere o nº 2 do citado artigo 1036.º. As reparações urgentes que não consentem qualquer dilação são, como bem se refere na decisão, por exemplo, as reparações de danos no telhado para evitar a entrada de água, reparação de janelas ou portas para evitar a entrada de estranhos, água ou frio, reparações nas instalações eléctricas ou rotura de canalizações e quaisquer outras que, verificadas, não permitam a utilização do locado se não forem executadas imediatamente. Ora, as obras executadas pelos Réus referem-se à existência de humidades numa única divisão da casa (quarto) e como tal não se vê, nem isso foi alegado e muito menos provado, que a existência dessa humidade impossibilitasse os Réus de utilizar o locado e muito menos a referida divisão (cfr. matéria de facto dada como não provada e que não foi objecto de impugnação) Acresce que, não obstante os problemas de saúde dos Réus descritos nos pontos 32 e 33 da fundamentação factual, também não está alegado nem provado que isso os impedia de utilizar a referida divisão e que a existência da referida humidade pudesse agravar o mencionado estado de saúde, aliás, que assim não era demonstra-o a circunstância de por um lado terem recorrido ao Município de Gondomar alegando a omissão da obrigação de realização de obras por parte da senhoria e por outro lado terem estado desde 11 de Novembro de 2014 até Maio de 2015, sem terem procedido à realização das obras. Não se verificando a hipótese preceituada no nº 2 do artigo 1036.º, importa então perscrutar se ocorre a situação do nº 1 do mesmo preceito legal. Ora, independentemente da ocorrência de mora por parte da senhoria, requisito exigido pelo artigo 1036.º, nº 1, não cremos, salvo o devido respeito, que a realização das obras em causa se não compadecesse com as delongas de um procedimento judicial dado o seu carácter urgente. Com efeito, a reparação da patologia em causa-humidade numa parede de uma divisão do locado (quarto)-mesmo tendo presente o estado de saúde dos Réus (cfr. factos 32 e 33 da fundamentação factual), não se mostra urgente quando desgarrada de qualquer outra factualidade não alegada nem provada que permita extrair semelhante ilação e a que já noutro passo se fez referência. Repare-se, aliás, que os Réus previram accionar judicialmente a Autora em Novembro de 2014 e só iniciaram a execução das obras no final do mês de Junho de 2015, ou seja, cerca de 7 meses depois. Portanto, pelo menos, desde de Novembro de 2014 que os Réus poderiam, se assim o entendessem, accionar judicialmente a Autora com vista à realização das obras que entendiam em falta, como aliás, dão conta na referida missiva. Decorre do exposto que a obra executada pelos réus também não se integra na previsão do nº 1 do artigo 1036.º do Código Civil. Destarte, podendo o arrendatário apenas realizar obras no locado com direito a compensação do crédito pelas despesas com a sua realização com a obrigação de pagamento de renda nos termos do 1074.º, n.º 3 e 4 e só nas situações previstas no artigo 1036.º do Código Civil, os Réus não lograram demonstrar que a obra executada se integrava numa dessas situações, ónus de prova que, aliás, a eles cabia enquanto matéria de excepção, conforme decorre do disposto no artigo 342.º, nº 2 do Código Civil. Evidentemente que não se põe em causa que assistia aos Réus o direito à reparação e à realização das obras necessárias a assegurar o gozo do locado e a cessar a ocorrência das humidades em causa. Com efeito, a doutrina e a jurisprudência admitem que na locação (e, portanto, no arrendamento em especial) existe, como já noutro passo se referiu, correspectividade entre as obrigações do senhorio de entregar ao locatário a coisa locada e de lhe assegurar o respectivo gozo e a obrigação de pagamento de renda por parte deste.[3] A excepção de não cumprimento do contrato em termos gerais traduz-se na possibilidade de, no âmbito de um contrato bilateral, um dos contraentes recusar a sua prestação, enquanto a outra parte não realizar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo (artigo. 428.° CCivil). Assim, se não é entregue a coisa objecto do negócio, o outro contraente pode, invocando aquele meio de defesa, deixar de cumprir a sua contra prestação até que a outra parte o faça (exceptio non adimpleti contractus). Também no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso é comummente aceite pela doutrina o recurso a este instrumento (exceptio non rite adimpleti contractus).[4] Entende-se que se não se concedesse tal possibilidade a uma das partes quebrar-se-ia o equilíbrio contratual que subjaz às relações sinalagmáticas. Trata-se, portanto, de um meio de compelir à execução do contrato, sendo certo que sem recurso a tal figura poderiam produzir-se resultados contraditórios com o princípio da equivalência das prestações, expressão dos contratos bilaterais. Ora, à luz das regras enunciadas, como refere Gravato Morais[5] há que responder a certas questões para apurar, em concreto, se é viável o emprego da excepção: - Por um lado, se houve privação total ou parcial do gozo do imóvel, pois só nestes casos se pode suscitar a invocação da excepção de não cumprimento pelo arrendatário (se existirem, por hipótese, pequenas infiltrações de água no locado que não impeçam o gozo do locado, não pode haver lugar à suspensão-sequer parcial-do pagamento da renda. Ao invés, se essas deteriorações não permitem ao arrendatário gozar, total e plenamente do prédio, a conclusão é a inversa). - Por outro lado, se tal privação é imputável ao senhorio ou ao arrendatário (pois sendo o acto imputável ao inquilino, dúvidas não haverá que o senhorio não corre o risco de suspensão do pagamento da renda), sendo que só naquele caso é que se suscita a invocação do meio de defesa em causa. Acresce que há igualmente que considerar a específica situação que está na base da invocação da exceptio (v.g., se está em causa um vício da coisa, a falta da licença de utilização do imóvel) para avaliar adequadamente a sua fundamentação. Repare-se que a falta de pagamento só pode ser total se o prédio não realiza cabalmente o fim a que é destinado, carecendo o mesmo das qualidades asseguradas no início do contrato; em todos os outros casos, a falta de pagamento da renda apenas poderá ser parcial (artigo 1040° do CC). Relevante a este propósito é o que refere Menezes leitão[6] sobre o instituto em apreço: “Tem-se entendido que, para a excepção de não cumprimento do contrato poder ser invocada sem que haja contrariedade à boa fé, exige-se uma tripla relação entre o não cumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte de quem invoca a excepção, em termos de sucessão, causalidade e proporcionalidade entre uma e outra. A relação de sucessão pressupõe que quem invoca a excepção não tenha sido o primeiro a cair em incumprimento, uma vez que a recusa em cumprir deve ser posterior e não anterior ao incumprimento da outra parte; A relação de causalidade pressupõe que a invocação da excepção vise exclusivamente compelir a outra parte à realização da sua prestação, sendo essa invocação ilegítima quando seja determinada por outros fins; Finalmente, a relação de proporcionalidade pressupõe que a invocação da excepção seja proporcional ao incumprimento que a legitima, não sendo admitido o recurso à excepção sempre que esse incumprimento for de escassa importância (José João Abrantes, a excepção, pag. 124 e ss e Ac RP de 10.3.2008, CJ 33 (2008), p. 173 - 176)”.*Ora, no caso em análise, a humidade apenas se manifestou num dos cómodos do locado, sendo que os réus sempre continuaram a habitar o locado, pelo que não poderiam, salvo opinião em sentido contrário, tendo presente o equilíbrio das prestações contratuais, excepcionar o pagamento da totalidade das rendas em causa.*Decorre do exposto que as obras realizadas pelos Réus não se integrando na previsão do artigo 1036.º do Código Civil, vedado lhe estava o direito de efectuar a compensação do crédito das despesas com a realização da obra com a obrigação do pagamento das rendas de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016 e bem assim as vencidas na pendência da presente acção, sendo, deste modo, infundada a sua falta de pagamento. Por conseguinte, forçoso é concluir que os Réus não cumpriram com a obrigação a que se vincularam aquando da celebração do contrato em causa, cabendo-lhe, deste modo, a obrigação de efectuar à Autora o pagamento das rendas em falta, cujo montante se cifra em €1,274,00, referentes às rendas dos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016 vencidas à data da entrada da petição inicial. Assiste, de igual modo, direito à Autora de fazer pagar do montante das rendas que se venceram e das que vencerem durante a pendência da acção até à entrega do locado.*Aqui chegados e verificando-se existir incumprimento do contrato, por banda dos Réus, traduzido na falta de pagamento das rendas dos meses de Junho a Dezembro de 2015 e Janeiro de 2016 a questão que agora se coloca é saber se tal incumprimento legitima a Autora a proceder à resolução do contrato. Analisando. Com a entrada em vigor do NRAU, as causas de resolução do contrato de arrendamento deixaram de estar taxativamente enunciadas na lei, tendo o legislador optado por consagrar no n.º 1 do artigo 1083.º do Código Civil um fundamento genérico de resolução do contrato que assenta no conceito indeterminado de “justa causa”, entendida esta como “o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequência, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”, aplicável a ambos os contraentes, ou seja, quer ao senhorio, quer ao arrendatário. Nas alíneas dos n.ºs 2 e 3 do referido artigo 1083.º, o legislador exemplificou situações em que se verifica incumprimento por parte do arrendatário que, pela sua gravidade e consequências, torna inexigível ao senhorio a manutenção da relação contratual. No que tange ao não pagamento de rendas, o n.º 3 do artigo 1083.º estatui ser “inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas”. Portanto, ao contrário do regime jurídico estatuído no RAU, em que não se fixava qualquer número mínimo de rendas em dívida para que ao senhorio ficasse conferido o direito potestativo a resolver o contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento de rendas, bastando-se a lei com o não pagamento pelo arrendatário de uma única renda, com a entrada em vigor do NRAU, a mora no pagamento da renda só passou a assumir relevância como fundamento da resolução do contrato quando exceda os três meses de rendas em dívida. Mantém-se, no entanto, no domínio de vigência do NRAU, o direito que vigorava na vigência do regime anterior de, instaurada a acção de despejo pelo senhorio com fundamento no não pagamento de rendas, o arrendatário poder operar a caducidade do direito potestativo daquele a obter a resolução do contrato de arrendamento com esse fundamento, pagando ou depositando, até ao termo do prazo de contestação da acção de despejo, as rendas em dívida, acrescidas de 50% do respectivo valor, a título de indemnização e, bem assim, o valor das rendas que se venceram desde a propositura da acção de despejo até ao termo do prazo de contestação (artigo 1048.º do CCivil). No caso vertente, estando provado a falta de pagamento das rendas por período superior a três meses e não tendo os Réus logrado provar a excepção que invocaram, assiste à Autora o direito à resolução do contrato de arrendamento com o referido fundamento.*Estando a Autora legitimada a peticionar o despejo com base na falta de pagamento das rendas, a última questão colocada no recurso prende-se com:b)- saber se tal exercício não será abusivo.Referem os Réus recorrentes sob este conspecto que a acção de despejo com o referido fundamento (falta de pagamento das rendas) enferma de abuso de direito por parte da Autora já que procederam à compensação de acordo com o orçamento enviado e posteriormente continuaram a pagar as rendas. Não se concorda, salvo o devido respeito, com semelhante alegação. Não verdade, não se verificando a excepção da compensação nos termos alegados pelos Réus na sua contestação, única forma de poder paralisar o direito da Autora, outra realidade factual não se encontra provada nos autos a partir da qual se possa concluir pelo seu exercício abusivo por parte daquela nos termos estatuídos no artigo 334.º do CCivil, sendo que, quer o tempo de duração do contrato quer a idade dos Réus (72 anos) por si só e, portanto, desacompanhas de outros factos, não permitem que se lance mão da referida válvula de segurança que representa a figura do abuso de direito.*Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelos recorrente e, com elas, o respectivo recurso.IV - DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.*Custas da apelação pelos Réus recorrentes (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).*Porto, 8 de Maio de 2017. Manuel Domingos Fernandes Miguel Baldaia de Morais Jorge Seabra ___ [1] O NRAU foi já alvo de revisão por via da Lei n.º31/2012 de 14 de Agosto, que procedeu à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro. [2] In RLJ, 118º, 217. [3] Cfr., entre outros, Vaz Serra, “Excepção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus)”, BMJ, nº 67,1957, pp. 22 e 23, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª edição pg. 400, Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção pecuniária Compulsória”, 4ª ed. p. 332, nota 599, e José João Abrantes, “A Excepção de Não Cumprimento do contrato no Direito Civil Português, Conceito e fundamento, Coimbra, 1986, pag. 43. Na jurisprudência, Ac. RP de 11.12.2003 (ww.dgsi.pt), citados por Gravato Morais em “Falta de pagamento da renda no arrendamento urbano”, Almedina, pag. 204 e ss. [4] Quanto à admissibilidade da excepção de cumprimento parcial e da excepção de cumprimento defeituoso, entre outros, Menezes Cordeiro “Violação positiva do contrato. Cumprimento imperfeito e garantia de bom funcionamento da coisa vendida; âmbito da excepção do Contrato não cumprido”, ROA, 1981, pag. 147 ss.. [5] Obra citada pag. 204. [6] In Direito das Obrigações, Vol. II, 7ª Edição, Almedina, pag. 269.