I - O Processo especial para acordo de pagamento (PEAP) tem em vista permitir ao devedor obter um acordo com os seus credores no sentido de serem estabelecidos os termos da liquidação das dívidas existentes, desde que aquele se encontre numa situação económica difícil ou numa situação de insolvência iminente. II - Verifica-se situação económica difícil quando o devedor enfrenta dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez ou por não conseguir crédito. III - A situação de insolvência iminente abrangerá os casos em que o devedor se encontra próximo de enfrentar uma impossibilidade de cumprir as suas obrigações. IV - O PEAP não é meio idóneo para ultrapassar uma situação económica em que o devedor já atingiu um estádio de impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas, pelo que, não é possível ficcionar uma solvabilidade do requerente em face dos rendimentos e património que lhe são atribuídos.
Apelação n.º 118/18.3T8STS.P1 Relator: Mário Fernandes (1763) Adjuntos: Leonel Serôdio Amaral Ferreira. Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I. RELATÓRIO. B…, residente na Av.ª …, n.º …, .. andar, …, Matosinhos, veio intentar Processo Especial para Acordo de Pagamento, nos termos do art. 222-A e segs. do CIRE, visando a obtenção de um acordo de pagamento aos seus credores, para tanto invocando encontrar-se em situação económica difícil que o impedia, por falta de liquidez, de cumprir integral e imediatamente responsabilidades por si assumidas no âmbito de investimentos que realizou em sociedades que ora foram declaradas insolventes, ora se encontravam inactivas. Determinado o prosseguimento do processo, veio a ser apresentada “Lista Provisórias dos Credores” que, em função de decisão intercalar (de 16.4.2018) a conhecer de impugnação deduzida pelo Requerente/devedor quanto ao crédito reconhecido pelo Sr. Administrador Judicial a favor da “C…, S.A.”, se converteu em definitiva, totalizando os créditos reconhecidos o montante global de 4.464.010,47€. O devedor apresentou proposta de pagamento dos falados créditos, nos termos constantes de fls. 168 a 180, que adiante melhor especificaremos, proposta essa cujo “Plano de Pagamentos” veio a recolher a aprovação de credores que formaram as necessárias maiorias, conforme o estatuído no art. 222-F, n.º 3, do CIRE. Subsequentemente, sem que algum interessado, no prazo estatuído no art. 222-F, n.º 2, do CIRE, tivesse solicitado a não homologação do aludido “Plano”, foi proferida decisão homologatória do mesmo. Do assim decidido interpôs recurso de apelação o credor “Banco D…, S.A.”, tendo concluídos as suas alegações nos termos que se passam a transcrever: - O recorrente é credor reclamante e prejudicado directamente pela decisão de homologação do plano e, por isso, com legitimidade para interpor recurso, nos termos do art. 642, n.º 2, al. a/ e art. 631, ambos do CPC, por remissão do art.17 do CIRE; - O voto contra a aprovação do plano, enviado para o tribunal, não obstante ser indiferente para o resultado da votação, atendendo à maioria dos votos favoráveis obtidos, deveria ter sido remetido oficiosamente para o Administrador Judicial Provisório, no âmbito do poder de gestão processual do juiz e aplicando analogicamente o regime da incompetência territorial do art. 104 do NCPC, por remissão do art. 17 do CIRE; - Com a reforma do CIRE de 2017 foi introduzido o denominado “processo especial para acordo de pagamento” (PEAP), destinado apenas a devedores que não sejam empresas; - De forma semelhante ao propósito do PER, também o PEAP tem como objectivo permitir ao devedor estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a celebrar um acordo com estes; - Resulta do n.º 7, do art. 222.º-D, do CIRE que “os credores que decidam participar nas negociações declaram-no ao devedor por meio de carta registada, podendo fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações”; - Dispõe ainda o n.º 6 do mesmo art. 222.º-D que “durante as negociações, o devedor deve prestar toda a informação considerada pertinente aos credores e ao administrador judicial provisório, de modo que se possam realizar de forma transparente e equitativa, devendo manter sempre atualizada e completa a informação facultada ao administrador judicial provisório e aos credores”; - Ora, durante o procedimento que antecedeu a aprovação do acordo de pagamento sub judice não foram respeitadas as referidas disposições legais, uma vez que, apesar do aqui recorrente ter manifestado interesse em participar nas negociações, via carta junto do devedor e via e-mail junto do seu mandatário, em momento algum foi convidado a reunir com os demais credores ou informado sobre o estado das mesmas; - O plano de pagamento em crise não constitui um verdadeiro acordo, uma vez que não resultou da convergência de vontades entre o devedor e os credores que manifestaram o seu propósito em intervir; - Sendo, ao invés, o resultado da exteriorização dos interesses de um dos credores; - A natureza concursal do PEAP foi, por isso, desvirtuada, na medida em que foi aprovado um acordo de pagamento em violação clara das normas previstas no art. 222-D, n.ºs 6, 7 e 8 do CIRE; - Acresce que, actualmente, a situação económica do devedor é instável, uma vez que a sua situação profissional se tem alterado sucessivamente, ficando o mesmo desapossado de qualquer património na sequência do acordo homologado pela decisão em crise; - Assim, o referido plano não apresenta uma solução realista quanto à forma como o devedor se pretende organizar de forma a proceder ao pagamento dos seus créditos nos termos propostos; - Resulta do referido acordo que a totalidade do seu património reverterá unicamente a favor do credor “E…”, crédito que representa apenas 14,86 % do passivo de 4.464.010,47€; - É, assim, por demais evidente que o devedor se encontra em situação de insolvência, atento o incumprimento generalizado das suas obrigações há já vários anos e o património ser manifestamente inferior ao seu passivo, de valor elevadíssimo; - O que o afasta do seu enquadramento na situação prevista no art. 222-A, n.º 1 do CIRE e, por conseguinte, da legitimidade para recorrer ao processo especial de acordo de pagamento (PEAP), previsto no art. 222º-A e segs. do CIRE; - O devedor foi jogador de futebol e treinador da mesma modalidade, sendo actualmente prestador de serviços da sociedade “F…, Ld.ª”, tendo nos últimos anos investido em várias sociedades comerciais; - As dívidas do devedor foram o resultado deste ter contraído diversas obrigações solidárias, no âmbito da actividade exercida como sócio em várias sociedades comerciais e que, entretanto, foram declaradas insolventes e/ou se encontram inactivas; - O recurso ao processo especial de acordo de pagamento mais não se tratou do que um estratagema de eliminação do passivo que o devedor contraiu no exercício da actividade económica secundária; - Atendendo ao contexto económico-financeiro do devedor e ao teor do plano, ao aceitar a sua homologação, estará a contribuir-se para a generalização e banalização do PEAP, alargando o seu âmbito de aplicação a situações de insolvência “camufladas” e tornando-se num instrumento de fuga ao verdadeiro processo de insolvência; - Ademais, do acordo extrajudicial resulta um tratamento muito mais favorável do credor garantido “E…” do que aquele é dado aos demais credores, incluindo o do credor com igual natureza, sem que para isso haja razões objectivas que o justifiquem, muito menos expressamente invocadas; - Para além da liquidação da totalidade e único património do devedor aproveitar apenas a este credor garantido, quando poderia aproveitar a vários, uma vez que se desconhece o valor de mercado dos imóveis em causa, são concedidos ao “E…” um conjunto de privilégios injustificados, violando o princípio da igualdade previsto no art. 194 do CIRE; - A entrega dos imóveis pelo devedor ao credor hipotecário traduz-se numa liquidação do seu património própria de um processo de insolvência, mas com menor protecção e controlo pelos restantes credores do devedor; - O plano é desproporcional e desmesurado, na medida em que apenas o credor “E…” é pago na totalidade, sem sujeição a qualquer redução ou perdão, independentemente do valor dos imóveis hipotecados a seu favor, num curto prazo, e apenas a este credor será dado conhecimento do processo de venda e ficando também asseguradas as despesas com o agente de execução de um processo estranho ao PER e num valor significativo e não justificado de 15.642,02€; - O facto de serem de credores de natureza diferente não pode justificar um tratamento de tal forma desigual e desequilibrado, sob pena de se estar perante, não de um processo negocial que preside ao espírito do processo de revitalização, mas sim de um processo de insolvência com liquidação directa de património em que apenas o (1.º) credor garantido é beneficiado, ao receber a totalidade do seu crédito, com desrespeito por todos os princípios orientadores do PEAP; - Tal é claramente demonstrativo que para a aprovação do acordo apenas contribuíram os interesses deste credor, faltando transparência na negociação e na aprovação do plano em causa; - Por outro lado, a parte dispositiva do acordo de pagamento apenas introduz alterações ao crédito do “E…”, no que concerne ao prazo (antecipando-o) e à sua forma de pagamento, sendo certo que tais alegações são mais vantajosas que as existentes; - Dito de outro modo, pese embora a parte dispositiva altere a forma de pagamento dos créditos daquele credor, fá-lo em condições muito melhores que as contratualmente existentes; - Pelo que, não sendo aquele credor afectado pelo plano, mais razões existem para considerar que é beneficiado em relação à situação pré-existente; - Razão pela qual, o acordo de pagamento e a decisão que o homologou violaram as normas legais constantes nos arts. 222-A, n.º 1, 222-D, n.ºs 6, 7 e 8 e art. 194, todos do CIRE, assim como os princípios orientadores do processo especial de pagamento, nomeadamente, o princípio da negociação, tendo em vista a obtenção de acordo entre devedor e os credores, o princípio da boa-fé e da busca de uma solução que satisfaça todos os envolvidos, o princípio da cooperação e o princípio da transparência na atuação do devedor no processo negocial; - Pelo que, verificam-se vícios não negligenciáveis de regras procedimentais e de conteúdo que impõem a recusa do acordo de pagamento; - Nestes termos e nos demais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, julgando em conformidade com as precedentes conclusões e revogando, consequentemente, a sentença proclamada pelo insigne tribunal de 1.ª instância, substituindo-a por outra que não homologue o acordo de pagamento, assim se fazendo a tão desejada Justiça. Contra-alegou o Requerente, pugnando pela manutenção do julgado. Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito do recurso, sendo que a instância se mantém válida. II. FUNDAMENTAÇÃO. Para além do já enunciado em relatório, destaca-se ainda, em face do constante dos autos e não colocado em causa, a seguinte factualidade: 1- Do património do Requerente fazem parte os seguintes bens imóveis: a/ Fracção autónoma, designada pela letra “E”, do prédio urbano sito na Trav.ª …, …, Matosinhos, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 8001 e descrito na CRP de Matosinhos sob o n.º 2748; b/ Prédio urbano sito na Rua …, …, Gondomar, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 955 e descrito na CRP de Gondomar sob o n.º 1130; 2 - Dispõe ainda o Requerente, enquanto prestador de serviços para a sociedade “F… - Unipessoal, Ld.ª”, do rendimento mensal líquido de 10.000€, acrescida de uma comissão de 20 % relativa a negócios para aquela obtidos com a sua (do requerente) intervenção; 3 - Foram reconhecidos créditos sobre o Requerente pelo montante global de 4.464.010,47€, sendo o Banco “D…” titular dum crédito comum no valor global de 54.745,97€, mais se destacando a existência de créditos garantidos por parte de: “G…”, pelo montante de 36.351,21€, garantido por penhor sobre valores mobiliários; H…, pelo montante de 100.000€, garantido por hipoteca em 3.º grau, incidente sobre o prédio urbano referido no Ponto 1/b supra; “E…”, pelo montante de 608.270,23€, garantido por hipotecas incidentes sobre os imóveis referidos no Ponto 1/ supra; 4 - No “Plano de Pagamentos” (fls. 169 a 180) que obteve a aprovação dos credores, com as necessárias maiorias, encontram-se nomeadamente previstos pagamentos a serem efectuados nos termos seguintes: O crédito do “E…”, até ao montante global de 625.000€, será regularizado na totalidade, no prazo de 90 dias, após a data do trânsito em julgado da homologação do “Plano”, através do valor apurado com a venda dos dois imóveis referidos nos Ponto 1/ supra e, caso o produto dessa venda não seja suficiente para cobrir a liquidação daquele montante, o devedor pagará o remanescente até ao dia da transmissão do último imóvel a ser transacionado, ficando a cargo do mesmo o pagamento dos honorários ao “Agente de Execução, fixados em 15.642,02€; O crédito garantido da “G…” será regularizado na totalidade através da dação em pagamento dos valores mobiliários sobre os quais incide o penhor; O crédito garantido de I… será pago na proporção de 60 % do capital primitivo, em 10 anos, através de prestações mensais, sucessivas e de igual montante, com perdão total de juros vencidos e vincendos, sendo a primeira prestação liquidada após o trânsito em julgado da sentença homologatória do “Plano para Acordo de Pagamento”; Os créditos comuns serão pagos na proporção de 40 % do capital primitivo, em 15 anos, através de prestações mensais, sucessivas e de igual montante, com perdão total de jutos vencidos e vincendos, sendo a primeira prestação liquidada após o trânsito em julgado da sentença homologatória do “Plano para Acordo de Pagamento”. Das comissões que o devedor venha a obter, 50 % desse produto será rateado pelos credores comuns e pelo credor garantido H…, na proporção do respectivos créditos. Em função do concluído pelo apelante “D…”, o objecto do recurso vem circunscrito a três questões essenciais, a saber: Violação de regras procedimentais relativas à participação dos credores nas negociações tendentes à obtenção de “acordo de pagamento”; Não verificação do pressuposto pré-insolvência por parte do Requerente, estabelecido no art. 222-A, n.º 1, do CIRE; Violação pelo “Plano de Acordo de Pagamento” do princípio da igualdade. No âmbito da primeira problemática suscita o Banco/recorrente a violação de procedimentos a que deve obedecer a obtenção dum eventual acordo de pagamento, posto a esse processo negocial prévio não ter podido aceder, por omissão do devedor em lhe facultar a possibilidade de participação nas negociações, apesar do recorrente ter manifestado interesse em delas fazer parte. Estaria, pois, em causa a violação do que nesse aspecto vem prescrito no art. 222-A, n.ºs 1 e 6 a 8 do CIRE, por força de ter sido omitido um procedimento regular atinente à negociação prévia com todos os credores, em ordem à obtenção do falado acordo. Adiantando posição, cremos ser insubsistente o levantamento de tal problemática por parte do recorrente. Por um lado, não fornecem os autos elementos minimamente consistentes a autorizar a constatação de não ter sido facultado ao recorrente participar nas aludidas negociações prévias, a pondo do mesmo ter ficado afastado desse processo tendente à obtenção dum “acordo de pagamento”. Diga-se, aliás, que, a ter ocorrido procedimento irregular nesse âmbito, sempre facultado estava ao recorrente suscitar tal questão perante o tribunal recorrido em tempo útil, ao abrigo do prescrito no art. 222-F, n.º 2 do CIRE, o que de todo não sucedeu, não sendo prestável para esse efeito a posição por aquele assumida através do requerimento apresentado em 12.7.2018, o qual se evidencia intempestivo à luz daquele normativo, tendo sido deduzido já após ter sido proferida a decisão homologatória objecto do presente recurso. Ainda que possa ocorrer a não homologação oficiosa do acordo de pagamento, na base de violação não negligenciável de regras procedimentais, como é facultado pelo art. 222-F, n.º 5 do CIRE, a verdade é que, como deixámos referido, nenhum elemento recolhido nos autos permite confirmar semelhante violação. Porque assim apreendemos o enquadramento em que vem suscitada tal questão, inexistem motivos para acolher a pretensão do recorrente de ver rejeitada a homologação do falado “Plano de Pagamentos” na base acabada de analisar. Contudo, entende ainda o recorrente que, no condicionalismo em que o Requerente instaurou o processo especial a que vimos aludindo, não se encontra reunido um dos pressupostos que legitima a instauração desse processo, tendo em vista a homologação dum acordo de pagamento – trata-se da segunda questão acima enunciada. Com maior incidência, defende o impugnante que o Requerente se encontra numa situação de insolvência actual, já não numa situação “económica difícil” ou de “insolvência meramente iminente”, razão bastante para não poder ser objecto de homologação o “Plano de Pagamentos” que obteve as indispensáveis maiorias, o que devia ser constatado pelo tribunal “a quo”, quando aquele lhe foi apresentado para apreciação nos termos do art. 222-F, n.º 5 do CIRE. Para tanto aduz, de mais significativo, que o Requerente entrou há vários anos numa situação de incumprimento das obrigações por si assumidas, encontrando-se impossibilitado de as cumprir, sendo o seu passivo elevadíssimo (cerca de 4 milhões e 500 mil euros), a ponto do património e rendimentos de que dispõe – os dois imóveis acima identificados e os rendimentos mensais líquidos auferidos (à volta de 10.000 euros) – de forma alguma terem a potencialidade de gerar receitas para cobrir esse passivo e até mesmo o integral cumprimento do “Plano” apresentado e que veio a ser homologado. Atento os termos em que o recorrente coloca a problemática em análise, importa averiguar se deve dar-se como reunido um dos pressupostos de que depende o recurso ao processo de que nos ocupamos, para, através do mesmo, ser alcançado o desiderato do Requerente/devedor de ver homologado um acordo de pagamento. Diga-se, antes de mais, estar ao alcance do tribunal apreciar, mesmo oficiosamente e no contexto das disposições conjugadas dos arts. 222-F, n.º 5 e 215 do CIRE, a verificação do assinalado pressuposto material e recusar a homologação do acordo de pagamento que tenha sido aprovado, no caso da situação relatada nos autos revelar o estado de insolvência actual do devedor. Vejamos. Decorre do art. 222-A, n.º 1 do CIRE que o processo especial para acordo de pagamento tem em vista permitir ao devedor obter um acordo com os respectivos credores no sentido de serem estabelecidos os termos da liquidação das dívidas contraídas, desde que aquele (o devedor) se encontre numa situação económica difícil ou numa situação de insolvência iminente. A situação económica difícil, nos dizeres da lei (art. 222-B do CIRE), verifica-se quando o devedor enfrenta dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir crédito. Já o conceito de insolvência iminente, não vindo definida no CIRE, abrangerá a situação em que o devedor – no caso de ser pessoa singular não titular de empresa – se encontra próximo de enfrentar uma impossibilidade de cumprir com as suas obrigações – v., neste sentido, A. Prata, J. Morais e R. Simões, in “CIRE Anotado”, págs. 24 e 54. A propósito destes conceitos, ainda que aludindo ao processo especial de revitalização (“PER”), o qual elege pressupostos semelhantes aos também exigidos para o processo de que nos ocupamos (o “PEAP”), adianta Luís M. Martins que: “o conceito de insolvência iminente é aberto e indefinido, implicando uma análise concreta da situação do devedor (tipo de obrigações que se vão vencer, incapacidade de recurso a crédito …). Esta situação passa sempre por uma previsão futura sobre a insuficiência económica e sua incapacidade de, a curto prazo, vir a realizar e honrar as obrigações assumidas e ainda não vencidas. A situação de insolvência iminente é conjecturada quando o devedor, de acordo com os critérios do homem comum ou um gestor criterioso e empenhado, sabe e não pode desconhecer que não conseguirá ir a honrar as obrigações assumidas a curto prazo … Em bom rigor, estar numa situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, acaba por ser a mesma coisa e com a mesma abrangência. Se tem dificuldades sérias em cumprir pontualmente as suas obrigações, acaba por se encontrar em situação de insolvência iminente …” – in “Recuperação de Pessoas Singulares”, Vol. I, 2.ª ed., págs. 20 a 21. Catarina Serra, fazendo alusão aos pressupostos do “PEAP”, adianta que este processo, tal como o “PER”, se trata dum processo pré-insolvencial, a implicar necessariamente que o devedor, para poder desencadear esse procedimento, se encontre numa situação económica difícil ou de insolvência iminente – in “Lições de Direito da Insolvência”, págs. 584 a 585. Ora, o que se questiona é se, perante as concretas circunstâncias relatados nos autos, deve concluir-se pelo preenchimento do falado pressuposto – situação económica difícil ou de insolvência iminente – sendo legítimo ao Requerente beneficiar do recurso ao “PEAP”, como sucedeu, bem assim de ver confirmada a decisão homologatória do falado acordo de pagamento. Ressalta à evidência que o Requerente – face não só ao alegado inicialmente, como ainda ao vertido no “projecto de acordo” submetido à aprovação dos credores – se encontra impossibilitado de cumprir atempadamente as obrigações assumidas, a ponto de ter já entrado em incumprimento, contra si correndo, segundo informou inicialmente, sete acções executivas para cobrança de dívidas da sua responsabilidade. Acresce que o passivo imputável ao Requerente, já reconhecido nos autos, atinge o elevado montante de 4 milhões e 500 mil euros, enquanto os seus rendimentos líquidos mensais, concretamente quantificados, se ficam por 10.000 euros, dispondo como património imobiliário os dois imóveis acima indicados, cujo valor patrimonial ou de mercado, apesar de não vir indicado, servirá, quando muito e indiciariamente, para garantir a liquidação das hipotecas sobre os mesmos incidentes e de que são beneficiários os credores “E…”, com crédito garantido a atingir cerca de 608.000 euros, e H…, com crédito garantido de 100.000 euros. Sendo este o quadro que transparece dos elementos constantes do processo, afigura-se-nos insubsistente nele descortinar uma mera previsibilidade de o Requerente, transitória e pontualmente, não dispor de fundos imediatos para solver o falado passivo já vencido, antes nos confrontando perante uma efectiva impossibilidade de o Requerente liquidar, num curto prazo, as obrigações que sobre si impendem, sendo que o património e rendimento de que é titular não dispõe de potencialidade de gerar proveitos minimamente suficientes para garantir a liquidação de parte significativa do passivo. Na verdade, o que é possível extrair do apontado circunstancialismo é que o Requerente já bem antes da abertura do presente processo caiu numa situação de insolvência, dada a impossibilidade revelada para cumprir obrigações já vencidas, A ser assim, como pensamos suceder no caso vertente, outra resposta não poderá ser dada que não a de considerar não verificado o condicionalismo previsto no n.º 1, do art. 222-A do CIRE, relativo a uma situação económica difícil ou de insolvência iminente, antes os elementos recolhidos nos autos revelando uma situação incontornável de impossibilidade de satisfação pontual da generalidade dos débitos que recaem sobre o Requerente. Ora, o “PEAP” não é meio idóneo para ultrapassar uma situação económica em que o devedor já atingiu um estádio de impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas, pelo que, na base do expendido, não é possível ficcionar uma solvabilidade por parte do Requerente em face dos rendimentos e património que lhe são atribuídos. Nesta perspetiva não pode o “acordo de pagamento” aprovado pelos credores receber a homologação do tribunal, posto falhar a verificação dos pressupostos mencionados no art. 222-A, n.º 1, do CIRE. Por assim ser, fica prejudicada a análise da última questão suscitada pelo recorrente, a contender com a violação pelo dito “acordo” de norma imperativa aplicável ao seu conteúdo, mais precisamente do princípio da igualdade aludido no art. 194 do CIRE. Terá, pois, de proceder a pretensão do Banco/recorrente de ver recusada a homologação do “Acordo de Pagamento” aprovado pelos credores que formaram as necessárias maiorias. III. CONCLUSÃO. Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, nessa medida, revogando-se o sentenciado, rejeita-se a homologação do “Acordo de Pagamento” reportado a fls. 169 a 180 dos autos, devendo observar-se em 1.ª instância o prescrito no n.º 6, do art. 222-F, do CIRE. Custas nesta instância a cargo do Requerente/apelado. Porto, 15 de Novembro de 2018 Mário Fernandes Leonel Serôdio Amaral Ferreira
Apelação n.º 118/18.3T8STS.P1 Relator: Mário Fernandes (1763) Adjuntos: Leonel Serôdio Amaral Ferreira. Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I. RELATÓRIO. B…, residente na Av.ª …, n.º …, .. andar, …, Matosinhos, veio intentar Processo Especial para Acordo de Pagamento, nos termos do art. 222-A e segs. do CIRE, visando a obtenção de um acordo de pagamento aos seus credores, para tanto invocando encontrar-se em situação económica difícil que o impedia, por falta de liquidez, de cumprir integral e imediatamente responsabilidades por si assumidas no âmbito de investimentos que realizou em sociedades que ora foram declaradas insolventes, ora se encontravam inactivas. Determinado o prosseguimento do processo, veio a ser apresentada “Lista Provisórias dos Credores” que, em função de decisão intercalar (de 16.4.2018) a conhecer de impugnação deduzida pelo Requerente/devedor quanto ao crédito reconhecido pelo Sr. Administrador Judicial a favor da “C…, S.A.”, se converteu em definitiva, totalizando os créditos reconhecidos o montante global de 4.464.010,47€. O devedor apresentou proposta de pagamento dos falados créditos, nos termos constantes de fls. 168 a 180, que adiante melhor especificaremos, proposta essa cujo “Plano de Pagamentos” veio a recolher a aprovação de credores que formaram as necessárias maiorias, conforme o estatuído no art. 222-F, n.º 3, do CIRE. Subsequentemente, sem que algum interessado, no prazo estatuído no art. 222-F, n.º 2, do CIRE, tivesse solicitado a não homologação do aludido “Plano”, foi proferida decisão homologatória do mesmo. Do assim decidido interpôs recurso de apelação o credor “Banco D…, S.A.”, tendo concluídos as suas alegações nos termos que se passam a transcrever: - O recorrente é credor reclamante e prejudicado directamente pela decisão de homologação do plano e, por isso, com legitimidade para interpor recurso, nos termos do art. 642, n.º 2, al. a/ e art. 631, ambos do CPC, por remissão do art.17 do CIRE; - O voto contra a aprovação do plano, enviado para o tribunal, não obstante ser indiferente para o resultado da votação, atendendo à maioria dos votos favoráveis obtidos, deveria ter sido remetido oficiosamente para o Administrador Judicial Provisório, no âmbito do poder de gestão processual do juiz e aplicando analogicamente o regime da incompetência territorial do art. 104 do NCPC, por remissão do art. 17 do CIRE; - Com a reforma do CIRE de 2017 foi introduzido o denominado “processo especial para acordo de pagamento” (PEAP), destinado apenas a devedores que não sejam empresas; - De forma semelhante ao propósito do PER, também o PEAP tem como objectivo permitir ao devedor estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a celebrar um acordo com estes; - Resulta do n.º 7, do art. 222.º-D, do CIRE que “os credores que decidam participar nas negociações declaram-no ao devedor por meio de carta registada, podendo fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações”; - Dispõe ainda o n.º 6 do mesmo art. 222.º-D que “durante as negociações, o devedor deve prestar toda a informação considerada pertinente aos credores e ao administrador judicial provisório, de modo que se possam realizar de forma transparente e equitativa, devendo manter sempre atualizada e completa a informação facultada ao administrador judicial provisório e aos credores”; - Ora, durante o procedimento que antecedeu a aprovação do acordo de pagamento sub judice não foram respeitadas as referidas disposições legais, uma vez que, apesar do aqui recorrente ter manifestado interesse em participar nas negociações, via carta junto do devedor e via e-mail junto do seu mandatário, em momento algum foi convidado a reunir com os demais credores ou informado sobre o estado das mesmas; - O plano de pagamento em crise não constitui um verdadeiro acordo, uma vez que não resultou da convergência de vontades entre o devedor e os credores que manifestaram o seu propósito em intervir; - Sendo, ao invés, o resultado da exteriorização dos interesses de um dos credores; - A natureza concursal do PEAP foi, por isso, desvirtuada, na medida em que foi aprovado um acordo de pagamento em violação clara das normas previstas no art. 222-D, n.ºs 6, 7 e 8 do CIRE; - Acresce que, actualmente, a situação económica do devedor é instável, uma vez que a sua situação profissional se tem alterado sucessivamente, ficando o mesmo desapossado de qualquer património na sequência do acordo homologado pela decisão em crise; - Assim, o referido plano não apresenta uma solução realista quanto à forma como o devedor se pretende organizar de forma a proceder ao pagamento dos seus créditos nos termos propostos; - Resulta do referido acordo que a totalidade do seu património reverterá unicamente a favor do credor “E…”, crédito que representa apenas 14,86 % do passivo de 4.464.010,47€; - É, assim, por demais evidente que o devedor se encontra em situação de insolvência, atento o incumprimento generalizado das suas obrigações há já vários anos e o património ser manifestamente inferior ao seu passivo, de valor elevadíssimo; - O que o afasta do seu enquadramento na situação prevista no art. 222-A, n.º 1 do CIRE e, por conseguinte, da legitimidade para recorrer ao processo especial de acordo de pagamento (PEAP), previsto no art. 222º-A e segs. do CIRE; - O devedor foi jogador de futebol e treinador da mesma modalidade, sendo actualmente prestador de serviços da sociedade “F…, Ld.ª”, tendo nos últimos anos investido em várias sociedades comerciais; - As dívidas do devedor foram o resultado deste ter contraído diversas obrigações solidárias, no âmbito da actividade exercida como sócio em várias sociedades comerciais e que, entretanto, foram declaradas insolventes e/ou se encontram inactivas; - O recurso ao processo especial de acordo de pagamento mais não se tratou do que um estratagema de eliminação do passivo que o devedor contraiu no exercício da actividade económica secundária; - Atendendo ao contexto económico-financeiro do devedor e ao teor do plano, ao aceitar a sua homologação, estará a contribuir-se para a generalização e banalização do PEAP, alargando o seu âmbito de aplicação a situações de insolvência “camufladas” e tornando-se num instrumento de fuga ao verdadeiro processo de insolvência; - Ademais, do acordo extrajudicial resulta um tratamento muito mais favorável do credor garantido “E…” do que aquele é dado aos demais credores, incluindo o do credor com igual natureza, sem que para isso haja razões objectivas que o justifiquem, muito menos expressamente invocadas; - Para além da liquidação da totalidade e único património do devedor aproveitar apenas a este credor garantido, quando poderia aproveitar a vários, uma vez que se desconhece o valor de mercado dos imóveis em causa, são concedidos ao “E…” um conjunto de privilégios injustificados, violando o princípio da igualdade previsto no art. 194 do CIRE; - A entrega dos imóveis pelo devedor ao credor hipotecário traduz-se numa liquidação do seu património própria de um processo de insolvência, mas com menor protecção e controlo pelos restantes credores do devedor; - O plano é desproporcional e desmesurado, na medida em que apenas o credor “E…” é pago na totalidade, sem sujeição a qualquer redução ou perdão, independentemente do valor dos imóveis hipotecados a seu favor, num curto prazo, e apenas a este credor será dado conhecimento do processo de venda e ficando também asseguradas as despesas com o agente de execução de um processo estranho ao PER e num valor significativo e não justificado de 15.642,02€; - O facto de serem de credores de natureza diferente não pode justificar um tratamento de tal forma desigual e desequilibrado, sob pena de se estar perante, não de um processo negocial que preside ao espírito do processo de revitalização, mas sim de um processo de insolvência com liquidação directa de património em que apenas o (1.º) credor garantido é beneficiado, ao receber a totalidade do seu crédito, com desrespeito por todos os princípios orientadores do PEAP; - Tal é claramente demonstrativo que para a aprovação do acordo apenas contribuíram os interesses deste credor, faltando transparência na negociação e na aprovação do plano em causa; - Por outro lado, a parte dispositiva do acordo de pagamento apenas introduz alterações ao crédito do “E…”, no que concerne ao prazo (antecipando-o) e à sua forma de pagamento, sendo certo que tais alegações são mais vantajosas que as existentes; - Dito de outro modo, pese embora a parte dispositiva altere a forma de pagamento dos créditos daquele credor, fá-lo em condições muito melhores que as contratualmente existentes; - Pelo que, não sendo aquele credor afectado pelo plano, mais razões existem para considerar que é beneficiado em relação à situação pré-existente; - Razão pela qual, o acordo de pagamento e a decisão que o homologou violaram as normas legais constantes nos arts. 222-A, n.º 1, 222-D, n.ºs 6, 7 e 8 e art. 194, todos do CIRE, assim como os princípios orientadores do processo especial de pagamento, nomeadamente, o princípio da negociação, tendo em vista a obtenção de acordo entre devedor e os credores, o princípio da boa-fé e da busca de uma solução que satisfaça todos os envolvidos, o princípio da cooperação e o princípio da transparência na atuação do devedor no processo negocial; - Pelo que, verificam-se vícios não negligenciáveis de regras procedimentais e de conteúdo que impõem a recusa do acordo de pagamento; - Nestes termos e nos demais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, julgando em conformidade com as precedentes conclusões e revogando, consequentemente, a sentença proclamada pelo insigne tribunal de 1.ª instância, substituindo-a por outra que não homologue o acordo de pagamento, assim se fazendo a tão desejada Justiça. Contra-alegou o Requerente, pugnando pela manutenção do julgado. Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito do recurso, sendo que a instância se mantém válida. II. FUNDAMENTAÇÃO. Para além do já enunciado em relatório, destaca-se ainda, em face do constante dos autos e não colocado em causa, a seguinte factualidade: 1- Do património do Requerente fazem parte os seguintes bens imóveis: a/ Fracção autónoma, designada pela letra “E”, do prédio urbano sito na Trav.ª …, …, Matosinhos, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 8001 e descrito na CRP de Matosinhos sob o n.º 2748; b/ Prédio urbano sito na Rua …, …, Gondomar, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 955 e descrito na CRP de Gondomar sob o n.º 1130; 2 - Dispõe ainda o Requerente, enquanto prestador de serviços para a sociedade “F… - Unipessoal, Ld.ª”, do rendimento mensal líquido de 10.000€, acrescida de uma comissão de 20 % relativa a negócios para aquela obtidos com a sua (do requerente) intervenção; 3 - Foram reconhecidos créditos sobre o Requerente pelo montante global de 4.464.010,47€, sendo o Banco “D…” titular dum crédito comum no valor global de 54.745,97€, mais se destacando a existência de créditos garantidos por parte de: “G…”, pelo montante de 36.351,21€, garantido por penhor sobre valores mobiliários; H…, pelo montante de 100.000€, garantido por hipoteca em 3.º grau, incidente sobre o prédio urbano referido no Ponto 1/b supra; “E…”, pelo montante de 608.270,23€, garantido por hipotecas incidentes sobre os imóveis referidos no Ponto 1/ supra; 4 - No “Plano de Pagamentos” (fls. 169 a 180) que obteve a aprovação dos credores, com as necessárias maiorias, encontram-se nomeadamente previstos pagamentos a serem efectuados nos termos seguintes: O crédito do “E…”, até ao montante global de 625.000€, será regularizado na totalidade, no prazo de 90 dias, após a data do trânsito em julgado da homologação do “Plano”, através do valor apurado com a venda dos dois imóveis referidos nos Ponto 1/ supra e, caso o produto dessa venda não seja suficiente para cobrir a liquidação daquele montante, o devedor pagará o remanescente até ao dia da transmissão do último imóvel a ser transacionado, ficando a cargo do mesmo o pagamento dos honorários ao “Agente de Execução, fixados em 15.642,02€; O crédito garantido da “G…” será regularizado na totalidade através da dação em pagamento dos valores mobiliários sobre os quais incide o penhor; O crédito garantido de I… será pago na proporção de 60 % do capital primitivo, em 10 anos, através de prestações mensais, sucessivas e de igual montante, com perdão total de juros vencidos e vincendos, sendo a primeira prestação liquidada após o trânsito em julgado da sentença homologatória do “Plano para Acordo de Pagamento”; Os créditos comuns serão pagos na proporção de 40 % do capital primitivo, em 15 anos, através de prestações mensais, sucessivas e de igual montante, com perdão total de jutos vencidos e vincendos, sendo a primeira prestação liquidada após o trânsito em julgado da sentença homologatória do “Plano para Acordo de Pagamento”. Das comissões que o devedor venha a obter, 50 % desse produto será rateado pelos credores comuns e pelo credor garantido H…, na proporção do respectivos créditos. Em função do concluído pelo apelante “D…”, o objecto do recurso vem circunscrito a três questões essenciais, a saber: Violação de regras procedimentais relativas à participação dos credores nas negociações tendentes à obtenção de “acordo de pagamento”; Não verificação do pressuposto pré-insolvência por parte do Requerente, estabelecido no art. 222-A, n.º 1, do CIRE; Violação pelo “Plano de Acordo de Pagamento” do princípio da igualdade. No âmbito da primeira problemática suscita o Banco/recorrente a violação de procedimentos a que deve obedecer a obtenção dum eventual acordo de pagamento, posto a esse processo negocial prévio não ter podido aceder, por omissão do devedor em lhe facultar a possibilidade de participação nas negociações, apesar do recorrente ter manifestado interesse em delas fazer parte. Estaria, pois, em causa a violação do que nesse aspecto vem prescrito no art. 222-A, n.ºs 1 e 6 a 8 do CIRE, por força de ter sido omitido um procedimento regular atinente à negociação prévia com todos os credores, em ordem à obtenção do falado acordo. Adiantando posição, cremos ser insubsistente o levantamento de tal problemática por parte do recorrente. Por um lado, não fornecem os autos elementos minimamente consistentes a autorizar a constatação de não ter sido facultado ao recorrente participar nas aludidas negociações prévias, a pondo do mesmo ter ficado afastado desse processo tendente à obtenção dum “acordo de pagamento”. Diga-se, aliás, que, a ter ocorrido procedimento irregular nesse âmbito, sempre facultado estava ao recorrente suscitar tal questão perante o tribunal recorrido em tempo útil, ao abrigo do prescrito no art. 222-F, n.º 2 do CIRE, o que de todo não sucedeu, não sendo prestável para esse efeito a posição por aquele assumida através do requerimento apresentado em 12.7.2018, o qual se evidencia intempestivo à luz daquele normativo, tendo sido deduzido já após ter sido proferida a decisão homologatória objecto do presente recurso. Ainda que possa ocorrer a não homologação oficiosa do acordo de pagamento, na base de violação não negligenciável de regras procedimentais, como é facultado pelo art. 222-F, n.º 5 do CIRE, a verdade é que, como deixámos referido, nenhum elemento recolhido nos autos permite confirmar semelhante violação. Porque assim apreendemos o enquadramento em que vem suscitada tal questão, inexistem motivos para acolher a pretensão do recorrente de ver rejeitada a homologação do falado “Plano de Pagamentos” na base acabada de analisar. Contudo, entende ainda o recorrente que, no condicionalismo em que o Requerente instaurou o processo especial a que vimos aludindo, não se encontra reunido um dos pressupostos que legitima a instauração desse processo, tendo em vista a homologação dum acordo de pagamento – trata-se da segunda questão acima enunciada. Com maior incidência, defende o impugnante que o Requerente se encontra numa situação de insolvência actual, já não numa situação “económica difícil” ou de “insolvência meramente iminente”, razão bastante para não poder ser objecto de homologação o “Plano de Pagamentos” que obteve as indispensáveis maiorias, o que devia ser constatado pelo tribunal “a quo”, quando aquele lhe foi apresentado para apreciação nos termos do art. 222-F, n.º 5 do CIRE. Para tanto aduz, de mais significativo, que o Requerente entrou há vários anos numa situação de incumprimento das obrigações por si assumidas, encontrando-se impossibilitado de as cumprir, sendo o seu passivo elevadíssimo (cerca de 4 milhões e 500 mil euros), a ponto do património e rendimentos de que dispõe – os dois imóveis acima identificados e os rendimentos mensais líquidos auferidos (à volta de 10.000 euros) – de forma alguma terem a potencialidade de gerar receitas para cobrir esse passivo e até mesmo o integral cumprimento do “Plano” apresentado e que veio a ser homologado. Atento os termos em que o recorrente coloca a problemática em análise, importa averiguar se deve dar-se como reunido um dos pressupostos de que depende o recurso ao processo de que nos ocupamos, para, através do mesmo, ser alcançado o desiderato do Requerente/devedor de ver homologado um acordo de pagamento. Diga-se, antes de mais, estar ao alcance do tribunal apreciar, mesmo oficiosamente e no contexto das disposições conjugadas dos arts. 222-F, n.º 5 e 215 do CIRE, a verificação do assinalado pressuposto material e recusar a homologação do acordo de pagamento que tenha sido aprovado, no caso da situação relatada nos autos revelar o estado de insolvência actual do devedor. Vejamos. Decorre do art. 222-A, n.º 1 do CIRE que o processo especial para acordo de pagamento tem em vista permitir ao devedor obter um acordo com os respectivos credores no sentido de serem estabelecidos os termos da liquidação das dívidas contraídas, desde que aquele (o devedor) se encontre numa situação económica difícil ou numa situação de insolvência iminente. A situação económica difícil, nos dizeres da lei (art. 222-B do CIRE), verifica-se quando o devedor enfrenta dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir crédito. Já o conceito de insolvência iminente, não vindo definida no CIRE, abrangerá a situação em que o devedor – no caso de ser pessoa singular não titular de empresa – se encontra próximo de enfrentar uma impossibilidade de cumprir com as suas obrigações – v., neste sentido, A. Prata, J. Morais e R. Simões, in “CIRE Anotado”, págs. 24 e 54. A propósito destes conceitos, ainda que aludindo ao processo especial de revitalização (“PER”), o qual elege pressupostos semelhantes aos também exigidos para o processo de que nos ocupamos (o “PEAP”), adianta Luís M. Martins que: “o conceito de insolvência iminente é aberto e indefinido, implicando uma análise concreta da situação do devedor (tipo de obrigações que se vão vencer, incapacidade de recurso a crédito …). Esta situação passa sempre por uma previsão futura sobre a insuficiência económica e sua incapacidade de, a curto prazo, vir a realizar e honrar as obrigações assumidas e ainda não vencidas. A situação de insolvência iminente é conjecturada quando o devedor, de acordo com os critérios do homem comum ou um gestor criterioso e empenhado, sabe e não pode desconhecer que não conseguirá ir a honrar as obrigações assumidas a curto prazo … Em bom rigor, estar numa situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, acaba por ser a mesma coisa e com a mesma abrangência. Se tem dificuldades sérias em cumprir pontualmente as suas obrigações, acaba por se encontrar em situação de insolvência iminente …” – in “Recuperação de Pessoas Singulares”, Vol. I, 2.ª ed., págs. 20 a 21. Catarina Serra, fazendo alusão aos pressupostos do “PEAP”, adianta que este processo, tal como o “PER”, se trata dum processo pré-insolvencial, a implicar necessariamente que o devedor, para poder desencadear esse procedimento, se encontre numa situação económica difícil ou de insolvência iminente – in “Lições de Direito da Insolvência”, págs. 584 a 585. Ora, o que se questiona é se, perante as concretas circunstâncias relatados nos autos, deve concluir-se pelo preenchimento do falado pressuposto – situação económica difícil ou de insolvência iminente – sendo legítimo ao Requerente beneficiar do recurso ao “PEAP”, como sucedeu, bem assim de ver confirmada a decisão homologatória do falado acordo de pagamento. Ressalta à evidência que o Requerente – face não só ao alegado inicialmente, como ainda ao vertido no “projecto de acordo” submetido à aprovação dos credores – se encontra impossibilitado de cumprir atempadamente as obrigações assumidas, a ponto de ter já entrado em incumprimento, contra si correndo, segundo informou inicialmente, sete acções executivas para cobrança de dívidas da sua responsabilidade. Acresce que o passivo imputável ao Requerente, já reconhecido nos autos, atinge o elevado montante de 4 milhões e 500 mil euros, enquanto os seus rendimentos líquidos mensais, concretamente quantificados, se ficam por 10.000 euros, dispondo como património imobiliário os dois imóveis acima indicados, cujo valor patrimonial ou de mercado, apesar de não vir indicado, servirá, quando muito e indiciariamente, para garantir a liquidação das hipotecas sobre os mesmos incidentes e de que são beneficiários os credores “E…”, com crédito garantido a atingir cerca de 608.000 euros, e H…, com crédito garantido de 100.000 euros. Sendo este o quadro que transparece dos elementos constantes do processo, afigura-se-nos insubsistente nele descortinar uma mera previsibilidade de o Requerente, transitória e pontualmente, não dispor de fundos imediatos para solver o falado passivo já vencido, antes nos confrontando perante uma efectiva impossibilidade de o Requerente liquidar, num curto prazo, as obrigações que sobre si impendem, sendo que o património e rendimento de que é titular não dispõe de potencialidade de gerar proveitos minimamente suficientes para garantir a liquidação de parte significativa do passivo. Na verdade, o que é possível extrair do apontado circunstancialismo é que o Requerente já bem antes da abertura do presente processo caiu numa situação de insolvência, dada a impossibilidade revelada para cumprir obrigações já vencidas, A ser assim, como pensamos suceder no caso vertente, outra resposta não poderá ser dada que não a de considerar não verificado o condicionalismo previsto no n.º 1, do art. 222-A do CIRE, relativo a uma situação económica difícil ou de insolvência iminente, antes os elementos recolhidos nos autos revelando uma situação incontornável de impossibilidade de satisfação pontual da generalidade dos débitos que recaem sobre o Requerente. Ora, o “PEAP” não é meio idóneo para ultrapassar uma situação económica em que o devedor já atingiu um estádio de impossibilidade de cumprimento de obrigações vencidas, pelo que, na base do expendido, não é possível ficcionar uma solvabilidade por parte do Requerente em face dos rendimentos e património que lhe são atribuídos. Nesta perspetiva não pode o “acordo de pagamento” aprovado pelos credores receber a homologação do tribunal, posto falhar a verificação dos pressupostos mencionados no art. 222-A, n.º 1, do CIRE. Por assim ser, fica prejudicada a análise da última questão suscitada pelo recorrente, a contender com a violação pelo dito “acordo” de norma imperativa aplicável ao seu conteúdo, mais precisamente do princípio da igualdade aludido no art. 194 do CIRE. Terá, pois, de proceder a pretensão do Banco/recorrente de ver recusada a homologação do “Acordo de Pagamento” aprovado pelos credores que formaram as necessárias maiorias. III. CONCLUSÃO. Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, nessa medida, revogando-se o sentenciado, rejeita-se a homologação do “Acordo de Pagamento” reportado a fls. 169 a 180 dos autos, devendo observar-se em 1.ª instância o prescrito no n.º 6, do art. 222-F, do CIRE. Custas nesta instância a cargo do Requerente/apelado. Porto, 15 de Novembro de 2018 Mário Fernandes Leonel Serôdio Amaral Ferreira