Processo:639/18.8T8PRD.P1
Data do Acordão: 29/04/2020Relator: JOAQUIM MOURATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I – Diversamente do que acontecia na vigência do Código de Processo Civil de 1961, agora, face ao que se dispõe no artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC, não há razão para controvérsia: o poder do juiz de convidar as partes a aperfeiçoar os seus articulados quando estes revelem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada não é um poder discricionário, mas antes um podere-dever, um poder vinculado. II - O convite ao aperfeiçoamento (como o próprio termo inculca) supõe que os articulados revelem um conteúdo fáctico mínimo, ainda que deficientemente expresso: a petição inicial, que individualize a causa de pedir; a contestação, que identifique a(s) excepção(ões) deduzida(s) densificando-a(s) com os pertinentes elementos de facto. III – No caso sub juditio, embora esteja, minimamente, identificada a causa de pedir, a petição inicial é, manifestamente, deficiente, já porque não descreve suficientemente actos materiais concretizadores de uma posse boa para usucapião, já porque abundam as afirmações vagas e conclusivas, pelo que se impunha que o tribunal proferisse despacho de convite ao aperfeiçoamento daquele articulado. IV - A falta desse despacho configura omissão de um acto que a lei prescreve e a situação é especialmente ostensiva porquanto a Sra. Juiz, além de omitir a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, extraiu da deficiência da p.i. efeitos que se projectaram na improcedência da acção. V - A omissão desse despacho, sendo uma nulidade processual, influiu no exame e decisão da causa, posto que esta julgou improcedente o pedido formulado pelo autor por insuficiência de factos que poderiam ter sido invocados em cumprimento do convite ao aperfeiçoamento, acabando por afectar com o vício da nulidade a própria sentença.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
JOAQUIM MOURA
Descritores
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO PODER-DEVER DO JUIZ NULIDADE PROCESSUAL
No do documento
Data do Acordão
04/30/2020
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
ANULADA
Sumário
I – Diversamente do que acontecia na vigência do Código de Processo Civil de 1961, agora, face ao que se dispõe no artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC, não há razão para controvérsia: o poder do juiz de convidar as partes a aperfeiçoar os seus articulados quando estes revelem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada não é um poder discricionário, mas antes um podere-dever, um poder vinculado. II - O convite ao aperfeiçoamento (como o próprio termo inculca) supõe que os articulados revelem um conteúdo fáctico mínimo, ainda que deficientemente expresso: a petição inicial, que individualize a causa de pedir; a contestação, que identifique a(s) excepção(ões) deduzida(s) densificando-a(s) com os pertinentes elementos de facto. III – No caso sub juditio, embora esteja, minimamente, identificada a causa de pedir, a petição inicial é, manifestamente, deficiente, já porque não descreve suficientemente actos materiais concretizadores de uma posse boa para usucapião, já porque abundam as afirmações vagas e conclusivas, pelo que se impunha que o tribunal proferisse despacho de convite ao aperfeiçoamento daquele articulado. IV - A falta desse despacho configura omissão de um acto que a lei prescreve e a situação é especialmente ostensiva porquanto a Sra. Juiz, além de omitir a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, extraiu da deficiência da p.i. efeitos que se projectaram na improcedência da acção. V - A omissão desse despacho, sendo uma nulidade processual, influiu no exame e decisão da causa, posto que esta julgou improcedente o pedido formulado pelo autor por insuficiência de factos que poderiam ter sido invocados em cumprimento do convite ao aperfeiçoamento, acabando por afectar com o vício da nulidade a própria sentença.
Decisão integral
Processo n.º 639/18.8 T8PRD.P1 
Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Paredes (J2)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto 

I – Relatório
1. Configuração da acção
B… intentou, em 12.03.2018, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra C… e D…, todos devidamente identificados nos autos, peticionando a condenação dos réus a:
«a) Reconhecerem o exclusivo direito de propriedade do A.. sobre o imóvel descrito no art.º 1º desta petição;
b) Entregarem-no ao A. totalmente devoluto;
c) Absterem-se de qualquer acto ou prática lesivo do mesmo direito do A.;
d) Reconhecerem a propriedade exclusiva do caminho privado de acesso à via publica pelo lado sul do prédio do Autor;
e) Reconhecerem a propriedade exclusiva do Autor sobre o quintal/logradouro, com cerca de 80m2, em frente às escadas de acesso à casa de habitação do Autor;
f) Serem condenados a reconstruirem o muro que delimita pelo lado poente do prédio do Autor, este prédio com o prédio dos RR. e a taparem a entrada/portão/cancela que ali construíram;
g) Pagarem ao A. a quantia de €.: 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização pelos danos sofridos;
h) Pagarem ao A., a titulo de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €.: 1.450,00 por ano, até efectiva entrega do terreno sub judidio devoluto e livre de pessoas e bens;
i) Pagarem os juros vencidos e vincendos à taxa de 4% ao ano, sobre a quantia apurada na sobredita alínea g)».
Em síntese, alega que «é dono, senhor, possuir e legitimo proprietário» do prédio urbano sito no …, freguesia …, Paredes, descrito na Conservatória competente sob o n.º 1778 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 504, composto de casa de rés-do-chão com quintal, com a área coberta de quarenta metros quadrados e descoberta (quintal) com cem metros quadrados.
Adquiriu o identificado prédio, quer por sucessão (com habilitação e partilha extrajudicial formalizada por escritura pública outorgada em 04.02.2000, estando esta aquisição inscrita a seu favor na respectiva Conservatória) aberta por óbito do seu pai E…, quer por usucapião.
Aproveitando-se da circunstância de trabalhar em Espanha, os réus derrubaram parte do muro que fazia (e faz) a divisão entre o seu (do autor) e o prédio deles (réus) e na abertura resultante do derrube colocaram um portão/cancela de forma a terem acesso ao logradouro/quintal pertencente ao prédio do autor e aí, não só construíram uns anexos clandestinos (vulgo, armazém) como colocaram e vão colocando vários materiais e alfaias agrícolas.
Além disso, do lado sul do seu prédio, existe um «caminho privado de acesso» à via pública, que o autor está impedido de utilizar livremente devido à conduta dos réus.
2. Oposição
Os réus apresentaram contestação impugnando, praticamente, todos os factos em que o autor assenta os seus pedidos.
Desde logo, quer o muro, quer o portão nele existente, a que alude o autor, foram construídos pelos pais de ambos (autor e ré C…) e o portão, apenas, foi alargado há cerca de 20 anos (ainda antes da partilha da herança).
Depois, o seu prédio, confinante com o do autor, sempre teve como limite nascente a fachada da casa deste e a faixa de terreno, com cerca de 80 m2, onde havia uma ramada que retiraram para facilitar o acesso de veículos aos anexos desde a Rua …, e onde existe um poço de água, pertence-lhes, pois há mais de 20 e 30 anos vêm praticando sobre ele actos materiais de posse, agindo na convicção de que exercem um direito próprio, como proprietários, desse terreno.
É verdade que, sobre essa faixa de terreno, desde a Rua … e até à casa do autor, existe uma passagem, unicamente, de pé, mas não aceitam e nunca aceitaram que o autor se arrogue dono dessa faixa de terreno, pois apenas goza de uma servidão de passagem de pé.   
Pugnam, assim, pela improcedência da acção.
3. Saneamento e condensação
Foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador tabelar, fixou-se o valo da causa (€ 7.667,66), definiu-se o objecto do processo, mas não foram enunciados os temas de prova, e admitiu-se a produção dos meios de prova indicados pelas partes.
4. Audiência final e sentença
Realizou-se a audiência final, em três sessões, após o que, com data de 08.07.2019, foi proferida sentença que julgou, totalmente, improcedente a acção e absolveu os réus dos pedidos.

5. Impugnação da sentença
Inconformado com a sentença absolutória, almejando a sua revogação, o autor dela interpôs recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que “condensou” nas seguintes “conclusões[1]:
……………………………
……………………………
……………………………
Os réus contra-alegaram, concluindo pela confirmação da sentença recorrida.
A Sra. Juiz, face à arguição de nulidade da sentença, proferiu despacho em que negou estarem verificadas “as reportadas nulidades”. 
O recurso foi admitido (com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo).
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
O recorrente começa por invocar um vício da sentença, porquanto, se a petição inicial enfermava de «deficiências e insuficiência fáctica», como nela se afirma, então, impunha-se que a Sra. Juiz convidasse o autor a aperfeiçoá-la e, assim não tendo procedido, deu «prevalência à forma sobre a substância» e violou «o princípio do dispositivo e do contraditório e da gestão processual», o que torna a decisão recorrida «absolutamente nula» (conclusão 16.ª).
Essa é a primeira questão a apreciar e decidir e da resposta que se obtiver dependerá a abordagem das demais questões, mais exactamente, se fica ou não prejudicado o conhecimento das outras questões colocadas à apreciação deste tribunal de recurso:
- se o tribunal errou no julgamento da matéria de facto por ter feito incorrecta apreciação e valoração da prova;
- se é, também, errada a subsunção jurídica dos factos e se, como defende o recorrente, estão reunidos os pressupostos da constituição, por usucapião, do (seu) domínio sobre as parcelas de terreno reivindicadas.

II – Fundamentação
1. Fundamentos de facto
Assim delimitado o thema decidendum, atentemos na factualidade que a primeira instância deu por assente.
Factos provados
1) Em 2018.11.12, o prédio urbano sito no …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º 1778, da Freguesia … e inscrito na matriz urbana dessa mesma Freguesia sob o número 504, composto por casa de rés-do-chão com quintal, destinado exclusivamente à habitação, com área coberta de (40 m2) quarenta metros quadrados e quintal com (100 m2) cem metros quadrados, confronta de Norte com o proprietário, de Nascente com F…, de Sul e Poente com C… tinha a sua titularidade inscrita a favor do autor na Conservatória do Registo Predial, por partilha por óbito do pai do autor, E…, por escritura de habilitação e partilha outorgada em 4 de Fevereiro de 2000, no Cartório Notarial de Paredes.
2) O autor está, pois, na posse do prédio n.º 1778 há mais de 20 anos, sucedendo na posse do mencionado prédio e de outros prédios aos anteriores proprietários, seus pais, e sempre o utilizou, administrou livremente, pagando as respectivas contribuições perante o Estado, destinando, onerando e desonerando como julgou por bem, actuando como verdadeiro proprietário convicto desse direito absoluto e de não lesar direitos de terceiros sempre à vista de todos, de forma pública e de todos conhecida, sem oposição de quem quer que seja.
3) O prédio identificado em 1) tem acesso à via pública pelo caminho que existe pelo lado sul da casa de habitação que dá para o quintal/logradouro com cerca de 80 m2.
4) O caminho referido em 3) é uma faixa de terreno, com uma largura aproximada de 4 metros (4m) em toda a sua extensão que confronta pelo sul com a Rua … e G…, do poente com a Ré e do nascente com o Autor e a Ré (prédio urbano com o número de polícia ..) e permite ainda que o prédio dos réus, pelo seu lado sul, tenha acesso à via pública.
5) O caminho foi aberto há mais de vinte, trinta e quarenta anos pelos seus pais e primitivos donos de ambos os prédios, que o abriram como caminho privado de acesso à via pública, pelo lado sul, fazendo parte integrante do mesmo.
6) O autor tem a sua residência habitual em Espanha, onde se encontra a trabalhar.
7) Os pais do Autor e da Ré mulher, por escritura pública exarada em 28.11.1983, doaram à Ré mulher o prédio rústico denominado “H…”, sito no …, da Freguesia …, do Concelho de Paredes, descrito na CRP de Paredes sob o nº 25.707, a fls. 69 do Livro B-66 e então omisso na matriz predial.
8) O imóvel referido em 7) confrontava pelo nascente com outros prédios dos doadores, seja o que hoje pertence ao autor e vem descrito em 1) e um outro de que os Réus são donos.
9) De seguida à aludida escritura pública, os Réus procederam à edificação de uma casa de habitação de rés-do-chão e andar no prédio doado, que, após conclusão, foi inscrita na matriz predial em 19 de Setembro de 1985, tendo aqueles começado a habitá-la em 1 de Novembro do mesmo ano, tendo-lhe sido atribuído o artº. 1015 da matriz predial urbana da freguesia … e que se encontra na posse dos Réus.
10) Desde há mais de 20, 30 e 40 anos que, por si e antecessores, os Réus vêm estando no uso, fruição e disposição, sempre repetidos e renovados, do prédio em apreço, designadamente, removendo terras, construindo a referenciada casa que habitam, bem como os anexos para animais, cultivando o quintal junto, onde plantam batatas, couves e outros mimos, percebendo os respectivos rendimentos, direitos adquiridos na ignorância de lesar outrem, sem emprego de qualquer violência e de modo a poderem ser conhecidos pelos interessados, agindo, igualmente, na convicção de exercitar um direito próprio e como se proprietários.
11) Quando os Réus já viviam na casa de habitação mencionada em 10) e antes da celebração da escritura de partilha, os seus pais e sogros decidiram reforçar a privacidade da sua filha e genro, com a construção de um muro de blocos de “mecan”, com a orientação norte-sul, desde a (agora) Rua …, com uma extensão de cerca de 50 metros.
12) Nessa altura, o terreno pertencente aos progenitores do Autor e da Ré, situado na parte norte, era um campo cultivado por três arrendatários de casa e terra, que ali passavam.
13) Para facilitar as manobras com o tractor desde e para a agora denominada Rua …, o caminho foi alargado pelos Réus, há mais de 20 anos, seja também antes da realização da referenciada escritura de partilha, o portão ali existente colocado no muro de blocos de “mecan” referido em 11) passou a dispor da largura de cerca de 3,60 m, em vez dos anteriores 2,10 m.
14) Quando a escritura de partilha foi exarada em 04.02.2000, todos os outorgantes, entre os quais o Autor, tinham perfeito conhecimento da existência do aludido portão, tal qual como agora se encontra.
16) Nas negociações que precederam a partilha não estava destinado ser adjudicado ao autor o prédio urbano descrito em 1).
17) A faixa de terreno que integra o caminho, com a área aproximada de 80 m2 encontra-se na posse dos Réus, que a vem continuando de seus antepassados.
18) Foram os Réus, por si e antecessores, quem, desde há mais de 20 e 30 anos, dispuseram, como coisas suas que eram, das uvas que cresciam na ramada ali implantada e que propendia sobre aquele tracto de terreno, efectuando a respectiva poda e tratamentos fitossanitários.
19) E que vieram a retirar, para facilitar, como se disse, o acesso de veículos desde a Rua … aos anexos já há muito construídos no seu prédio.
20) Como foram os demandados que, desde há mais de 20 e 30 anos, exclusivamente limpavam e cortavam as ervas que medravam na predita faixa de terreno, arranjando o chão em terra, quando este se estragava por acção das chuvas e atenta a inclinação, e que a calcetaram, com paralelepípedos de granito, numa extensão de aproximadamente nove metros, contados desde a Rua ….
21) Foram ainda os Réus que, há mais de quinze anos, decidiram aproveitar uma reentrância da aludida faixa de terreno, onde se situa um poço, aplainando, para isso, o terreno - que era mais alto cerca de um metro – colocando-o ao nível da parte restante, e retiraram umas placas de lousa que rodeavam o poço.
22) Naquele espaço terraplanado, passaram, então, os Réus a colocar o tractor, o atrelado do tractor, bem como outros utensílios agrícolas e procederam ao alargamento em 0,50m da entrada a sul da dita faixa de terreno, por acordo com o dono do prédio sito no nº .. da Rua …, uma vez que foi à custa da área deste que se procedeu à ampliação, pelo que pagaram o novo muro ali edificado.
23) Actuando os Réus, do modo descrito, na ignorância de lesar outrem, continuadamente, à vista de toda a gente e sem emprego de qualquer violência.
24) Agindo, igualmente, na convicção de exercitar um direito próprio e como se proprietários fossem.
25) A identificada faixa de terreno sobre a qual, se verifica, a partir da Rua … e até à casa do autor, e vice-versa, uma passagem unicamente de pé, próximo da estrema nascente da aludida faixa de terreno (o denominado “caminho privado de acesso do autor à via pública”).
26) Em data não precisa, os réus procederam à colocação de uma rede de vedação.
27) O prédio do autor nunca se encontrou vedado por qualquer dos seus lados, nomeadamente, nunca esteve vedado pelo lado poente onde o caminho referido vai desembocar.
28) O autor abriu um novo acesso à sua propriedade através da rua ….
*
Já conhecemos os fundamentos da arguição de nulidade da sentença que o recorrente invoca: na sua óptica, o articulado inicial «continha já o que se devia considerar como factos essenciais nucleares (…) para fazer valer a propriedade e a posse do Impetrante sobre a faixa de terreno de 80m2 porque caracteriza a faixa de terreno onde se incorpora o caminho de acesso à casa de habitação», mas, se enfermava de «deficiências e insuficiência fáctica», como se considerou na sentença recorrida, impunha-se que a Sra. Juiz o convidasse ao aperfeiçoamento para suprir essas deficiências.
Não tendo sido esse o caminho seguido, há um vício de procedimento que se reflecte na sentença, tese que tem arrimo no acórdão desta Relação de 10.09.2019 (Proc. n. 11226/16.5T8PRT-A.P1).
Os recorridos pugnam pelo indeferimento da arguição de nulidade da sentença porque, na sua perspectiva, a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir, vício que não poderia ser suprido com um convite ao aperfeiçoamento porque a tanto se opõem os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes.
Depois de douta exposição sobre a caracterização da acção de reivindicação e dos pressupostos de facto e de direito de que depende o acolhimento da pretensão do reivindicante, concluiu-se assim na sentença recorrida[2]:
«Isto posto, em conformidade com o acima exposto e ponderada a prova produzida pelo autor e quanto à faixa de terreno do caminho, entendo que não foram alegados e demonstrados os factos suficientes que permitissem a procedência da presente acção».
E mais adiante reafirma-se a falta de alegação de factos suficientes para a procedência dos pedidos formulados:
«Restam-nos os demais pedidos deduzidos nas alíneas d) a h) que situam o litígio em apreço sobre a parcela de terreno que integra o caminho de acesso à entrada da casa do autor que se inicia na Rua …. E, sendo assim, entendemos aderir aos fundamentos das alegações finais dos réus porque notoriamente quanto à reivindicação deste direito o autor não alegou os factos suficientes para que o Tribunal pudesse julgar procedente a presente acção.
Assim, quanto à parcela de terreno descrita na alínea e) temos que concordar e reiterar que não foram alegados os suficientes factos demonstrativos da aquisição originária desta faixa de terreno para que o direito do autor pudesse ser reconhecido».
Isto depois de, na motivação probatória da decisão sobre matéria de facto, se ter afirmado, taxativamente, a insuficiência da petição inicial quanto à alegação de factos:
«No mais, quanto à propriedade do caminho de acesso desde a rua …, por um lado, em termos técnicos temos que concluir que a prova produzida pelo autor não logrou suprir as deficiências e insuficiência fáctica verificada na petição inicial, nomeadamente, quanto à necessária e devida caracterização da faixa de terreno que integra o caminho de acesso à casa de habitação do autor».
Depois de afirmar ser «incontroverso e reconhecida propriedade do autor quanto ao prédio descrito em 1) e abrangido, respectivamente, pelos pedidos deduzidos nas alíneas a), b) e c) da petição inicial cuja titularidade nunca foi posta em causa», não é fácil perceber por que foi a acção julgada totalmente improcedente. Bem mais difícil é, porém, entender que se aponte «as deficiências e insuficiência fáctica verificada na petição inicial» como razão para a improcedência da acção sem que se tenha convidado o autor a suprir essas “deficiências e insuficiência fáctica”.
É que, diversamente do que acontecia na vigência do Código de Processo Civil de 1961, agora, face ao que se dispõe no artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC, não há margem para controvérsia: o poder do juiz de convidar as partes a aperfeiçoar os seus articulados quando estes revelem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada não é um poder discricionário, mas antes um podere-dever, um poder vinculado (“Incumbe ainda ao juiz convidar as partes…”).
Como fazem notar A.S. Abrantes Geraldes, Pires de Sousa e Pimenta (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019, pág. 678), «Manifesta-se aqui um verdadeiro dever legal do juiz (despacho de aperfeiçoamento vinculado), no sentido de identificar os aspectos merecedores de correcção».
A deficiência dos articulados há-de ter por referência os factos essenciais da causa, aqueles que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, pois só estes podem comprometer o êxito da acção ou da defesa, e essa deficiência justificativa de um despacho de aperfeiçoamento tanto pode revelar-se numa insuficiência de factos como numa insuficiente concretização.
Na insuficiência de factos, «está em causa a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou duma exceção, por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica expressa ou implicitamente invocada»[3].
Na insuficiente concretização, «estão em causa afirmações feitas, relativamente a alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo (abstracto ou jurídico) ou equívoco»[4].
Mas o convite ao aperfeiçoamento (como o próprio termo inculca) supõe que os articulados revelem um conteúdo fáctico mínimo, ainda que deficientemente expresso: a petição inicial, que individualize a causa de pedir; a contestação, que identifique a(s) excepção(ões) deduzida(s) densificando-a(s) com os pertinentes elementos de facto.
Estão, à partida, excluídos do aperfeiçoamento «os casos em que a causa de pedir ou a exceção não se apresentem identificadas, mediante a alegação de elementos de facto suficientes para o efeito, casos esses que são de ineptidão da petição inicial (…) ou de nulidade da exceção, nomeadamente por exclusiva utilização de expressões de conteúdo técnico-jurídico»[5].
Na feliz síntese de A.S. Abrantes Geraldes e outros (ob. cit., 679), «O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é perceptível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos».
A ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir (afirmada pelos recorridos nas suas contra-alegações, mas que não invocaram na contestação), foi afastada pela Sra. Juiz do tribunal a quo, pois de contrário, no despacho saneador, teria conhecido da excepção dilatória e absolvido os réus da instância (artigos 186.º, 576.º, n.º 2, 577.º, al. b), 578.º e 595.º, n.º 1, al. a), todos do CPC).  
Como já se assinalou, a Sra. Juiz considerou a petição inicial deficiente, quer por insuficiência de factos, quer por insuficiente concretização, mas não convidou o autor a aperfeiçoá-la, como lhe incumbia (citado artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC), para o que dispunha do despacho pré-saneador.
Antes de nos determos sobre as consequências dessa omissão, importa verificar se, realmente, é de uma petição inicial deficiente que se trata.
Estamos perante a típica acção de reivindicação[6] prevista no artigo 1311.º do Código Civil, dispondo o seu n.º 1 o seguinte:
“O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”.
Do preceito citado resulta, com meridiana clareza, que são dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa.
É precisamente isso que pretende o autor com esta acção (se bem que, também, exija uma “indemnização pelos danos sofridos”, que não concretiza).
Sendo o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa os pedidos característicos da reivindicação, a causa de pedir é o facto jurídico de que emerge tal direito e a posse ou a detenção do réu não conferidas por qualquer relação de natureza real ou obrigacional.
Mas a questão fulcral que se coloca a propósito da causa de pedir na acção de reivindicação reside em saber se basta a invocação de um título de aquisição derivada do direito real ou se, diferentemente, é necessário alegar factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio.
Como bem se refere na sentença recorrida, há quem entenda que ao autor basta alegar que é proprietário de determinado bem porque este lhe foi transmitido por negócio jurídico translativo, já que o contrato é uma das formas de aquisição da propriedade reconhecida por lei (art.ºs 1316.º, 1371.º e 408.º do Cód. Civil)[7].
No pólo oposto, há quem defenda que o autor terá que alegar e demonstrar sempre uma forma originária de aquisição, mesmo que beneficie da presunção legal de propriedade derivada do registo[8].
Na realidade, ao autor não basta alegar que adquiriu o domínio por força de contrato (de compra e venda, de doação, etc.) ou de sucessão por morte, já que não têm a virtualidade de constituir o direito de propriedade, mas tão só a de o transmitir. Por isso que, quando invoca um título de aquisição derivada, o reivindicante tem, ainda, de demonstrar que o direito já existia na esfera jurídica do transmitente[9].
No entanto, ele não tem que alegar e provar as sucessivas aquisições dos seus antecessores no domínio, até chegar ao adquirente a título originário[10], desde que se verifique a presunção legal da titularidade do direito de propriedade derivada do registo[11].
O autor alegou (artigos 1.º a 5.º da p.i.) que é dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito no Lugar …, descrito na Conservatória do Registro Predial de Paredes sob o n.º 1778 e inscrito na respectiva matriz com o artigo 504.º, domínio que lhe adveio por sucessão hereditária aberta em consequência do óbito do seu pai E… (e subsequente habilitação e partilha extrajudicial formalizada por escritura pública outorgada em 04.02.2000).
O prédio está descrito como tendo a seguinte composição: casa de rés-do-chão com quintal, com a área coberta de quarenta metros quadrados (40 m2) e descoberta (o quintal) com cem metros quadrados (100 m2), sendo, ainda, indicadas as respectivas confrontações. 
Esse facto aquisitivo (sucessão por morte e partilha) está, definitivamente, registado a favor do autor na Conservatória de Registo Predial competente, pelo que este beneficia da presunção legal contida no artigo 7.º do Código de Registo Predial, nos termos do qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
Mas, como se sabe, é pacífico na doutrina e na jurisprudência[12] o entendimento de que a presunção derivada do registo não abrange a descrição predial, os elementos identificadores dos prédios, nomeadamente as respectivas confrontações, as áreas e as delimitações.
Ora, verdadeiramente, não é controvertida a titularidade do direito de propriedade sobre esse prédio.
O que está em causa, o que constitui objecto de litígio é uma pequena parcela de terreno com a área aproximada de 80 m2 e de uma, ainda mais pequena, faixa de terreno (segundo o autor, situada a sul; segundo os réus, localizada próximo da extrema nascente da parcela de terreno) que tem servido de caminho de acesso à Rua ….
O autor alega (artigos 17.º a 23.º da P.I.) que, aproveitando-se da sua ausência, por estar a trabalhar em Espanha, os réus derrubaram parte do muro divisório que existe entre os dois prédios (o dele, autor, e o deles, réus), entraram pelo seu quintal adentro e aí construíram uns anexos clandestinos e colocaram (vão colocando) tijolos, depósitos de água, telhas, pneus, alfaias agrícolas e até um tractor, querendo criar a ilusão de que o quintal/logradouro (em parte cimentado, e parte em terra batida, com a área de 80 m2) do seu prédio serve, também, o prédio deles (réus), tal como o caminho privado serve de acesso de todos à via pública. Ou seja, está alegada a detenção, pelos réus, da referida parcela de terreno que pertenceria ao prédio do autor, detenção essa não conferida por qualquer relação de natureza real ou obrigacional.
O autor, além da aquisição derivada do dito prédio, de que faria parte o aludido quintal/logradouro com a área de 80 m2 e o “caminho privado” de acesso à Rua …, invoca a sua aquisição por usucapião, alegando, para tanto, o seguinte (artigos 8.º a 15.º da p.i.):
Sucedeu na posse dos mencionados prédios[13] aos anteriores proprietários, seus pais, e sempre os utilizou como verdadeiro titular da propriedade.
Administrou-o livremente, nomeadamente procedendo ao pagamento das respectivas contribuições perante o Estado.
Foi-o destinando, onerando e desonerando como julgou por bem.
Sempre actou como verdadeiro proprietário, convicto desse seu direito absoluto e de não lesar direitos de terceiros.
Tudo sempre à vista de todos, de forma pública e de todos conhecida, pacificamente e sem oposição de quem quer que seja.
Está, pois, na posse do prédio aludido desde há longa data, por mais de 20 anos.
Para que determinada situação possessória possa conduzir à usucapião, exige-se que a uma actuação material (o exercício de um poder de facto) sobre a coisa acresça uma intenção especial caracterizadora do sentido dos actos do possuidor como agindo no exercício de um direito real próprio.
Como, facilmente, se percebe deste conjunto de afirmações, além de alegar, em termos aceitáveis, uma posse pública, pacífica e de boa-fé, o autor fica-se por um conjunto de asserções vagas, genéricas e conclusivas.
Afirmações como “sucedeu na posse aos anteriores proprietários” ou que o utilizou (o prédio) “como verdadeiro titular da propriedade” não passam de reproduções de fórmulas legais.
Dizer que foi destinando, onerando e desonerando o prédio como julgou por bem é uma afirmação vaga, sem qualquer conteúdo fáctico.
Alegar que “está na posse do prédio aludido desde há longa data, por mais de 20 anos” é uma conclusão que não assenta em quaisquer actos materiais reveladores do exercício de um poder de facto sobre a coisa (o prédio, incluindo o trato de terreno em litígio) em que se traduz o corpus da posse, de que decorre o animus possidendi.
Embora esteja, minimamente, identificada a causa de pedir, a petição inicial é, manifestamente, deficiente, já porque não descreve suficientemente actos materiais concretizadores de uma posse boa para usucapião, já porque abundam as afirmações vagas e conclusivas. 
Em suma, é de primeira evidência que se impunha que o tribunal proferisse despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial.
A falta desse despacho configura omissão de um acto que a lei prescreve e a situação é especialmente ostensiva porquanto a Sra. Juiz, além de omitir a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, extraiu da deficiência da p.i. efeitos que se projectaram na improcedência da acção.
É isso que não pode acontecer: «o juiz aperceber-se de uma deficiência de alegação fáctica (que, por não gerar ineptidão, sempre será sanável) e omitir o despacho de convite ao aperfeiçoamento, para, logo de seguida, julgar a acção improcedente, a pretexto de tal deficiência de alegação. Ao proceder assim, o juiz viola a lei, na medida em que omite a prolação de um despacho que a lei impõe»[14].
Cabe, então, determinar as consequências da omissão desse despacho.
Na doutrina, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (ob. cit., 635) defendem que o não exercício desse poder vinculado “pode fundar uma arguição de nulidade nos termos do art. 195».
Já o Professor Miguel Teixeira de Sousa (in https://blogippc.blogspot.pt) defende que a omissão de despacho de aperfeiçoamento, sendo uma nulidade processual, acaba por afectar com o vício da nulidade a própria decisão susceptível de justificar a interposição de recurso com esse fundamento (como se extrai da seguinte passagem do seu comentário “Omissão do dever de cooperação do Tribunal: que consequências?” no referido blog do IPPC):
«…resulta clara a ratio essendi dessa imposição legal, qual seja a de que nenhuma ação pode findar com um juízo de improcedência fundado na mera deficiência da alegação de facto, pois isso revelará que foi omitido o despacho de convite ao aperfeiçoamento fáctico do respetivo articulado.
Consequentemente a omissão de cumprimento desse dever traduz-se numa nulidade processual, porque o tribunal deixa de praticar um ato devido que não podia omitir (art. 195.º, n.º 1) e que se revela particularmente patente quando, como é o caso, acabe por ter reflexo na forma como a ação vem a ser decidida, mormente através de uma decisão de improcedência por insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto.
Daí que o tribunal não pode – como sucedeu nos presentes autos - deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (designadamente na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado. Admitir o contrário seria desconsiderar por completo o dever de cooperação do tribunal: afinal, mesmo que este dever não tivesse sido cumprido, o tribunal poderia decidir como se tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado.
Como assim, considerando que, in casu, se registou a inobservância do cumprimento do dever de cooperação (na sua vertente assistencial) que é imposto ao tribunal, resta dilucidar qual a consequência daí resultante para a sorte do presente recurso.
Embora a solução não se venha revelando unívoca, afigura-se-nos, neste conspecto, que a nulidade em apreço não deve confundir-se com a nulidade da sentença [...], pois o problema não está propriamente no conteúdo deste ato decisório mas antes na omissão, a montante, de prolação do despacho de convite.
Destarte, considerando que, no caso vertente, o juiz a quo omitiu esse convite de aperfeiçoamento e considerando outrossim que, como se assinalou, a omissão desse ato devido influiu no exame e decisão da causa, tal implica, pois, a nulidade da decisão recorrida nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 195º, posto que a mesma julgou improcedente o pedido aduzido pelo autor pela falta de factos que poderiam ter sido invocados em cumprimento desse convite».
Entendimento que é partilhado pelo Sr. Conselheiro A.S. Abrantes Geraldes[15]:
«É a solução que me parece mais conforme. A interposição de recurso, com fundamento na omissão causal do despacho de aperfeiçoamento a que o juiz estava obrigado, constitui a via mais segura e mais solene para apurar o relevo de tal omissão, com reflexos, se for o caso, na anulação da decisão, de modo a facultar à parte interessada a possibilidade de superar a situação, antes de suportar as consequências de falhas processuais menores».
Também na jurisprudência tem sido acolhido este entendimento, perfilando-se uma orientação jurisprudencial nesse sentido que tende para a uniformidade[16].
Como sublinha o mesmo ilustre Conselheiro na obra citada, é importante ter presente a destrinça entre nulidades de procedimento e nulidades de julgamento. Estas devem ser invocadas em sede de recurso; aquelas devem ser arguidas nos termos previstos nos artigos 195.º, 196.º e 199.º do CPC.
Mas, como já se assinalou, a nulidade resultante da omissão do despacho de convite ao aperfeiçoamento teve ostensiva repercussão na decisão da causa, julgada improcedente, precisamente, com fundamento na deficiência do articulado inicial.
Por isso, tendo a nulidade sido invocada como seu fundamento, pode e deve ser conhecida em recurso, pois é a própria sentença que fica viciada e deve ser anulada. Só assim se assegura o respeito pelo dever de cooperação que vincula o juiz da causa e se dá concretização à garantia de uma tutela jurisdicional efectiva, à prevalência das decisões de mérito sobre as decisões formais (princípio pro actione).
Fica, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recorrente.

III - Dispositivo 
Pelo exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, anular a sentença recorrida e determinar que, baixando o processo à primeira instância, aí se dê cumprimento ao poder-dever de convidar o autor a aperfeiçoar o articulado inicial reconhecidamente deficiente, como manda o artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do Código de Processo Civil, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
Por ter decaído, as custas do recurso ficam a cargo dos recorridos (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil).

(Processado e revisto pelo primeiro signatário).  

Porto, 30 de abril de 2020
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
_____________
[1] Reprodução parcial
[2] É sob reserva que reproduzimos aqui trechos da fundamentação da sentença recorrida, já que o texto inserido no Citius não coincide com o que está reproduzido em suporte de papel. Aliás, também o texto da sentença em suporte de papel não é fiável: basta atentar nas páginas 84v.º e 85 para se constatar que não existe sequência, tudo indicando que falta uma parte do texto da sentença, que não encontramos na peça inserida no Citius. 
[3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 4.ª edição, Almedina, pág. 634, que, neste ponto, vamos seguir de perto.
[4] Idem
[5] Ibidem.
[6] Que, ao contrário do que sugere a circunstância de ter esta denominação (vide a epígrafe do artigo 1311.º do Código Civil), não é senão uma acção declarativa de condenação com processo comum.   
[7] Assim, José Martins da Fonseca, “Acção de Reivindicação - Causa de Pedir - Factos Constitutivos dos Direitos do Autor” na Revista do Ministério Público, n.º 28, 35 e seg.s, que acrescenta não distinguir a lei entre formas de aquisição originária e derivada, não se exigindo que o reivindicante alegue uma forma de aquisição originária.
[8] Cfr. Manuel Salvador, “Elementos da Reivindicação”, 74-75. 
[9] Cfr., entre outros, o Ac. do S.T.J. de 17.01.85, B.M.J 343.º, 335
[10] Seria a probatio diabolica referida pelo recorrente. 
[11] Assim, o Ac. do S.T.J., de 16.06.83, B.M.J. 328.º, 546.
[12] Na doutrina, cfr. A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais – Sumários, AAFDL, Lisboa, 2000, pág. 87; na jurisprudência, por todos, o acórdão do STJ de 19.09.2017 (Proc. n.º 120/14.4 T8EPS.G1.S1), de que destacamos a seguinte passagem: «Por outro lado, se a presunção gerada pela inscrição da aquisição do direito no registo predial, ao abrigo do art. 7.º do CRgP, abrange apenas os factos jurídicos inscritos e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios, os elementos que fazem parte do núcleo essencial da descrição, no sentido de, sem eles, não se saber sobre que coisa incide o facto inscrito – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal e âmbito -, tal presunção não pode deixar de estender à (crucial) existência do próprio prédio objecto do direito, ainda que não à respectiva área, ou, pelo menos, à exactidão desta, sob pena de se presumir o direito sobre coisa nenhuma».
[13] Ao referir-se a prédios (no plural), o autor fá-lo, certamente, por lapso, pois a reivindicação é, apenas, de um prédio.
[14] A.S. Abrantes Geraldes e outros, ob. cit., 681. 
[15] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5.ª edição, pág. 30. 
[16] Além do acórdão desta Relação de 10.09.2019, citado pelo recorrente, e dos arestos indicados na obra referida na nota anterior (acórdãos da Relação do Porto de 24.01.2018 e de 08.01.2018; da Relação de 15.05.2014; da Relação de Évora de 26.10.2017 e da Relação de Guimarães de 23.06.2016, podemos mencionar os seguintes (todos acessíveis em www.dgsi.pt): acórdãos da Relação do Porto de 26.02.2015 e de 21.10.2019, acórdão da Relação de Guimarães de 16.02.2017, acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017 e acórdão da Relação de Évora de 24.10.2019.
Com interesse, veja-se, ainda, o artigo “Convite ao aperfeiçoamento: o momento processual e a consequência da omissão” de Valter Pinto Ferreira publicado na Revista Julgar online de Janeiro de 2020.

Processo n.º 639/18.8 T8PRD.P1 Comarca do Porto Este Juízo Local Cível de Paredes (J2) Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I – Relatório 1. Configuração da acção B… intentou, em 12.03.2018, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra C… e D…, todos devidamente identificados nos autos, peticionando a condenação dos réus a: «a) Reconhecerem o exclusivo direito de propriedade do A.. sobre o imóvel descrito no art.º 1º desta petição; b) Entregarem-no ao A. totalmente devoluto; c) Absterem-se de qualquer acto ou prática lesivo do mesmo direito do A.; d) Reconhecerem a propriedade exclusiva do caminho privado de acesso à via publica pelo lado sul do prédio do Autor; e) Reconhecerem a propriedade exclusiva do Autor sobre o quintal/logradouro, com cerca de 80m2, em frente às escadas de acesso à casa de habitação do Autor; f) Serem condenados a reconstruirem o muro que delimita pelo lado poente do prédio do Autor, este prédio com o prédio dos RR. e a taparem a entrada/portão/cancela que ali construíram; g) Pagarem ao A. a quantia de €.: 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização pelos danos sofridos; h) Pagarem ao A., a titulo de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €.: 1.450,00 por ano, até efectiva entrega do terreno sub judidio devoluto e livre de pessoas e bens; i) Pagarem os juros vencidos e vincendos à taxa de 4% ao ano, sobre a quantia apurada na sobredita alínea g)». Em síntese, alega que «é dono, senhor, possuir e legitimo proprietário» do prédio urbano sito no …, freguesia …, Paredes, descrito na Conservatória competente sob o n.º 1778 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 504, composto de casa de rés-do-chão com quintal, com a área coberta de quarenta metros quadrados e descoberta (quintal) com cem metros quadrados. Adquiriu o identificado prédio, quer por sucessão (com habilitação e partilha extrajudicial formalizada por escritura pública outorgada em 04.02.2000, estando esta aquisição inscrita a seu favor na respectiva Conservatória) aberta por óbito do seu pai E…, quer por usucapião. Aproveitando-se da circunstância de trabalhar em Espanha, os réus derrubaram parte do muro que fazia (e faz) a divisão entre o seu (do autor) e o prédio deles (réus) e na abertura resultante do derrube colocaram um portão/cancela de forma a terem acesso ao logradouro/quintal pertencente ao prédio do autor e aí, não só construíram uns anexos clandestinos (vulgo, armazém) como colocaram e vão colocando vários materiais e alfaias agrícolas. Além disso, do lado sul do seu prédio, existe um «caminho privado de acesso» à via pública, que o autor está impedido de utilizar livremente devido à conduta dos réus. 2. Oposição Os réus apresentaram contestação impugnando, praticamente, todos os factos em que o autor assenta os seus pedidos. Desde logo, quer o muro, quer o portão nele existente, a que alude o autor, foram construídos pelos pais de ambos (autor e ré C…) e o portão, apenas, foi alargado há cerca de 20 anos (ainda antes da partilha da herança). Depois, o seu prédio, confinante com o do autor, sempre teve como limite nascente a fachada da casa deste e a faixa de terreno, com cerca de 80 m2, onde havia uma ramada que retiraram para facilitar o acesso de veículos aos anexos desde a Rua …, e onde existe um poço de água, pertence-lhes, pois há mais de 20 e 30 anos vêm praticando sobre ele actos materiais de posse, agindo na convicção de que exercem um direito próprio, como proprietários, desse terreno. É verdade que, sobre essa faixa de terreno, desde a Rua … e até à casa do autor, existe uma passagem, unicamente, de pé, mas não aceitam e nunca aceitaram que o autor se arrogue dono dessa faixa de terreno, pois apenas goza de uma servidão de passagem de pé. Pugnam, assim, pela improcedência da acção. 3. Saneamento e condensação Foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador tabelar, fixou-se o valo da causa (€ 7.667,66), definiu-se o objecto do processo, mas não foram enunciados os temas de prova, e admitiu-se a produção dos meios de prova indicados pelas partes. 4. Audiência final e sentença Realizou-se a audiência final, em três sessões, após o que, com data de 08.07.2019, foi proferida sentença que julgou, totalmente, improcedente a acção e absolveu os réus dos pedidos. 5. Impugnação da sentença Inconformado com a sentença absolutória, almejando a sua revogação, o autor dela interpôs recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que “condensou” nas seguintes “conclusões[1]: …………………………… …………………………… …………………………… Os réus contra-alegaram, concluindo pela confirmação da sentença recorrida. A Sra. Juiz, face à arguição de nulidade da sentença, proferiu despacho em que negou estarem verificadas “as reportadas nulidades”. O recurso foi admitido (com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo). Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. Objecto do recurso São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo). O recorrente começa por invocar um vício da sentença, porquanto, se a petição inicial enfermava de «deficiências e insuficiência fáctica», como nela se afirma, então, impunha-se que a Sra. Juiz convidasse o autor a aperfeiçoá-la e, assim não tendo procedido, deu «prevalência à forma sobre a substância» e violou «o princípio do dispositivo e do contraditório e da gestão processual», o que torna a decisão recorrida «absolutamente nula» (conclusão 16.ª). Essa é a primeira questão a apreciar e decidir e da resposta que se obtiver dependerá a abordagem das demais questões, mais exactamente, se fica ou não prejudicado o conhecimento das outras questões colocadas à apreciação deste tribunal de recurso: - se o tribunal errou no julgamento da matéria de facto por ter feito incorrecta apreciação e valoração da prova; - se é, também, errada a subsunção jurídica dos factos e se, como defende o recorrente, estão reunidos os pressupostos da constituição, por usucapião, do (seu) domínio sobre as parcelas de terreno reivindicadas. II – Fundamentação 1. Fundamentos de facto Assim delimitado o thema decidendum, atentemos na factualidade que a primeira instância deu por assente. Factos provados 1) Em 2018.11.12, o prédio urbano sito no …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º 1778, da Freguesia … e inscrito na matriz urbana dessa mesma Freguesia sob o número 504, composto por casa de rés-do-chão com quintal, destinado exclusivamente à habitação, com área coberta de (40 m2) quarenta metros quadrados e quintal com (100 m2) cem metros quadrados, confronta de Norte com o proprietário, de Nascente com F…, de Sul e Poente com C… tinha a sua titularidade inscrita a favor do autor na Conservatória do Registo Predial, por partilha por óbito do pai do autor, E…, por escritura de habilitação e partilha outorgada em 4 de Fevereiro de 2000, no Cartório Notarial de Paredes. 2) O autor está, pois, na posse do prédio n.º 1778 há mais de 20 anos, sucedendo na posse do mencionado prédio e de outros prédios aos anteriores proprietários, seus pais, e sempre o utilizou, administrou livremente, pagando as respectivas contribuições perante o Estado, destinando, onerando e desonerando como julgou por bem, actuando como verdadeiro proprietário convicto desse direito absoluto e de não lesar direitos de terceiros sempre à vista de todos, de forma pública e de todos conhecida, sem oposição de quem quer que seja. 3) O prédio identificado em 1) tem acesso à via pública pelo caminho que existe pelo lado sul da casa de habitação que dá para o quintal/logradouro com cerca de 80 m2. 4) O caminho referido em 3) é uma faixa de terreno, com uma largura aproximada de 4 metros (4m) em toda a sua extensão que confronta pelo sul com a Rua … e G…, do poente com a Ré e do nascente com o Autor e a Ré (prédio urbano com o número de polícia ..) e permite ainda que o prédio dos réus, pelo seu lado sul, tenha acesso à via pública. 5) O caminho foi aberto há mais de vinte, trinta e quarenta anos pelos seus pais e primitivos donos de ambos os prédios, que o abriram como caminho privado de acesso à via pública, pelo lado sul, fazendo parte integrante do mesmo. 6) O autor tem a sua residência habitual em Espanha, onde se encontra a trabalhar. 7) Os pais do Autor e da Ré mulher, por escritura pública exarada em 28.11.1983, doaram à Ré mulher o prédio rústico denominado “H…”, sito no …, da Freguesia …, do Concelho de Paredes, descrito na CRP de Paredes sob o nº 25.707, a fls. 69 do Livro B-66 e então omisso na matriz predial. 8) O imóvel referido em 7) confrontava pelo nascente com outros prédios dos doadores, seja o que hoje pertence ao autor e vem descrito em 1) e um outro de que os Réus são donos. 9) De seguida à aludida escritura pública, os Réus procederam à edificação de uma casa de habitação de rés-do-chão e andar no prédio doado, que, após conclusão, foi inscrita na matriz predial em 19 de Setembro de 1985, tendo aqueles começado a habitá-la em 1 de Novembro do mesmo ano, tendo-lhe sido atribuído o artº. 1015 da matriz predial urbana da freguesia … e que se encontra na posse dos Réus. 10) Desde há mais de 20, 30 e 40 anos que, por si e antecessores, os Réus vêm estando no uso, fruição e disposição, sempre repetidos e renovados, do prédio em apreço, designadamente, removendo terras, construindo a referenciada casa que habitam, bem como os anexos para animais, cultivando o quintal junto, onde plantam batatas, couves e outros mimos, percebendo os respectivos rendimentos, direitos adquiridos na ignorância de lesar outrem, sem emprego de qualquer violência e de modo a poderem ser conhecidos pelos interessados, agindo, igualmente, na convicção de exercitar um direito próprio e como se proprietários. 11) Quando os Réus já viviam na casa de habitação mencionada em 10) e antes da celebração da escritura de partilha, os seus pais e sogros decidiram reforçar a privacidade da sua filha e genro, com a construção de um muro de blocos de “mecan”, com a orientação norte-sul, desde a (agora) Rua …, com uma extensão de cerca de 50 metros. 12) Nessa altura, o terreno pertencente aos progenitores do Autor e da Ré, situado na parte norte, era um campo cultivado por três arrendatários de casa e terra, que ali passavam. 13) Para facilitar as manobras com o tractor desde e para a agora denominada Rua …, o caminho foi alargado pelos Réus, há mais de 20 anos, seja também antes da realização da referenciada escritura de partilha, o portão ali existente colocado no muro de blocos de “mecan” referido em 11) passou a dispor da largura de cerca de 3,60 m, em vez dos anteriores 2,10 m. 14) Quando a escritura de partilha foi exarada em 04.02.2000, todos os outorgantes, entre os quais o Autor, tinham perfeito conhecimento da existência do aludido portão, tal qual como agora se encontra. 16) Nas negociações que precederam a partilha não estava destinado ser adjudicado ao autor o prédio urbano descrito em 1). 17) A faixa de terreno que integra o caminho, com a área aproximada de 80 m2 encontra-se na posse dos Réus, que a vem continuando de seus antepassados. 18) Foram os Réus, por si e antecessores, quem, desde há mais de 20 e 30 anos, dispuseram, como coisas suas que eram, das uvas que cresciam na ramada ali implantada e que propendia sobre aquele tracto de terreno, efectuando a respectiva poda e tratamentos fitossanitários. 19) E que vieram a retirar, para facilitar, como se disse, o acesso de veículos desde a Rua … aos anexos já há muito construídos no seu prédio. 20) Como foram os demandados que, desde há mais de 20 e 30 anos, exclusivamente limpavam e cortavam as ervas que medravam na predita faixa de terreno, arranjando o chão em terra, quando este se estragava por acção das chuvas e atenta a inclinação, e que a calcetaram, com paralelepípedos de granito, numa extensão de aproximadamente nove metros, contados desde a Rua …. 21) Foram ainda os Réus que, há mais de quinze anos, decidiram aproveitar uma reentrância da aludida faixa de terreno, onde se situa um poço, aplainando, para isso, o terreno - que era mais alto cerca de um metro – colocando-o ao nível da parte restante, e retiraram umas placas de lousa que rodeavam o poço. 22) Naquele espaço terraplanado, passaram, então, os Réus a colocar o tractor, o atrelado do tractor, bem como outros utensílios agrícolas e procederam ao alargamento em 0,50m da entrada a sul da dita faixa de terreno, por acordo com o dono do prédio sito no nº .. da Rua …, uma vez que foi à custa da área deste que se procedeu à ampliação, pelo que pagaram o novo muro ali edificado. 23) Actuando os Réus, do modo descrito, na ignorância de lesar outrem, continuadamente, à vista de toda a gente e sem emprego de qualquer violência. 24) Agindo, igualmente, na convicção de exercitar um direito próprio e como se proprietários fossem. 25) A identificada faixa de terreno sobre a qual, se verifica, a partir da Rua … e até à casa do autor, e vice-versa, uma passagem unicamente de pé, próximo da estrema nascente da aludida faixa de terreno (o denominado “caminho privado de acesso do autor à via pública”). 26) Em data não precisa, os réus procederam à colocação de uma rede de vedação. 27) O prédio do autor nunca se encontrou vedado por qualquer dos seus lados, nomeadamente, nunca esteve vedado pelo lado poente onde o caminho referido vai desembocar. 28) O autor abriu um novo acesso à sua propriedade através da rua …. * Já conhecemos os fundamentos da arguição de nulidade da sentença que o recorrente invoca: na sua óptica, o articulado inicial «continha já o que se devia considerar como factos essenciais nucleares (…) para fazer valer a propriedade e a posse do Impetrante sobre a faixa de terreno de 80m2 porque caracteriza a faixa de terreno onde se incorpora o caminho de acesso à casa de habitação», mas, se enfermava de «deficiências e insuficiência fáctica», como se considerou na sentença recorrida, impunha-se que a Sra. Juiz o convidasse ao aperfeiçoamento para suprir essas deficiências. Não tendo sido esse o caminho seguido, há um vício de procedimento que se reflecte na sentença, tese que tem arrimo no acórdão desta Relação de 10.09.2019 (Proc. n. 11226/16.5T8PRT-A.P1). Os recorridos pugnam pelo indeferimento da arguição de nulidade da sentença porque, na sua perspectiva, a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir, vício que não poderia ser suprido com um convite ao aperfeiçoamento porque a tanto se opõem os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes. Depois de douta exposição sobre a caracterização da acção de reivindicação e dos pressupostos de facto e de direito de que depende o acolhimento da pretensão do reivindicante, concluiu-se assim na sentença recorrida[2]: «Isto posto, em conformidade com o acima exposto e ponderada a prova produzida pelo autor e quanto à faixa de terreno do caminho, entendo que não foram alegados e demonstrados os factos suficientes que permitissem a procedência da presente acção». E mais adiante reafirma-se a falta de alegação de factos suficientes para a procedência dos pedidos formulados: «Restam-nos os demais pedidos deduzidos nas alíneas d) a h) que situam o litígio em apreço sobre a parcela de terreno que integra o caminho de acesso à entrada da casa do autor que se inicia na Rua …. E, sendo assim, entendemos aderir aos fundamentos das alegações finais dos réus porque notoriamente quanto à reivindicação deste direito o autor não alegou os factos suficientes para que o Tribunal pudesse julgar procedente a presente acção. Assim, quanto à parcela de terreno descrita na alínea e) temos que concordar e reiterar que não foram alegados os suficientes factos demonstrativos da aquisição originária desta faixa de terreno para que o direito do autor pudesse ser reconhecido». Isto depois de, na motivação probatória da decisão sobre matéria de facto, se ter afirmado, taxativamente, a insuficiência da petição inicial quanto à alegação de factos: «No mais, quanto à propriedade do caminho de acesso desde a rua …, por um lado, em termos técnicos temos que concluir que a prova produzida pelo autor não logrou suprir as deficiências e insuficiência fáctica verificada na petição inicial, nomeadamente, quanto à necessária e devida caracterização da faixa de terreno que integra o caminho de acesso à casa de habitação do autor». Depois de afirmar ser «incontroverso e reconhecida propriedade do autor quanto ao prédio descrito em 1) e abrangido, respectivamente, pelos pedidos deduzidos nas alíneas a), b) e c) da petição inicial cuja titularidade nunca foi posta em causa», não é fácil perceber por que foi a acção julgada totalmente improcedente. Bem mais difícil é, porém, entender que se aponte «as deficiências e insuficiência fáctica verificada na petição inicial» como razão para a improcedência da acção sem que se tenha convidado o autor a suprir essas “deficiências e insuficiência fáctica”. É que, diversamente do que acontecia na vigência do Código de Processo Civil de 1961, agora, face ao que se dispõe no artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC, não há margem para controvérsia: o poder do juiz de convidar as partes a aperfeiçoar os seus articulados quando estes revelem insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada não é um poder discricionário, mas antes um podere-dever, um poder vinculado (“Incumbe ainda ao juiz convidar as partes…”). Como fazem notar A.S. Abrantes Geraldes, Pires de Sousa e Pimenta (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2019, pág. 678), «Manifesta-se aqui um verdadeiro dever legal do juiz (despacho de aperfeiçoamento vinculado), no sentido de identificar os aspectos merecedores de correcção». A deficiência dos articulados há-de ter por referência os factos essenciais da causa, aqueles que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, pois só estes podem comprometer o êxito da acção ou da defesa, e essa deficiência justificativa de um despacho de aperfeiçoamento tanto pode revelar-se numa insuficiência de factos como numa insuficiente concretização. Na insuficiência de factos, «está em causa a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou duma exceção, por não terem sido alegados todos os que permitem a subsunção na previsão da norma jurídica expressa ou implicitamente invocada»[3]. Na insuficiente concretização, «estão em causa afirmações feitas, relativamente a alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo (abstracto ou jurídico) ou equívoco»[4]. Mas o convite ao aperfeiçoamento (como o próprio termo inculca) supõe que os articulados revelem um conteúdo fáctico mínimo, ainda que deficientemente expresso: a petição inicial, que individualize a causa de pedir; a contestação, que identifique a(s) excepção(ões) deduzida(s) densificando-a(s) com os pertinentes elementos de facto. Estão, à partida, excluídos do aperfeiçoamento «os casos em que a causa de pedir ou a exceção não se apresentem identificadas, mediante a alegação de elementos de facto suficientes para o efeito, casos esses que são de ineptidão da petição inicial (…) ou de nulidade da exceção, nomeadamente por exclusiva utilização de expressões de conteúdo técnico-jurídico»[5]. Na feliz síntese de A.S. Abrantes Geraldes e outros (ob. cit., 679), «O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é perceptível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos». A ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir (afirmada pelos recorridos nas suas contra-alegações, mas que não invocaram na contestação), foi afastada pela Sra. Juiz do tribunal a quo, pois de contrário, no despacho saneador, teria conhecido da excepção dilatória e absolvido os réus da instância (artigos 186.º, 576.º, n.º 2, 577.º, al. b), 578.º e 595.º, n.º 1, al. a), todos do CPC). Como já se assinalou, a Sra. Juiz considerou a petição inicial deficiente, quer por insuficiência de factos, quer por insuficiente concretização, mas não convidou o autor a aperfeiçoá-la, como lhe incumbia (citado artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do CPC), para o que dispunha do despacho pré-saneador. Antes de nos determos sobre as consequências dessa omissão, importa verificar se, realmente, é de uma petição inicial deficiente que se trata. Estamos perante a típica acção de reivindicação[6] prevista no artigo 1311.º do Código Civil, dispondo o seu n.º 1 o seguinte: “O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”. Do preceito citado resulta, com meridiana clareza, que são dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa. É precisamente isso que pretende o autor com esta acção (se bem que, também, exija uma “indemnização pelos danos sofridos”, que não concretiza). Sendo o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa os pedidos característicos da reivindicação, a causa de pedir é o facto jurídico de que emerge tal direito e a posse ou a detenção do réu não conferidas por qualquer relação de natureza real ou obrigacional. Mas a questão fulcral que se coloca a propósito da causa de pedir na acção de reivindicação reside em saber se basta a invocação de um título de aquisição derivada do direito real ou se, diferentemente, é necessário alegar factos dos quais resulte demonstrada a aquisição originária do domínio. Como bem se refere na sentença recorrida, há quem entenda que ao autor basta alegar que é proprietário de determinado bem porque este lhe foi transmitido por negócio jurídico translativo, já que o contrato é uma das formas de aquisição da propriedade reconhecida por lei (art.ºs 1316.º, 1371.º e 408.º do Cód. Civil)[7]. No pólo oposto, há quem defenda que o autor terá que alegar e demonstrar sempre uma forma originária de aquisição, mesmo que beneficie da presunção legal de propriedade derivada do registo[8]. Na realidade, ao autor não basta alegar que adquiriu o domínio por força de contrato (de compra e venda, de doação, etc.) ou de sucessão por morte, já que não têm a virtualidade de constituir o direito de propriedade, mas tão só a de o transmitir. Por isso que, quando invoca um título de aquisição derivada, o reivindicante tem, ainda, de demonstrar que o direito já existia na esfera jurídica do transmitente[9]. No entanto, ele não tem que alegar e provar as sucessivas aquisições dos seus antecessores no domínio, até chegar ao adquirente a título originário[10], desde que se verifique a presunção legal da titularidade do direito de propriedade derivada do registo[11]. O autor alegou (artigos 1.º a 5.º da p.i.) que é dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito no Lugar …, descrito na Conservatória do Registro Predial de Paredes sob o n.º 1778 e inscrito na respectiva matriz com o artigo 504.º, domínio que lhe adveio por sucessão hereditária aberta em consequência do óbito do seu pai E… (e subsequente habilitação e partilha extrajudicial formalizada por escritura pública outorgada em 04.02.2000). O prédio está descrito como tendo a seguinte composição: casa de rés-do-chão com quintal, com a área coberta de quarenta metros quadrados (40 m2) e descoberta (o quintal) com cem metros quadrados (100 m2), sendo, ainda, indicadas as respectivas confrontações. Esse facto aquisitivo (sucessão por morte e partilha) está, definitivamente, registado a favor do autor na Conservatória de Registo Predial competente, pelo que este beneficia da presunção legal contida no artigo 7.º do Código de Registo Predial, nos termos do qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Mas, como se sabe, é pacífico na doutrina e na jurisprudência[12] o entendimento de que a presunção derivada do registo não abrange a descrição predial, os elementos identificadores dos prédios, nomeadamente as respectivas confrontações, as áreas e as delimitações. Ora, verdadeiramente, não é controvertida a titularidade do direito de propriedade sobre esse prédio. O que está em causa, o que constitui objecto de litígio é uma pequena parcela de terreno com a área aproximada de 80 m2 e de uma, ainda mais pequena, faixa de terreno (segundo o autor, situada a sul; segundo os réus, localizada próximo da extrema nascente da parcela de terreno) que tem servido de caminho de acesso à Rua …. O autor alega (artigos 17.º a 23.º da P.I.) que, aproveitando-se da sua ausência, por estar a trabalhar em Espanha, os réus derrubaram parte do muro divisório que existe entre os dois prédios (o dele, autor, e o deles, réus), entraram pelo seu quintal adentro e aí construíram uns anexos clandestinos e colocaram (vão colocando) tijolos, depósitos de água, telhas, pneus, alfaias agrícolas e até um tractor, querendo criar a ilusão de que o quintal/logradouro (em parte cimentado, e parte em terra batida, com a área de 80 m2) do seu prédio serve, também, o prédio deles (réus), tal como o caminho privado serve de acesso de todos à via pública. Ou seja, está alegada a detenção, pelos réus, da referida parcela de terreno que pertenceria ao prédio do autor, detenção essa não conferida por qualquer relação de natureza real ou obrigacional. O autor, além da aquisição derivada do dito prédio, de que faria parte o aludido quintal/logradouro com a área de 80 m2 e o “caminho privado” de acesso à Rua …, invoca a sua aquisição por usucapião, alegando, para tanto, o seguinte (artigos 8.º a 15.º da p.i.): Sucedeu na posse dos mencionados prédios[13] aos anteriores proprietários, seus pais, e sempre os utilizou como verdadeiro titular da propriedade. Administrou-o livremente, nomeadamente procedendo ao pagamento das respectivas contribuições perante o Estado. Foi-o destinando, onerando e desonerando como julgou por bem. Sempre actou como verdadeiro proprietário, convicto desse seu direito absoluto e de não lesar direitos de terceiros. Tudo sempre à vista de todos, de forma pública e de todos conhecida, pacificamente e sem oposição de quem quer que seja. Está, pois, na posse do prédio aludido desde há longa data, por mais de 20 anos. Para que determinada situação possessória possa conduzir à usucapião, exige-se que a uma actuação material (o exercício de um poder de facto) sobre a coisa acresça uma intenção especial caracterizadora do sentido dos actos do possuidor como agindo no exercício de um direito real próprio. Como, facilmente, se percebe deste conjunto de afirmações, além de alegar, em termos aceitáveis, uma posse pública, pacífica e de boa-fé, o autor fica-se por um conjunto de asserções vagas, genéricas e conclusivas. Afirmações como “sucedeu na posse aos anteriores proprietários” ou que o utilizou (o prédio) “como verdadeiro titular da propriedade” não passam de reproduções de fórmulas legais. Dizer que foi destinando, onerando e desonerando o prédio como julgou por bem é uma afirmação vaga, sem qualquer conteúdo fáctico. Alegar que “está na posse do prédio aludido desde há longa data, por mais de 20 anos” é uma conclusão que não assenta em quaisquer actos materiais reveladores do exercício de um poder de facto sobre a coisa (o prédio, incluindo o trato de terreno em litígio) em que se traduz o corpus da posse, de que decorre o animus possidendi. Embora esteja, minimamente, identificada a causa de pedir, a petição inicial é, manifestamente, deficiente, já porque não descreve suficientemente actos materiais concretizadores de uma posse boa para usucapião, já porque abundam as afirmações vagas e conclusivas. Em suma, é de primeira evidência que se impunha que o tribunal proferisse despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial. A falta desse despacho configura omissão de um acto que a lei prescreve e a situação é especialmente ostensiva porquanto a Sra. Juiz, além de omitir a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, extraiu da deficiência da p.i. efeitos que se projectaram na improcedência da acção. É isso que não pode acontecer: «o juiz aperceber-se de uma deficiência de alegação fáctica (que, por não gerar ineptidão, sempre será sanável) e omitir o despacho de convite ao aperfeiçoamento, para, logo de seguida, julgar a acção improcedente, a pretexto de tal deficiência de alegação. Ao proceder assim, o juiz viola a lei, na medida em que omite a prolação de um despacho que a lei impõe»[14]. Cabe, então, determinar as consequências da omissão desse despacho. Na doutrina, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (ob. cit., 635) defendem que o não exercício desse poder vinculado “pode fundar uma arguição de nulidade nos termos do art. 195». Já o Professor Miguel Teixeira de Sousa (in https://blogippc.blogspot.pt) defende que a omissão de despacho de aperfeiçoamento, sendo uma nulidade processual, acaba por afectar com o vício da nulidade a própria decisão susceptível de justificar a interposição de recurso com esse fundamento (como se extrai da seguinte passagem do seu comentário “Omissão do dever de cooperação do Tribunal: que consequências?” no referido blog do IPPC): «…resulta clara a ratio essendi dessa imposição legal, qual seja a de que nenhuma ação pode findar com um juízo de improcedência fundado na mera deficiência da alegação de facto, pois isso revelará que foi omitido o despacho de convite ao aperfeiçoamento fáctico do respetivo articulado. Consequentemente a omissão de cumprimento desse dever traduz-se numa nulidade processual, porque o tribunal deixa de praticar um ato devido que não podia omitir (art. 195.º, n.º 1) e que se revela particularmente patente quando, como é o caso, acabe por ter reflexo na forma como a ação vem a ser decidida, mormente através de uma decisão de improcedência por insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto. Daí que o tribunal não pode – como sucedeu nos presentes autos - deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (designadamente na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado. Admitir o contrário seria desconsiderar por completo o dever de cooperação do tribunal: afinal, mesmo que este dever não tivesse sido cumprido, o tribunal poderia decidir como se tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado. Como assim, considerando que, in casu, se registou a inobservância do cumprimento do dever de cooperação (na sua vertente assistencial) que é imposto ao tribunal, resta dilucidar qual a consequência daí resultante para a sorte do presente recurso. Embora a solução não se venha revelando unívoca, afigura-se-nos, neste conspecto, que a nulidade em apreço não deve confundir-se com a nulidade da sentença [...], pois o problema não está propriamente no conteúdo deste ato decisório mas antes na omissão, a montante, de prolação do despacho de convite. Destarte, considerando que, no caso vertente, o juiz a quo omitiu esse convite de aperfeiçoamento e considerando outrossim que, como se assinalou, a omissão desse ato devido influiu no exame e decisão da causa, tal implica, pois, a nulidade da decisão recorrida nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 195º, posto que a mesma julgou improcedente o pedido aduzido pelo autor pela falta de factos que poderiam ter sido invocados em cumprimento desse convite». Entendimento que é partilhado pelo Sr. Conselheiro A.S. Abrantes Geraldes[15]: «É a solução que me parece mais conforme. A interposição de recurso, com fundamento na omissão causal do despacho de aperfeiçoamento a que o juiz estava obrigado, constitui a via mais segura e mais solene para apurar o relevo de tal omissão, com reflexos, se for o caso, na anulação da decisão, de modo a facultar à parte interessada a possibilidade de superar a situação, antes de suportar as consequências de falhas processuais menores». Também na jurisprudência tem sido acolhido este entendimento, perfilando-se uma orientação jurisprudencial nesse sentido que tende para a uniformidade[16]. Como sublinha o mesmo ilustre Conselheiro na obra citada, é importante ter presente a destrinça entre nulidades de procedimento e nulidades de julgamento. Estas devem ser invocadas em sede de recurso; aquelas devem ser arguidas nos termos previstos nos artigos 195.º, 196.º e 199.º do CPC. Mas, como já se assinalou, a nulidade resultante da omissão do despacho de convite ao aperfeiçoamento teve ostensiva repercussão na decisão da causa, julgada improcedente, precisamente, com fundamento na deficiência do articulado inicial. Por isso, tendo a nulidade sido invocada como seu fundamento, pode e deve ser conhecida em recurso, pois é a própria sentença que fica viciada e deve ser anulada. Só assim se assegura o respeito pelo dever de cooperação que vincula o juiz da causa e se dá concretização à garantia de uma tutela jurisdicional efectiva, à prevalência das decisões de mérito sobre as decisões formais (princípio pro actione). Fica, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo recorrente. III - Dispositivo Pelo exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, anular a sentença recorrida e determinar que, baixando o processo à primeira instância, aí se dê cumprimento ao poder-dever de convidar o autor a aperfeiçoar o articulado inicial reconhecidamente deficiente, como manda o artigo 590.º, n.os 2, al. b), e 4, do Código de Processo Civil, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso. Por ter decaído, as custas do recurso ficam a cargo dos recorridos (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil). (Processado e revisto pelo primeiro signatário). Porto, 30 de abril de 2020 Joaquim Moura Ana Paula Amorim Manuel Domingos Fernandes _____________ [1] Reprodução parcial [2] É sob reserva que reproduzimos aqui trechos da fundamentação da sentença recorrida, já que o texto inserido no Citius não coincide com o que está reproduzido em suporte de papel. Aliás, também o texto da sentença em suporte de papel não é fiável: basta atentar nas páginas 84v.º e 85 para se constatar que não existe sequência, tudo indicando que falta uma parte do texto da sentença, que não encontramos na peça inserida no Citius. [3] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 4.ª edição, Almedina, pág. 634, que, neste ponto, vamos seguir de perto. [4] Idem [5] Ibidem. [6] Que, ao contrário do que sugere a circunstância de ter esta denominação (vide a epígrafe do artigo 1311.º do Código Civil), não é senão uma acção declarativa de condenação com processo comum. [7] Assim, José Martins da Fonseca, “Acção de Reivindicação - Causa de Pedir - Factos Constitutivos dos Direitos do Autor” na Revista do Ministério Público, n.º 28, 35 e seg.s, que acrescenta não distinguir a lei entre formas de aquisição originária e derivada, não se exigindo que o reivindicante alegue uma forma de aquisição originária. [8] Cfr. Manuel Salvador, “Elementos da Reivindicação”, 74-75. [9] Cfr., entre outros, o Ac. do S.T.J. de 17.01.85, B.M.J 343.º, 335 [10] Seria a probatio diabolica referida pelo recorrente. [11] Assim, o Ac. do S.T.J., de 16.06.83, B.M.J. 328.º, 546. [12] Na doutrina, cfr. A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais – Sumários, AAFDL, Lisboa, 2000, pág. 87; na jurisprudência, por todos, o acórdão do STJ de 19.09.2017 (Proc. n.º 120/14.4 T8EPS.G1.S1), de que destacamos a seguinte passagem: «Por outro lado, se a presunção gerada pela inscrição da aquisição do direito no registo predial, ao abrigo do art. 7.º do CRgP, abrange apenas os factos jurídicos inscritos e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios, os elementos que fazem parte do núcleo essencial da descrição, no sentido de, sem eles, não se saber sobre que coisa incide o facto inscrito – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal e âmbito -, tal presunção não pode deixar de estender à (crucial) existência do próprio prédio objecto do direito, ainda que não à respectiva área, ou, pelo menos, à exactidão desta, sob pena de se presumir o direito sobre coisa nenhuma». [13] Ao referir-se a prédios (no plural), o autor fá-lo, certamente, por lapso, pois a reivindicação é, apenas, de um prédio. [14] A.S. Abrantes Geraldes e outros, ob. cit., 681. [15] In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5.ª edição, pág. 30. [16] Além do acórdão desta Relação de 10.09.2019, citado pelo recorrente, e dos arestos indicados na obra referida na nota anterior (acórdãos da Relação do Porto de 24.01.2018 e de 08.01.2018; da Relação de 15.05.2014; da Relação de Évora de 26.10.2017 e da Relação de Guimarães de 23.06.2016, podemos mencionar os seguintes (todos acessíveis em www.dgsi.pt): acórdãos da Relação do Porto de 26.02.2015 e de 21.10.2019, acórdão da Relação de Guimarães de 16.02.2017, acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017 e acórdão da Relação de Évora de 24.10.2019. Com interesse, veja-se, ainda, o artigo “Convite ao aperfeiçoamento: o momento processual e a consequência da omissão” de Valter Pinto Ferreira publicado na Revista Julgar online de Janeiro de 2020.