O tribunal analisou um processo em que I.B. moveu uma ação declarativa de condenação contra a seguradora C... - COMPANHIA DE SEGUROS, SA. A autora pediu que a seguradora fosse condenada a pagar-lhe €17.038,60, acrescidos de juros, alegando que celebraram um contrato de seguro multirrisco habitação para o recheio da sua casa, no valor de €16.099,95, e que em 14.03.2018 foi vítima de um roubo, tendo sido subtraídos diversos objetos de valor, incluindo dinheiro, num prejuízo total de €44.850,00. A seguradora contestou, alegando que na apólice não foram discriminados quaisquer objetos especiais, pelo que o valor total do seguro desses objetos está limitado a €4.829,99. Argumentou ainda que não houve arrombamento e que o dinheiro não estava guardado em local seguro, pelo que declinou a responsabilidade pelo sinistro. Sustentou também que o valor em risco (€61.450,00) era muito superior ao valor seguro (€16.099,95), pelo que deveria ser aplicado o rateio previsto na lei. O tribunal de primeira instância julgou procedente a ação, declarando a nulidade de certas cláusulas da apólice por omissão do dever de comunicação, e condenou a seguradora a pagar à autora o valor peticionado. A seguradora recorreu, alegando que as cláusulas são válidas e aplicáveis, que o valor da indemnização deve ser limitado a 30% do capital seguro por não terem sido discriminados objetos especiais, e que, ainda assim, deve ser efetuado o rateio. O tribunal de recurso considerou que, apesar de a sentença ter declarado a nulidade das cláusulas invocadas pela seguradora, esta não as questionou no recurso, pelo que essa decisão transitou em julgado. Quanto ao rateio, entendeu que estamos perante uma situação de subseguro, uma vez que o valor total do recheio da casa (€65.250,00) é muito superior ao valor seguro (€16.099,95). Assim, aplicando a regra proporcional prevista na lei e nas condições gerais da apólice, condenou a seguradora a pagar à autora a quantia de €11.066,40, acrescida de juros de mora.
Em 14.03.18, a autora, após ouvir o toque da campainha, abriu a porta da entrada da sua habitação. Três mulheres entraram, puxaram-na para a marquise, onde foi forçada a permanecer, e roubaram diversos objetos e dinheiro, causando um prejuízo total de €44.850,00.
€11.066,40 (onze mil, sessenta e seis euros e quarenta cêntimos), acrescida dos juros de mora desde 16.03.18 até ao efetivo e integral pagamento
Proc. n.º 2411/19.9T8PNF.P1– 3ª Secção (Apelação)[1] - 1347Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.B… instaurou acção declarativa, de condenação, com forma de processo comum, contra C… - COMPANHIA DE SEGUROS, SA. Pediu que a autora fosse condenada a pagar-lhe a quantia de €17.038.60, acrescida dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento. Como fundamento, alegou, em síntese: - A autora e a ré celebraram um contrato de seguro, do ramo multirrisco habitação, cujo objecto seguro era o recheio da casa de habitação da autora, pelo capital de €16.099,95; - Em 14.03.18, a autora, após ouvir o toque da campainha, abriu a porta da entrada da sua habitação e três mulheres entraram pela sua casa, tendo a autora sido puxada para a marquise, onde foi forçada a permanecer; - A autora foi desapropriada dos objectos descritos no artigo 13.º da petição inicial, incluindo dinheiro que se encontravam no interior da habitação, tendo sofrido um prejuízo no valor aproximado de €44.850,00. A ré contestou, impugnando parte dos factos alegados pela autora, e alegando, ainda, em síntese: - Na apólice de seguro, não foram discriminados quaisquer objectos especiais, nos termos do disposto no artigo 55º., al. b) das condições gerais da apólice, pelo que o valor total do seguro dos objectos especiais está limitado a €4.829,99; - Foi a própria autora quem abriu a porta da casa, não tendo havido arrombamento, escalamento ou chaves falsas, e o dinheiro não se encontrava guardado em armários, gavetas fechadas ou cofres, pelo que a ré declinou a sua responsabilidade sobre o sinistro nos termos previstos no artigo 9.º, ponto 2 das condições gerais da apólice; - No seguimento da participação do sinistro, a ré efectuou uma vistoria, tendo a perita interveniente e a autora concordado em que o recheio que existia no local em risco e que não tinha sido furtado ascendia ao valor de € 20.400,00; - Não foi reclamado qualquer montante de €3.000,00, em dinheiro e a maior parte das peças reclamadas aos peritos, no valor de €41.050,00; - Apenas foram apenas considerados pela peritagem os bens reclamados às autoridades e no valor de €1.236.57; - Assim, face à limitação do capital seguro quanto a objectos especiais (€4.829,99) e à informação obtida quanto ao capital em risco de €61.450,00 (€ 20.400,00 que permaneceram no local de risco e €41.050,00 foram subtraídos) e ao capital seguro de € 16.099,95, conclui que o valor em risco é muito superior ao valor seguro, entende que, por isso, o prejuízo deve ser rateado (26% de € 1.237,56), sendo o valor indemnizável de €161,00; - A apólice limita a indemnização a 30% do capital seguro, e €1.750,00, por objecto, por se tratar de objectos especiais que não foram discriminados pela autora, sendo sempre aplicável o rateio, nos termos da Lei do Contrato de Seguro e do disposto no artigo 65.º das Condições Gerais da apólice; A autora veio requerer a exclusão do contrato de seguro das cláusulas invocadas pela ré, alegando que as mesmas não foram comunicadas à autora. Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, e, em consequência, declarou a nulidade das cláusulas do contrato de seguro - dos pontos 9.º, n.º. 02 e 5, 55º., n.ºs. 2 e 3, al. b). - celebrado com fundamento na omissão do dever de comunicação e condenou a ré pagar à autora a quantia peticionada de € 17.038,60, acrescida de juros contados desde a data da interpelação e nos vincendos até efectivo e integral pagamento. A autora recorreu, formulando as seguintesCONCLUSÕES1ª - A autora celebrou com a ré um Contrato de Seguro Multirriscos Múltiplos Habitação. 2ª - Os documentos que integram todas as condições do contrato juntas pela ré com a sua contestação são do conhecimento da autora. 3ª - As condições gerais e especiais foram-lhe comunicadas, explicadas, esclarecidas e pela mesma aceites na data em que celebraram o contrato, nomeadamente as garantias e exclusões. 4ª - A celebração de tal contrato materializou-se no preenchimento e assinatura da proposta contratual. 5ª - Normalmente, os contratos de seguro formam-se pelo encontro de uma proposta de adesão e de uma aceitação. 6ª – Quanto à autonomia da vontade das partes, permite que se fixe livremente o conteúdo dos contratos que celebram, nos termos dos artigos 397.º e 405.º do CC. 7ª – É necessário fazer a interpretação de negócios jurídicos à luz das regras consagradas no CC, mais especificamente no artigo 236.º, n.º 1. 8ª – Para o destinatário normal serão perceptíveis as cláusulas gerais e especiais descritas no contrato assinado. 9ª – As cláusulas são válidas e aplicáveis ao contrato de seguro. 10ª – O objecto seguro é o recheio do imóvel onde reside, com o capital seguro de €16.099,95. 11ª – E, relativamente ao recheio do imóvel, não foram discriminados objectos especiais. 12ª – Ou seja, o valor total seguro dos objectos especiais está limitado a €4.829,99; 13ª – E, no auto de ocorrência não é reclamado o furto de quantia pecuniária (€3.000,00). 14ª – Face à informação obtida, o capital em risco seria de €61.450,00 (€20.400,00 que permaneceram no local de risco + €41.050,00 furtados). 15ª – No caso, o valor em risco (€61.450,00) é muito superior ao valor seguro (€16.099,95 = 26% do capital em risco). 16ª – Por fim, a ré desconhece se o valor apresentado é efectivamente o valor dos bens reclamados. 17ª – No entanto, demonstrando que de facto os mesmos se encontravam no local de risco, que eram propriedade da autora e que foram furtados, a apólice em causa limita a indemnização a 30% do capital seguro (€16.099,95), e €1.750,00 por objecto, por se tratar de objectos especiais que não foram discriminados pela autora. 18ª – No entanto, e sem prescindir, é sempre aplicável o rateio, nos termos da Lei do Contrato de Seguro e do disposto no artigo 65.º das condições gerais da apólice. 19ª – Assim, os valores reclamados pela autora nunca seriam devidos. 20ª – Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nas condições gerais e especiais da apólice, nos artigos 236.º, 397.º e 405.º do CC, e na Lei do Contrato de Seguro, designadamente, quanto ao cálculo rateados dos prejuízos a efectuar no caso de o capital seguro ser inferior ao capital em risco (situação de infra-seguro). A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:1). Em 12.05.09 entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de seguro do Ramo “Multirriscos Habitação”, titulado pela apólice nº. …………, a autora na qualidade de segurada e tomadora do seguro e a ré na qualidade de seguradora, conforme proposta de seguro, apólice / condições particulares e condições gerais e especiais que tem como objecto seguro o recheio da casa de habitação da autora, na Rua …, …, na cidade de Penafiel e com o capital seguro, no valor de €16.099,95, tendo no âmbito da cobertura da referida apólice, a ré assumido a responsabilidade indemnizatória pelo furto ou roubo dos bens que se encontrassem na habitação da autora, até ao limite do capital seguro, conforme documentos n.º 1 a n.º 3. 2). Relativamente a esta apólice, que segura o conteúdo recheio, não foram discriminados objectos especiais (ouro, prata, jóias e outros objectos de metal precioso, entre outros), nem negociadas as cláusulas contratuais gerais de exclusão ou limitação das coberturas ou explicado o teor das mesmas à autora que igualmente não foi informada dos documentos, tendo havido, em absoluto, total omissão do dever de comunicação e informação dos termos do contrato celebrado. 3). Através da referida apólice de seguro, a ré, na qualidade de entidade seguradora, assumiu a responsabilidade civil pelo pagamento à autora de indemnização resultante dos danos sofridos na habitação desta, nomeadamente, dos bens e equipamentos que constituem o recheio da mesma em consequência de furto ou roubo, até ao limite do capital seguro. 4). À data de 14.03.18, a referida apólice de seguro encontrava-se como se encontra, válida e em vigor. 5). Sucede que no dia 14.03.18, pelas 13.00 horas, a autora encontrava-se na habitação, acompanhada pela filha Engrácia, que é interdita por anomalia psíquica e nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, a autora, após ouvir o toque da campainha, abriu a porta da entrada da sua habitação e deparou-se com a presença de duas mulheres, que aparentavam 30 anos de idade, apresentavam sotaque brasileiro, com uma altura de 1,70 metros, aproximadamente. 6). As referidas pessoas disseram à autora que eram amigas de uma vizinha desta, e em acto contínuo, uma delas entrou para dentro da habitação, estranhando o comportamento daquelas, a autora insurgiu-se contra as mesmas a quem pediu que saíssem da sua casa mas sem êxito. 7). Também, em acto contínuo, uma daquelas mulheres, empurrou e puxou a autora para a marquise da habitação, obrigando e forçando a autora a permanecer naquele local, impedindo-a de sair desse espaço, no qual foi forçada a permanecer durante alguns minutos, sob ameaça e sem possibilidade de resistir. 8). Alguns minutos após, aproximadamente 5 a 10 minutos, a mulher que se encontrava junto da autora, forçando a presença desta na marquise, foi chamada pela outra mulher que se encontrava dentro da habitação da autora. 9). De imediato, as duas mulheres abandonaram rapidamente o interior da habitação, pondo-se em fuga, em consequência, a autora foi vítima de um roubo, tendo-se aquelas apropriado dos bens e dinheiro que infra se discriminam: - um trancelim em ouro, com peso de 28,7 gramas, no valor de €1.450,00;‐ um cordão em ouro, com peso de 53,4 gramas, no valor de €2.700,00; ‐ uma volta em ouro, com um anjinho, com peso de 13,5 gramas, no valor de €680,00; ‐ uma pulseira com bolas em ouro, com peso de 7,1 gramas, no valor de €400,00; ‐ um anel em ouro com pedra vermelha, com peso de 5,4 gramas, no valor de €300,00. ‐ um anel em ouro sem pedra, com peso de 6,1 gramas, no valor de €320,00; ‐ um esmalte, com peso de 8,3 gramas, no valor de €450,00; ‐ uns brincos em ouro, com peso de 6,4 gramas, no valor de €350,00; ‐ um fio em ouro, 3x1, com peso de 15,00 gramas, no valor de €800,00; ‐ um fio em ouro com bolas, com peso de 18,0 gramas, no valor de €1.000,00; ‐ uma pulseira com bolas em ouro, com peso de 10 gramas, no valor de €600,00; ‐ um cordão em ouro de 600 gramas, com mais de 40 anos, no valor de €30.000,00; ‐ duas pulseiras em ouro, de 20 gramas cada, no valor de €2.000,00; ‐ a quantia de €3.000,00, em numerário. O prejuízo sofrido pela autora ascendeu ao valor total de € 44.850,00. 10). Como decorre do Auto de Notícia, com a relação dos objectos subtraídos que consta de processo-crime que correu termos nos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Criminal de Penafiel, como o processo de inquérito nº. 182/18.5GBPNF e que se junta como documento n.º 1. 11). A autora participou o sinistro junto dos serviços da ré, no dia 16.03.19 e de acordo com a participação de sinistro às autoridades, foi a própria autora que abriu as portas de sua casa no dia 14.03.18, não tendo havido arrombamento, escalamento ou chaves falsas, pelo que a ré declinou o sinistro ao abrigo do disposto no artigo 9.º, ponto 02 das condições gerais da apólice, o que comunicou à autora em 03.05.18, conforme decorre do documento n.º 2. 12). No seguimento da participação de sinistro, a ré efectuou uma vistoria, tendo a perita interveniente e a autora concordado em que o recheio que existia no local em risco que não tinha sido furtado ascendia ao valor de €20.400,00, tendo ainda solicitado à autora uma certidão da listagem de bens furtados entregue às autoridades, bem como valorização do ouro efectuada por ourives, conforme doc. n.º 4. 13). A ré foi interpelada em 16.03.18. 14). O relatório pericial apenas considerou os bens reclamados às autoridades e pelo valor de €1.236,57. 15). O dinheiro subtraído estava guardado numa gaveta. 16). A autora limitou-se a assinar o formulário junto como documento n.º 1, sem que o mesmo lhe tivesse sido lido ou o seu conteúdo explicado. 17). Nenhum outro documento lhe foi exibido. O Tribuna recorrido considerou não provados os seguintes factos:Da petição inicial: Nenhum. Da contestação: 6º.* III.O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. As questões que estão delimitadas pelas conclusões da alegação da apelante são as seguintes: - Se o valor da indemnização deve ser limitado a 30% do capital seguro por não terem sido discriminados objectos especiais; - Ainda que assim não se entenda, se deve ser efectuado rateio. 1. Limitação do valor do capital seguro a 30%Está provado que, em 12.05.09, entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de seguro do Ramo “Multirriscos Habitação”, titulado pela apólice nº. …………., que tem como objecto seguro o recheio da casa de habitação da autora, com o capital seguro de €16.099,95, tendo no âmbito da cobertura da referida apólice, a ré assumido a responsabilidade indemnizatória pelo furto ou roubo dos bens que se encontrassem na habitação da autora, até ao limite do capital seguro. Também se provou que não foram discriminados objectos especiais (ouro, prata, jóias e outros objectos de metal precioso, entre outros). O artigo 55.º, n.º 2 das Condições Gerais da Apólice do contrato de seguro celebrado entre a autora e a ré dispõe que, salvo quando seja determinado por Lei, cabe ao Tomador do seguro indicar ao Segurador, quer no início, quer durante a vigência do contrato, o valor dos bens ou dos interesses a que respeita o contrato. Por seu turno, o n.º 3 do mesmo artigo 55.º define os critérios a que deve atender a determinação do valor seguro, estabelecendo, na sua al. b), quanto ao valor de mobiliário ou de recheio, que, quando o Tomador de seguro não discriminar o recheio objecto a objecto, os valores seguros relativos, nomeadamente, a jóias, objectos de ouro, prata ou outros metais preciosos, ficam limitados, em caso de sinistro, a 30% do valor total do recheio, no seu conjunto, e a €1.750,00 por objecto, salvo convenção expressa nas Condições Particulares. Conforme a ré já alegava na sua contestação, a invocação da limitação do capital seguro à quantia de €4.829,99 tem como fundamento o disposto nas acima transcritas cláusulas das Condições Gerais da Apólice do contrato de seguro. Ora, a sentença recorrida declarou a nulidade de tais cláusulas, com fundamento na omissão do dever de comunicação. Sucede que, nas conclusões de recurso, a ré pugna pela aplicação de tais cláusulas mas não questiona a decisão da sentença recorrida relativamente à declaração de nulidade das mesmas. Sendo assim, a sentença recorrida transitou em julgado, nesta parte, não podendo este Tribunal conhecer da aplicação das sobreditas cláusulas – cfr. o que, sem intuito meramente tabelar, acima dissemos acerca do âmbito do recurso. 2. RateioEstá provado que o valor total do prejuízo sofrido pela autora ascendeu ao valor de €44.850,00 (aqui se incluindo a quantia em numerário de €3.000,00, que, ao contrário do que a ré alega, consta da participação policial cuja cópia a autora juntou com a petição inicial). Mais está provado que o recheio que existia no local em risco que não tinha sido furtado ascendia ao valor de €20.400,00. Ou seja, o valor total do recheio da casa da autora ascendia a €65.250,00 (€44.850,00 + €20.400,00). Sustenta a ré que estamos perante uma situação de subseguro, pelo que só responde pelo dano na respectiva proporção. A situação de subseguro está prevista no artigo 134,º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo DL 72/08, de 16.04, o qual estipula que, salvo convenção em contrário, se o capital seguro for inferior ao valor do objecto segurado, o segurador só responde pelo dano na respectiva proporção. Aquele artigo corresponde ao anterior artigo 433.º do CCom, que dispunha que, se o seguro contra riscos for inferior ao valor do objecto, o segurado responderá, salva convenção em contrário, por uma parte proporcional das perdas e danos. Como escreveu Moitinho de Almeida[2], a situação de subseguro verifica-se quando, no momento do sinistro, o valor do interesse exceda a quantia segura e é susceptível de resultar quer da própria vontade do segurado, atribuindo ao valor seguro um valor inferior ao real para pagar prémios mais baixos, quer por erro de avaliação, de alteração dos preços (mão de obra, materiais, etc.), no decurso do contrato ou de quaisquer outras circunstâncias. Quando no momento do sinistro, o valor segurável excede a quantia segura, tem lugar a aplicação da regra proporcional. Segundo aquele autor, a regra proporcional é aplicada através da seguinte fórmula: (valor de dano x quantia segura) valor segurável. Quanto à razão de ser da regra proporcional, adianta ser a insuficiência do prémio: “Na empresa de seguros os acidentes são pagos mediante os prémios recebidos, os quais são essencialmente função da probabilidade e intensidade do risco. No respectivo cálculo tem-se em consideração não só a frequência dos sinistros, mas também a importância média destes.”[3]. José Vasques[4], também ainda na vigência do Código Comercial, escreveu que “a determinação dos danos a indemnizar faz-se atendendo ao valor seguro (capital seguro ou valor declarado) e ao valor do objecto seguro (… ) determinado ao tempo do sinistro.”. Esclarece que a regra proporcional, esclarece que se aplica “quando o valor seguro é inferior ao valor do objecto seguro (infra-seguro ou sub-seguro): a indemnização reduzir-se-á na proporção da diferença entre os dois valores.”. Segundo o Acórdão do STJ de 07.11.06[5], “A regra proporcional acolhida pelo referido art. 433º, aplicável quando, no momento do sinistro, o valor seguro for inferior ao valor do objecto do seguro ou segurável (sub-seguro ou infra-seguro), respondendo o segurador na proporção existente entre os dois valores, relaciona-se com o princípio do equilíbrio das prestações, tendendo a fazer equivaler o risco coberto ao prémio efectivamente pago.” No Acórdão do STJ de 29.09.11[6], esclareceu-se que “(…), no caso do sub-seguro, que corresponde a um seguro ajustado com valor inferir ao do bem segurado, há implicações prejudiciais para o tomador do seguro, devido à designada “regra proporcional”, que determina o pagamento de uma percentagem sobre o valor dos danos sofridos. Tendo o tomador do seguro indicado um valor para o objeto seguro inferior ao real, com violação do seu dever de informação, a seguradora só terá de pagar uma percentagem do dano sofrido, considerando-se que o tomador é parcialmente segurador (na parte resultante da diferença entre o valor real e o valor garantido pelo seguro). Justificando-se a regra proporcional, desde logo, pela falta de correspectividade entre o prémio pago e o bem assegurado, na relação com o risco assumido pela seguradora.”. Reproduzindo, no essencial, a norma do artigo 134.º do RJCS, dispõe o artigo 65.º, n.º 1 das Condições Gerais da Apólice do contrato de seguro vigente entre a autora e a ré, que, salvo convenção em contrário nas Condições Particulares, o segurador só responde pelo dano na respectiva proporção, respondendo o segurado pela restante parte dos prejuízos como se fosse Segurador. A sentença recorrida não declarou a nulidade daquela cláusula. No caso, estando provado que o valor total do recheio da casa de habitação da autora era de € 65.250,00, que o valor dos bens subtraído foi de €44.850,00 e que o valor seguro é de €16.099,95, estamos perante uma situação de subseguro, havendo, por isso que aplicar a regra da proporcionalidade para aferir do valor a pagar pela ré, à autora. Assim: [Valor do dano (€44.850,00) x Valor seguro (€16.099,95)] Valor segurável (€65.250,00) = €11.066,40. A quantia a pagar pela ré à autora ascende, pois, a €11.066,40, à qual acrescem juros de mora nos termos que constam do dispositivo da sentença recorrida, ou seja, desde a data da interpelação da ré (16.03.18 – cfr. ponto 13. da factualidade provada) até efectivo e integral pagamento.* IV.Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se, em parte, a sentença recorrida e, em consequência: - Condena-se a ré a pagar à autora a quantia de €11.066,40 (onze mil, sessenta e seis euros e quarenta cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos desde 16.03.18 até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do restante pedido. Custas em ambas as instâncias pela ré/apelante e pela autora/apelada, na proporção do decaimento.***Porto, 29 de Abril de 2021 Deolinda Varão Freitas Vieira Carlos Portela ____________ [1] Acção de Processo Comum – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Penafiel [2] O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, pág. 171. [3] Obra citada, pág. 172. [4] Contrato de Seguro, pág. 146. [5] www.dgsi.pt. [6] www.dgsi.pt.
Proc. n.º 2411/19.9T8PNF.P1– 3ª Secção (Apelação)[1] - 1347Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.B… instaurou acção declarativa, de condenação, com forma de processo comum, contra C… - COMPANHIA DE SEGUROS, SA. Pediu que a autora fosse condenada a pagar-lhe a quantia de €17.038.60, acrescida dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento. Como fundamento, alegou, em síntese: - A autora e a ré celebraram um contrato de seguro, do ramo multirrisco habitação, cujo objecto seguro era o recheio da casa de habitação da autora, pelo capital de €16.099,95; - Em 14.03.18, a autora, após ouvir o toque da campainha, abriu a porta da entrada da sua habitação e três mulheres entraram pela sua casa, tendo a autora sido puxada para a marquise, onde foi forçada a permanecer; - A autora foi desapropriada dos objectos descritos no artigo 13.º da petição inicial, incluindo dinheiro que se encontravam no interior da habitação, tendo sofrido um prejuízo no valor aproximado de €44.850,00. A ré contestou, impugnando parte dos factos alegados pela autora, e alegando, ainda, em síntese: - Na apólice de seguro, não foram discriminados quaisquer objectos especiais, nos termos do disposto no artigo 55º., al. b) das condições gerais da apólice, pelo que o valor total do seguro dos objectos especiais está limitado a €4.829,99; - Foi a própria autora quem abriu a porta da casa, não tendo havido arrombamento, escalamento ou chaves falsas, e o dinheiro não se encontrava guardado em armários, gavetas fechadas ou cofres, pelo que a ré declinou a sua responsabilidade sobre o sinistro nos termos previstos no artigo 9.º, ponto 2 das condições gerais da apólice; - No seguimento da participação do sinistro, a ré efectuou uma vistoria, tendo a perita interveniente e a autora concordado em que o recheio que existia no local em risco e que não tinha sido furtado ascendia ao valor de € 20.400,00; - Não foi reclamado qualquer montante de €3.000,00, em dinheiro e a maior parte das peças reclamadas aos peritos, no valor de €41.050,00; - Apenas foram apenas considerados pela peritagem os bens reclamados às autoridades e no valor de €1.236.57; - Assim, face à limitação do capital seguro quanto a objectos especiais (€4.829,99) e à informação obtida quanto ao capital em risco de €61.450,00 (€ 20.400,00 que permaneceram no local de risco e €41.050,00 foram subtraídos) e ao capital seguro de € 16.099,95, conclui que o valor em risco é muito superior ao valor seguro, entende que, por isso, o prejuízo deve ser rateado (26% de € 1.237,56), sendo o valor indemnizável de €161,00; - A apólice limita a indemnização a 30% do capital seguro, e €1.750,00, por objecto, por se tratar de objectos especiais que não foram discriminados pela autora, sendo sempre aplicável o rateio, nos termos da Lei do Contrato de Seguro e do disposto no artigo 65.º das Condições Gerais da apólice; A autora veio requerer a exclusão do contrato de seguro das cláusulas invocadas pela ré, alegando que as mesmas não foram comunicadas à autora. Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, e, em consequência, declarou a nulidade das cláusulas do contrato de seguro - dos pontos 9.º, n.º. 02 e 5, 55º., n.ºs. 2 e 3, al. b). - celebrado com fundamento na omissão do dever de comunicação e condenou a ré pagar à autora a quantia peticionada de € 17.038,60, acrescida de juros contados desde a data da interpelação e nos vincendos até efectivo e integral pagamento. A autora recorreu, formulando as seguintesCONCLUSÕES1ª - A autora celebrou com a ré um Contrato de Seguro Multirriscos Múltiplos Habitação. 2ª - Os documentos que integram todas as condições do contrato juntas pela ré com a sua contestação são do conhecimento da autora. 3ª - As condições gerais e especiais foram-lhe comunicadas, explicadas, esclarecidas e pela mesma aceites na data em que celebraram o contrato, nomeadamente as garantias e exclusões. 4ª - A celebração de tal contrato materializou-se no preenchimento e assinatura da proposta contratual. 5ª - Normalmente, os contratos de seguro formam-se pelo encontro de uma proposta de adesão e de uma aceitação. 6ª – Quanto à autonomia da vontade das partes, permite que se fixe livremente o conteúdo dos contratos que celebram, nos termos dos artigos 397.º e 405.º do CC. 7ª – É necessário fazer a interpretação de negócios jurídicos à luz das regras consagradas no CC, mais especificamente no artigo 236.º, n.º 1. 8ª – Para o destinatário normal serão perceptíveis as cláusulas gerais e especiais descritas no contrato assinado. 9ª – As cláusulas são válidas e aplicáveis ao contrato de seguro. 10ª – O objecto seguro é o recheio do imóvel onde reside, com o capital seguro de €16.099,95. 11ª – E, relativamente ao recheio do imóvel, não foram discriminados objectos especiais. 12ª – Ou seja, o valor total seguro dos objectos especiais está limitado a €4.829,99; 13ª – E, no auto de ocorrência não é reclamado o furto de quantia pecuniária (€3.000,00). 14ª – Face à informação obtida, o capital em risco seria de €61.450,00 (€20.400,00 que permaneceram no local de risco + €41.050,00 furtados). 15ª – No caso, o valor em risco (€61.450,00) é muito superior ao valor seguro (€16.099,95 = 26% do capital em risco). 16ª – Por fim, a ré desconhece se o valor apresentado é efectivamente o valor dos bens reclamados. 17ª – No entanto, demonstrando que de facto os mesmos se encontravam no local de risco, que eram propriedade da autora e que foram furtados, a apólice em causa limita a indemnização a 30% do capital seguro (€16.099,95), e €1.750,00 por objecto, por se tratar de objectos especiais que não foram discriminados pela autora. 18ª – No entanto, e sem prescindir, é sempre aplicável o rateio, nos termos da Lei do Contrato de Seguro e do disposto no artigo 65.º das condições gerais da apólice. 19ª – Assim, os valores reclamados pela autora nunca seriam devidos. 20ª – Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nas condições gerais e especiais da apólice, nos artigos 236.º, 397.º e 405.º do CC, e na Lei do Contrato de Seguro, designadamente, quanto ao cálculo rateados dos prejuízos a efectuar no caso de o capital seguro ser inferior ao capital em risco (situação de infra-seguro). A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:1). Em 12.05.09 entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de seguro do Ramo “Multirriscos Habitação”, titulado pela apólice nº. …………, a autora na qualidade de segurada e tomadora do seguro e a ré na qualidade de seguradora, conforme proposta de seguro, apólice / condições particulares e condições gerais e especiais que tem como objecto seguro o recheio da casa de habitação da autora, na Rua …, …, na cidade de Penafiel e com o capital seguro, no valor de €16.099,95, tendo no âmbito da cobertura da referida apólice, a ré assumido a responsabilidade indemnizatória pelo furto ou roubo dos bens que se encontrassem na habitação da autora, até ao limite do capital seguro, conforme documentos n.º 1 a n.º 3. 2). Relativamente a esta apólice, que segura o conteúdo recheio, não foram discriminados objectos especiais (ouro, prata, jóias e outros objectos de metal precioso, entre outros), nem negociadas as cláusulas contratuais gerais de exclusão ou limitação das coberturas ou explicado o teor das mesmas à autora que igualmente não foi informada dos documentos, tendo havido, em absoluto, total omissão do dever de comunicação e informação dos termos do contrato celebrado. 3). Através da referida apólice de seguro, a ré, na qualidade de entidade seguradora, assumiu a responsabilidade civil pelo pagamento à autora de indemnização resultante dos danos sofridos na habitação desta, nomeadamente, dos bens e equipamentos que constituem o recheio da mesma em consequência de furto ou roubo, até ao limite do capital seguro. 4). À data de 14.03.18, a referida apólice de seguro encontrava-se como se encontra, válida e em vigor. 5). Sucede que no dia 14.03.18, pelas 13.00 horas, a autora encontrava-se na habitação, acompanhada pela filha Engrácia, que é interdita por anomalia psíquica e nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, a autora, após ouvir o toque da campainha, abriu a porta da entrada da sua habitação e deparou-se com a presença de duas mulheres, que aparentavam 30 anos de idade, apresentavam sotaque brasileiro, com uma altura de 1,70 metros, aproximadamente. 6). As referidas pessoas disseram à autora que eram amigas de uma vizinha desta, e em acto contínuo, uma delas entrou para dentro da habitação, estranhando o comportamento daquelas, a autora insurgiu-se contra as mesmas a quem pediu que saíssem da sua casa mas sem êxito. 7). Também, em acto contínuo, uma daquelas mulheres, empurrou e puxou a autora para a marquise da habitação, obrigando e forçando a autora a permanecer naquele local, impedindo-a de sair desse espaço, no qual foi forçada a permanecer durante alguns minutos, sob ameaça e sem possibilidade de resistir. 8). Alguns minutos após, aproximadamente 5 a 10 minutos, a mulher que se encontrava junto da autora, forçando a presença desta na marquise, foi chamada pela outra mulher que se encontrava dentro da habitação da autora. 9). De imediato, as duas mulheres abandonaram rapidamente o interior da habitação, pondo-se em fuga, em consequência, a autora foi vítima de um roubo, tendo-se aquelas apropriado dos bens e dinheiro que infra se discriminam: - um trancelim em ouro, com peso de 28,7 gramas, no valor de €1.450,00;‐ um cordão em ouro, com peso de 53,4 gramas, no valor de €2.700,00; ‐ uma volta em ouro, com um anjinho, com peso de 13,5 gramas, no valor de €680,00; ‐ uma pulseira com bolas em ouro, com peso de 7,1 gramas, no valor de €400,00; ‐ um anel em ouro com pedra vermelha, com peso de 5,4 gramas, no valor de €300,00. ‐ um anel em ouro sem pedra, com peso de 6,1 gramas, no valor de €320,00; ‐ um esmalte, com peso de 8,3 gramas, no valor de €450,00; ‐ uns brincos em ouro, com peso de 6,4 gramas, no valor de €350,00; ‐ um fio em ouro, 3x1, com peso de 15,00 gramas, no valor de €800,00; ‐ um fio em ouro com bolas, com peso de 18,0 gramas, no valor de €1.000,00; ‐ uma pulseira com bolas em ouro, com peso de 10 gramas, no valor de €600,00; ‐ um cordão em ouro de 600 gramas, com mais de 40 anos, no valor de €30.000,00; ‐ duas pulseiras em ouro, de 20 gramas cada, no valor de €2.000,00; ‐ a quantia de €3.000,00, em numerário. O prejuízo sofrido pela autora ascendeu ao valor total de € 44.850,00. 10). Como decorre do Auto de Notícia, com a relação dos objectos subtraídos que consta de processo-crime que correu termos nos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Criminal de Penafiel, como o processo de inquérito nº. 182/18.5GBPNF e que se junta como documento n.º 1. 11). A autora participou o sinistro junto dos serviços da ré, no dia 16.03.19 e de acordo com a participação de sinistro às autoridades, foi a própria autora que abriu as portas de sua casa no dia 14.03.18, não tendo havido arrombamento, escalamento ou chaves falsas, pelo que a ré declinou o sinistro ao abrigo do disposto no artigo 9.º, ponto 02 das condições gerais da apólice, o que comunicou à autora em 03.05.18, conforme decorre do documento n.º 2. 12). No seguimento da participação de sinistro, a ré efectuou uma vistoria, tendo a perita interveniente e a autora concordado em que o recheio que existia no local em risco que não tinha sido furtado ascendia ao valor de €20.400,00, tendo ainda solicitado à autora uma certidão da listagem de bens furtados entregue às autoridades, bem como valorização do ouro efectuada por ourives, conforme doc. n.º 4. 13). A ré foi interpelada em 16.03.18. 14). O relatório pericial apenas considerou os bens reclamados às autoridades e pelo valor de €1.236,57. 15). O dinheiro subtraído estava guardado numa gaveta. 16). A autora limitou-se a assinar o formulário junto como documento n.º 1, sem que o mesmo lhe tivesse sido lido ou o seu conteúdo explicado. 17). Nenhum outro documento lhe foi exibido. O Tribuna recorrido considerou não provados os seguintes factos:Da petição inicial: Nenhum. Da contestação: 6º.* III.O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. As questões que estão delimitadas pelas conclusões da alegação da apelante são as seguintes: - Se o valor da indemnização deve ser limitado a 30% do capital seguro por não terem sido discriminados objectos especiais; - Ainda que assim não se entenda, se deve ser efectuado rateio. 1. Limitação do valor do capital seguro a 30%Está provado que, em 12.05.09, entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de seguro do Ramo “Multirriscos Habitação”, titulado pela apólice nº. …………., que tem como objecto seguro o recheio da casa de habitação da autora, com o capital seguro de €16.099,95, tendo no âmbito da cobertura da referida apólice, a ré assumido a responsabilidade indemnizatória pelo furto ou roubo dos bens que se encontrassem na habitação da autora, até ao limite do capital seguro. Também se provou que não foram discriminados objectos especiais (ouro, prata, jóias e outros objectos de metal precioso, entre outros). O artigo 55.º, n.º 2 das Condições Gerais da Apólice do contrato de seguro celebrado entre a autora e a ré dispõe que, salvo quando seja determinado por Lei, cabe ao Tomador do seguro indicar ao Segurador, quer no início, quer durante a vigência do contrato, o valor dos bens ou dos interesses a que respeita o contrato. Por seu turno, o n.º 3 do mesmo artigo 55.º define os critérios a que deve atender a determinação do valor seguro, estabelecendo, na sua al. b), quanto ao valor de mobiliário ou de recheio, que, quando o Tomador de seguro não discriminar o recheio objecto a objecto, os valores seguros relativos, nomeadamente, a jóias, objectos de ouro, prata ou outros metais preciosos, ficam limitados, em caso de sinistro, a 30% do valor total do recheio, no seu conjunto, e a €1.750,00 por objecto, salvo convenção expressa nas Condições Particulares. Conforme a ré já alegava na sua contestação, a invocação da limitação do capital seguro à quantia de €4.829,99 tem como fundamento o disposto nas acima transcritas cláusulas das Condições Gerais da Apólice do contrato de seguro. Ora, a sentença recorrida declarou a nulidade de tais cláusulas, com fundamento na omissão do dever de comunicação. Sucede que, nas conclusões de recurso, a ré pugna pela aplicação de tais cláusulas mas não questiona a decisão da sentença recorrida relativamente à declaração de nulidade das mesmas. Sendo assim, a sentença recorrida transitou em julgado, nesta parte, não podendo este Tribunal conhecer da aplicação das sobreditas cláusulas – cfr. o que, sem intuito meramente tabelar, acima dissemos acerca do âmbito do recurso. 2. RateioEstá provado que o valor total do prejuízo sofrido pela autora ascendeu ao valor de €44.850,00 (aqui se incluindo a quantia em numerário de €3.000,00, que, ao contrário do que a ré alega, consta da participação policial cuja cópia a autora juntou com a petição inicial). Mais está provado que o recheio que existia no local em risco que não tinha sido furtado ascendia ao valor de €20.400,00. Ou seja, o valor total do recheio da casa da autora ascendia a €65.250,00 (€44.850,00 + €20.400,00). Sustenta a ré que estamos perante uma situação de subseguro, pelo que só responde pelo dano na respectiva proporção. A situação de subseguro está prevista no artigo 134,º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo DL 72/08, de 16.04, o qual estipula que, salvo convenção em contrário, se o capital seguro for inferior ao valor do objecto segurado, o segurador só responde pelo dano na respectiva proporção. Aquele artigo corresponde ao anterior artigo 433.º do CCom, que dispunha que, se o seguro contra riscos for inferior ao valor do objecto, o segurado responderá, salva convenção em contrário, por uma parte proporcional das perdas e danos. Como escreveu Moitinho de Almeida[2], a situação de subseguro verifica-se quando, no momento do sinistro, o valor do interesse exceda a quantia segura e é susceptível de resultar quer da própria vontade do segurado, atribuindo ao valor seguro um valor inferior ao real para pagar prémios mais baixos, quer por erro de avaliação, de alteração dos preços (mão de obra, materiais, etc.), no decurso do contrato ou de quaisquer outras circunstâncias. Quando no momento do sinistro, o valor segurável excede a quantia segura, tem lugar a aplicação da regra proporcional. Segundo aquele autor, a regra proporcional é aplicada através da seguinte fórmula: (valor de dano x quantia segura) valor segurável. Quanto à razão de ser da regra proporcional, adianta ser a insuficiência do prémio: “Na empresa de seguros os acidentes são pagos mediante os prémios recebidos, os quais são essencialmente função da probabilidade e intensidade do risco. No respectivo cálculo tem-se em consideração não só a frequência dos sinistros, mas também a importância média destes.”[3]. José Vasques[4], também ainda na vigência do Código Comercial, escreveu que “a determinação dos danos a indemnizar faz-se atendendo ao valor seguro (capital seguro ou valor declarado) e ao valor do objecto seguro (… ) determinado ao tempo do sinistro.”. Esclarece que a regra proporcional, esclarece que se aplica “quando o valor seguro é inferior ao valor do objecto seguro (infra-seguro ou sub-seguro): a indemnização reduzir-se-á na proporção da diferença entre os dois valores.”. Segundo o Acórdão do STJ de 07.11.06[5], “A regra proporcional acolhida pelo referido art. 433º, aplicável quando, no momento do sinistro, o valor seguro for inferior ao valor do objecto do seguro ou segurável (sub-seguro ou infra-seguro), respondendo o segurador na proporção existente entre os dois valores, relaciona-se com o princípio do equilíbrio das prestações, tendendo a fazer equivaler o risco coberto ao prémio efectivamente pago.” No Acórdão do STJ de 29.09.11[6], esclareceu-se que “(…), no caso do sub-seguro, que corresponde a um seguro ajustado com valor inferir ao do bem segurado, há implicações prejudiciais para o tomador do seguro, devido à designada “regra proporcional”, que determina o pagamento de uma percentagem sobre o valor dos danos sofridos. Tendo o tomador do seguro indicado um valor para o objeto seguro inferior ao real, com violação do seu dever de informação, a seguradora só terá de pagar uma percentagem do dano sofrido, considerando-se que o tomador é parcialmente segurador (na parte resultante da diferença entre o valor real e o valor garantido pelo seguro). Justificando-se a regra proporcional, desde logo, pela falta de correspectividade entre o prémio pago e o bem assegurado, na relação com o risco assumido pela seguradora.”. Reproduzindo, no essencial, a norma do artigo 134.º do RJCS, dispõe o artigo 65.º, n.º 1 das Condições Gerais da Apólice do contrato de seguro vigente entre a autora e a ré, que, salvo convenção em contrário nas Condições Particulares, o segurador só responde pelo dano na respectiva proporção, respondendo o segurado pela restante parte dos prejuízos como se fosse Segurador. A sentença recorrida não declarou a nulidade daquela cláusula. No caso, estando provado que o valor total do recheio da casa de habitação da autora era de € 65.250,00, que o valor dos bens subtraído foi de €44.850,00 e que o valor seguro é de €16.099,95, estamos perante uma situação de subseguro, havendo, por isso que aplicar a regra da proporcionalidade para aferir do valor a pagar pela ré, à autora. Assim: [Valor do dano (€44.850,00) x Valor seguro (€16.099,95)] Valor segurável (€65.250,00) = €11.066,40. A quantia a pagar pela ré à autora ascende, pois, a €11.066,40, à qual acrescem juros de mora nos termos que constam do dispositivo da sentença recorrida, ou seja, desde a data da interpelação da ré (16.03.18 – cfr. ponto 13. da factualidade provada) até efectivo e integral pagamento.* IV.Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se, em parte, a sentença recorrida e, em consequência: - Condena-se a ré a pagar à autora a quantia de €11.066,40 (onze mil, sessenta e seis euros e quarenta cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos desde 16.03.18 até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do restante pedido. Custas em ambas as instâncias pela ré/apelante e pela autora/apelada, na proporção do decaimento.***Porto, 29 de Abril de 2021 Deolinda Varão Freitas Vieira Carlos Portela ____________ [1] Acção de Processo Comum – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Penafiel [2] O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, pág. 171. [3] Obra citada, pág. 172. [4] Contrato de Seguro, pág. 146. [5] www.dgsi.pt. [6] www.dgsi.pt.