I - O artigo 1114º, nº 3 do CPC (aditado pelo artigo 5º da Lei 117/2019 de 13.09), não afasta o regime geral da prova pericial, consagrado nos artigos 487º a 489º, aplicável subsidiariamente ao processo de inventário, por força do disposto no artigo 549º, todos do CPC. II - O artigo 1114º do CPC apenas define algumas especificidades próprias da perícia realizada no processo de inventário. III - As inexatidões ou erros que a segunda perícia se destina a corrigir não estão excluídas da avaliação de bens, requerida no âmbito do processo de inventário.
Processo: 646/20.0T8VFR.P1 Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC) ……………………………… ……………………………… ……………………………… ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: Nos presentes autos de inventário facultativo para partilha de bens subsequente a divórcio de AA e BB, foi ordenada e realizada a perícia à contabilidade das sociedades “O... Lda” e “I... Lda”, (verbas 4 e 5 da Relação de Bens), das quais é sócia a cabeça-de-casal. Junto o relatório da avaliação o Interessado BB requereu segunda perícia. O seu requerimento mereceu o seguinte despacho judicial: “(…) Decorre do artigo 1114º, n.º 3 do Novo CPC, revisto pela Lei 117/2019, de 13.09, que a perícia de avaliação é agora uma só, podendo ser realizada por um único perito, ou por três peritos, a requerimento de algum dos interessados e se a complexidade da diligência o aconselhar. Ou seja, a lei é clara no sentido de ser apenas permitida uma única perícia de avaliação em sede inventário, embora a mesma possa assumir natureza colegial, cumpridos que sejam os pressupostos já referidos e que aqui não estão presentes, dado que nenhuma das partes solicitou perícia colegial. Assim, vai indeferida a realização das segundas perícias de avaliação.” Deste despacho APELOU O REQUERENTE QUE LAVROU AS SEGUINTES CONCLUSÕES: O douto despacho recorrido que indeferiu a peticionada segunda perícia de avaliação, pelo requerente da primeira e aqui recorrente, nos termos do disposto nos artigos 468º e 547º do Código de Processo Civil e com os fundamentos do seu requerimento de referência 39807956, deve ser revogado e substituído por outro que defira, nos termos peticionados pelo recorrente, a segunda perícia de avaliação às participações sociais, melhor identificadas nos autos, e que constituem acervo comum do património do dissolvido casal a partilhar. Não houve resposta. Nada obsta ao mérito. O OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil). Em consonância e atentas as conclusões da recorrente a única questão a decidir é a de saber se o artigo 1114º, n.º 3 do CPC, aditado pelo artigo 5º da Lei 117/2019, de 13.09, norma que estabelece o regime legal da avaliação dos bens no processo de inventário, não comporta a segunda perícia. O MÉRITO DO RECURSO: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: 1.A perícia é um meio de prova facultado às partes (artigos 388º do CC e 467º e ss do CPC). No âmbito deste direito à prova encontra-se a segunda perícia que o código vem regular nos artigos 487º a 489º (CPC). A segunda perícia constitui um meio de reação contra as inexatidões do resultado da primeira e destina-se a responder, sanando as mesmas, que tanto podem ser suscitas pelas partes, como pelo juiz. Conforme decorre do disposto no artigo 487º nº 1 do CPC “qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” (…) e (nº 3) “a segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.” A lei exige que, para além da discordância com a primeira perícia, o requerente da segunda perícia alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado. Como salienta Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 4ª ed., pág. 342: “O pedido de segunda perícia tem de ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia. Não basta requerê-la, sendo exigido a quem a requerer que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente” E, isto é assim, porque a segunda perícia se destina, naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais erros ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira. A realização da segunda perícia, a requerimento das partes, não se configura como discricionária, antes pressupõe a alegação fundamentada e concludente das razões pelas quais discorda do relatório pericial apresentado (ou da opinião maioritária vencedora). A segunda perícia não invalida a primeira; é mais um meio de prova, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos, em livre apreciação (neste sentido, Fernando Pereira Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, março de 2015, Almedina, pág. 151 e acórdão da RG de 22/06/2010, (Des. Maria Luísa Ramos) proc. nº. 1282/06.0TBVCT-A, acessível em www.dgsi.pt)”. Daqui que o requerente da segunda perícia deve especificar os concretos pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objeto da segunda; e deve indicar as razões da discordância o que constitui condição de deferimento do seu pedido, não bastando meras alegações genéricas ou conclusivas. II As inexatidões ou erros que a segunda perícia se destina a corrigir não estão excluídas da avaliação no processo de inventário. Não dispondo a lei expressamente sobre a inadmissibilidade da segunda perícia, não se alcança a ratio para a interpretação restritiva do artigo 1114º nº 3 do CPC que é feita pelo tribunal recorrido, afastando o regime geral da prova pericial consagrado nos artigos 487º a 489º. Entendemos que uma tal interpretação não é consentida. A melhor interpretação deste preceito é a de que o mesmo define algumas especificidades próprias da perícia realizada no processo de inventário, mas não afasta a aplicabilidade do estabelecido quanto a este tipo de prova no processo declarativo, o que decorre do princípio geral estabelecido no artigo 549º nº 1 do CPC (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa e outros, “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, p 115). Daí que caberá ao tribunal recorrido, num primeiro momento, admitir a perícia e, num segundo momento, apreciar se o requerimento do interessado cumpre os pressupostos exigidos pelo artigo 487º do CPC. Porquanto, a questão suscitada neste recurso é apenas a respeitante à admissibilidade do requerimento da segunda perícia, nada tendo sido discutido quanto à verificação dos pressupostos e fundamentos da sua admissibilidade, sobre o que não houve sequer decisão, não se cuidará desta matéria. SEGUE DELIBERAÇÃO: REVOGA-SE O DESPACHO RECORRIDO QUE DEVE SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ADMITA O REQUERIMENTO DE PERÍCIA, COM SUBSEQUENTE APRECIAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA MESMA. Custas pelo recorrente em face da ausência de resposta ao recurso (artigo 527/ 1 e 2 do CPC) Porto, 04.05.2022 Isoleta de Almeida Costa Ernesto Nascimento Madeira Pinto
Processo: 646/20.0T8VFR.P1 Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC) ……………………………… ……………………………… ……………………………… ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: Nos presentes autos de inventário facultativo para partilha de bens subsequente a divórcio de AA e BB, foi ordenada e realizada a perícia à contabilidade das sociedades “O... Lda” e “I... Lda”, (verbas 4 e 5 da Relação de Bens), das quais é sócia a cabeça-de-casal. Junto o relatório da avaliação o Interessado BB requereu segunda perícia. O seu requerimento mereceu o seguinte despacho judicial: “(…) Decorre do artigo 1114º, n.º 3 do Novo CPC, revisto pela Lei 117/2019, de 13.09, que a perícia de avaliação é agora uma só, podendo ser realizada por um único perito, ou por três peritos, a requerimento de algum dos interessados e se a complexidade da diligência o aconselhar. Ou seja, a lei é clara no sentido de ser apenas permitida uma única perícia de avaliação em sede inventário, embora a mesma possa assumir natureza colegial, cumpridos que sejam os pressupostos já referidos e que aqui não estão presentes, dado que nenhuma das partes solicitou perícia colegial. Assim, vai indeferida a realização das segundas perícias de avaliação.” Deste despacho APELOU O REQUERENTE QUE LAVROU AS SEGUINTES CONCLUSÕES: O douto despacho recorrido que indeferiu a peticionada segunda perícia de avaliação, pelo requerente da primeira e aqui recorrente, nos termos do disposto nos artigos 468º e 547º do Código de Processo Civil e com os fundamentos do seu requerimento de referência 39807956, deve ser revogado e substituído por outro que defira, nos termos peticionados pelo recorrente, a segunda perícia de avaliação às participações sociais, melhor identificadas nos autos, e que constituem acervo comum do património do dissolvido casal a partilhar. Não houve resposta. Nada obsta ao mérito. O OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil). Em consonância e atentas as conclusões da recorrente a única questão a decidir é a de saber se o artigo 1114º, n.º 3 do CPC, aditado pelo artigo 5º da Lei 117/2019, de 13.09, norma que estabelece o regime legal da avaliação dos bens no processo de inventário, não comporta a segunda perícia. O MÉRITO DO RECURSO: FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: 1.A perícia é um meio de prova facultado às partes (artigos 388º do CC e 467º e ss do CPC). No âmbito deste direito à prova encontra-se a segunda perícia que o código vem regular nos artigos 487º a 489º (CPC). A segunda perícia constitui um meio de reação contra as inexatidões do resultado da primeira e destina-se a responder, sanando as mesmas, que tanto podem ser suscitas pelas partes, como pelo juiz. Conforme decorre do disposto no artigo 487º nº 1 do CPC “qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” (…) e (nº 3) “a segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.” A lei exige que, para além da discordância com a primeira perícia, o requerente da segunda perícia alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado. Como salienta Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 4ª ed., pág. 342: “O pedido de segunda perícia tem de ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia. Não basta requerê-la, sendo exigido a quem a requerer que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente” E, isto é assim, porque a segunda perícia se destina, naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais erros ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira. A realização da segunda perícia, a requerimento das partes, não se configura como discricionária, antes pressupõe a alegação fundamentada e concludente das razões pelas quais discorda do relatório pericial apresentado (ou da opinião maioritária vencedora). A segunda perícia não invalida a primeira; é mais um meio de prova, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos, em livre apreciação (neste sentido, Fernando Pereira Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, março de 2015, Almedina, pág. 151 e acórdão da RG de 22/06/2010, (Des. Maria Luísa Ramos) proc. nº. 1282/06.0TBVCT-A, acessível em www.dgsi.pt)”. Daqui que o requerente da segunda perícia deve especificar os concretos pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objeto da segunda; e deve indicar as razões da discordância o que constitui condição de deferimento do seu pedido, não bastando meras alegações genéricas ou conclusivas. II As inexatidões ou erros que a segunda perícia se destina a corrigir não estão excluídas da avaliação no processo de inventário. Não dispondo a lei expressamente sobre a inadmissibilidade da segunda perícia, não se alcança a ratio para a interpretação restritiva do artigo 1114º nº 3 do CPC que é feita pelo tribunal recorrido, afastando o regime geral da prova pericial consagrado nos artigos 487º a 489º. Entendemos que uma tal interpretação não é consentida. A melhor interpretação deste preceito é a de que o mesmo define algumas especificidades próprias da perícia realizada no processo de inventário, mas não afasta a aplicabilidade do estabelecido quanto a este tipo de prova no processo declarativo, o que decorre do princípio geral estabelecido no artigo 549º nº 1 do CPC (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa e outros, “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, p 115). Daí que caberá ao tribunal recorrido, num primeiro momento, admitir a perícia e, num segundo momento, apreciar se o requerimento do interessado cumpre os pressupostos exigidos pelo artigo 487º do CPC. Porquanto, a questão suscitada neste recurso é apenas a respeitante à admissibilidade do requerimento da segunda perícia, nada tendo sido discutido quanto à verificação dos pressupostos e fundamentos da sua admissibilidade, sobre o que não houve sequer decisão, não se cuidará desta matéria. SEGUE DELIBERAÇÃO: REVOGA-SE O DESPACHO RECORRIDO QUE DEVE SER SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ADMITA O REQUERIMENTO DE PERÍCIA, COM SUBSEQUENTE APRECIAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA MESMA. Custas pelo recorrente em face da ausência de resposta ao recurso (artigo 527/ 1 e 2 do CPC) Porto, 04.05.2022 Isoleta de Almeida Costa Ernesto Nascimento Madeira Pinto