Processo:91/09.9TBALB.C1
Data do Acordão: 14/11/2011Relator: FRANCISCO CAETANOTribunal:trc
Decisão: Meio processual:

I – No caso de acidente de viação, a reparação integral do dano não deve assentar no binómio montante da reparação/valor venal ou comercial do veículo antes do acidente, antes no confronto daquele valor com o valor de uso do veículo para o lesado, traduzido na utilidade que lhe proporciona, independentemente do número de anos que tenha ou dos quilómetros que haja percorrido; II – Pouco relevo assume que o valor da reparação seja superior ao valor venal ou comercial, uma vez que, do que se trata, é de reconstituir a situação do lesado que existiria se não fosse a lesão, ou seja, o acidente; III – A definição de perda total do veículo resultante dos art.ºs 20.º-I do DL n.º 522/85, de 31.12, introduzido pelo DL n.º 83/06, de 3.5 e 41.º do DL 291/07, de 21.8 e a consequente indemnização com base em “oferta razoável” apenas relevam em fase extra ou pré-judicial; IV – Porque tacitamente actualizado à data da sentença o valor dos danos não patrimoniais, estes vencem juros de mora não desde a citação, mas da própria sentença.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
FRANCISCO CAETANO
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO VALOR VEÍCULO PERDA TOTAL JUROS DE MORA
No do documento
Data do Acordão
11/15/2011
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
PARCIALMENTE REVOGADA
Sumário
I – No caso de acidente de viação, a reparação integral do dano não deve assentar no binómio montante da reparação/valor venal ou comercial do veículo antes do acidente, antes no confronto daquele valor com o valor de uso do veículo para o lesado, traduzido na utilidade que lhe proporciona, independentemente do número de anos que tenha ou dos quilómetros que haja percorrido; II – Pouco relevo assume que o valor da reparação seja superior ao valor venal ou comercial, uma vez que, do que se trata, é de reconstituir a situação do lesado que existiria se não fosse a lesão, ou seja, o acidente; III – A definição de perda total do veículo resultante dos art.ºs 20.º-I do DL n.º 522/85, de 31.12, introduzido pelo DL n.º 83/06, de 3.5 e 41.º do DL 291/07, de 21.8 e a consequente indemnização com base em “oferta razoável” apenas relevam em fase extra ou pré-judicial; IV – Porque tacitamente actualizado à data da sentença o valor dos danos não patrimoniais, estes vencem juros de mora não desde a citação, mas da própria sentença.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
 
 
            1. Relatório    
A... propos a presente acção declarativa de condenação com forma de processo sumário contra “Companhia de Seguros B..., SA”, pedindo a condenação desta no pagamento de indemnização por danos sofridos em consequência de acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel sua propriedade, de matrícula  QB...e o motociclo de matrícula  DL... segurado na Ré e conduzido pelo falecido C....
Citada, contestou a Ré, impugnando, no essencial, os danos reclamados pelo A., mormente que se tratou de perda total do veículo automóvel, que se prontificou indemnizar no valor de € 1.750,00.
O A. apresentou resposta para contrariar a indemnização em dinheiro e concluir como na petição inicial.
Foi proferido despacho saneador onde foi dispensada a selecção da matéria de facto.
Efectuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, que não sofreu reclamação.
Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar ao A. a quantia global de € 12.664,52, acrescida de juros de mora nos termos que definiu.
Inconformada, recorreu a seguradora, delimitando o objecto do recurso à questão da excessiva onerosidade da reparação do veículo automóvel, para o que contrapõe o valor de € 1.800,00 e dos valores fixados a título de imobilização do veículo e dos danos não patrimoniais sofridos, para o que contrapõe os valores, respectivamente, de € 580,00 e € 2.500,00.
Nas alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões:
a) – Estando demonstrado que o valor necessário para a reparação do veículo QB é de € 5.126,50 e bem assim que à data do acidente o seu valor de venda ascendia a quantia não superior a € 1.800,00, verifica-se uma manifesta desproporção entre o valor comercial do veículo e o custo da sua eventual reparação, a qual se mostra excessivamente onerosa;
b) – A reconstituição natural no caso em apreço, em que o valor da reparação é cerca de 3 vezes superior ao valor comercial do veículo, traduz-se numa vantagem ilegítima do lesado, não respeitando o disposto no art.º 566.º, n.º1, do CC;
c) – Com a quantia de € 5.126,50 o recorrido não vai mandar reparar o seu veículo, pois por € 1.800,00, acrescido do valor dos salvados de € 50,00 (e não € 500,00 como, por lapso se indica) encontrará no mercado de usados outro carro não inferior ao seu;
d) – Deverá, pois, ser estabelecida uma indemnização equitativa que permita ao apelado adquirir um automóvel com características idênticas no mercado de usados e que lhe proporcione as mesmas condições de uso, sem onerar de um modo tão excessivo a apelante - e nunca em valor superior a € 1.800,00;
e) – A esse propósito deve considerar-se a idade e quilómetros percorridos pelo veículo, o seu valor venal e o valor dos seus salvados;
f) – O valor indemnizatório decorrente da imobilização do QB, atenta a sua situação de perda total, deve ser contabilizado desde a data do sinistro até à data em que a recorrente disponibilizou ao recorrido a quantia necessária à sua substituição – 20 de Julho de 2007;
g) – Para o cumprimento dessa obrigação de indemnizar é suficiente a quantia de € 580,00 (€ 20,00 x 29 dias);
h) – De acordo com os factos provados o A. passou a padecer de uma perturbação do sono em medida concreta não apurada e tem necessidade de passar quase todos os dias no local do acidente, onde revive o seu desencadear e à data do julgamento encontrava-se medicado por necessidade de ajuda médica, o que, de acordo com os parâmetros da jurisprudência deve ser indemnizado com a quantia de € 2.500,00;
i) – A decisão recorrida ofende o disposto nos art.ºs 483.º e 496.º do CC.
O A. contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.
Também ele recorreu, mas subordinadamente, terminando as alegações com as seguintes conclusões:
a) – Considerando os factos provados na sentença quanto aos danos não patrimoniais e o relatório médico-legal junto é justa e equitativa a fixação da quantia de € 15.000,00;
b) – A condenação em juros relativamente à indemnização por danos não patrimoniais deve reportar-se à data da citação e não à data da sentença;
c) – O tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 494.º, 496.º, n.º 3, 562.º, n.ºs 1 e 2, 566.º, 805.º e 806.º, do CC.
Cumpre decidir, sendo questões a apreciar:
A)    – Quanto ao recurso da Ré:
1. Se a reparação do veículo automóvel é ou não excessivamente onerosa;
2. A medida do montante fixado pela imobilização do veículo;
3. O valor fixado a título de danos não patrimoniais.
B) – Quanto ao recurso subordinado do A, se for de conhecer:
1. O valor fixado a título de danos não patrimoniais;
            2. Desde quando são devidos os juros de mora relativamente a tais danos, se desde a citação, se desde a sentença.
*
2. Fundamentação
a) - De facto
Foi a seguinte a factualidade dada como provada pela 1.ª instância e não impugnada perante esta Relação:
1. A 22 de Junho de 2007, pelas 17h30, deu-se um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula  QB...e o motociclo de matrícula  DL...;
2. O sinistro ocorreu ao Km. 27,200 da Estrada Nacional nº 16 (EN 16), no lugar da Foz do Rio Mau, concelho de Albergaria-a-Velha;
3. A estrada no local é plana, apresenta pavimento asfaltado, em razoável estado de conservação, com 6,10 metros de largura;
4. Desenvolve-se numa recta de aproximadamente 60 metros, a que se segue uma curva para a esquerda, de reduzida visibilidade, considerando o sentido Sever do Vouga – Albergaria-a-Velha;
5. Dispõe de duas hemi-faixas de rodagem e dois sentidos de marcha, sem qualquer delimitação ao eixo da via;
6. É marginada pela esquerda (considerando o sentido Sever do Vouga – Albergaria-a-Velha) por um pequeno muro de suporte da estrada e pela direita (atendendo ao mesmo sentido) por uma valeta, com 1,30 metros de largura, a que se segue um cômoro de terra compacta e vegetação densa;
7. A EN 16 é a principal via entre Sever do Vouga e a A 25, para quem pretende seguir em direcção a Albergaria, Aveiro ou A1, pelo que é zona de intenso movimento de veículos a qualquer hora do dia;
8. No dia e hora do acidente estava bom tempo e à hora a que o mesmo ocorreu, era dia;
9. O veículo ligeiro de passageiros de matrícula  QB...era propriedade do A. que no momento do acidente o conduzia no seu interesse directo e dele tinha a direcção efectiva;
10. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidos nos artºs. 1º a 13º da petição inicial, o A., tripulando o QB-30-63, circulava pela EN 16, no sentido Sever do Vouga –Albergaria-a-Velha, em marcha moderada, não superior a 40 km/ hora, com o cinto de segurança devidamente aplicado e apertado, rigorosamente pela sua mão de trânsito, ou seja, pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido Sever do Vouga – Albergaria-a-Velha, atento ao demais trânsito ou eventuais obstáculos que se lhe pudessem deparar na via, pondo todos os cuidados e prudência na sua condução, no rigoroso cumprimento de todas as regras estradais;
11. Ao aproximar-se da curva referida no art.º 6.º da petição inicial que atento ao seu sentido de marcha se lhe desenhava para a esquerda, surgiu-lhe, súbita e inesperadamente, saindo da curva, o motociclo de matricula  DL... conduzido por  C..., que, circulando em sentido oposto, Albergaria-a-Velha – Sever do Vouga, o fazia a mais de 90 km/hora, velocidade excessiva para o local, considerando que contornava uma curva;
12. O  C... seguia totalmente distraído, desatento ao demais trânsito ou a eventuais obstáculos que se lhe pudessem deparar na via, imprimindo ao  DL... uma aceleração crescente e uma condução irregular, descurando negligentemente todos os cuidados que devem ser postos na condução;
13. Ao chegar à curva referida que, atento o seu sentido de marcha Albergaria-a-Velha – Sever do Vouga, se lhe desenhava para a direita, o  C... não afrouxou a marcha do  DL..., entrou na curva à mesma velocidade, de tal modo que o motociclo lhe começou a fugir para a esquerda, em direcção ao eixo da via, em sentido oblíquo relativamente ao mesmo, que galgou, saiu da sua mão de trânsito, ou seja, da hemi-faixa de rodagem direita, sentido Albergaria-a-Velha – Sever do Vouga, invadiu a hemi-faixa de rodagem esquerda, considerando aquele sentido e, sem sequer encetar qualquer tipo de manobra para evitar o acidente que se adivinhava, foi embater com a frente do  DL... na frente, com maior incidência sobre a esquerda (lado do condutor) do QB-30-63, quando este se encontrava a cerca de 20 m da curva e cujo condutor, o ora A., perante o súbito aparecimento do motociclo a ocupar-lhe a sua hemi-faixa de rodagem e cortar-lhe a sua linha de trânsito, ainda travou e se desviou para a direita em direcção à valeta, mas em vão;
14. O acidente ocorreu na hemi-faixa de rodagem direita, considerando o sentido Sever do Vouga – Albergaria-a-Velha, a cerca de um metro e meio do eixo da via;
15. Após o embate, o motociclo de matrícula  DL... ficou tombado sobre a sua parte lateral direita, em posição paralela ao bordo esquerdo da faixa de rodagem (considerando o sentido Albergaria-a-Velha – Sever do Vouga) e na frente do veículo do Autor e este ficou imobilizado com o rodado da frente direito (lado do passageiro) na valeta que, do lado direito e considerando o sentido de marcha do Autor, margina a estrada;
16. Por sua vez, o  C... foi projectado, tendo ficado prostrado, sensivelmente ao centro da estrada, numa posição quase paralela à do veículo do Autor; 
17. Na sequência deste embate o condutor do  DL... veio a falecer, o que deu origem à abertura do competente inquérito, que correu termos pelos Serviços do Ministério Público deste Tribunal sob o nº 354/07.8GAALB, tendo sido o aqui A. constituído arguido.
18. Inquérito esse que veio a ser arquivado, por se ter chegado à conclusão de a infeliz vítima ter sido responsável pela produção do acidente;
19. Mercê do acidente, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula QB..., propriedade do A., sofreu danos cuja reparação, incluindo a substituição das ditas peças e mão-de-obra, importa, de acordo com a peritagem feita a mando da Ré, em € 5.126,50;
20. Muito embora o acidente tenha ocorrido no dia 22/6/2007, o veículo do A. ainda não se encontra reparado até ao presente;
21. Apesar de todas as diligências efectuadas pelo A. junto da Ré, esta, alegando que os danos sofridos no veículo importariam a sua perda total, não quis assumir a responsabilidade da reparação;
22. A Ré não pôs à disposição do A. um outro veículo de substituição, não obstante este o ter solicitado diversas vezes;
23. O A. não dispõe da verba necessária para proceder, à sua custa, à reparação do veículo;
24. O veículo encontra-se imobilizado desde 22/6/2007 até ao presente, 30/1/2009, num total de 589 dias;
25. O A. utilizava o  QB...nas suas saídas, só ou com amigos, ao médico e para outros compromissos, pessoais e profissionais, nas saídas de descanso e lazer, bem como no mais que necessitava;
26. A privação do veículo causou (e continuará) a causar-lhe enormes perturbações e incómodos no seu modus vivendi e nas suas lides diárias;
27. De tal modo que, não podendo mais suportar a dependência da boa vontade dos terceiros para o transportar, o A. tratou de amealhar algum dinheiro e em meados de Outubro de 2007 acabou por adquirir um veículo, muito usado, para fazer face às suas deslocações diárias e recuperar a sua liberdade de movimento;
28. Durante o período em que o A. esteve sem transporte próprio (entre o dia do acidente e 15/10/2007) e porque não tinha outro veículo para substituir o sinistrado teve de recorrer diariamente a transportes alternativos para se poder deslocar no exercício daquelas suas actividades supra descritas;
29. Computando-se o seu prejuízo, pela privação do uso do seu veículo, em não menos de € 20 diários;
30. Com vista a obter da Ré seguradora a resolução do problema e o ressarcimento dos danos sofridos, o A. teve de contactar diversas vezes com a GNR a fim de obter informações, a companhia seguradora e a proprietária do veículo segurado pela Ré;
31. Teve gastos com telefone, expediente, correio, sofreu incómodos de toda a ordem;
32. O A., na altura do acidente, conduzia o veículo  QB...e nos momentos imediatamente anteriores ao embate teve a percepção do mesmo;
33. Apercebeu-se da marcha do motociclo pela estrada até que finalmente embateu no seu veículo;
34. Este acidente, devido às suas consequências trágicas, marcou profundamente o A., que desde então não consegue dormir sossegado, acorda frequentemente sobressaltado de noite, está constantemente a visionar o acidente;
35. O A. tem necessidade de passar quase todos os dias no local do acidente, altura em que revive o acidente, o que faz com que jamais consiga esquecer o que se passou;
36. De tal forma que, não obstante ter a certeza absoluta que em nada contribuiu pela produção do acidente, por não aguentar a pressão originada pelo trauma do acidente, teve de recorrer a ajuda médica especializada, concretamente a consultas de psiquiatria, às quais ainda hoje recorre, encontrando-se medicado;
37. Em consultas da especialidade de psiquiatria o A. gastou, até ao momento, não menos de € 200 e em assistência medicamentosa despendeu, pelo menos, € 18,02;
38. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do  DL... encontrava-se transferida para a Ré por contrato de seguro, através da apólice n.º  ...;
39. O valor venal do veículo à data do sinistro dos autos rondava os € 1.800, pelo que a Ré considerou o veículo uma perda total;
40. O valor dos salvados considerado foi de € 50,00 (e não € 500,00 como por lapso se indica);
41. O veículo de matrícula QB, um Audi 80 TD, tinha mais de 301.000 km e mais de 19 anos de uso intenso;
42. A Ré endereçou uma proposta ao autor oferecendo-lhe o diferencial entre o valor de mercado do QB antes do acidente e o valor dos respectivos salvados – tudo no total de € 1.750;
43. Em resposta àquela carta o A. escreveu e enviou à Ré um fax discordando do valor que esta última lhe tinha posto à disposição para completa indemnização da perda total do QB por, com esse valor, não conseguir reparar a sua viatura;
*
            b) - De direito
            A) - Porque são conclusões do recurso que delimitam o seu objecto (art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do CPC), começando pelo recurso principal da Ré e pela questão suscitada da perda total do veículo do A. e da reparação excessivamente onerosa cumpre traçar o pertinente quadro legal, havendo a sublinhar que entre os pressupostos da responsabilidade civil (art.º 483.º, n.º 1, do CC) só o dano está em causa, sendo pacífica, além do mais, a questão da culpa exclusiva do condutor do motociclo segurado na Ré e a assunção de responsabilidade por parte desta.
            a) – De acordo com o disposto no art.º 562.º do CC “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Este preceito arvora em princípio geral, quanto à indemnização, o dever de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o princípio da reposição natural traduzido no dever de reposição das coisas no estado em que estariam se o dano não tivesse sido praticado, o que, por exemplo, impõe que um veículo automóvel danificado deva, em princípio, ser objecto de reparação.
Visa-se, aqui, o dano real ou concreto, tendo a indemnização por outra foram, v. g., em dinheiro (art.º 566.º do CC), carácter excepcional ou subsidiário, a ter lugar, além do mais, apenas, quando seja excessivamente onerosa para o devedor.
Como salienta Almeida Costa[1], a indemnização pecuniária apresenta-se como um sucedâneo a que se recorre apenas quando a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os danos ou é demasiado gravosa para o devedor, o que ocorre quando “exista flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável”.
A onerosidade, salienta o mesmo Autor, deve apreciar-se, de resto, em termos amplos, considerando-se, além do mais, os legítimos interesses de ordem moral ou sentimental.
Como cabem, aí, não só factores relativos ao devedor e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado e ao seu interesse específico, justificado, na reparação do objecto danificado e não no recebimento do respectivo valor em dinheiro.
Daí que, no caso de dano em veículo automóvel, a reparação integral do dano não deva assentar no binómio montante da reparação/valor venal ou comercial do veículo, antes do acidente, com eventual abatimento dos salvados, mas antes no confronto daquele valor com o valor de uso do veículo para o lesado, traduzido na utilidade que lhe proporciona, independentemente do número de anos que tenha ou dos quilómetros percorridos.
Pouco relevo tem, assim, que o valor da reparação seja superior ao seu valor venal ou comercial, pois do que se trata é de reconstituir a situação do lesado que existiria se não fosse a lesão, ou seja, o acidente, e essa situação pode não coincidir com uma indemnização correspondente ao valor venal ou comercial do veículo.
A recorrente estriba-se na definição de “perda total” do veículo e correspondente indemnização que resulta dos art.ºs 20.º-I do DL n.º 522/85, de 31.12, introduzido pelo DL n.º 83/06, de 3.5 e 41.º do DL n.º 291/07, de 21.8.
Atenta a data do acidente dos autos só o 1.º diploma é aqui aplicável.
Seja como for, trata-se de disposições que visam uma “oferta razoável” de indemnização por parte das empresas seguradoras aos lesados de acidentes de viação numa fase extra ou pré-judicial, mas que em caso de contencioso cedem perante as normas legais da responsabilidade civil em geral.
É sabido que um veículo com muito uso tem habitualmente no mercado um valor comercial pouco significativo, mas pode satisfazer em pleno as necessidades de quem o utiliza, sendo que a quantia muitas vezes irrisória daquele valor não é bastante para adquirir outro veículo equivalente.
Dito de outro modo, o pagamento do valor comercial ao lesado não repara integralmente o dano, o que só acontece com a reparação do veículo, ou seja, com a sua recolocação no statu quo ante à lesão, quando, obviamente, tal for tecnicamente possível, possibilidade que à responsável compete contrariar, o que no caso não logrou fazer face à matéria, nesse sentido, não provada.
É esta a situação dos autos.
Revisitando a factualidade provada, em causa está um veículo da marca Audi 80 TD, com cerca de 301 000 Km e mais de 19 anos de uso (intenso) com o valor venal de € 1.800,00 e de salvados de € 50,00 e de reparação de € 5.126,50, tendo a Ré, com base no entendimento de perda total do veículo, proposto ao A. o recebimento da indemnização em dinheiro de € 1.570,00.
Ora, a Ré, embora nas alegações de recurso argumente que, com o preço da reparação é possível adquirir quase 3 veículos idênticos ao sinistrado, não levou isso à prática. E de certo que o interesse do lesado seria apenas na entrega de um veículo equivalente ao seu!
O A. tem direito a veículo semelhante ao que lhe foi danificado, ou, então, à reparação do mesmo.
Porque de todo o modo não está demonstrado que o mesmo podia adquirir no mercado, pelo preço correspondente ao valor venal do seu Audi 80 TD (ou qualquer outro de valor inferior ao da reparação), outro veículo com as mesmas características e com o mesmo uso, prova que sobre a Ré incumbia (art.º 342.º, n.º 2, do CC), o seu interesse vai no sentido da reparação, ou seja, da reposição na situação em que se encontrava não fora o acidente.
O montante da reparação, embora onere o património da seguradora, mercê do contrato com o tomador do seguro correspondente ao motociclo, não pode considerar-se excessivo porque presumivelmente não tem reflexos significativos no seu património e, de todo o modo, o desequilíbrio entre o valor da reparação e o valor venal ou comercial do veículo não pode tornar-se um factor penalizante para o lesado, que nenhuma culpa teve pelo acidente.
 É este o entendimento que o STJ tem vindo a sufragar maioritariamente.[2]
Assim sendo, não merecendo qualquer censura, sob esse aspecto, a sentença recorrida, com o que soçobra a pertinente conclusão recursiva.
*
            b) – Quanto ao dano de privação do uso em função da imobilização do veículo a recorrente não põe em causa a sua ressarcibilidade, o que está de acordo com o entendimento jurisprudencialmente maioritário de que a privação do veículo, uma vez provada a sua necessidade e uso para o dia-a-dia, é susceptível de reparação.
            Nem impugna o valor diário de € 20,00 correspondente à imobilização.
            O que apenas discute é o número de dias que deve ser atendido: não o considerado na sentença, de 116, ou seja, o lapso temporal desde a data do acidente até à aquisição pelo A. de um outro veículo, mas o de 29, ou seja, desde o acidente até à proposta de indemnização pela perda total, no valor de € 1.750,00.
            Ora, porque a perda total não foi considerada na sentença, o que acaba por ser reafirmado por esta instância de recurso, prejudicada ficou a questão, não colhendo, assim, também esta conclusão da recorrente.
*
            c) – Quanto ao montante da indemnização pelos danos não patrimoniais tem a razão, pelo menos em parte. 
            A factualidade apurada na sentença sobre este item foi a seguinte:
            - O A., nos momentos anteriores ao embate, teve a percepção do acidente e devido às consequências trágicas (morte do outro interveniente) não consegue dormir sossegado, acorda frequentemente sobressaltado de noite, está constantemente a visionar o acidente; tem necessidade de passar quase todos os dias no local do acidente, altura em que o revive e faz com que jamais consiga esquecer o que se passou; não obstante ter a certeza que em nada contribuiu para o mesmo, teve que recorrer a consultas de psiquiatria, às quais ainda hoje recorre, encontrando-se medicado.
            Neste quadro e com base na equidade, a sentença recorrida atribuiu aos danos não patrimoniais o valor de € 5.000,00, contrapondo a Ré recorrente o valor de € 2.500,00, vindo por sua vez o A., no recurso subordinado, pugnar pelo valor indicado na petição inicial, de € 15.000,00.
            É pacífico entre as partes (e o tribunal) que o A. sofreu danos de ordem psíquica em consequência do acidente por que não foi responsável.
            A divergência da R. e do A., ambos recorrentes nessa vertente, assenta somente no montante a fixar.
            E, quanto ao valor, de acordo com o n.º 3 do art.º 496.º do CC deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias a que se reporta o art.º 494.º do CC.
            Deve, assim, atender-se ao grau de culpabilidade do responsável (que no caso foi intenso e exclusivo do condutor do veículo terceiro segurado na R.), à sua situação económica (que aqui não releva atenta a transferência de responsabilidade) e à do lesado (que não será desafogada por aí além, o que é inculcado pelo deferimento do benefício do apoio judiciário) e às demais circunstâncias, nomeadamente à gravidade do dano, “tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.[3] 
            As lesões e sequelas apresentadas de ordem psíquica, se bem que relevantes, num relativismo que os tribunais quando são chamados a decidir em equidade nos variados casos não deixam de equacionar, de acordo com o princípio da igualdade[4], não se enquadram num quadro de gravidade nosológica (mormente por falta de intervenções cirúrgicas, lesões físicas e cicatriciais, incapacidade permanentes…) justificadora da quantia fixada de € 5.000,00, quantia esta a fixar para uma gravidade superior, muito menos da quantia pelo A. reclamada, de € 15.000,00, afigurando-se mais adequada a importância de € 3.000,00, que se entende dever fixar.
            O recurso da recorrente será, assim, apenas parcialmente procedente e nesta vertente do pedido.
*
            B) - Quanto ao recurso subordinado do A., a questão do quantum indemnizatório por danos não patrimoniais ficou assim resolvida.
            Porque o recorrente faz apelo nas alegações ao relatório médico-legal junto aos autos, cumpre dizer o seguinte:
            - Não é exacto que o tribunal a quo o não tenha tomado em consideração já que na fundamentação da matéria de facto provada a ele se refere expressamente (fls. 142).
            Por outro lado, os resultados de tal relatório (que reporta, aliás, a doença depressiva do recorrente aos anos de 2003-04) não podiam constar do elenco factual provado por que não foram alegados nem levados à base instrutória.   
            Daí que a factualidade relevante haveria que ser, como foi, aquela que foi provada.
            Quanto à 2.ª questão, a da contagem dos juros de mora sobre a quantia fixada a título de danos não patrimoniais, se desde a sentença, como ela própria definiu, se desde a citação, como pretende o recorrente, importa simplesmente dizer o seguinte:
            - Conforma resulta da sentença recorrida, relativamente ao montante dos danos não patrimoniais, a obrigação de pagamento dos juros desde a data da sentença foi reportada à 1.ª parte do n.º 3 do art.º 805.º do CC, isto é, só com a sua liquidação na sentença foi considerado que se operou a mora. 
            Embora seja entendimento que não subscrevemos, já que não é de falta de liquidação de pedido que se trata, o que é decisivo, contudo, é que tacitamente a sentença, contrariamente às demais verbas condenatórias, considerou actualizado o valor dessa indemnização à data da sua prolação, pelo que, nos termos do n.º 2 do art.º 566.º e 805.º, n.º 3, do CC e AUJ n.º 4/2002 (DR, I-A, de 27.6.02) os juros sempre seriam devidos, não a partir da citação, mas da própria sentença.
            Soçobra, assim, também, esta conclusão recursiva.
*
            3. Resumindo e concluindo, em jeito de sumário (n.º 7 do art.º 713.º do CPC):
            I – No caso de acidente de viação, a reparação integral do dano não deve assentar no binómio montante da reparação/valor venal ou comercial do veículo antes do acidente, antes no confronto daquele valor com o valor de uso do veículo para o lesado, traduzido na utilidade que lhe proporciona, independentemente do número de anos que tenha ou dos quilómetros que haja percorrido;
            II – Pouco relevo assume que o valor da reparação seja superior ao valor venal ou comercial, uma vez que, do que se trata, é de reconstituir a situação do lesado que existiria se não fosse a lesão, ou seja, o acidente;
            III – A definição de perda total do veículo resultante dos art.ºs 20.º-I do DL n.º 522/85, de 31.12, introduzido pelo DL n.º 83/06, de 3.5 e 41.º do DL 291/07, de 21.8 e a consequente indemnização com base em “oferta razoável” apenas relevam em fase extra ou pré-judicial;
            IV – Porque tacitamente actualizado à data da sentença o valor dos danos não patrimoniais, estes vencem juros de mora não desde a citação, mas da própria sentença.
*
4. Decisão
            Face ao exposto, quanto ao recurso principal, acordam em revogar parcialmente a sentença, concretamente quanto ao valor dos danos não patrimoniais, que fixam na importância de € 3.000,00 e, daí, a condenação da R. a pagar ao A. a quantia global de € 10.664,52, no mais a mantendo, mormente quanto à obrigação de juros nos termos que indica.
            Quanto ao recurso subordinado, acordam em julgá-lo improcedente.
            Custas, na 1.ª instância, na proporção do vencido e quanto à apelação principal, pelo A. e pela Ré, na proporção do respectivo decaimento e quanto ao recurso subordinado, custas pelo A. apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
***Francisco M. Caetano (Relator)
António Magalhães
Ferreira Lopes

[1] “Direito da Obrigações”, 3.ª ed., pág. 526.
[2] V, entre outros, os Acs. de 12.1.06, Proc. 05B4176, 5.7.07, Proc. 07B1849, 4.12.07, Proc. 06B4219, 5.6.08, Proc. 08P1370, 19.3.09, Proc. 09B0520 e 21.4.10, Proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/123707" target="_blank">17/07.4TBCBR.C1</a>.S1, in www.dgsi.pt. 
[3] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil, Anot.”, I, 4.ª ed., pág. 501.
[4] Entre outros, Ac. STJ de 8.3.07, Proc. 06B3988, in www.dgsi.pt.

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:             1. Relatório    A... propos a presente acção declarativa de condenação com forma de processo sumário contra “Companhia de Seguros B..., SA”, pedindo a condenação desta no pagamento de indemnização por danos sofridos em consequência de acidente de viação em que foi interveniente o veículo automóvel sua propriedade, de matrícula QB...e o motociclo de matrícula DL... segurado na Ré e conduzido pelo falecido C.... Citada, contestou a Ré, impugnando, no essencial, os danos reclamados pelo A., mormente que se tratou de perda total do veículo automóvel, que se prontificou indemnizar no valor de € 1.750,00. O A. apresentou resposta para contrariar a indemnização em dinheiro e concluir como na petição inicial. Foi proferido despacho saneador onde foi dispensada a selecção da matéria de facto. Efectuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, que não sofreu reclamação. Proferida sentença, foi a acção julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar ao A. a quantia global de € 12.664,52, acrescida de juros de mora nos termos que definiu. Inconformada, recorreu a seguradora, delimitando o objecto do recurso à questão da excessiva onerosidade da reparação do veículo automóvel, para o que contrapõe o valor de € 1.800,00 e dos valores fixados a título de imobilização do veículo e dos danos não patrimoniais sofridos, para o que contrapõe os valores, respectivamente, de € 580,00 e € 2.500,00. Nas alegações apresentadas, formulou as seguintes conclusões: a) – Estando demonstrado que o valor necessário para a reparação do veículo QB é de € 5.126,50 e bem assim que à data do acidente o seu valor de venda ascendia a quantia não superior a € 1.800,00, verifica-se uma manifesta desproporção entre o valor comercial do veículo e o custo da sua eventual reparação, a qual se mostra excessivamente onerosa; b) – A reconstituição natural no caso em apreço, em que o valor da reparação é cerca de 3 vezes superior ao valor comercial do veículo, traduz-se numa vantagem ilegítima do lesado, não respeitando o disposto no art.º 566.º, n.º1, do CC; c) – Com a quantia de € 5.126,50 o recorrido não vai mandar reparar o seu veículo, pois por € 1.800,00, acrescido do valor dos salvados de € 50,00 (e não € 500,00 como, por lapso se indica) encontrará no mercado de usados outro carro não inferior ao seu; d) – Deverá, pois, ser estabelecida uma indemnização equitativa que permita ao apelado adquirir um automóvel com características idênticas no mercado de usados e que lhe proporcione as mesmas condições de uso, sem onerar de um modo tão excessivo a apelante - e nunca em valor superior a € 1.800,00; e) – A esse propósito deve considerar-se a idade e quilómetros percorridos pelo veículo, o seu valor venal e o valor dos seus salvados; f) – O valor indemnizatório decorrente da imobilização do QB, atenta a sua situação de perda total, deve ser contabilizado desde a data do sinistro até à data em que a recorrente disponibilizou ao recorrido a quantia necessária à sua substituição – 20 de Julho de 2007; g) – Para o cumprimento dessa obrigação de indemnizar é suficiente a quantia de € 580,00 (€ 20,00 x 29 dias); h) – De acordo com os factos provados o A. passou a padecer de uma perturbação do sono em medida concreta não apurada e tem necessidade de passar quase todos os dias no local do acidente, onde revive o seu desencadear e à data do julgamento encontrava-se medicado por necessidade de ajuda médica, o que, de acordo com os parâmetros da jurisprudência deve ser indemnizado com a quantia de € 2.500,00; i) – A decisão recorrida ofende o disposto nos art.ºs 483.º e 496.º do CC. O A. contra-alegou no sentido da improcedência do recurso. Também ele recorreu, mas subordinadamente, terminando as alegações com as seguintes conclusões: a) – Considerando os factos provados na sentença quanto aos danos não patrimoniais e o relatório médico-legal junto é justa e equitativa a fixação da quantia de € 15.000,00; b) – A condenação em juros relativamente à indemnização por danos não patrimoniais deve reportar-se à data da citação e não à data da sentença; c) – O tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 494.º, 496.º, n.º 3, 562.º, n.ºs 1 e 2, 566.º, 805.º e 806.º, do CC. Cumpre decidir, sendo questões a apreciar: A) – Quanto ao recurso da Ré: 1. Se a reparação do veículo automóvel é ou não excessivamente onerosa; 2. A medida do montante fixado pela imobilização do veículo; 3. O valor fixado a título de danos não patrimoniais. B) – Quanto ao recurso subordinado do A, se for de conhecer: 1. O valor fixado a título de danos não patrimoniais;             2. Desde quando são devidos os juros de mora relativamente a tais danos, se desde a citação, se desde a sentença. * 2. Fundamentação a) - De facto Foi a seguinte a factualidade dada como provada pela 1.ª instância e não impugnada perante esta Relação: 1. A 22 de Junho de 2007, pelas 17h30, deu-se um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula QB...e o motociclo de matrícula DL...; 2. O sinistro ocorreu ao Km. 27,200 da Estrada Nacional nº 16 (EN 16), no lugar da Foz do Rio Mau, concelho de Albergaria-a-Velha; 3. A estrada no local é plana, apresenta pavimento asfaltado, em razoável estado de conservação, com 6,10 metros de largura; 4. Desenvolve-se numa recta de aproximadamente 60 metros, a que se segue uma curva para a esquerda, de reduzida visibilidade, considerando o sentido Sever do Vouga – Albergaria-a-Velha; 5. Dispõe de duas hemi-faixas de rodagem e dois sentidos de marcha, sem qualquer delimitação ao eixo da via; 6. É marginada pela esquerda (considerando o sentido Sever do Vouga – Albergaria-a-Velha) por um pequeno muro de suporte da estrada e pela direita (atendendo ao mesmo sentido) por uma valeta, com 1,30 metros de largura, a que se segue um cômoro de terra compacta e vegetação densa; 7. A EN 16 é a principal via entre Sever do Vouga e a A 25, para quem pretende seguir em direcção a Albergaria, Aveiro ou A1, pelo que é zona de intenso movimento de veículos a qualquer hora do dia; 8. No dia e hora do acidente estava bom tempo e à hora a que o mesmo ocorreu, era dia; 9. O veículo ligeiro de passageiros de matrícula QB...era propriedade do A. que no momento do acidente o conduzia no seu interesse directo e dele tinha a direcção efectiva; 10. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidos nos artºs. 1º a 13º da petição inicial, o A., tripulando o QB-30-63, circulava pela EN 16, no sentido Sever do Vouga –Albergaria-a-Velha, em marcha moderada, não superior a 40 km/ hora, com o cinto de segurança devidamente aplicado e apertado, rigorosamente pela sua mão de trânsito, ou seja, pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido Sever do Vouga – Albergaria-a-Velha, atento ao demais trânsito ou eventuais obstáculos que se lhe pudessem deparar na via, pondo todos os cuidados e prudência na sua condução, no rigoroso cumprimento de todas as regras estradais; 11. Ao aproximar-se da curva referida no art.º 6.º da petição inicial que atento ao seu sentido de marcha se lhe desenhava para a esquerda, surgiu-lhe, súbita e inesperadamente, saindo da curva, o motociclo de matricula DL... conduzido por C..., que, circulando em sentido oposto, Albergaria-a-Velha – Sever do Vouga, o fazia a mais de 90 km/hora, velocidade excessiva para o local, considerando que contornava uma curva; 12. O C... seguia totalmente distraído, desatento ao demais trânsito ou a eventuais obstáculos que se lhe pudessem deparar na via, imprimindo ao DL... uma aceleração crescente e uma condução irregular, descurando negligentemente todos os cuidados que devem ser postos na condução; 13. Ao chegar à curva referida que, atento o seu sentido de marcha Albergaria-a-Velha – Sever do Vouga, se lhe desenhava para a direita, o C... não afrouxou a marcha do DL..., entrou na curva à mesma velocidade, de tal modo que o motociclo lhe começou a fugir para a esquerda, em direcção ao eixo da via, em sentido oblíquo relativamente ao mesmo, que galgou, saiu da sua mão de trânsito, ou seja, da hemi-faixa de rodagem direita, sentido Albergaria-a-Velha – Sever do Vouga, invadiu a hemi-faixa de rodagem esquerda, considerando aquele sentido e, sem sequer encetar qualquer tipo de manobra para evitar o acidente que se adivinhava, foi embater com a frente do DL... na frente, com maior incidência sobre a esquerda (lado do condutor) do QB-30-63, quando este se encontrava a cerca de 20 m da curva e cujo condutor, o ora A., perante o súbito aparecimento do motociclo a ocupar-lhe a sua hemi-faixa de rodagem e cortar-lhe a sua linha de trânsito, ainda travou e se desviou para a direita em direcção à valeta, mas em vão; 14. O acidente ocorreu na hemi-faixa de rodagem direita, considerando o sentido Sever do Vouga – Albergaria-a-Velha, a cerca de um metro e meio do eixo da via; 15. Após o embate, o motociclo de matrícula DL... ficou tombado sobre a sua parte lateral direita, em posição paralela ao bordo esquerdo da faixa de rodagem (considerando o sentido Albergaria-a-Velha – Sever do Vouga) e na frente do veículo do Autor e este ficou imobilizado com o rodado da frente direito (lado do passageiro) na valeta que, do lado direito e considerando o sentido de marcha do Autor, margina a estrada; 16. Por sua vez, o C... foi projectado, tendo ficado prostrado, sensivelmente ao centro da estrada, numa posição quase paralela à do veículo do Autor; 17. Na sequência deste embate o condutor do DL... veio a falecer, o que deu origem à abertura do competente inquérito, que correu termos pelos Serviços do Ministério Público deste Tribunal sob o nº 354/07.8GAALB, tendo sido o aqui A. constituído arguido. 18. Inquérito esse que veio a ser arquivado, por se ter chegado à conclusão de a infeliz vítima ter sido responsável pela produção do acidente; 19. Mercê do acidente, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula QB..., propriedade do A., sofreu danos cuja reparação, incluindo a substituição das ditas peças e mão-de-obra, importa, de acordo com a peritagem feita a mando da Ré, em € 5.126,50; 20. Muito embora o acidente tenha ocorrido no dia 22/6/2007, o veículo do A. ainda não se encontra reparado até ao presente; 21. Apesar de todas as diligências efectuadas pelo A. junto da Ré, esta, alegando que os danos sofridos no veículo importariam a sua perda total, não quis assumir a responsabilidade da reparação; 22. A Ré não pôs à disposição do A. um outro veículo de substituição, não obstante este o ter solicitado diversas vezes; 23. O A. não dispõe da verba necessária para proceder, à sua custa, à reparação do veículo; 24. O veículo encontra-se imobilizado desde 22/6/2007 até ao presente, 30/1/2009, num total de 589 dias; 25. O A. utilizava o QB...nas suas saídas, só ou com amigos, ao médico e para outros compromissos, pessoais e profissionais, nas saídas de descanso e lazer, bem como no mais que necessitava; 26. A privação do veículo causou (e continuará) a causar-lhe enormes perturbações e incómodos no seu modus vivendi e nas suas lides diárias; 27. De tal modo que, não podendo mais suportar a dependência da boa vontade dos terceiros para o transportar, o A. tratou de amealhar algum dinheiro e em meados de Outubro de 2007 acabou por adquirir um veículo, muito usado, para fazer face às suas deslocações diárias e recuperar a sua liberdade de movimento; 28. Durante o período em que o A. esteve sem transporte próprio (entre o dia do acidente e 15/10/2007) e porque não tinha outro veículo para substituir o sinistrado teve de recorrer diariamente a transportes alternativos para se poder deslocar no exercício daquelas suas actividades supra descritas; 29. Computando-se o seu prejuízo, pela privação do uso do seu veículo, em não menos de € 20 diários; 30. Com vista a obter da Ré seguradora a resolução do problema e o ressarcimento dos danos sofridos, o A. teve de contactar diversas vezes com a GNR a fim de obter informações, a companhia seguradora e a proprietária do veículo segurado pela Ré; 31. Teve gastos com telefone, expediente, correio, sofreu incómodos de toda a ordem; 32. O A., na altura do acidente, conduzia o veículo QB...e nos momentos imediatamente anteriores ao embate teve a percepção do mesmo; 33. Apercebeu-se da marcha do motociclo pela estrada até que finalmente embateu no seu veículo; 34. Este acidente, devido às suas consequências trágicas, marcou profundamente o A., que desde então não consegue dormir sossegado, acorda frequentemente sobressaltado de noite, está constantemente a visionar o acidente; 35. O A. tem necessidade de passar quase todos os dias no local do acidente, altura em que revive o acidente, o que faz com que jamais consiga esquecer o que se passou; 36. De tal forma que, não obstante ter a certeza absoluta que em nada contribuiu pela produção do acidente, por não aguentar a pressão originada pelo trauma do acidente, teve de recorrer a ajuda médica especializada, concretamente a consultas de psiquiatria, às quais ainda hoje recorre, encontrando-se medicado; 37. Em consultas da especialidade de psiquiatria o A. gastou, até ao momento, não menos de € 200 e em assistência medicamentosa despendeu, pelo menos, € 18,02; 38. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do DL... encontrava-se transferida para a Ré por contrato de seguro, através da apólice n.º ...; 39. O valor venal do veículo à data do sinistro dos autos rondava os € 1.800, pelo que a Ré considerou o veículo uma perda total; 40. O valor dos salvados considerado foi de € 50,00 (e não € 500,00 como por lapso se indica); 41. O veículo de matrícula QB, um Audi 80 TD, tinha mais de 301.000 km e mais de 19 anos de uso intenso; 42. A Ré endereçou uma proposta ao autor oferecendo-lhe o diferencial entre o valor de mercado do QB antes do acidente e o valor dos respectivos salvados – tudo no total de € 1.750; 43. Em resposta àquela carta o A. escreveu e enviou à Ré um fax discordando do valor que esta última lhe tinha posto à disposição para completa indemnização da perda total do QB por, com esse valor, não conseguir reparar a sua viatura; *             b) - De direito             A) - Porque são conclusões do recurso que delimitam o seu objecto (art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do CPC), começando pelo recurso principal da Ré e pela questão suscitada da perda total do veículo do A. e da reparação excessivamente onerosa cumpre traçar o pertinente quadro legal, havendo a sublinhar que entre os pressupostos da responsabilidade civil (art.º 483.º, n.º 1, do CC) só o dano está em causa, sendo pacífica, além do mais, a questão da culpa exclusiva do condutor do motociclo segurado na Ré e a assunção de responsabilidade por parte desta.             a) – De acordo com o disposto no art.º 562.º do CC “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Este preceito arvora em princípio geral, quanto à indemnização, o dever de reconstituir a situação anterior à lesão, ou seja, o princípio da reposição natural traduzido no dever de reposição das coisas no estado em que estariam se o dano não tivesse sido praticado, o que, por exemplo, impõe que um veículo automóvel danificado deva, em princípio, ser objecto de reparação. Visa-se, aqui, o dano real ou concreto, tendo a indemnização por outra foram, v. g., em dinheiro (art.º 566.º do CC), carácter excepcional ou subsidiário, a ter lugar, além do mais, apenas, quando seja excessivamente onerosa para o devedor. Como salienta Almeida Costa[1], a indemnização pecuniária apresenta-se como um sucedâneo a que se recorre apenas quando a reparação em forma específica se mostra materialmente impraticável, não cobre todos os danos ou é demasiado gravosa para o devedor, o que ocorre quando “exista flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável”. A onerosidade, salienta o mesmo Autor, deve apreciar-se, de resto, em termos amplos, considerando-se, além do mais, os legítimos interesses de ordem moral ou sentimental. Como cabem, aí, não só factores relativos ao devedor e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado e ao seu interesse específico, justificado, na reparação do objecto danificado e não no recebimento do respectivo valor em dinheiro. Daí que, no caso de dano em veículo automóvel, a reparação integral do dano não deva assentar no binómio montante da reparação/valor venal ou comercial do veículo, antes do acidente, com eventual abatimento dos salvados, mas antes no confronto daquele valor com o valor de uso do veículo para o lesado, traduzido na utilidade que lhe proporciona, independentemente do número de anos que tenha ou dos quilómetros percorridos. Pouco relevo tem, assim, que o valor da reparação seja superior ao seu valor venal ou comercial, pois do que se trata é de reconstituir a situação do lesado que existiria se não fosse a lesão, ou seja, o acidente, e essa situação pode não coincidir com uma indemnização correspondente ao valor venal ou comercial do veículo. A recorrente estriba-se na definição de “perda total” do veículo e correspondente indemnização que resulta dos art.ºs 20.º-I do DL n.º 522/85, de 31.12, introduzido pelo DL n.º 83/06, de 3.5 e 41.º do DL n.º 291/07, de 21.8. Atenta a data do acidente dos autos só o 1.º diploma é aqui aplicável. Seja como for, trata-se de disposições que visam uma “oferta razoável” de indemnização por parte das empresas seguradoras aos lesados de acidentes de viação numa fase extra ou pré-judicial, mas que em caso de contencioso cedem perante as normas legais da responsabilidade civil em geral. É sabido que um veículo com muito uso tem habitualmente no mercado um valor comercial pouco significativo, mas pode satisfazer em pleno as necessidades de quem o utiliza, sendo que a quantia muitas vezes irrisória daquele valor não é bastante para adquirir outro veículo equivalente. Dito de outro modo, o pagamento do valor comercial ao lesado não repara integralmente o dano, o que só acontece com a reparação do veículo, ou seja, com a sua recolocação no statu quo ante à lesão, quando, obviamente, tal for tecnicamente possível, possibilidade que à responsável compete contrariar, o que no caso não logrou fazer face à matéria, nesse sentido, não provada. É esta a situação dos autos. Revisitando a factualidade provada, em causa está um veículo da marca Audi 80 TD, com cerca de 301 000 Km e mais de 19 anos de uso (intenso) com o valor venal de € 1.800,00 e de salvados de € 50,00 e de reparação de € 5.126,50, tendo a Ré, com base no entendimento de perda total do veículo, proposto ao A. o recebimento da indemnização em dinheiro de € 1.570,00. Ora, a Ré, embora nas alegações de recurso argumente que, com o preço da reparação é possível adquirir quase 3 veículos idênticos ao sinistrado, não levou isso à prática. E de certo que o interesse do lesado seria apenas na entrega de um veículo equivalente ao seu! O A. tem direito a veículo semelhante ao que lhe foi danificado, ou, então, à reparação do mesmo. Porque de todo o modo não está demonstrado que o mesmo podia adquirir no mercado, pelo preço correspondente ao valor venal do seu Audi 80 TD (ou qualquer outro de valor inferior ao da reparação), outro veículo com as mesmas características e com o mesmo uso, prova que sobre a Ré incumbia (art.º 342.º, n.º 2, do CC), o seu interesse vai no sentido da reparação, ou seja, da reposição na situação em que se encontrava não fora o acidente. O montante da reparação, embora onere o património da seguradora, mercê do contrato com o tomador do seguro correspondente ao motociclo, não pode considerar-se excessivo porque presumivelmente não tem reflexos significativos no seu património e, de todo o modo, o desequilíbrio entre o valor da reparação e o valor venal ou comercial do veículo não pode tornar-se um factor penalizante para o lesado, que nenhuma culpa teve pelo acidente.  É este o entendimento que o STJ tem vindo a sufragar maioritariamente.[2] Assim sendo, não merecendo qualquer censura, sob esse aspecto, a sentença recorrida, com o que soçobra a pertinente conclusão recursiva. *             b) – Quanto ao dano de privação do uso em função da imobilização do veículo a recorrente não põe em causa a sua ressarcibilidade, o que está de acordo com o entendimento jurisprudencialmente maioritário de que a privação do veículo, uma vez provada a sua necessidade e uso para o dia-a-dia, é susceptível de reparação.             Nem impugna o valor diário de € 20,00 correspondente à imobilização.             O que apenas discute é o número de dias que deve ser atendido: não o considerado na sentença, de 116, ou seja, o lapso temporal desde a data do acidente até à aquisição pelo A. de um outro veículo, mas o de 29, ou seja, desde o acidente até à proposta de indemnização pela perda total, no valor de € 1.750,00.             Ora, porque a perda total não foi considerada na sentença, o que acaba por ser reafirmado por esta instância de recurso, prejudicada ficou a questão, não colhendo, assim, também esta conclusão da recorrente. *             c) – Quanto ao montante da indemnização pelos danos não patrimoniais tem a razão, pelo menos em parte.             A factualidade apurada na sentença sobre este item foi a seguinte:             - O A., nos momentos anteriores ao embate, teve a percepção do acidente e devido às consequências trágicas (morte do outro interveniente) não consegue dormir sossegado, acorda frequentemente sobressaltado de noite, está constantemente a visionar o acidente; tem necessidade de passar quase todos os dias no local do acidente, altura em que o revive e faz com que jamais consiga esquecer o que se passou; não obstante ter a certeza que em nada contribuiu para o mesmo, teve que recorrer a consultas de psiquiatria, às quais ainda hoje recorre, encontrando-se medicado.             Neste quadro e com base na equidade, a sentença recorrida atribuiu aos danos não patrimoniais o valor de € 5.000,00, contrapondo a Ré recorrente o valor de € 2.500,00, vindo por sua vez o A., no recurso subordinado, pugnar pelo valor indicado na petição inicial, de € 15.000,00.             É pacífico entre as partes (e o tribunal) que o A. sofreu danos de ordem psíquica em consequência do acidente por que não foi responsável.             A divergência da R. e do A., ambos recorrentes nessa vertente, assenta somente no montante a fixar.             E, quanto ao valor, de acordo com o n.º 3 do art.º 496.º do CC deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias a que se reporta o art.º 494.º do CC.             Deve, assim, atender-se ao grau de culpabilidade do responsável (que no caso foi intenso e exclusivo do condutor do veículo terceiro segurado na R.), à sua situação económica (que aqui não releva atenta a transferência de responsabilidade) e à do lesado (que não será desafogada por aí além, o que é inculcado pelo deferimento do benefício do apoio judiciário) e às demais circunstâncias, nomeadamente à gravidade do dano, “tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.[3]             As lesões e sequelas apresentadas de ordem psíquica, se bem que relevantes, num relativismo que os tribunais quando são chamados a decidir em equidade nos variados casos não deixam de equacionar, de acordo com o princípio da igualdade[4], não se enquadram num quadro de gravidade nosológica (mormente por falta de intervenções cirúrgicas, lesões físicas e cicatriciais, incapacidade permanentes…) justificadora da quantia fixada de € 5.000,00, quantia esta a fixar para uma gravidade superior, muito menos da quantia pelo A. reclamada, de € 15.000,00, afigurando-se mais adequada a importância de € 3.000,00, que se entende dever fixar.             O recurso da recorrente será, assim, apenas parcialmente procedente e nesta vertente do pedido. *             B) - Quanto ao recurso subordinado do A., a questão do quantum indemnizatório por danos não patrimoniais ficou assim resolvida.             Porque o recorrente faz apelo nas alegações ao relatório médico-legal junto aos autos, cumpre dizer o seguinte:             - Não é exacto que o tribunal a quo o não tenha tomado em consideração já que na fundamentação da matéria de facto provada a ele se refere expressamente (fls. 142).             Por outro lado, os resultados de tal relatório (que reporta, aliás, a doença depressiva do recorrente aos anos de 2003-04) não podiam constar do elenco factual provado por que não foram alegados nem levados à base instrutória.                Daí que a factualidade relevante haveria que ser, como foi, aquela que foi provada.             Quanto à 2.ª questão, a da contagem dos juros de mora sobre a quantia fixada a título de danos não patrimoniais, se desde a sentença, como ela própria definiu, se desde a citação, como pretende o recorrente, importa simplesmente dizer o seguinte:             - Conforma resulta da sentença recorrida, relativamente ao montante dos danos não patrimoniais, a obrigação de pagamento dos juros desde a data da sentença foi reportada à 1.ª parte do n.º 3 do art.º 805.º do CC, isto é, só com a sua liquidação na sentença foi considerado que se operou a mora.             Embora seja entendimento que não subscrevemos, já que não é de falta de liquidação de pedido que se trata, o que é decisivo, contudo, é que tacitamente a sentença, contrariamente às demais verbas condenatórias, considerou actualizado o valor dessa indemnização à data da sua prolação, pelo que, nos termos do n.º 2 do art.º 566.º e 805.º, n.º 3, do CC e AUJ n.º 4/2002 (DR, I-A, de 27.6.02) os juros sempre seriam devidos, não a partir da citação, mas da própria sentença.             Soçobra, assim, também, esta conclusão recursiva. *             3. Resumindo e concluindo, em jeito de sumário (n.º 7 do art.º 713.º do CPC):             I – No caso de acidente de viação, a reparação integral do dano não deve assentar no binómio montante da reparação/valor venal ou comercial do veículo antes do acidente, antes no confronto daquele valor com o valor de uso do veículo para o lesado, traduzido na utilidade que lhe proporciona, independentemente do número de anos que tenha ou dos quilómetros que haja percorrido;             II – Pouco relevo assume que o valor da reparação seja superior ao valor venal ou comercial, uma vez que, do que se trata, é de reconstituir a situação do lesado que existiria se não fosse a lesão, ou seja, o acidente;             III – A definição de perda total do veículo resultante dos art.ºs 20.º-I do DL n.º 522/85, de 31.12, introduzido pelo DL n.º 83/06, de 3.5 e 41.º do DL 291/07, de 21.8 e a consequente indemnização com base em “oferta razoável” apenas relevam em fase extra ou pré-judicial;             IV – Porque tacitamente actualizado à data da sentença o valor dos danos não patrimoniais, estes vencem juros de mora não desde a citação, mas da própria sentença. * 4. Decisão             Face ao exposto, quanto ao recurso principal, acordam em revogar parcialmente a sentença, concretamente quanto ao valor dos danos não patrimoniais, que fixam na importância de € 3.000,00 e, daí, a condenação da R. a pagar ao A. a quantia global de € 10.664,52, no mais a mantendo, mormente quanto à obrigação de juros nos termos que indica.             Quanto ao recurso subordinado, acordam em julgá-lo improcedente.             Custas, na 1.ª instância, na proporção do vencido e quanto à apelação principal, pelo A. e pela Ré, na proporção do respectivo decaimento e quanto ao recurso subordinado, custas pelo A. apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. ***Francisco M. Caetano (Relator) António Magalhães Ferreira Lopes [1] “Direito da Obrigações”, 3.ª ed., pág. 526. [2] V, entre outros, os Acs. de 12.1.06, Proc. 05B4176, 5.7.07, Proc. 07B1849, 4.12.07, Proc. 06B4219, 5.6.08, Proc. 08P1370, 19.3.09, Proc. 09B0520 e 21.4.10, Proc. 17/07.4TBCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt. [3] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil, Anot.”, I, 4.ª ed., pág. 501. [4] Entre outros, Ac. STJ de 8.3.07, Proc. 06B3988, in www.dgsi.pt.