Processo:154/11.0TBOHP.C1
Data do Acordão: 09/07/2013Relator: ALBERTO RUÇOTribunal:trc
Decisão: Meio processual:

1.- O conceito de onerosidade excessiva, mencionado no n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil, não se determina apenas em função da proporcionalidade que existe entre o valor de mercado da coisa e o valor da sua reparação, mas também face às condições económicas, profissionais ou domésticas do lesante e do lesado. 2.- O valor comercial de um veículo, que os peritos calculam em função do tipo de veículo, ano de fabrico e estado geral do mesmo, não coincide com o montante em dinheiro e com o valor equivalente ao gasto de tempo e actividade que é necessário despender para procurar, encontrar, negociar e adquirir, no mercado de automóveis usados, um veículo semelhante. 3.- Uma reparação três vezes mais cara que o valor comercial do veículo não representa, só por si, um critério para determinar se uma reparação é ou não é excessivamente onerosa, devendo-se olhar também, para o efeito, para a expressão numérica concreta da quantia a despender no património do devedor. 4.- Não se evidencia que o valor da reparação, que, no caso, excede o valor comercial do veículo em €4.923,00 euros, sendo o primeiro valor de €1.650,00 euros, constitua, para uma seguradora, uma situação qualificável como «excessivamente onerosa», sendo certo que cumpria à Ré mostra que tal onerosidade se verificava no caso.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ALBERTO RUÇO
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS RECONSTITUIÇÃO NATURAL INDEMNIZAÇÃO EXCESSIVA ONEROSIDADE
No do documento
Data do Acordão
07/10/2013
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
REVOGADA EM PARTE
Sumário
1.- O conceito de onerosidade excessiva, mencionado no n.º 1 do artigo 566.º do Código Civil, não se determina apenas em função da proporcionalidade que existe entre o valor de mercado da coisa e o valor da sua reparação, mas também face às condições económicas, profissionais ou domésticas do lesante e do lesado. 2.- O valor comercial de um veículo, que os peritos calculam em função do tipo de veículo, ano de fabrico e estado geral do mesmo, não coincide com o montante em dinheiro e com o valor equivalente ao gasto de tempo e actividade que é necessário despender para procurar, encontrar, negociar e adquirir, no mercado de automóveis usados, um veículo semelhante. 3.- Uma reparação três vezes mais cara que o valor comercial do veículo não representa, só por si, um critério para determinar se uma reparação é ou não é excessivamente onerosa, devendo-se olhar também, para o efeito, para a expressão numérica concreta da quantia a despender no património do devedor. 4.- Não se evidencia que o valor da reparação, que, no caso, excede o valor comercial do veículo em €4.923,00 euros, sendo o primeiro valor de €1.650,00 euros, constitua, para uma seguradora, uma situação qualificável como «excessivamente onerosa», sendo certo que cumpria à Ré mostra que tal onerosidade se verificava no caso.
Decisão integral
I. Relatório.
a) O Autor, agora recorrente, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra a Ré, a Companhia de Seguros A (…) S. A., pedindo que esta fosse condenada a entregar-lhe, entre outras quantias pedidas para ressarcir outros danos, a quantia necessária à reparação dos danos existentes no seu veículo ligeiro de passageiros, marca MAZDA, modelo 323 Sedan Compact, com a matrícula  (...)FX, que fixou em €7.725,25 euros.
Na sentença a Ré foi condenada a pagar-lhe a este título apenas a quantia de €2.887,50 euros, por se ter entendido que a quantia pedida pelo autor excedia várias vezes o valor venal do veículo que era apenas de €1650,00 euros.
É desta parte decisória da sentença que o Autor recorre por entender que esta quantia é insuficiente para reparar o dano resultante do acidente.
b) Conclui desta forma:
«(…)
c) A Ré contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença, sublinhando que o valor da reparação excedia no mínimo mais do triplo do valor venal do veículo, constituindo esta situação um caso de excessiva onerosidade para aquele que se encontra obrigado a reconstituir a situação que existia antes do evento danoso, pelo que se justifica a entrega ao lesado, ao Autor, da quantia considerada suficiente para ele adquirir no mercado um bem idêntico.
Concluiu nestes termos:
(…)
d) Além de contra-alegar a Ré interpôs recurso subordinado visando a redução da quantia fixada na sentença a título de indemnização pelo dano causado pela privação do uso do veículo acidentado.
Concluiu, nestes termos:
«(…)
 
II. Objecto do recurso.       
Recurso principal.
A questão que se coloca neste recurso consiste em saber se o autor tem direito a receber uma quantia que permita reparar o seu veículo ou se, ao invés, deve apenas receber uma quantia representativa do valor comercial do veículo, nos termos do artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil, com fundamento no facto da reparação ser excessivamente onerosa.
Recurso subordinado.
A questão que a ré Seguradora coloca no recurso subordinado consiste em saber se a indemnização atribuída em 1.ª instância ao autor, pela perda do uso do veículo, deve ser diminuída para uma condenação de €5,00 euros diários, durante o período de 285 dias, ou, em alternativa, o montante total de €1.500,00 euros.
 
III. Fundamentação.
 
a) Matéria de facto considerada provada.
a) – No dia 26 de Maio de 2010, pelas 6.00 horas da manhã, na Rotunda Armindo Lousada, em Oliveira do Hospital, área desta comarca, ocorreu um acidente de viação – al. a);
b) – Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros marca Mazda, modelo 323 Seda Compact, com a matricula  (...)FX, propriedade do Autor, conduzindo na altura pelo seu pai, o Sr. (…) e o veiculo ligeiro de mercadorias, marca Opel, modelo Combo, matricula  (...)UR propriedade de P (…), Lda., conduzido por um motorista desta, de nome (…), no interesse e por conta da mesma – al. b);
c) – Em tal circunstancialismo de tempo e lugar o FX circulava no interior da Rotunda Armindo Lousada, em Oliveira do Hospital, na faixa de rodagem mais à direita, atento o seu sentido de marcha, com o intuito de sair da rotunda, em direcção à Avenida Calouste Gulbenkian – al. c);
d) – Na altura do acidente o estado do tempo meteorológico era bom e a via onde o mesmo ocorreu encontrava-se pavimentada e em bom estado de conservação – al. d); 
e) – O FX circulava a velocidade moderada, uma vez que havia abrandado a marcha aquando da sua entrada na rotunda, em respeito por um sinal de cedência de passagem, facto acontecido poucos segundos antes do embate – al. e);
f) – A certa altura, de forma inesperada surgiu o UR, proveniente da Avenida Dr. Francisco Sá Carneiro, entrando na Rotunda Armindo Lousada, sem parar, desrespeitando o sinal de cedência de passagem existente no local e que estava obrigado a observar, circulando a velocidade não apurada – al. f);
g) – Em resultado da descrita conduta do condutor do UR este não conseguiu imobilizar o veículo, vindo a embater na parte lateral direita do veículo FX – al. g);
h) – Com o embate o FX foi arrastado, tendo rodopiado sobre si mesmo, imobilizando-se apenas com o embate numa parede existente a poucos metros do local de embate dos veículos – al. h);
i) – Do acidente em causa resultaram para o FX variados danos materiais – al. i);
j) – O veiculo FX, que durante alguns meses esteve aparcado na Oficina (…) - Serviço de Bate-Chapas e Pintura, com sede na Zona Industrial de Tábua, sofreu danos que na data e naquela oficina foram orçados em €7.725,25 (sete mil setecentos e vinte e cinco euros, vinte e cinco cêntimos), danos esses que em 12 de Março de 2012, para reparação, custavam €5.106,35 acrescido de €1.174,46 de IVA, num total de €6.280,81– resp. art. 1.º;
l) – O Autor enviou carta registada à Ré, em 14 de Dezembro de 2010, a solicitar o pagamento da reparação do FX – resp. art. 2.º; 
m) – Dada a ausência de meios económicos para suportar por si a reparação, o Autor está privado até hoje do veículo que era aquele que utilizava para se deslocar para o seu local de trabalho e bem assim para todas as deslocações que necessitava de realizar no seu dia-a-dia – resp. art. 3.º e 4.º;
n) – Ele teve de recorrer episodicamente a transportes públicos, solicitando ainda a amigos e familiares que o transportassem nas viagens que necessitava de realizar – resp art. 5.º;
o) – O valor de aluguer de um carro de idêntica classe, para o Autor utilizar na impossibilidade de utilização do seu próprio veículo, tem um custo diário não quantificado – resp. art. 6.º;
p) – Em 28 de Maio de 2010 o perito da sociedade independente de peritagens Servi Aide estimou o custo da reparação daquele veículo em €5.206,74 – resp. art. 9.º;
q) – Em 12 de Março de 2012 o valor comercial do veículo FX marca Mazda, modelo 323 Sedan/Compact, com data de fabrico no mês 11 e ano 1995, com 112.500 km percorridos até então, era de €1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros) – resp. art. 10.º;
r) – Na sequência daquela peritagem e após avaliação condicional dos danos no veículo FX, a Allianz, atenta a diferença entre o valor da reparação e o seu valor comercial, entendendo economicamente desaconselhada a reparação do veículo, considerou tratar-se de um caso de perda total – resp. art. 11.º;
s) – À data do acidente dos autos a sociedade P (…) Lda., tinha a responsabilidade inerente aos riscos próprios da circulação e propriedade do veículo ligeiro particular de mercadorias de matrícula  (...)UR transferida validamente para a Ré Seguradora pelo contrato de seguro titulado pela apólice nº 90.00716463 – al. j).
b) Apreciação das questões objecto dos recursos.
1 - Recurso principal.
Nos termos do n.º 1, do artigo 566.º, do Código Civil, «A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor».
Verifica-se que a lei dá primazia à restauração natural como forma de sarar as consequências do evento danoso. 
Compreende-se que seja assim, pois a restauração natural cria uma situação materialmente correspondente à que existia antes do dano, diferenciando-se da indemnização em dinheiro, a qual apenas estabelece uma situação economicamente equivalente à que existia antes do dano ([1]).
Como se restaura a situação natural anterior?
Afigura-se que a reposição natural não é estritamente física, naturalística, tendo também uma componente valorativa: há restauração natural quando se repõe o valor de uso da coisa lesada, ainda que a coisa subrogada no lugar da antiga não seja a mesma coisa ou uma coisa exactamente igual.
Se não fosse assim, então não seria possível a restauração natural nos casos em que uma coisa é destruída e insusceptível de ser reparada, mas é viável a sua substituição por outra exactamente igual ou semelhante.
No caso de um automóvel, por exemplo, a diferença entre dois veículos, ambos novos, da mesma marca, modelo e série de fabrico, reside apenas na diversidade dos números de motor e de chassis, números que são completamente irrelevantes e até podem ser desconhecidos dos proprietários.
Por isso, tanto é restauração natural a entrega um veículo novo em substituição de um outro acidentado, mas recuperável, como é restauração natural a entrega de um veículo novo em substituição de um veículo novo que sofreu um acidente e ficou irrecuperável.
O que vale para um veículo novo, vale para um veículo usado, desde que se entregue ao lesado um veículo usado da mesma marca, modelo e demais características ou mesmo um veículo de outra marca, mas que possua o mesmo valor de mercado e de uso que veículo danificado proporcionava ao lesado.
Serve isto para dizer, que a restauração natural não consiste apenas na reparação da própria coisa singular danificada, podendo fazer-se também através de coisa diversa do mesmo género e qualidade.
Com efeito, como referiu Vaz Serra, «A reposição natural não supõe necessariamente que as coisas são repostas com exactidão na situação anterior: é suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para o credor valor igual e natureza igual ao que existia antes do acontecimento que causou o dano. Com isto, fica satisfeito o seu interesse» ([2]).
Reputa-se importante assinalar esta problemática nos termos que ficam referidos, pois permite uma melhor compreensão das questões que se colocam nos autos.
Concluindo: repondo-se o valor de uso e o valor comercial da coisa no património do lesado, ou seja, colocando aí uma coisa que tenha as mesmas características, com o mesmo valor de mercado e que satisfaça exactamente as mesmas necessidades de uso do lesado, então está conseguida a restauração natural, ainda que não se repare a coisa danificada.
A partir desta situação, o interesse do credor começará a carecer de tutela, salvo se devidamente justificado.
Ora, nos casos em que o valor da reparação do veículo atinge um valor igual ao preço de aquisição de um outro veículo com as mesmas características e estado de conservação que possuía o veículo sinistrado, a restauração natural através da reparação deve ser realizada.
Só a partir desta igualdade de valores é que se coloca o problema da excessiva onerosidade.
Porém, como resulta da letra da lei, para haver excessiva onerosidade não basta que o preço da reparação seja superior ao de aquisição de um veículo semelhante, capaz, por conseguinte, de repor as mesmas utilidades no património do lesado, isto é, tem de existir uma certa desproporção entre ambos os valores, qualificável de excessiva.
Em que consiste esta excessividade?
Não se afigura possível encontrar uma resposta enunciável em termos de lei geral, do tipo «Há onerosidade excessiva quando…».
Vejamos um exemplo.
Se alguém inutilizar um casaco de outrem, já usado, cujo valor é de €30,00 euros, mas que continuaria a satisfazer as necessidades do lesado durante vários anos, como se indemniza este dano?
Um casaco novo com as mesmas características custa, por exemplo, €120,00 euros, mas como o lesado gasta a totalidade do seu salário com as despesas correntes, não tem meios económicos para comprar um casaco novo com as mesmas características.
Nestas circunstâncias, um caminho passaria por entregar ao lesado um casaco novo.
E o lesado terá mesmo de receber um casaco novo, pois o equivalente em dinheiro não desempenharia as funções do casaco.
 Acresce que não é socialmente exigível obrigá-lo a receber um outro casaco usado, sendo certo que, não havendo, por enquanto, mercado de casacos usados, dificilmente se encontraria um casaco usado para lhe entregar.
Ou seja, neste caso, a restauração natural custa o quádruplo, do valor da coisa danificada.
Nestas condições, pergunta-se: é excessivo entregar ao lesado o valor de €120,00 euros para o mesmo adquirir um casaco novo, ficando a beneficiar de uma mais-valia de €90,00 euros?
A resposta parece ser «não», já que o lesado não tem dinheiro para cobrir esta diferença entre valores e não se vê outra forma de o indemnizar.
Mas  se o lesado dispuser de €10,00 euros para comprar um casaco novo, será que o lesante não deveria ser apenas condenado a entregar-lhe os restantes 110,00 euros necessários para o lesado adquirir um casaco novo?
Aparentemente «sim», mas ainda aqui é duvidoso que o lesado deva ser compelido a despender uma quantia que de outra forma manteria no seu património para outra finalidade, contribuindo assim, à sua custa, com €10,00 euros para repor in natura o bem que o lesante danificou.
Perante estes exemplos, consistindo a regra na restauração natural, afigura-se que a sua onerosidade excessiva só poderá ser definida em cada caso concreto, pois poderá não ser excessivo condenar o devedor a pagar o quádruplo do valor da coisa (exemplo do casaco usado).
Por outro lado, a excessiva onerosidade afere-se face a que elementos, isto é, não se atende às condições económicas, profissionais ou domésticas do lesante e do lesado e aprecia-se apenas a proporção entre o valor do veículo no mercado dos automóveis usados e o valor da sua reparação, ou deve atender-se também àquelas condições?
A resposta afigura-se ser no sentido de se dever entrar em linha de conta com as condições económicas, profissionais e domésticas dos interessados, pela razão de que o conceito de excessiva onerosidade se coloca sempre perante pessoas específicas, concretas, o que implica que tais condições divirjam de caso para caso e, sendo assim, uma quantia pode ser excessivamente onerosa num caso e não o ser em outro caso ([3]), dependendo da quantia em si mesmo ser mais ou menos elevada.
Poder-se-á afirmar, por exemplo, que há excessiva onerosidade se A danificar uma mesa usada de B, cujo valor de mercado não excede €50,00 euros e que nova custou €100,00 euros, se a sua reparação custar €150,00 euros, sabendo-se que A e B são pessoas que auferem salários que superam, por exemplo, 10 vezes o salário mínimo nacional?
Afigura-se que «não», ou seja, que a despesas de €150,00 euros a realizar por A, embora três vezes mais elevada que o valor da mesa, não representa um valor significativo no património de A, não podendo ser aí considerada como uma despesa desproporcionada que obrigue A a efectuar um qualquer esforço financeiro também desproporcionado.
Ou seja, face ao quantitativo a despender e à situação económica e financeira de A, esta reparação não é excessivamente onerosa.
Por conseguinte, ou A entrega ao lesado uma mesa nova e restaura assim a situação natural, gastando €100,00 euros, ou repara a mesa que danificou, despendendo €150,00 euros, e restaura também, desta forma, a situação natural que existia antes do dano.
Afigura-se, pois, que o conceito de onerosidade excessiva não se determina apenas em função da proporcionalidade que existe entre o valor de mercado da coisa e o valor da sua reparação.*Como no caso presente há três valores para a reparação, far-se-á uma média entre eles, no pressuposto de que a média representará um valor aceitável para a reparação.
Os valores são:
€5206,74, sem IVA, pois do respectivo documento (fls. 72 do processo electrónico) não consta que o IVA tenha entrado nos cálculos.
€5106,35, mais €1174,46 de IVA, ou €6280,81.
€6257,45, mais €1467,80 de IVA, ou €7725,25.
A média dos valores, sem IVA, é de €5523,51 euros (o IVA, à taxa de 19%, correspondente a esta quantia é de €1049,47 euros).
Será este o valor a ter em consideração, sem IVA, devido à flutuação a que esta taxa está sujeita.*O que ficou dito serve de introdução ao caso dos autos.
Como resulta do atrás exposto, a restauração natural será possível através de duas formas:
Uma – Reparando o veículo, despendendo-se cerca de €5523,51 euros (mais IVA, que, a 19%, será de €1049,47 euros).
Outra – Entregando ao lesado um veículo da mesma marca e modelo e em condições de uso e mecânica semelhantes.
O Autor optou por pedir o preço da reparação como forma de restauração natural.
Mas com a restauração natural está prevista na lei em benefício de ambas as partes ([4]), afigura-se que qualquer uma daquelas duas opções poderia ter sido seguida, por qualquer das partes, prevalecendo, em caso de oposição, a que conduzisse a um maior equilíbrio dos interesses de ambas as partes, desde que o lesado não ficasse, claro está, de alguma forma, prejudicado.
Se a Ré tivesse oferecido ao autor um veículo equivalente e se despendesse na sua aquisição uma quantia de €1.650,00 euros ou aproximada, ponderar-se-ia então equacionar a questão de saber se a restauração natural deveria ser efectuada desta forma, menos dispendiosas para a seguradora, ou através da reparação, mas como este caminho, possível, não foi seguido, resta apenas em análise a onerosidade excessiva (ou não) da reparação. 
Quanto a esta questão, sabemos que em 12 de Março de 2012 o valor comercial do veículo do autor era de €1.650,00 euros (resposta ao art. 10.º).
Porém, esta constatação não equivale a este facto: «o lesado podia/pode adquirir no mercado um veículo semelhante ao seu por €1.650,00 euros».
É que, uma coisa é o valor comercial de um veículo, que os peritos calculam em função do tipo de veículo, ano de fabrico e estado geral do mesmo; outra, o dinheiro e tempo que é necessário despender para procurar, encontrar, negociar e adquirir no mercado de automóveis um veículo semelhante.
Ora, não está provado que o Autor com a referida quantia conseguisse ou consiga comprar um veículo semelhante ao seu.
A prova deste facto far-se-ia, mostrando que um determinado veículo semelhante ao sinistrado podia ser adquirido em certo vendedor por tal quantia.
Nem a ré alegou e provou que ofereceu ao Autor um veículo semelhante ao seu, identificando-o, pelo menos através da respectiva matrícula, e que o Autor recusou fazê-lo seu.
Cumpre, efectivamente, ter em conta, que incumbia à Ré tomar a iniciativa de colocar o lesado na situação que estava antes do dano, o mais rapidamente possível, não bastando, para isso, face ao que fica dito, constatar que o valor da reparação é superior ao valor comercial do veículo e colocar à disposição do lesado a quantia equivalente ao valor comercial do veículo.  
É perante esta situação de facto que tem de ser analisada a questão da excessiva onerosidade da reparação.
Ora, não é pelo facto do preço da reparação exceder o triplo ou o quádruplo do valor comercial do veículo, que tem de se concluir pela onerosidade excessiva, pois esta também depende dos montantes concretos que têm de ser despendidos.
Um exemplo: não estamos perante a mesma situação se num caso o valor comercial do veículo for de €250,00 euros e o preço da reparação for de €1.000,00 euros e noutro caso, o valor comercial do veículo for de €7.500,00 euros e o preço da reparação for de €30.000,00 euros, muito embora, em ambos os casos, estejamos sempre a lidar com uma relação de 1 para 4.
Com efeito, apesar dos valores envolvidos manterem a mesma proporção dentro do próprio caso, ou seja, 1 (valor comercial) para 4 (custo da reparação), já o mesmo não ocorre quando comparados entre si, pois nestes caso estão numa relação de 1 para 30 (€250,00/€7500,00 e €1.000,00/€30.000,00). 
Daí que uma reparação três vezes mais cara que o valor comercial do veículo não represente, só por si, um critério para determinar se uma reparação é ou não excessivamente onerosa, devendo-se olhar também, para o efeito, para a expressão numérica concreta da quantia a despender.
Ora, a quantia a despender, supera o valor comercial do veículo em €4.923,00 euros.
Se esta quantia, por exemplo, figurasse num caso que o valor comercial do veículo fosse de €20.000,00 euros e a reparação de €24.923,00 euros, já não se entenderia, certamente, como excessivamente onerosa, muito embora a quantia seja a mesma.
A quantia de €4.923,00 euros será um valor excessivamente oneroso para uma companhia de seguros?
Como estamos perante uma questão de valoração, nem sempre será possível dar uma só resposta, inequívoca e absolutamente consensual, podendo argumentar-se, neste caso, em ambos os sentidos, sendo um deles o exposto na sentença sob recurso que olhou à proporção entre ambos os valores.
Verifica-se que a quantia de €4.923,00 euros representa para uma companhia de seguros cerca de 20 seguros anuais, com um prémio de €250,00 euros.
E, em termos sociais, equivale a 10 salários mínimos nacionais (€485,00 euros – Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31 de Dezembro).
A «excessividade» deverá consistir num valor, exigido para a reparação, que fira ou magoe o sentimento jurídico da justa proporcionalidade na repartição dos sacrifícios económicos entre lesado e lesante.
Ora, não se evidencia que um valor que exceda o valor comercial do veículo em €4.923,00 euros, constitua para uma seguradora uma situação qualificável como «excessivamente onerosa», sendo certo que cumpria à Ré mostra que tal onerosidade se verificava no presente caso ([5]).
Procede, pois, o recurso do autor, cumprindo condenar a ré a pagar ao autor a quantia de €5523,51 euros necessária à reparação, acrescida de IVA à taxa em vigor à data do pagamento.*Não se termina sem fazer uma referência à norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, onde se refere que se considera uma situação de perda total do veículo sinistrado quando, entre outras situações, «se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos».
Esta norma, como se refere na sentença e no n.º 4, deste artigo 41.º, refere-se às propostas que o seguradora fará ao lesado para o indemnizar («Ao propor o pagamento de uma indemnização com base no conceito de perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar, cumulativamente, as seguintes informações ao lesado:…»).
Não tem, pois, aplicação ao caso dos autos ([6]), muito embora se trate de um critério de valoração desta problemática efectuado pelo legislador.
2 - Recurso subordinado.
A questão que a ré Seguradora coloca no recurso subordinado consiste em saber se a indemnização atribuída em 1.ª instância ao autor, pela perda do uso do veículo, deve ser diminuída para uma condenação de €5,00 euros diários, durante o período de 285 dias, ou, em alternativa, para o montante total de €1.500,00 euros.
Por conseguinte, não se discute a susceptibilidade de haver um dano indemnizável, nem o período de tempo a considerar, mas apenas o montante.
Esta questão é de difícil solução na medida em que a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil) que serve de critério para encontrar o quantum da indemnização não é operacional nestes casos.
Com efeito, se a privação do uso não se traduzir numa diferença patrimonial palpável entre a situação que existiria se não ocorresse a privação e aquela que existe por causa dela, não temos valores para calcular a diferença, muito embora saibamos que há um dano e que este tem de ser indemnizado.
  Paulo Mota Pinto propõe o seguinte critério: «Pensamos que o dano da privação do uso deverá ser quantificado num valor que pode ser obtido de uma de duas formas; ou (como de “cima para baixo”) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas “depurados” – bereinigte Mietkosten que excluem o lucro do locador, e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc. (no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos de aluguer normalmente praticados); ou (como que “de baixo para cima”), designadamente, para viaturas de profissionais e empresas, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex., os custos necessários para constituir uma reserva de um bem como o que está em causa)» ([7]).
Tomando como guia esta proposta, um critério pode passar, então, pela averiguação do preço do aluguer que o bem lesionado tem no mercado. 
No caso de um veículo automóvel o valor de uso corresponderá ao valor médio do aluguer de um veículo semelhante em empresas do ramo.
Porém, este critério não é exacto, pois o prejuízo resultante da privação de uso de um veículo próprio não é igual ao valor do aluguer de um veículo semelhante que uma empresa comercial disponibiliza a quem o queira alugar.
Mas também se afigura viável um outro critério que é este: 
Se pretendermos calcular o valor de uso do veículo para o próprio, podemos aproximar-nos desse valor se somarmos o preço de aquisição e as despesas de manutenção médias ao longo do período previsível da sua utilização (revisões, reparações e seguros), dividindo a soma pelo número de dias de vida média calculada para o veículo.
Conseguir-se-ia, assim, encontrar um valor diário representativo do preço que o proprietário, na veste do bonus pater familias, considerou ser adequado despender para ter ao seu serviço diário, durante todo o período, a vantagem proporcionada por aquele bem ([8]), independentemente do uso mais ou menos intensivo dado ao veículo.
Ora, este valor difere do preço de aluguer de um veículo, pois neste caso, além do preço do automóvel e despesas de manutenção entram outros valores em jogo, como o lucro do empresário e os custos gerais da empresa (impostos, salários e encargos com trabalhadores, seguros, etc.). 
O valor do aluguer tem se ser, por conseguinte, bem superior ao valor de uso digamos, doméstico, e daí que não se mostre adequado, salvo se corrigido.
Claro que, para usar estes mecanismos, as partes têm de fornecer factos para que o tribunal possa chegar a alguma conclusão.
Se as partes não oferecem os factos, o tribunal ficará impedido de utilizar estes critérios, pois o tribunal tem de se cingir aos factos articulados pelas partes (artigo 664.º do Código de Processo Civil) e aos factos instrumentais que resultem da discussão da causa (artigo 264.º do mesmo Código).
Porém, se apesar de serem alegados os factos que no caso é possível alegar e, mesmo assim, o tribunal não dispõe de elementos suficientes para calcular a diferença patrimonial entre a situação actual e a que o lesado teria se não tivesse ocorrido o evento, como ocorre no presente caso, sempre o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar uma indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, onde se dispõe que «Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados» ([9]).
Que dizer no presente caso?
Surgem dificuldades devido ao facto de não existirem elementos precisos, como, por exemplo, o preço do veículo.
Porém, se presentemente um veículo semelhante custasse cerca de €20.000,00 euros ([10]), se considerarmos um período de vida médio de 15 anos e adicionarmos mais ¼ deste valor relativamente a despesas de manutenção e dividirmos o total pelos 15 anos de uso, obtemos um valor diário de €4,56 euros [(€20.000,00 + €5.000,00): (365x15)] ao fim de 15 anos.
Trata-se de um valor próximo do valor indicado pela ré seguradora.
Não se provando um dano mais específico, relativamente à privação de uso, afigura-se, por conseguinte, tratar-se de um valor adequado para ressarcir a privação de uso.
Procede, por conseguinte, o recurso subordinado da ré fixando-se esta indemnização em €5,00 euros diários e relativamente aos 285 dias considerados na sentença, o que perfaz €1425,00 euros.
IV. Decisão.
Considerando o exposto:
Julga-se procedente, em parte, o recurso do autor e condena-se a ré a pagar ao autor quantia de €5.523,51 (cinco mil, quinhentos e vinte e três euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de IVA à taxa em vigor à data do pagamento, relativamente ao custo de reparação do veículo.
Julga-se procedente o recurso subordinado da ré e fixa-se a indemnização devida ao autor pela privação do uso em €1.450.00 (mil quatrocentos e cinquenta euros).
Confirma-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas da acção e dos recursos por autor e ré na proporção do vencimento e decaimento.*
Coimbra, 10 de Julho de 2013.
 
 Alberto Augusto Vicente Ruço ( Relator )
 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro 
Maria Inês Carvalho Brasil de Moura
[1] Neste sentido, Vaz Serra pronunciou-se nestes termos: «Visto que a indemnização se destina a colocar o credor na situação, em que estaria, se não tivesse tido lugar o acontecimento causador do dano, o mais perfeito meio de indemnizar é justamente a reposição natural. A indemnização em dinheiro não assegura ao credor senão uma reparação imperfeita do dano» - Obrigação de Indemnização. Boletim do Ministério da Justiça n.º 84 (1959), pág. 131.
[2] Ob. cit., pág. 132.
[3] Neste sentido, se bem se interpreta o pensamento dos seus autores, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007, quando se considerou, a propósito da restauração natural, que «…na ponderação deste elemento, não podem deixar de ser considerados factores subjectivos, respeitantes não só (mas principalmente) à pessoa do devedor, e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado, antes que no percebimento do seu valor em dinheiro», registando-se que o valor do veículo em causa era no mínimo de €2000,00 euros e a reparação orçava em €3740,98 euros, tendo-se optado pela reparação - Colectânea  de Jurisprudência (Acórdãos do S.T.J.), ano XV, tomo II , pág. 154, coluna da esquerda.
[4] Cfr., neste sentido, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4.ª edição, pág. 525. 
[5] Alguns exemplos de decisões nas quais se considerou que um valor de reparação superior ao valor comercial do veículo não constituía um caso de «excessiva onerosidade»:
 No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Abril de 2010, ponderou-se que não era excessivamente onerosa a reparação no montante de €14.626,36 euros, sendo o valor comercial do veículo de €3.009,00 euros – Colectânea de Jurisprudência, ano XXXV, tomo II, pág. 115.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-02-2004, teve-se em consideração que «A excessiva onerosidade não pode resultar apenas da circunstância de a reparação custar mais que o valor comercial, antes devendo ser também aferida em função da situação económica do devedor, sendo evidente que não há nenhuma Companhia de seguro não possa suportar o custo da reparação integral do veículo, desde que o seu proprietário assim o deseje» (sumário), estando em causa um valor comercial de 800.000$00 e uma reparação de 1.932.558$00 – em http://www.gdsi.pt, processo n.º 03A468.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Julho de 1999, concluiu-se que não era excessivamente onerosa a reparação no montante de 2.166.854$00, sendo o valor comercial do veículo de 1.100.000$00 e o preço de um novo de 2.800.000$00 – Colectânea de Jurisprudência (Acórdãos do S.T.J.), ano VII, tomo III, pág. 17, coluna da esquerda.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Junho de 1998, considerou-se que o lesado tinha direito à reparação do veículo no montante de 1.365.624$00, apesar do valor comercial do veículo ser de 150.000$00. Considerou-se que «A excessiva onerosidade, diga-se, não pode resultar apenas da circunstância de a reparação custar cerca de 10 vezes mais que o valor comercial, antes tem de ser aferida também em função da capacidade económica do devedor, e é evidente que não há nenhuma companhia de seguros que não possa suportar o custo da reparação em causa. 
Deste modo em nada aproveita à R. o facto de ser de 150,000$00 o valor comercial do veículo à data do acidente. Esse montante só revelaria para efeitos de indemnização se ficasse demonstrado – e não ficou – que, com esse montante, o A. poderia adquirir no mercado um veículo em tudo idêntico ao sinistrado, ficando, assim, restituído à situação anterior – Colectânea de Jurisprudência, ano XXIII, tomo III, pág. 124, coluna da direita.
No acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Junho de 1990, decidiu-se que não era excessivamente onerosa a reparação no montante de 377.505$00, sendo o valor comercial do veículo de €150.000$00 – Colectânea de Jurisprudência, ano XV, tomo III, pág. 221.
E no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8 de Julho de 1986, considerou-se que não era excessivamente onerosa a reparação no montante de 750.000$00, sendo o valor comercial do veículo de 200.000$00 e custando novo 756.600$00 – Colectânea de Jurisprudência, ano XI, tomo IV, pág. 66.
[6] Neste sentido, cfr., entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-2-2103, no processo n.º 1170/10.5TBVNF.P1: «I - O artigo 41.º do DL 291/2007, de 21.08, contém regras de definição da indemnização por perda total apenas aplicáveis no âmbito do procedimento de proposta razoável previsto no Capítulo III do referido diploma legal. II - Não tendo as partes chegado a acordo extra-judicial no aludido procedimento, recorrendo o autor à via judicial, não se aplicam nesta sede processual os critérios do referido normativo» (sumário).
[7] Ob. cit., pág. 592, nota 1699.
[8] Exemplo – Para um veículo que tivesse custado €25.000,00 euros e estimando um período de vida de 10 anos, somando as despesas com revisões, reparações e seguros durante esses 10 anos, que se calculam em ¼ relativamente ao preço de compra, teríamos um valor diário de €8,56 euros [(€25.000,00 + €6.250,00):(365 x10)]. Se o preço de compra tivesse sido de €40.000,00 euros o valor subiria para €13,70 euros; se tivesse sido de €60.000,00 euros subiria para €20,55 euros, etc.
[9] «A avaliação do dano em causa, se outro critério não puder ser adoptado, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado, nos termos estabelecidos no art. 566.º, n.º 3, do CC» - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já citado, de 03 de Maio de 2011.
[10] O modelo Mazda3 HB MZR 1.6. Confort, cuja cilindrada é superior à do veículo do autor, custa presentemente cerca €20.723,00 euros – ver em http://www.mazda.pt.

I. Relatório. a) O Autor, agora recorrente, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra a Ré, a Companhia de Seguros A (…) S. A., pedindo que esta fosse condenada a entregar-lhe, entre outras quantias pedidas para ressarcir outros danos, a quantia necessária à reparação dos danos existentes no seu veículo ligeiro de passageiros, marca MAZDA, modelo 323 Sedan Compact, com a matrícula (...)FX, que fixou em €7.725,25 euros. Na sentença a Ré foi condenada a pagar-lhe a este título apenas a quantia de €2.887,50 euros, por se ter entendido que a quantia pedida pelo autor excedia várias vezes o valor venal do veículo que era apenas de €1650,00 euros. É desta parte decisória da sentença que o Autor recorre por entender que esta quantia é insuficiente para reparar o dano resultante do acidente. b) Conclui desta forma: «(…) c) A Ré contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença, sublinhando que o valor da reparação excedia no mínimo mais do triplo do valor venal do veículo, constituindo esta situação um caso de excessiva onerosidade para aquele que se encontra obrigado a reconstituir a situação que existia antes do evento danoso, pelo que se justifica a entrega ao lesado, ao Autor, da quantia considerada suficiente para ele adquirir no mercado um bem idêntico. Concluiu nestes termos: (…) d) Além de contra-alegar a Ré interpôs recurso subordinado visando a redução da quantia fixada na sentença a título de indemnização pelo dano causado pela privação do uso do veículo acidentado. Concluiu, nestes termos: «(…) II. Objecto do recurso.       Recurso principal. A questão que se coloca neste recurso consiste em saber se o autor tem direito a receber uma quantia que permita reparar o seu veículo ou se, ao invés, deve apenas receber uma quantia representativa do valor comercial do veículo, nos termos do artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil, com fundamento no facto da reparação ser excessivamente onerosa. Recurso subordinado. A questão que a ré Seguradora coloca no recurso subordinado consiste em saber se a indemnização atribuída em 1.ª instância ao autor, pela perda do uso do veículo, deve ser diminuída para uma condenação de €5,00 euros diários, durante o período de 285 dias, ou, em alternativa, o montante total de €1.500,00 euros. III. Fundamentação. a) Matéria de facto considerada provada. a) – No dia 26 de Maio de 2010, pelas 6.00 horas da manhã, na Rotunda Armindo Lousada, em Oliveira do Hospital, área desta comarca, ocorreu um acidente de viação – al. a); b) – Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros marca Mazda, modelo 323 Seda Compact, com a matricula (...)FX, propriedade do Autor, conduzindo na altura pelo seu pai, o Sr. (…) e o veiculo ligeiro de mercadorias, marca Opel, modelo Combo, matricula (...)UR propriedade de P (…), Lda., conduzido por um motorista desta, de nome (…), no interesse e por conta da mesma – al. b); c) – Em tal circunstancialismo de tempo e lugar o FX circulava no interior da Rotunda Armindo Lousada, em Oliveira do Hospital, na faixa de rodagem mais à direita, atento o seu sentido de marcha, com o intuito de sair da rotunda, em direcção à Avenida Calouste Gulbenkian – al. c); d) – Na altura do acidente o estado do tempo meteorológico era bom e a via onde o mesmo ocorreu encontrava-se pavimentada e em bom estado de conservação – al. d); e) – O FX circulava a velocidade moderada, uma vez que havia abrandado a marcha aquando da sua entrada na rotunda, em respeito por um sinal de cedência de passagem, facto acontecido poucos segundos antes do embate – al. e); f) – A certa altura, de forma inesperada surgiu o UR, proveniente da Avenida Dr. Francisco Sá Carneiro, entrando na Rotunda Armindo Lousada, sem parar, desrespeitando o sinal de cedência de passagem existente no local e que estava obrigado a observar, circulando a velocidade não apurada – al. f); g) – Em resultado da descrita conduta do condutor do UR este não conseguiu imobilizar o veículo, vindo a embater na parte lateral direita do veículo FX – al. g); h) – Com o embate o FX foi arrastado, tendo rodopiado sobre si mesmo, imobilizando-se apenas com o embate numa parede existente a poucos metros do local de embate dos veículos – al. h); i) – Do acidente em causa resultaram para o FX variados danos materiais – al. i); j) – O veiculo FX, que durante alguns meses esteve aparcado na Oficina (…) - Serviço de Bate-Chapas e Pintura, com sede na Zona Industrial de Tábua, sofreu danos que na data e naquela oficina foram orçados em €7.725,25 (sete mil setecentos e vinte e cinco euros, vinte e cinco cêntimos), danos esses que em 12 de Março de 2012, para reparação, custavam €5.106,35 acrescido de €1.174,46 de IVA, num total de €6.280,81– resp. art. 1.º; l) – O Autor enviou carta registada à Ré, em 14 de Dezembro de 2010, a solicitar o pagamento da reparação do FX – resp. art. 2.º; m) – Dada a ausência de meios económicos para suportar por si a reparação, o Autor está privado até hoje do veículo que era aquele que utilizava para se deslocar para o seu local de trabalho e bem assim para todas as deslocações que necessitava de realizar no seu dia-a-dia – resp. art. 3.º e 4.º; n) – Ele teve de recorrer episodicamente a transportes públicos, solicitando ainda a amigos e familiares que o transportassem nas viagens que necessitava de realizar – resp art. 5.º; o) – O valor de aluguer de um carro de idêntica classe, para o Autor utilizar na impossibilidade de utilização do seu próprio veículo, tem um custo diário não quantificado – resp. art. 6.º; p) – Em 28 de Maio de 2010 o perito da sociedade independente de peritagens Servi Aide estimou o custo da reparação daquele veículo em €5.206,74 – resp. art. 9.º; q) – Em 12 de Março de 2012 o valor comercial do veículo FX marca Mazda, modelo 323 Sedan/Compact, com data de fabrico no mês 11 e ano 1995, com 112.500 km percorridos até então, era de €1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros) – resp. art. 10.º; r) – Na sequência daquela peritagem e após avaliação condicional dos danos no veículo FX, a Allianz, atenta a diferença entre o valor da reparação e o seu valor comercial, entendendo economicamente desaconselhada a reparação do veículo, considerou tratar-se de um caso de perda total – resp. art. 11.º; s) – À data do acidente dos autos a sociedade P (…) Lda., tinha a responsabilidade inerente aos riscos próprios da circulação e propriedade do veículo ligeiro particular de mercadorias de matrícula (...)UR transferida validamente para a Ré Seguradora pelo contrato de seguro titulado pela apólice nº 90.00716463 – al. j). b) Apreciação das questões objecto dos recursos. 1 - Recurso principal. Nos termos do n.º 1, do artigo 566.º, do Código Civil, «A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor». Verifica-se que a lei dá primazia à restauração natural como forma de sarar as consequências do evento danoso. Compreende-se que seja assim, pois a restauração natural cria uma situação materialmente correspondente à que existia antes do dano, diferenciando-se da indemnização em dinheiro, a qual apenas estabelece uma situação economicamente equivalente à que existia antes do dano ([1]). Como se restaura a situação natural anterior? Afigura-se que a reposição natural não é estritamente física, naturalística, tendo também uma componente valorativa: há restauração natural quando se repõe o valor de uso da coisa lesada, ainda que a coisa subrogada no lugar da antiga não seja a mesma coisa ou uma coisa exactamente igual. Se não fosse assim, então não seria possível a restauração natural nos casos em que uma coisa é destruída e insusceptível de ser reparada, mas é viável a sua substituição por outra exactamente igual ou semelhante. No caso de um automóvel, por exemplo, a diferença entre dois veículos, ambos novos, da mesma marca, modelo e série de fabrico, reside apenas na diversidade dos números de motor e de chassis, números que são completamente irrelevantes e até podem ser desconhecidos dos proprietários. Por isso, tanto é restauração natural a entrega um veículo novo em substituição de um outro acidentado, mas recuperável, como é restauração natural a entrega de um veículo novo em substituição de um veículo novo que sofreu um acidente e ficou irrecuperável. O que vale para um veículo novo, vale para um veículo usado, desde que se entregue ao lesado um veículo usado da mesma marca, modelo e demais características ou mesmo um veículo de outra marca, mas que possua o mesmo valor de mercado e de uso que veículo danificado proporcionava ao lesado. Serve isto para dizer, que a restauração natural não consiste apenas na reparação da própria coisa singular danificada, podendo fazer-se também através de coisa diversa do mesmo género e qualidade. Com efeito, como referiu Vaz Serra, «A reposição natural não supõe necessariamente que as coisas são repostas com exactidão na situação anterior: é suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para o credor valor igual e natureza igual ao que existia antes do acontecimento que causou o dano. Com isto, fica satisfeito o seu interesse» ([2]). Reputa-se importante assinalar esta problemática nos termos que ficam referidos, pois permite uma melhor compreensão das questões que se colocam nos autos. Concluindo: repondo-se o valor de uso e o valor comercial da coisa no património do lesado, ou seja, colocando aí uma coisa que tenha as mesmas características, com o mesmo valor de mercado e que satisfaça exactamente as mesmas necessidades de uso do lesado, então está conseguida a restauração natural, ainda que não se repare a coisa danificada. A partir desta situação, o interesse do credor começará a carecer de tutela, salvo se devidamente justificado. Ora, nos casos em que o valor da reparação do veículo atinge um valor igual ao preço de aquisição de um outro veículo com as mesmas características e estado de conservação que possuía o veículo sinistrado, a restauração natural através da reparação deve ser realizada. Só a partir desta igualdade de valores é que se coloca o problema da excessiva onerosidade. Porém, como resulta da letra da lei, para haver excessiva onerosidade não basta que o preço da reparação seja superior ao de aquisição de um veículo semelhante, capaz, por conseguinte, de repor as mesmas utilidades no património do lesado, isto é, tem de existir uma certa desproporção entre ambos os valores, qualificável de excessiva. Em que consiste esta excessividade? Não se afigura possível encontrar uma resposta enunciável em termos de lei geral, do tipo «Há onerosidade excessiva quando…». Vejamos um exemplo. Se alguém inutilizar um casaco de outrem, já usado, cujo valor é de €30,00 euros, mas que continuaria a satisfazer as necessidades do lesado durante vários anos, como se indemniza este dano? Um casaco novo com as mesmas características custa, por exemplo, €120,00 euros, mas como o lesado gasta a totalidade do seu salário com as despesas correntes, não tem meios económicos para comprar um casaco novo com as mesmas características. Nestas circunstâncias, um caminho passaria por entregar ao lesado um casaco novo. E o lesado terá mesmo de receber um casaco novo, pois o equivalente em dinheiro não desempenharia as funções do casaco.  Acresce que não é socialmente exigível obrigá-lo a receber um outro casaco usado, sendo certo que, não havendo, por enquanto, mercado de casacos usados, dificilmente se encontraria um casaco usado para lhe entregar. Ou seja, neste caso, a restauração natural custa o quádruplo, do valor da coisa danificada. Nestas condições, pergunta-se: é excessivo entregar ao lesado o valor de €120,00 euros para o mesmo adquirir um casaco novo, ficando a beneficiar de uma mais-valia de €90,00 euros? A resposta parece ser «não», já que o lesado não tem dinheiro para cobrir esta diferença entre valores e não se vê outra forma de o indemnizar. Mas  se o lesado dispuser de €10,00 euros para comprar um casaco novo, será que o lesante não deveria ser apenas condenado a entregar-lhe os restantes 110,00 euros necessários para o lesado adquirir um casaco novo? Aparentemente «sim», mas ainda aqui é duvidoso que o lesado deva ser compelido a despender uma quantia que de outra forma manteria no seu património para outra finalidade, contribuindo assim, à sua custa, com €10,00 euros para repor in natura o bem que o lesante danificou. Perante estes exemplos, consistindo a regra na restauração natural, afigura-se que a sua onerosidade excessiva só poderá ser definida em cada caso concreto, pois poderá não ser excessivo condenar o devedor a pagar o quádruplo do valor da coisa (exemplo do casaco usado). Por outro lado, a excessiva onerosidade afere-se face a que elementos, isto é, não se atende às condições económicas, profissionais ou domésticas do lesante e do lesado e aprecia-se apenas a proporção entre o valor do veículo no mercado dos automóveis usados e o valor da sua reparação, ou deve atender-se também àquelas condições? A resposta afigura-se ser no sentido de se dever entrar em linha de conta com as condições económicas, profissionais e domésticas dos interessados, pela razão de que o conceito de excessiva onerosidade se coloca sempre perante pessoas específicas, concretas, o que implica que tais condições divirjam de caso para caso e, sendo assim, uma quantia pode ser excessivamente onerosa num caso e não o ser em outro caso ([3]), dependendo da quantia em si mesmo ser mais ou menos elevada. Poder-se-á afirmar, por exemplo, que há excessiva onerosidade se A danificar uma mesa usada de B, cujo valor de mercado não excede €50,00 euros e que nova custou €100,00 euros, se a sua reparação custar €150,00 euros, sabendo-se que A e B são pessoas que auferem salários que superam, por exemplo, 10 vezes o salário mínimo nacional? Afigura-se que «não», ou seja, que a despesas de €150,00 euros a realizar por A, embora três vezes mais elevada que o valor da mesa, não representa um valor significativo no património de A, não podendo ser aí considerada como uma despesa desproporcionada que obrigue A a efectuar um qualquer esforço financeiro também desproporcionado. Ou seja, face ao quantitativo a despender e à situação económica e financeira de A, esta reparação não é excessivamente onerosa. Por conseguinte, ou A entrega ao lesado uma mesa nova e restaura assim a situação natural, gastando €100,00 euros, ou repara a mesa que danificou, despendendo €150,00 euros, e restaura também, desta forma, a situação natural que existia antes do dano. Afigura-se, pois, que o conceito de onerosidade excessiva não se determina apenas em função da proporcionalidade que existe entre o valor de mercado da coisa e o valor da sua reparação.*Como no caso presente há três valores para a reparação, far-se-á uma média entre eles, no pressuposto de que a média representará um valor aceitável para a reparação. Os valores são: €5206,74, sem IVA, pois do respectivo documento (fls. 72 do processo electrónico) não consta que o IVA tenha entrado nos cálculos. €5106,35, mais €1174,46 de IVA, ou €6280,81. €6257,45, mais €1467,80 de IVA, ou €7725,25. A média dos valores, sem IVA, é de €5523,51 euros (o IVA, à taxa de 19%, correspondente a esta quantia é de €1049,47 euros). Será este o valor a ter em consideração, sem IVA, devido à flutuação a que esta taxa está sujeita.*O que ficou dito serve de introdução ao caso dos autos. Como resulta do atrás exposto, a restauração natural será possível através de duas formas: Uma – Reparando o veículo, despendendo-se cerca de €5523,51 euros (mais IVA, que, a 19%, será de €1049,47 euros). Outra – Entregando ao lesado um veículo da mesma marca e modelo e em condições de uso e mecânica semelhantes. O Autor optou por pedir o preço da reparação como forma de restauração natural. Mas com a restauração natural está prevista na lei em benefício de ambas as partes ([4]), afigura-se que qualquer uma daquelas duas opções poderia ter sido seguida, por qualquer das partes, prevalecendo, em caso de oposição, a que conduzisse a um maior equilíbrio dos interesses de ambas as partes, desde que o lesado não ficasse, claro está, de alguma forma, prejudicado. Se a Ré tivesse oferecido ao autor um veículo equivalente e se despendesse na sua aquisição uma quantia de €1.650,00 euros ou aproximada, ponderar-se-ia então equacionar a questão de saber se a restauração natural deveria ser efectuada desta forma, menos dispendiosas para a seguradora, ou através da reparação, mas como este caminho, possível, não foi seguido, resta apenas em análise a onerosidade excessiva (ou não) da reparação. Quanto a esta questão, sabemos que em 12 de Março de 2012 o valor comercial do veículo do autor era de €1.650,00 euros (resposta ao art. 10.º). Porém, esta constatação não equivale a este facto: «o lesado podia/pode adquirir no mercado um veículo semelhante ao seu por €1.650,00 euros». É que, uma coisa é o valor comercial de um veículo, que os peritos calculam em função do tipo de veículo, ano de fabrico e estado geral do mesmo; outra, o dinheiro e tempo que é necessário despender para procurar, encontrar, negociar e adquirir no mercado de automóveis um veículo semelhante. Ora, não está provado que o Autor com a referida quantia conseguisse ou consiga comprar um veículo semelhante ao seu. A prova deste facto far-se-ia, mostrando que um determinado veículo semelhante ao sinistrado podia ser adquirido em certo vendedor por tal quantia. Nem a ré alegou e provou que ofereceu ao Autor um veículo semelhante ao seu, identificando-o, pelo menos através da respectiva matrícula, e que o Autor recusou fazê-lo seu. Cumpre, efectivamente, ter em conta, que incumbia à Ré tomar a iniciativa de colocar o lesado na situação que estava antes do dano, o mais rapidamente possível, não bastando, para isso, face ao que fica dito, constatar que o valor da reparação é superior ao valor comercial do veículo e colocar à disposição do lesado a quantia equivalente ao valor comercial do veículo.  É perante esta situação de facto que tem de ser analisada a questão da excessiva onerosidade da reparação. Ora, não é pelo facto do preço da reparação exceder o triplo ou o quádruplo do valor comercial do veículo, que tem de se concluir pela onerosidade excessiva, pois esta também depende dos montantes concretos que têm de ser despendidos. Um exemplo: não estamos perante a mesma situação se num caso o valor comercial do veículo for de €250,00 euros e o preço da reparação for de €1.000,00 euros e noutro caso, o valor comercial do veículo for de €7.500,00 euros e o preço da reparação for de €30.000,00 euros, muito embora, em ambos os casos, estejamos sempre a lidar com uma relação de 1 para 4. Com efeito, apesar dos valores envolvidos manterem a mesma proporção dentro do próprio caso, ou seja, 1 (valor comercial) para 4 (custo da reparação), já o mesmo não ocorre quando comparados entre si, pois nestes caso estão numa relação de 1 para 30 (€250,00/€7500,00 e €1.000,00/€30.000,00). Daí que uma reparação três vezes mais cara que o valor comercial do veículo não represente, só por si, um critério para determinar se uma reparação é ou não excessivamente onerosa, devendo-se olhar também, para o efeito, para a expressão numérica concreta da quantia a despender. Ora, a quantia a despender, supera o valor comercial do veículo em €4.923,00 euros. Se esta quantia, por exemplo, figurasse num caso que o valor comercial do veículo fosse de €20.000,00 euros e a reparação de €24.923,00 euros, já não se entenderia, certamente, como excessivamente onerosa, muito embora a quantia seja a mesma. A quantia de €4.923,00 euros será um valor excessivamente oneroso para uma companhia de seguros? Como estamos perante uma questão de valoração, nem sempre será possível dar uma só resposta, inequívoca e absolutamente consensual, podendo argumentar-se, neste caso, em ambos os sentidos, sendo um deles o exposto na sentença sob recurso que olhou à proporção entre ambos os valores. Verifica-se que a quantia de €4.923,00 euros representa para uma companhia de seguros cerca de 20 seguros anuais, com um prémio de €250,00 euros. E, em termos sociais, equivale a 10 salários mínimos nacionais (€485,00 euros – Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31 de Dezembro). A «excessividade» deverá consistir num valor, exigido para a reparação, que fira ou magoe o sentimento jurídico da justa proporcionalidade na repartição dos sacrifícios económicos entre lesado e lesante. Ora, não se evidencia que um valor que exceda o valor comercial do veículo em €4.923,00 euros, constitua para uma seguradora uma situação qualificável como «excessivamente onerosa», sendo certo que cumpria à Ré mostra que tal onerosidade se verificava no presente caso ([5]). Procede, pois, o recurso do autor, cumprindo condenar a ré a pagar ao autor a quantia de €5523,51 euros necessária à reparação, acrescida de IVA à taxa em vigor à data do pagamento.*Não se termina sem fazer uma referência à norma do artigo 41.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, onde se refere que se considera uma situação de perda total do veículo sinistrado quando, entre outras situações, «se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos». Esta norma, como se refere na sentença e no n.º 4, deste artigo 41.º, refere-se às propostas que o seguradora fará ao lesado para o indemnizar («Ao propor o pagamento de uma indemnização com base no conceito de perda total, a empresa de seguros está obrigada a prestar, cumulativamente, as seguintes informações ao lesado:…»). Não tem, pois, aplicação ao caso dos autos ([6]), muito embora se trate de um critério de valoração desta problemática efectuado pelo legislador. 2 - Recurso subordinado. A questão que a ré Seguradora coloca no recurso subordinado consiste em saber se a indemnização atribuída em 1.ª instância ao autor, pela perda do uso do veículo, deve ser diminuída para uma condenação de €5,00 euros diários, durante o período de 285 dias, ou, em alternativa, para o montante total de €1.500,00 euros. Por conseguinte, não se discute a susceptibilidade de haver um dano indemnizável, nem o período de tempo a considerar, mas apenas o montante. Esta questão é de difícil solução na medida em que a teoria da diferença (artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil) que serve de critério para encontrar o quantum da indemnização não é operacional nestes casos. Com efeito, se a privação do uso não se traduzir numa diferença patrimonial palpável entre a situação que existiria se não ocorresse a privação e aquela que existe por causa dela, não temos valores para calcular a diferença, muito embora saibamos que há um dano e que este tem de ser indemnizado.   Paulo Mota Pinto propõe o seguinte critério: «Pensamos que o dano da privação do uso deverá ser quantificado num valor que pode ser obtido de uma de duas formas; ou (como de “cima para baixo”) a partir dos custos de um aluguer durante o lapso de tempo em causa, mas “depurados” – bereinigte Mietkosten que excluem o lucro do locador, e custos gerais como os gastos com a manutenção da frota, as provisões para períodos de paragem dos veículos, as amortizações, etc. (no direito alemão os valores constantes das referidas tabelas rondam cerca de um terço dos custos de aluguer normalmente praticados); ou (como que “de baixo para cima”), designadamente, para viaturas de profissionais e empresas, a partir dos custos de capital imobilizado necessário para obter a disponibilidade de um bem, como aquele durante o período de tempo necessário (por ex., os custos necessários para constituir uma reserva de um bem como o que está em causa)» ([7]). Tomando como guia esta proposta, um critério pode passar, então, pela averiguação do preço do aluguer que o bem lesionado tem no mercado. No caso de um veículo automóvel o valor de uso corresponderá ao valor médio do aluguer de um veículo semelhante em empresas do ramo. Porém, este critério não é exacto, pois o prejuízo resultante da privação de uso de um veículo próprio não é igual ao valor do aluguer de um veículo semelhante que uma empresa comercial disponibiliza a quem o queira alugar. Mas também se afigura viável um outro critério que é este: Se pretendermos calcular o valor de uso do veículo para o próprio, podemos aproximar-nos desse valor se somarmos o preço de aquisição e as despesas de manutenção médias ao longo do período previsível da sua utilização (revisões, reparações e seguros), dividindo a soma pelo número de dias de vida média calculada para o veículo. Conseguir-se-ia, assim, encontrar um valor diário representativo do preço que o proprietário, na veste do bonus pater familias, considerou ser adequado despender para ter ao seu serviço diário, durante todo o período, a vantagem proporcionada por aquele bem ([8]), independentemente do uso mais ou menos intensivo dado ao veículo. Ora, este valor difere do preço de aluguer de um veículo, pois neste caso, além do preço do automóvel e despesas de manutenção entram outros valores em jogo, como o lucro do empresário e os custos gerais da empresa (impostos, salários e encargos com trabalhadores, seguros, etc.). O valor do aluguer tem se ser, por conseguinte, bem superior ao valor de uso digamos, doméstico, e daí que não se mostre adequado, salvo se corrigido. Claro que, para usar estes mecanismos, as partes têm de fornecer factos para que o tribunal possa chegar a alguma conclusão. Se as partes não oferecem os factos, o tribunal ficará impedido de utilizar estes critérios, pois o tribunal tem de se cingir aos factos articulados pelas partes (artigo 664.º do Código de Processo Civil) e aos factos instrumentais que resultem da discussão da causa (artigo 264.º do mesmo Código). Porém, se apesar de serem alegados os factos que no caso é possível alegar e, mesmo assim, o tribunal não dispõe de elementos suficientes para calcular a diferença patrimonial entre a situação actual e a que o lesado teria se não tivesse ocorrido o evento, como ocorre no presente caso, sempre o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar uma indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, onde se dispõe que «Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados» ([9]). Que dizer no presente caso? Surgem dificuldades devido ao facto de não existirem elementos precisos, como, por exemplo, o preço do veículo. Porém, se presentemente um veículo semelhante custasse cerca de €20.000,00 euros ([10]), se considerarmos um período de vida médio de 15 anos e adicionarmos mais ¼ deste valor relativamente a despesas de manutenção e dividirmos o total pelos 15 anos de uso, obtemos um valor diário de €4,56 euros [(€20.000,00 + €5.000,00): (365x15)] ao fim de 15 anos. Trata-se de um valor próximo do valor indicado pela ré seguradora. Não se provando um dano mais específico, relativamente à privação de uso, afigura-se, por conseguinte, tratar-se de um valor adequado para ressarcir a privação de uso. Procede, por conseguinte, o recurso subordinado da ré fixando-se esta indemnização em €5,00 euros diários e relativamente aos 285 dias considerados na sentença, o que perfaz €1425,00 euros. IV. Decisão. Considerando o exposto: Julga-se procedente, em parte, o recurso do autor e condena-se a ré a pagar ao autor quantia de €5.523,51 (cinco mil, quinhentos e vinte e três euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de IVA à taxa em vigor à data do pagamento, relativamente ao custo de reparação do veículo. Julga-se procedente o recurso subordinado da ré e fixa-se a indemnização devida ao autor pela privação do uso em €1.450.00 (mil quatrocentos e cinquenta euros). Confirma-se, no mais, a decisão recorrida. Custas da acção e dos recursos por autor e ré na proporção do vencimento e decaimento.* Coimbra, 10 de Julho de 2013.  Alberto Augusto Vicente Ruço ( Relator )  Fernando de Jesus Fonseca Monteiro Maria Inês Carvalho Brasil de Moura [1] Neste sentido, Vaz Serra pronunciou-se nestes termos: «Visto que a indemnização se destina a colocar o credor na situação, em que estaria, se não tivesse tido lugar o acontecimento causador do dano, o mais perfeito meio de indemnizar é justamente a reposição natural. A indemnização em dinheiro não assegura ao credor senão uma reparação imperfeita do dano» - Obrigação de Indemnização. Boletim do Ministério da Justiça n.º 84 (1959), pág. 131. [2] Ob. cit., pág. 132. [3] Neste sentido, se bem se interpreta o pensamento dos seus autores, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007, quando se considerou, a propósito da restauração natural, que «…na ponderação deste elemento, não podem deixar de ser considerados factores subjectivos, respeitantes não só (mas principalmente) à pessoa do devedor, e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado, antes que no percebimento do seu valor em dinheiro», registando-se que o valor do veículo em causa era no mínimo de €2000,00 euros e a reparação orçava em €3740,98 euros, tendo-se optado pela reparação - Colectânea  de Jurisprudência (Acórdãos do S.T.J.), ano XV, tomo II , pág. 154, coluna da esquerda. [4] Cfr., neste sentido, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 4.ª edição, pág. 525. [5] Alguns exemplos de decisões nas quais se considerou que um valor de reparação superior ao valor comercial do veículo não constituía um caso de «excessiva onerosidade»:  No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Abril de 2010, ponderou-se que não era excessivamente onerosa a reparação no montante de €14.626,36 euros, sendo o valor comercial do veículo de €3.009,00 euros – Colectânea de Jurisprudência, ano XXXV, tomo II, pág. 115. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-02-2004, teve-se em consideração que «A excessiva onerosidade não pode resultar apenas da circunstância de a reparação custar mais que o valor comercial, antes devendo ser também aferida em função da situação económica do devedor, sendo evidente que não há nenhuma Companhia de seguro não possa suportar o custo da reparação integral do veículo, desde que o seu proprietário assim o deseje» (sumário), estando em causa um valor comercial de 800.000$00 e uma reparação de 1.932.558$00 – em http://www.gdsi.pt, processo n.º 03A468. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Julho de 1999, concluiu-se que não era excessivamente onerosa a reparação no montante de 2.166.854$00, sendo o valor comercial do veículo de 1.100.000$00 e o preço de um novo de 2.800.000$00 – Colectânea de Jurisprudência (Acórdãos do S.T.J.), ano VII, tomo III, pág. 17, coluna da esquerda. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Junho de 1998, considerou-se que o lesado tinha direito à reparação do veículo no montante de 1.365.624$00, apesar do valor comercial do veículo ser de 150.000$00. Considerou-se que «A excessiva onerosidade, diga-se, não pode resultar apenas da circunstância de a reparação custar cerca de 10 vezes mais que o valor comercial, antes tem de ser aferida também em função da capacidade económica do devedor, e é evidente que não há nenhuma companhia de seguros que não possa suportar o custo da reparação em causa. Deste modo em nada aproveita à R. o facto de ser de 150,000$00 o valor comercial do veículo à data do acidente. Esse montante só revelaria para efeitos de indemnização se ficasse demonstrado – e não ficou – que, com esse montante, o A. poderia adquirir no mercado um veículo em tudo idêntico ao sinistrado, ficando, assim, restituído à situação anterior – Colectânea de Jurisprudência, ano XXIII, tomo III, pág. 124, coluna da direita. No acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de Junho de 1990, decidiu-se que não era excessivamente onerosa a reparação no montante de 377.505$00, sendo o valor comercial do veículo de €150.000$00 – Colectânea de Jurisprudência, ano XV, tomo III, pág. 221. E no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8 de Julho de 1986, considerou-se que não era excessivamente onerosa a reparação no montante de 750.000$00, sendo o valor comercial do veículo de 200.000$00 e custando novo 756.600$00 – Colectânea de Jurisprudência, ano XI, tomo IV, pág. 66. [6] Neste sentido, cfr., entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-2-2103, no processo n.º 1170/10.5TBVNF.P1: «I - O artigo 41.º do DL 291/2007, de 21.08, contém regras de definição da indemnização por perda total apenas aplicáveis no âmbito do procedimento de proposta razoável previsto no Capítulo III do referido diploma legal. II - Não tendo as partes chegado a acordo extra-judicial no aludido procedimento, recorrendo o autor à via judicial, não se aplicam nesta sede processual os critérios do referido normativo» (sumário). [7] Ob. cit., pág. 592, nota 1699. [8] Exemplo – Para um veículo que tivesse custado €25.000,00 euros e estimando um período de vida de 10 anos, somando as despesas com revisões, reparações e seguros durante esses 10 anos, que se calculam em ¼ relativamente ao preço de compra, teríamos um valor diário de €8,56 euros [(€25.000,00 + €6.250,00):(365 x10)]. Se o preço de compra tivesse sido de €40.000,00 euros o valor subiria para €13,70 euros; se tivesse sido de €60.000,00 euros subiria para €20,55 euros, etc. [9] «A avaliação do dano em causa, se outro critério não puder ser adoptado, será determinada pela equidade, dentro dos limites do que for provado, nos termos estabelecidos no art. 566.º, n.º 3, do CC» - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já citado, de 03 de Maio de 2011. [10] O modelo Mazda3 HB MZR 1.6. Confort, cuja cilindrada é superior à do veículo do autor, custa presentemente cerca €20.723,00 euros – ver em http://www.mazda.pt.