Processo:29812/15.9T8LSB.L1-2
Data do Acordão: 09/05/2018Relator: ONDINA CARMO ALVESTribunal:trl
Decisão: Meio processual:

1.– O fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, consistente na separação de facto por um ano consecutivo, previsto nos artigos 1781º, alínea a), e 1782º, ambos do Código Civil, assenta em dois pressupostos: a) Inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges durante esse período de tempo (elemento objectivo); b) O propósito de não restabelecer essa comunhão de vida, por parte de, pelo menos, um dos cônjuges (elemento subjectivo). 2.– O prazo de separação, tanto na vertente objectiva, como na subjectiva, tem de ocorrer no momento da propositura da acção. 3.– Verifica-se o fundamento previsto da alínea a) do artigo 1781º do Código Civil, sempre que ocorra cessação da vida em comum do casal, ou seja, quando cada um deles tenha uma vida física e afectiva separadamente um do outro, por mais de um ano.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ONDINA CARMO ALVES
Descritores
DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES SEPARAÇÃO DE FACTO
No do documento
RL
Data do Acordão
05/10/2018
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
1.– O fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, consistente na separação de facto por um ano consecutivo, previsto nos artigos 1781º, alínea a), e 1782º, ambos do Código Civil, assenta em dois pressupostos: a) Inexistência de comunhão de vida entre os cônjuges durante esse período de tempo (elemento objectivo); b) O propósito de não restabelecer essa comunhão de vida, por parte de, pelo menos, um dos cônjuges (elemento subjectivo). 2.– O prazo de separação, tanto na vertente objectiva, como na subjectiva, tem de ocorrer no momento da propositura da acção. 3.– Verifica-se o fundamento previsto da alínea a) do artigo 1781º do Código Civil, sempre que ocorra cessação da vida em comum do casal, ou seja, quando cada um deles tenha uma vida física e afectiva separadamente um do outro, por mais de um ano.
Decisão integral
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.

 
I.–RELATÓRIO:

 
JORGE …, residente na Rua …….. veio intentar, em 29 de Outubro de 2015, a presente acção especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra HELENA, residente em Rua ……, pedindo que seja decretado o divórcio entre as partes.

Fundamentou o autor esta sua pretensão, por se mostraram preenchidas as alíneas a) e d) do art. 1781º do Código Civil, invocando, em síntese, o seguinte:
1.–O Autor e a Ré casaram no dia 30.11.1988, sob o regime de Comunhão de Bens Adquiridos.
2.–Deste casamento nasceu uma Filha - Filipa -, maior de idade, nascida em 04.10.1989, atualmente com 26 anos de idade.
3.–Ao longos dos anos, o casal passou por algumas crises conjugais, as quais fomentaram cisões na relação marital; 
4.–Estes desentendimentos consubstanciaram-se em discussões verbais entre o Autor e a Ré, discussões que se foram tornando cada vez mais frequentes.
5.–O Autor exerce a profissão de Jornalista e Fotógrafo, trabalhando atualmente no grupo …. fazendo trabalhos regulares para as revistas …… e ainda colabora em revistas digitais de fotografia.
6.– No exercício da sua profissão, o Autor faz projectos próprios e fez e continua a fazer entrevistas e trabalhos fotográficos com personalidades e figuras públicas do chamado “Jet 7”, conhecendo por esse motivo muita gente, sobretudo mulheres, actrizes e modelos.
7.–Acontece que a Ré nunca compreendeu desta proximidade que o Autor tem com algumas Mulheres “famosas” e que decorre exclusivamente do exercício da sua profissão, pelo que, por diversas vezes, a Ré confrontava o Autor, dizendo que o mesmo mantinha relacionamentos com as mulheres que ia conhecendo e fotografando em trabalho.
8.–Essas atitudes da Ré, que ainda se verificam actualmente, originaram grandes discussões entre o casal e, por essas razões e porque já não se conseguem entender, o Autor e a Ré não partilham o mesmo leito, dormindo em casas e em camas separadas, desde de 2009, ou seja, há pelo menos 6 anos.
9.–O Autor e a Ré não têm qualquer relacionamento sexual desde 2009, fazem todas as refeições do dia separados.
10.–Mantêm vidas sociais separadas, deixaram de passar fins-de-semana juntos e quase não falam entre si.
11.–O Autor não quer retomar a relação matrimonial, nem quer estar casado com a Ré, pretendendo divorciar-se da mesma, e refazer a sua vida sem a companhia da Ré.
12.–Assim, por um lado, a gravidade e reiteração da conduta da Ré compromete, irremediavelmente, a possibilidade de vida em comum; e, por outro lado, a vida separada que levam o Autor e a Ré, e a vontade do Autor de manter essa vida separada, também não permite reestabelecer qualquer vínculo conjugal; pelo que, é definitiva a ruptura do casamento.

Depois de vários adiamentos, teve lugar em 02.06.2016, a Tentativa de conciliação que se não logrou obter, pois ambos os cônjuges persistem no intuito de se divorciar. Não foi igualmente possível a convolação do divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento. Pelas partes foi dito que: - Não há filhos menores; - A casa de morada de família fica atribuída ao cônjuge marido; - A cônjuge mulher não prescinde de alimentos no valor de €400,00 mensais, sendo que o A. não concorda com a quantia requerida, pelo que foi proferido despacho notificando a ré para contestar.

A Ré contestou, em 05.07.2016, impugnando a factualidade alegada pelo autor e pugnando pela improcedência do pedido tal como formulado na acção, sustentou que o casamento haveria de ser decretado com base na ruptura definitiva do casamento, pretendendo que o divórcio seja decretado nos termos do disposto do artigo 1781º alínea d) do Código Civil.

Alegou, a ré, em síntese, que:
1.–O autor tinha relacionamentos amorosos com outras mulheres.
2.–As discussões e desentendimentos surgiam, quando era confrontado pela Ré sobre tais relacionamentos amorosos.
3.–Raramente, o A. tomava as refeições em família. 
4.–Sucedeu que, até julho de 2015, quando o A. estava em casa com a Ré, fizeram algumas refeições juntos.
5.–Habitualmente o A. não passava as férias com a Ré, nem com a filha de ambos, nem com os filhos do anterior casamento.
6.–Em boa verdade, o A. foi um marido ausente do lar conjugal.
7.–O A. não comunicava à Ré nem aos seus filhos e filha o período das suas férias, nem as deslocações ao estrangeiro.
8.–Quando já estava no Aeroporto, enviava uma “sms” à Ré.
9.–O casal viveu temporariamente em casas distintas, no entanto até Julho de 2015, passava alguns fins de semana juntos em Lisboa e Azeitão.
10.–Acontece que, em 27 anos de casamento, o A. foi três ou quatro vezes à praia no Verão com a Ré, sendo que quando a Ré confrontava o A, respondia que “não tinha de lhe dar satisfações”.
11.–O A. gritava enraivecidamente, com ataques de fúria, atirava objectos ao chão, pontapeava tudo o que encontrava no seu caminho.
12.–É verdade que o comportamento reiterado do A. causava frequentes discussões entre o casal.
13.–Na sequência dessa discussão, o A. algumas vezes, agrediu a Ré psicológica e fisicamente, tendo a Ré apresentado duas queixas-crime: Proc. 401/15.0GESTB e Proc. 94/16.7GESTB, que correm termos no DIAP de Setúbal – 1ª Secção.
14.–O A. está reformado há cerca de 3 anos do IPSS, trabalha no Grupo …, colabora na empresa RTP e ainda empresário em nome individual – …..  dedica-se à venda de bijutaria e acessórios de moda, em Lisboa.
15.–Ao contrário do que é afirmado pelo A. na p.i. enquanto Repórter Fotográfico faz trabalhos fotográficos com actrizes e modelos, “personalidades e figuras públicas do chamado “Jet 7”, faz também fotografias a outras mulheres.
16.–E ainda, publica fotos de “nus de mulheres” que não são “celebridades”, em …..
e ainda no Facebook. 
17.–Na constância do casamento, a Ré ficou extremamente chocada ao tomar conhecimento do teor das mensagens amorosas que o A. recebia de outras mulheres assim como fotos de “nus”.
18.–Ainda durante a vivência em comum, o A. partilha no Facebook uma relação aberta, omitindo o seu estado civil de casado.
19.–A Ré viu ruir o seu projecto de vida em comum que sempre acreditou.
20.–Com esta atitude reiterada do A. a Ré sente-se vexada e humilhada pelo facto de ter sido traída e enganada pelo A, o que atingiu a sua honra e dignidade.
21.–Nem que desde 2009, o Autor e a Ré não partilham o mesmo leito, dormindo em casas separados e em camas separadas.
22.–Acontece que A e a Ré, dormiam separados, porque, quando o A. chegava de madrugada a casa morada de família, queria ver televisão e ler. 
23.–Pois o A. durante a noite dava cotoveladas e pontapés provocando nódoas negras nas pernas à Ré.
24.–O A. dizia que o “ressono” da Ré o importunava, sendo que este estava relacionado com a doença de “apneia” da Ré.
25.–Sendo que o A. evitava ter relações sexuais com a Ré.
26.–O casal não tinha vida social activa, porque o A. não procurava companhia da Ré.
27.–Os restantes factos alegados pelo A. são destituídos de fundamento e só atestam o individualismo, egocentrismo e a alegada psicopatia por outras mulheres, que o A. sempre viveu durante o casamento.
28.–Porquanto, na constância do casamento a relação entre o A. e Réu, deteriorou-se, durante a vida em comum mas não foi por culpa do A.
29.–O comportamento do A. comprometeu e muito um casamento que se quer com amizade, companheirismo, partilha da vida a dois e sobretudo respeito, o que não aconteceu por parte do A.
30.–A Ré exerceu a actividade de advogada e trabalhava na RTP.
31.–Sendo que em 2002, rescindiu o seu contrato de trabalho com a RTP, veio a reformar-se em 2009.
32.–Era a Ré quem cuidava da filha ambos, dos filhos do seu marido, fruto do anterior casamento e cuidava da sua mãe que sofre de “alzhaimer”.
33.–Era a Ré que fazia quase todas tarefas domésticas, compras, confeccionava as refeições, e cuidava da educação e estabilidade emocional da filha de ambos e ainda dos filhos do A do anterior casamento.
34.–A Ré sempre foi uma mulher e mãe dedicada, presente, gerindo todas as despesas inerentes à vida familiar e nunca foi gastadora ao contrário do A. foi sempre um marido ausente.
35.–Dos factos alinhados pelo A. não se pode concluir que a situação de ruptura definitiva do casamento tenha sido causada pela ora Ré, ao contrário é a Ré que tem motivos fundamentados para se poder concluir que existe uma situação de ruptura definitiva do casamento.

A ré deduziu reconvenção, peticionando que seja decretado o divórcio entre autor e ré, ao abrigo do artigo 1781º alínea d) do Código Civil e invocou ainda, em síntese, para além do referido na contestação:
36.–Conforme já foi referido pela Ré/Reconvinte, desde 2009, o Autor e a Ré não partilham o mesmo leito, dormindo em casas separados e em camas separadas. 
37.–O casal viveu temporariamente em casas distintas. 
38.–Concretamente até julho de 2015, passavam os fins de semana juntos em Lisboa e Azeitão e quando o A/Reconvindo estava em casa com a Ré/Reconvinte, fizeram algumas refeições juntos.
39.–O A/Reconvindo tinha relacionamentos amorosos com outras mulheres e as discussões e desentendimentos surgiam, quando era confrontado pela Ré/Reconvinte sobre tais relacionamentos amorosos.
40.–Acontece que o A/Reconvindo e a Ré/Reconvinte, dormiam separados, porque, quando o A. chegava de madrugada a casa morada de família, queria ver televisão e ler. 
41.–Pois o A/Reconvindo durante a noite dava cotoveladas e pontapés provocando nódoas negras nas pernas à Ré. 
42.–O A/Reconvindo. dizia que o “ressono” da Ré/Reconvinte o importunava. 
43.–Na verdade, este estava relacionado com a doença de “apneia” Ré/Reconvinte. 
44.–O A/Reconvindo evitava ter relações sexuais com a Ré. 
45.–Desde logo, os factos não consubstanciam o fundamento apresentado pelo A/Reconvinte na Douta P.I, sob 28º, artigo 1781º do CC alínea a) não pode considerado, o A./Reconvindo e Ré/Reconvinte estão separados de facto desde julho 2015 ao contrário do que consta na PI. 
46.–É a Ré/Reconvinte que tem razões e fundamentos para que seja decretado o divórcio, atendendo ao comportamento reiterado do A.
47.–O dever de respeito, significa a consideração que cada um dos cônjuges deve ter pelas liberdades individuais do outro, bem como pela sua integridade física e moral. 
48.–A gravidade dos actos repetidos do Reconvindo, justifica a ruptura do casamento.
49.–Logo após 2010 iniciou relações amorosas e sentimentais com outras mulheres. 
50.–Na sequência das discussões, o Reconvindo agredia a Reconvinte psicológica e fisicamente. 
51.–O A/Reconvindo algumas vezes, regressava a casa a altas horas da madrugada, discutia e agredia verbalmente e fisicamente a Ré/Reconvinte.
52.–Isto quando chegava, porque, por vezes, pernoitava fora de casa, nem avisava a Ré e quando regressava a casa não falava com a Reconvinte.
53.–A Reconvinte, questionava-o sobre onde tinha andado e com quem tinha estado, não respondia. 
54.–A estas perguntas, o Reconvindo não respondia, dizia “que não tens nada a ver com isso” e se respondesse “seria dar-te demasiada importância”. 
55.–O Reconvindo e insultava, menosprezava e hostilizava a Reconvinte, chamava-lhe de ignorante estúpida, gorda, não sabe fazer nada, não sabe ser mulher. 
56.–A Ré/Reconvinte apresentou duas queixas-crime: Proc. 401/15.0GESTB e Proc. 94/16.7GESTB, que correm termos no DIAP de Setúbal – 1ª Secção.
57.–Durante 27 anos a Ré/Reconvinte deu todo o apoio à sua família, seu marido e sua filha, e aos filhos do anterior casamento do Reconvindo
58.–Foi sempre a Reconvinte uma mulher dedicada ao Lar conjugal, passou grande parte do seu casamento sozinha com a sua filha, quer na infância quer na adolescência.
59.–O Reconvindo pelo contrário raramente partilhava as tarefas comuns de um casal e deveres conjugais com o A/Reconvinte.
60.–Todas as situações descritas, foram como são traumatizantes, humilhantes para a Reconvinte e constituem, inegavelmente, fundamento factual de divórcio e comprometem irremediavelmente, pela sua gravidade e reiteração, a possibilidade da vida em comum entre Reconvindo e Reconvinte. 
61.–O comportamento do Reconvindo revela a violação dos deveres de respeito, fidelidade e assistência.
62.–A dissolução do casamento, a que só o A. deu causa, provocam uma tristeza, angustia, medo e infelicidade extrema.
63.–A Ré/Reconvinte, contraiu casamento civil, a ruptura do casamento abalou as mais profundas convicções da Reconvinte, cristã, considerava que o casamento era para toda a vida e que a manutenção da família constituía o seu desígnio mais profundo. 
64.–Assim, a Ré sonhava e acreditava no casamento duradoiro, para toda a vida, que edificou com amor, carinho e lealdade.
65.–A Ré é uma pessoa sensível e estimada no meio onde vive e onde trabalhava e está profundamente traumatizada por ver acabar um projecto de vida matrimonial, que lhe provocou uma depressão profunda.
66.–Assiste à Reconvinte o direito de exigir o divórcio nos termos dos artigos 1781º alínea d) do Código Civil.
67.–É seu propósito não restabelecer a vida em comum, não se sente amada e sente-se humilhada e violentada.
68.–O Reconvindo violou os deveres de respeito, cooperação, assistência e fidelidade, não mais quer manter um casamento com uma pessoa que se tornou num agressor para a Ré/Reconvinte. 
69.–Embora a culpa seja irrelevante para o efeito de decretar o divórcio, não o é como elemento do conceito “ruptura definitiva do casamento”; daí que a questão da violação culposa ou inobservância dos deveres conjugais continua a ser relevante na apreciação da “ruptura definitiva do casamento” consagrada na lei.
70.–O actual regime jurídico do divórcio instituído pela Lei nº. 61/2008 de 31/10 eliminou a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge e alargou os fundamentos objectivos da ruptura conjugal.

O Autor replicou, em 30.08.2016, impugnando grande parte do alegado pela ré, e finalizou, requerendo que o pedido reconvencional seja julgado improcedente e que a acção seja julgada procedente, nos termos requeridos na petição inicial e que, a final, seja decretado o divórcio do autor/reconvindo e da ré/reconvinte, nos termos e com os fundamentos invocados na pi.. 

Em 17.11.2016 foi proferido despacho saneador, dispensada a realização da audiência prévia. Foi identificado como objecto do litígio, a existência de fundamento para que seja decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge e foram enumerados como temas de prova os factos alegados por ambas as partes e referentes à violação dos deveres de respeito, cooperação, coabitação e a cessação da coabitação entre o casal há mais de um ano.

Foi levada a efeito a audiência final, com sessões em 21.06.2017 e 26.06.2017. Nesta última sessão a ré requereu a junção de dois documentos, um dos quais um despacho datado de 16.11.2016, proferido no processo 401/15.0GESTB em fase de inquérito no DIAP, no sentido do deferimento de constituição de assistente da ré nesse processo, destinados a esclarecer o Tribunal, relativamente aos factos descritos nos articulados e, ainda relacionados com as datas da separação de facto, bem como a ruptura do vínculo matrimonial. Requereu ainda a ré que, se o Tribunal entendesse por conveniente, se oficiasse ao DIAP para que fosse enviada certidão, na qual constasse a data da queixa e outros elementos que entenda por convenientes, relacionados com os factos descritos nos articulados, invocando a ré desconhecer se o mesmo ainda está em segredo de justiça.
 
O autor respondeu e, para além de invocar ser manifestamente intempestiva tal junção, pois a ré tinha conhecimento do despacho em data anterior à alegada, pugnou pelo indeferimento do requerido, mais alegando não se alcançar o que pretende a R./Reconvinte com tal junção, porquanto não se encontra transitada em julgado qualquer sentença condenatória, pelo que retirar ilações da existência de um processo crime, nomeadamente de um crime público, a prova da prática de actos ilícitos escapa à matéria da competência do Tribunal de Família.
 
Mais salientou o autor que, caso venham tais documentos a ser admitidos, na sua junção aos autos, não deixará o A. de requerer a junção de despacho de arquivamento de outras duas queixas apresentadas pela R./Reconvinte já depois da distribuição dos presentes autos de divórcio e nos quais o A. foi constituído arguido até para exercício do seu direito de defesa.

O Tribunal a quo proferiu despacho, indeferindo a junção de documentos pretendidos juntar pela requerida por não serem legalmente admissíveis, invocando: (…) Na verdade, quanto ao primeiro, dele apenas resulta relatada uma reparação de computador e, quanto ao segundo, dele consta que correrá termos um processo de inquérito no qual nada se conhece acerca da bondade dos factos dele constantes ou da falta dela, pois que inexiste ainda decisão transitada em julgado. Quanto ao mais requerido, não vê o Tribunal qualquer relevância com a informação pretendida extrair do DIAP - conclusão a que se chega na exacta ponderação do que anteriormente se afirmou, ou seja, que apenas se iria alcançar uma informação sobre a data da queixa e eventuais factos indiciados, sobre os quais o Tribunal se não pronunciou ainda na sua sede própria.
 
Em 04.07.2017, o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: 
Em face do exposto e por aplicação das mencionadas normas jurídicas,
1.–Julgo procedente a acção e, em conformidade, 
a)- decreto o divórcio entre Jorge e Helena, por separação de facto do casal por mais de 1 ano consecutivo e
b)- declaro dissolvido o casamento civil que entre si celebraram em 30/11/1988.
2.–Julgo improcedente a reconvenção.
Custas pela Ré/Reconvinte, que contestou a acção e decaiu na reconvenção.
Registe e notifique.
Após trânsito, cumpra o artigo 78º do Código de Registo Civil.
 
Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs, em 22.09.2017, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i.-   Ora, e salvo o devido respeito andou mal o Tribunal a quo, ao dar como provado, os factos relativos à cessação da vida em comum e que serviram para consideração da existência de uma separação de facto pelo menos desde 2010, como sejam a vida física e afectiva que, desde essa data, cada um vinha vivendo separadamente um do outro.
ii.- Ao considerar não demonstrados os factos que autonomamente vinham destinados a provar a ruptura, a Reconvenção irá improceder.
iii.-  Não há prova bastante que desde 2009/2010, não fazem refeições juntos, não têm relacionamento sexual, não saem juntos, não passam férias, fins de semana ou feriados juntos.
iv.-    A questão essencial, se há fundamento para ser decretado o divórcio por ruptura definitiva, casamento entre Recorrente e Recorrido, artigo 1781º alínea d) outros factos datados de 2015, maus tratos graves e reiterados.
v.-    De salientar que factos não provados e até figurem ilícitos por perpetrados “entre duas paredes” são de difícil prova.
vi.-  A Recorrente foi vítima de violência doméstica, A Recorrente apresentou duas queixas-crime: Proc. 401/15.0GESTB e Proc.94/16.7GESTB, que correm termos no DIAP de Setúbal – 1ª Secção.
vii.-   Sabemos que o casamento se baseia na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges – artigo 1671º do CC. E o artigo 1672º do CC enuncia esses deveres e estabelece que, “os cônjuges estão reciprocamente vinculados por deveres de respeito, coabitação, cooperação e assistência”.
viii.-     A Recorrente, entende e considerando a prova nos autos, que não se pode concluir que a comunhão de vida entre a Recorrente e o Recorrido foi posta em crise em 2009/2010, com quebra de laços afetivos, ruptura definitiva do casamento não demonstra o fundamento do divórcio conforme pedido pelo Recorrente mas sim em 2015, conforme pedido divórcio conforme artigo 1781 alínea d) na Contestação / Reconvenção.
ix.-   Desde logo, os factos não consubstanciam o fundamento apresentado pelo Recorrido, na sua Petição, artigo 1781º do CC alínea a), pois estão separados de facto desde Julho de 2015.
x.-   O Recorrido violou os deveres de respeito, cooperação, assistência e fidelidade, não mais quer manter um casamento com uma pessoa que se tornou num agressor.
xi.-  Resulta do depoimento das testemunhas, Srª Ana, Srª Adelina, declarações da Recorrente, que discutiam com frequência, por constar que o Recorrido tinha relacionamentos amorosos com outras mulheres e quando era confrontado pela Recorrente agredia psicológica e fisicamente, tais factos graves consubstanciam a violação por parte do Recorrido dos deveres conjugais de fidelidade e respeito.
xii.-    Embora a culpa seja irrelevante para o efeito de decretar o divórcio, não o é como elemento do conceito “ruptura definitiva do casamento”; daí que a questão da violação culposa ou inobservância dos deveres conjugais continua a ser relevante na apreciação da “ruptura definitiva do casamento” consagrada na lei. 
xiii.-    O actual regime jurídico do divórcio instituído pela Lei nº. 61/2008 de 31/10 eliminou a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge e alargou os fundamentos objectivos da ruptura conjugal.
xiv.-   Conforme Ata de audiência e discussão de julgamento, datada de 26.6.17, a Recorrente requereu ao Douto Tribunal a junção de documentos relacionados com indícios fortes à prática reiterada de violência doméstica e ainda que se oficie o DIAP.
xv.-     Sendo que o Douto Tribunal andou mal ao indeferiu tal requerimento, afigurasse fulcral para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa o deferimento do Requerimento, nomeadamente “outros factos que levaram à ruptura definitiva e a data dos mesmos.”
xvi.-    Os depoimentos testemunhais indicam que o Recorrente maltratava fisicamente e psicologicamente a Recorrente, provocando-lhe tristeza, angustia e que se separam em 2015, tal deveria ter sido dado como provado. Pelo que, ao não considerar assim, a Douta Sentença fez um errado julgamento da prova, artigo 685ºB nº 1 a) e b) e nº2 do CPC.
xvii.-    A prova das discussões, maus tratos físicos e psicológicos do Recorrido sobre a Recorrente, aliada à prova da separação de facto de ambos em 2015, mesmo com duração inferior a 1 (um) ano seriam motivo para a procedência do pedido de divórcio na Contestação / Reconvenção, por outros factos reiterados, por integrarem a previsão legal do artigo 1781º nº 1 d) do CC.
xviii.-    Mesmo sem a prova, de violência doméstica, indeferida pelo Douto Tribunal, ainda assim subsistem motivos para a procedência do pedido, pois a simples constatação da separação de facto, ainda que por menos de um ano, aliada à prova do propósito da autora de não reatar a relação conjugal com o Recorrido, constituem motivos suficientes para a procedência do pedido de divórcio, tal com consta da sua Contestação com Reconvenção, conforme o artigo. 1781º nº 1 d) do CC.
xix.-     A Recorrente impugna a matéria dada como provada, conforme Motivação sob nºs 47 a 70.

Pede, por isso, a apelante, que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida e decretado o divórcio entre a Recorrente e Recorrido, conforme pedido na sua Contestação/Reconvenção com os fundamentos do artigo 1781º d) do CC.

O autor não apresentou contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
 
II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.
 
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
 
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i)- DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA E OS ESPECÍFICOS ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO IMPOSTOS AO RECORRENTE;
ii)- DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS. 
 
O que implica a análise:      
–DOS FUNDAMENTOS LEGAIS DO DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES.
 
III.–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
 
Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:
1.–Autor e Ré contraíram casamento civil em 30/11/1988, sem convenção antenupcial - doc. de fls. 14.
2.–Desse casamento nasceu uma filha, Filipa, maior.
3.–O A. tem 2 filhos do seu anterior relacionamento, os quais ficaram aos cuidados do casal.
4.–A filha comum, Filipa, foi residir com os avós maternos com cerca de 1 ano de idade.
5.–Em toda a convivência do casal, normalmente era o A. quem cozinhava. 
6.–O Autor é Jornalista - Repórter Fotográfico.
7.–No exercício da sua profissão, trabalhou habitualmente para diversas revistas de moda e eventos sociais, colaborando também com revistas digitais de fotografia – incluindo no âmbito de projectos próprios.
8.–Nesse exercício, era e é regular efectuar entrevistas e trabalhos fotográficos com personalidades e figuras públicas – designadamente actrizes e modelos. 
9.–Nesse exercício, o A. participava com regularidade em eventos sociais, muitas das vezes em período nocturno.
10.–A Ré aceitou sempre com reservas essa proximidade do marido com mulheres famosas e apontou-lhe, por diversas vezes, relacionamentos íntimos com algumas delas.
11.–Tal assunto, quando trazido à conversa, originou frequentes discussões entre o casal.
12.–A Ré trabalhou para a RTP até 2002.
13.–Em 2003, com o casal cada vez mais afastado em termos afectivos, a Ré passou a residir em Azeitão – com a filha, então com 14 anos de idade - e o A. ficou a residir durante a semana na casa que já tinha do anterior casamento e onde residiu com a Ré, em Lisboa.
14.–O A. apenas aos fins de semana ia – não sempre - ter com a Ré e a filha a Azeitão.
15.–O. A. contribuía para as despesas da casa.
16.–Em 2009, a filha Marta saiu de Azeitão para ingressar na Universidade.
17.–Desde data não concretamente apurada, mas não depois de 2009, A. e R. deixaram de partilhar o leito e o A. passou a dormir, nesses fins-de-semana, num anexo da de Azeitão.
18.–Desde data não concretamente apurada, mas não depois de 2010, que não mantêm qualquer relacionamento sexual.
19.–Esses fins-de-semana eram o único período em que partilhavam algumas refeições, feitas pelo A.
20.–Desde o referido período 2009/2010 que deixaram de fazer férias juntos – as quais tinham partilhado apenas 1 ou 2 vezes ao longo do casamento.
21.–O A. deixou de comunicar à Ré os seus períodos de férias.
22.–Deixaram de ter vida social conjunta, saindo cada um com o seu núcleo de amigos e conhecidos.
23.–O A. pernoitava fora de casa sem nada comunicar à Ré.
24.–Durante todo o período do casamento, desde 1988, o Autor e a Ré foram juntos à praia em 3 ou 4 vezes.
25.–Em meados do 2015, por determinação da Ré/Reconvinte, o A. deixou de frequentar a casa de Azeitão – onde não mais voltou com excepção de 1 vez, em 2016, quando foi buscar objectos seus.
26.–E deixou de contribuir para as despesas da casa.
27.–Desde então, o casal já quase não fala entre si.
28.–Nessa casa reside também a mãe da Ré, a quem a Ré presta continuamente cuidados por a sua mãe padecer da síndrome de Alzheimer, com afectação das capacidades para as actividades da vida diária – fls.53 e 58.
29.–A constatação do fracasso do seu casamento provocou na Ré sentimentos de tristeza e angústia.
30.–Após a ruptura de 2015, a Ré procurou psicológico apoio junto de pessoas amigas.
31.–Não existe, nem da parte do A. nem da Ré, pelo menos desde 2010, a vontade em retomar o casamento e a partilha de vida.
32.–A presente acção foi proposta em 29.10.2015. 
 
B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
 
i)- DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA E OS ESPECÍFICOS ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO IMPOSTOS AO RECORRENTE
 
Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui: (…)
 
Sempre que haja sido gravada a prova produzida em audiência, o Tribunal da Relação dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa. 
 
Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, sempre poderia este Tribunal da Relação proceder à reapreciação da prova.
 
Vejamos se a recorrente deu observância aos específicos ónus de impugnação legalmente exigidos. 
 
No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640º, do Código Processo Civil que: (…)
 
A exigência legal implica, consequentemente, a indicação, pelo recorrente, de forma precisa, clara e determinada, dos concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal de 1ª instância. E, implica ainda a fundamentação dessa sua divergência com expressa referência às provas produzidas, i.e., indicando os pontos concretos de prova eventualmente desconsiderados, ou indevidamente considerados, bem como a indicação dos pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento. 
 
E, compreende-se esta rigorosa exigência legal visto que a intenção do legislador ao permitir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não foi consagrar a simples repetição das audiências no Tribunal da Relação, mas detectar e corrigir concretos, apontados e fundamentados erros de julgamento. 
 
De resto, e como se defende no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.12.2008 (Pº 08A3489), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt., (…) o que o legislador quis foi proibir a impugnação genérica da decisão da matéria de facto, mediante simples manifestação de discordância. 
 
Igualmente se referiu no Ac. STJ de 07.09.2017 (Pº 959/09.2TVLSB.L1.S1) que: No nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspectiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure.
 
Com efeito, o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu ponto de vista, tornam patente um tal erro. Tem, por isso, o recorrente, de explicar e desenvolver os fundamentos que mostram que a decisão de 1ª instância está incorrecta quanto ao julgamento da matéria de facto, explicação que deve consistir na apreciação dos meios de prova que justificam decisão diversa da impugnada, o que implica, necessariamente, a indicação do conteúdo dos meios de prova invocados, a sua relevância e valoração. 
 
A exigência da especificação pelo recorrente dos pontos concretos que considera incorrectamente julgados impõem-se para que o recorrido e o tribunal ad quem, que há-de julgar o recurso, fiquem habilitados a conhecer nitidamente o objecto da impugnação, os factos sobre que esta incide. A parte contrária necessita de o saber para exercer o seu direito ao contraditório e porque lhe incumbe, na resposta ao recurso, indicar os depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente; o Tribunal ad quem carece de o saber para poder reapreciar, com segurança e reflexão, o julgamento cuja exactidão se impugna.
  
Pretende a lei, por conseguinte, ao impor ao recorrente os citados ónus, desmotivar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto, e a sua não observância acarreta a rejeição do recurso – cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 55 e FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 170.
 
Este especial ónus de alegação a cargo do recorrente, deve ser cumprido com o todo o rigor, sendo certo que o ónus de indicar claramente os pontos determinados da matéria de facto que o recorrente reputa de mal julgados, de indicar com precisão os meios de prova que justificam decisão diversa, e de fundamentar a imputação do erro de julgamento da decisão de facto, constitui até uma simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando a própria seriedade do recurso. 
 
No caso em apreço, muito embora a apelante pretenda impugnar a matéria de facto, não se mostra ter sido observada a supra mencionada exigência legal prevista no artigo 640º do CPC.
 
Não resulta das conclusões da alegação da recorrente o cumprimento da aludida exigência legal, nem sequer se colhe do corpo alegatório da recorrente, a especificação, de  forma precisa, clara e determinada, dos fundamentos que mostram que a decisão de 1ª instância está incorrecta quanto ao julgamento da matéria de facto, já que não efectua uma concreta apreciação de quais os concretos pontos de facto em que discorda da apreciação do tribunal de 1ª instância e, correspondentemente, quais os respectios meios probatórios que justificam decisão diversa da impugnada, o que, obviamente, pressupõe a indicação do conteúdo desses meios de prova que entende não terem sido devidamente considerados ou que foram erradamente considerados e os que contrariam os invocados pelo Tribunal a quo, a sua relevância e valoração.
 
Acresce que cabia à recorrente o ónus processual de indicar as passagens das gravações desses depoimentos que justificam uma decisão diversa daquela tomada pelo tribunal recorrido, como a lei impõe,  não  bastando,  como é  evidente, indicar  o início  e  o  fim  dos depoimentos, sendo certo que a recorrente identificou três testemunhas que, segundo afirmou, terão abordado a questão da separação entre autor e ré e procedeu a umas esparsas e desconexionadas transcrições de excertos dos depoimentos prestados em julgamento que considerou relevantes para fundamentar a sua discordância, com relação à apreciação efectuada pelo tribunal de 1ª instância, sem que se perceba convenientemente quais os efectivos factos que foram julgados provados que a apelante discorda, ou quais os concretos factos que foram eventualmente julgados não provados que deveriam ter sido dados como provados em resultado dos depoimentos das identificadas testemunhas, por forma a ter em conta, no reexame das provas, tais factos que derivavam dos concretos meios probatórios, em detrimento dos demais meios probatórios e, portanto, da irrelevância da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, e/ou a sua irrazoabilidade, para se poder concluir pela eventual verificação de erro de julgamento.
 
Na verdade, as únicas considerações entendíveis que resultam da alegação de recurso da apelante consistem na sua pretensão de que tivesse sido dado como provado que o autor/apelado “maltratava fisicamente e psicologicamente a recorrente, provocando-lhe tristeza, angústia e que se separaram em 2015”.
 
Ora, como é evidente a alegação de que o autor maltratava física e psicologicamente a ré é matéria manifestamente conclusiva, pelo que nunca poderia ser dada como provada, sem que tivesse sido demonstrada a factualidade concreta e temporalmente definida, sendo que a apelante nem sequer alegou que tal concreta factualidade haja sido esclarecida pelas testemunhas que referenciou. Já quanto à invocada separação, tal resulta do conjunto da factualidade dada como provada – Nºs 16 a 25 da Fundamentação de Facto.
 
De resto, na fundamentação da decisão de facto, o Tribunal a quo justificou - e bem - a não demonstração da alegada “violência física e psicológica”, da forma seguinte:
(…)
relativamente à alegada violência física e psicológica do A. para com a Ré, o que resultou provado foi que ambos discutiam com frequência – começando um e ripostando o outro. Donde, sendo jurídico-conclusiva a afirmação de violência (art. 17º da contestação), nada suporta tal afirmação para além da invocação de 2 circunstâncias que nada provam, como sejam a dedução de queixas-crime e a pendência de inquéritos. E, quanto ao adjectivo de “gorda”, disse a Ré que tal aconteceu já depois de o A. ter saído definitivamente da casa de Azeitão, após o Verão de 2015, desconhecendo-se o exacto contexto - tal como se não pode relevar para a ruptura o apoio psicológico da amiga, em 2015, porquanto a reflexão sobre o fracasso do seu casamento e o apoio diário e constante que tem de prestar à mãe com Alzheimer afectarão, como é natural, o seu equilíbrio emocional. E não se provou, o que teria sido importante, que o A. tivesse batido na Ré, que se lhe dirigisse nos termos apontados na contestação/reconvenção ou que, solicitado apoio psicológico pela Ré, aquele lho tivesse negado.
 
Ora, como é consabido, consagra o nº 5 do artigo 607º do CPC o princípio da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide segundo a convicção prudente que tenha formado acerca de cada facto, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso esta não pode ser dispensada.       
 
De harmonia com esse princípio, ao qual se contrapõe o princípio da prova legal, as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram no julgador acerca da existência de cada facto, só cedendo às situações de prova legal que se verifiquem, designadamente, tendo em consideração o disposto nos artigos 350º, nº 1, 358º, 371º e 376º todos do Código Civil, nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais. 
 
No caso vertente, a prova produzida assentou nos depoimentos das testemunhas ouvidas, pelo que não estando em causa uma prova tarifada, há que considerar que se deverá atender à convicção criada no espírito do juiz, com observância das regras de prudência na apreciação das provas, sendo as mesmas valoradas de acordo com critérios de razoabilidade. 
 
E, resulta da fundamentação da matéria de facto em apreço vertida na sentença recorrida, que o Tribunal a quo efectuou uma ponderação de todas as provas produzidas:  os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas aos factos que deu como provados, procedendo, como cumpre, a uma análise crítica e coerente dessas provas.
 
Considerando que está manifestamente em causa uma impugnação genérica da decisão da matéria de facto, mediante simples manifestação de discordância, o que o legislador rejeitou ao impor, a cargo do apelante, os concretos ónus previstos no citado artigo 640º do CPC, a que a recorrente não deu integral cumprimento, pretendendo, ao invés a inclusão de matéria totalmente conclusiva, impedido está este Tribunal da Relação de reponderar a prova produzida em que assentou a decisão recorrida, com relação à matéria impugnada.
 
Sucumbe, por conseguinte, a impugnação da decisão de facto, a qual se mantém nos seus precisos termos.
 
ii)- DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
 
De harmonia com o disposto no artigo 1781º do Código Civil, são fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges:
a)-A separação de facto por um ano consecutivo; 
b)-A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum; 
c)-A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano; 
d)-Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento.
 
A presente acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges assentou, na sentença recorrida, na ruptura definitiva do casamento, atenta a separação de facto por mais de um ano consecutivo.
 
Como decorre do 1782º do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº 61/2008 de 31 de Outubro, que entrou em vigor em 30.11.2008, entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo 1781º, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges (elemento objectivo) e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer (elemento subjectivo). 
 
A referida Lei nº 61/2008, de 31.10, eliminou a culpa como fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, tendo consagrado na nossa ordem jurídica o designado modelo de “divórcio constatação da ruptura conjugal”, inspirado na concepção de divórcio unilateral e  potestativo,  em  que  qualquer  um  dos  cônjuges pode  pôr termo ao casamento, com fundamento em factualidade que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do matrimónio, desta forma se tendo abandonado a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais, o chamado “divórcio-sanção”.

Como se refere, por exemplo, no Ac. STJ de 09.02.2012 (Pº 819/09.7MPRT.P1.S1) a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, limitou-se a aprofundar o modelo “moderno” de casamento, por contraposição ao seu modelo “tradicional”, modelo esse que “desvaloriza o lado institucional e faz do sentimento  dos  cônjuges,  ou  seja,  da  sua  real  ligação  afectiva,  o  verdadeiro fundamento do casamento”, que passa a ser “tendencialmente”, ou, no limite, antes que uma “instituição”, “uma simples associação de duas pessoas, que buscam, através dela, uma e outra, a sua felicidade e a sua realização pessoal”, ideia que justifica e propugna a dissolução jurídica do vínculo matrimonial quando, independentemente da culpa de qualquer dos cônjuges, ele se haja já dissolvido de facto, por se haver perdido, definitivamente, e, sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum. 

Com efeito, o chamado divórcio-ruptura, em contraposição ao divórcio-sanção, funda-se em causas objectivas, designadamente a separação de facto, reconhecendo-se que o vínculo matrimonial se pode perder independentemente da causa do fracasso da vida conjugal.

Ora, no caso vertente, ficou provado que a autora e o réu haviam contraído casamento em 30.11.1988. Em 2003 passaram a viver em casas separadas - o autor em Lisboa e a ré em Azeitão - e, desde data não concretamente apurada, mas não depois de 2009, autor e ré deixaram de partilhar o leito e, mesmo nos fins de semana em que o autor se deslocava à casa em Azeitão, dormia num anexo da casa, partilhando apenas algumas refeições que eram efectuadas pelo autor. Mais se apurou que o casal, pelo menos, desde 2010, não mantêm qualquer relacionamento sexual, deixaram de fazer férias juntos e de ter vida social conjunta e que, em meados de 2015, o autor nunca mas voltou à casa de Azeitão, excepto uma vez, em 2016, quando ali foi buscar objectos seus - v. Nºs 13 a 25 da Fundamentação de Facto.
 
Mais se provou que nem o autor, nem a ré têm qualquer propósito de restabelecer a vida em comum – v. Nº 31 da Fundamentação de Facto.
 
É certo que se provou que, a total ausência de qualquer contacto entre autor e ré ocorreu em meados de 2015 e que a acção de divórcio foi por este intentada em 29.10.2015. 
 
Não se ignora que alguma jurisprudência tem vindo a considerar a superveniência do prazo relativo à separação à data do encerramento da discussão da causa, nos termos do artigo 663º do CPC, com base na prevalência do princípio da actualidade – v. nomeadamente, Acs. STJ de 03.11.2005 (Pº05B2266), e de 06.03.2007 (Pº 07A297); Ac. R.L. de 15.5.2012 (Pº 1017/09.5TMLSB.L1-7) , acessíveis em www.dgsi.pt.
 
Defende, por outro lado, grande parte da doutrina e da jurisprudência que o pressuposto da duração temporal da separação se deve verificar à data da propositura da acção – v. a propósito, ABEL PEREIRA DELGADO, O Divórcio, 1980, 69, FERNANDO BRANDÃO FERREIRA PINTO, Causas do Divórcio, 1980, 122,  TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio e Questões Conexas (Regime Jurídico Actual), 2ª ed. 67 a 68,  Acs. STJ de 24.10.2006 (Pº 06B2898); de 10.10.2006 (Pº06A2736) e de 03.10.2013 (Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/140514" target="_blank">2610/10.9TMPRT.P1</a>.S1); Acs. R.P.de 14.06.2010 (Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/143999" target="_blank">318/09.7TBCHV.P1</a>), de 15.03.2011 (Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/143076" target="_blank">5496/09.2TBVFR.P1</a>), e de 29.03.2011 (Pº 1506/09.1TBOA2.P1); Ac. da R.G. de 11.09.2012 (Pº 250/10.1TBMBRG.G1); Ac. R.E. de 21.03.2013 (Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/209370" target="_blank">292/10.7T2SNS.E1</a>); Acs. da R.L. de 10.02.2011, (Pº 568/09.6TBMFR.L1-2), de 15.05.2012 (Pº 9139/09.6TCLRS.L1-7), de 22.10.2013 (Pº 16/11.1TBHRT.L1-7) e de 17.12.2015 (Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/106914" target="_blank">425/13.1TMLSB.L1-2</a>), no qual a ora relatora foi ali 1ª adjunta.
 
Sufraga-se, é certo, esta última posição doutrinária e jurisprudencial, por se entender que o pressuposto da duração temporal da separação se deverá verificar à data da propositura da acção. 
 
É que, o disposto na alínea a) do artigo 1781.º do CC tem natureza marcadamente substantiva, e mostra-se densificada no n.º 1 do artigo 1782.º do CC, que visa preservar um período de tempo considerado essencial para a consolidação da situação de facto, como que a presumir, juris et de jure, a ruptura definitiva do vínculo conjugal, sem envolver, no entanto, a prova específica ou directa desta, como sucede na hipótese prevista na alínea d) do aludido artigo 1781º.
 
O pressuposto factual consubstanciado na duração daquele prazo assume a natureza de um facto constitutivo do direito potestativo de requerer o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, essencial para a procedência da acção, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do CC.   
 
Sucede que o fundamento de divórcio invocado pelo autor assenta no preceituado na alínea a) do artigo 1781º do Código Civil, e a verdade é que, no caso vertente, e como bem se decidiu na sentença recorrida:
(…)  pelo menos desde 2010 se verifica uma flagrante “ausência de comunhão de vida entre os cônjuges” e, embora ambos fossem mantendo o vínculo formal do casamento (quiçá em nome da filha menor, de tradições ou preconceitos sociais), a quebra dos afectos e a vida pessoal que cada um foi seguindo em separado do outro levam-nos a concluir que, pelo menos desde essa data, ambos assumiram o corte no casamento e o firme propósito em o não restabelecer – mais: a Ré disse até na audiência de discussão e julgamento que deixou de gostar do marido logo em 1990 que desde essa data nada mais quis com ele!
Ou seja, temos por certa a existência de separação de facto, tal como a lei concebe no artigo 1782º do Código Civil, pelo menos desde 2010.
 
Considera-se, portanto, corroborando-se o decidido na sentença recorrida, que quando o autor intentou a presente acção – 29.10.2015 - a separação de facto entre o casal composto por autor e ré, traduzida na vida física e afectiva que cada um, separadamente, efectuava, já ocorria há muito mais de um ano.
 
De resto, provado também ficou que nem o autor, nem a ré  têm qualquer propósito de restabelecer a vida em comum.
                        
E, assim sendo, a apelação não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.
 
As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento em virtude do apoio judiciário de que beneficia.
 
IV.–DECISÃO.
 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
 
As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento em virtude do apoio judiciário de que beneficia.
 


Lisboa, 10 de Maio de 2018



Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Arlindo Crua

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA. I.–RELATÓRIO: JORGE …, residente na Rua …….. veio intentar, em 29 de Outubro de 2015, a presente acção especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge contra HELENA, residente em Rua ……, pedindo que seja decretado o divórcio entre as partes. Fundamentou o autor esta sua pretensão, por se mostraram preenchidas as alíneas a) e d) do art. 1781º do Código Civil, invocando, em síntese, o seguinte: 1.–O Autor e a Ré casaram no dia 30.11.1988, sob o regime de Comunhão de Bens Adquiridos. 2.–Deste casamento nasceu uma Filha - Filipa -, maior de idade, nascida em 04.10.1989, atualmente com 26 anos de idade. 3.–Ao longos dos anos, o casal passou por algumas crises conjugais, as quais fomentaram cisões na relação marital; 4.–Estes desentendimentos consubstanciaram-se em discussões verbais entre o Autor e a Ré, discussões que se foram tornando cada vez mais frequentes. 5.–O Autor exerce a profissão de Jornalista e Fotógrafo, trabalhando atualmente no grupo …. fazendo trabalhos regulares para as revistas …… e ainda colabora em revistas digitais de fotografia. 6.– No exercício da sua profissão, o Autor faz projectos próprios e fez e continua a fazer entrevistas e trabalhos fotográficos com personalidades e figuras públicas do chamado “Jet 7”, conhecendo por esse motivo muita gente, sobretudo mulheres, actrizes e modelos. 7.–Acontece que a Ré nunca compreendeu desta proximidade que o Autor tem com algumas Mulheres “famosas” e que decorre exclusivamente do exercício da sua profissão, pelo que, por diversas vezes, a Ré confrontava o Autor, dizendo que o mesmo mantinha relacionamentos com as mulheres que ia conhecendo e fotografando em trabalho. 8.–Essas atitudes da Ré, que ainda se verificam actualmente, originaram grandes discussões entre o casal e, por essas razões e porque já não se conseguem entender, o Autor e a Ré não partilham o mesmo leito, dormindo em casas e em camas separadas, desde de 2009, ou seja, há pelo menos 6 anos. 9.–O Autor e a Ré não têm qualquer relacionamento sexual desde 2009, fazem todas as refeições do dia separados. 10.–Mantêm vidas sociais separadas, deixaram de passar fins-de-semana juntos e quase não falam entre si. 11.–O Autor não quer retomar a relação matrimonial, nem quer estar casado com a Ré, pretendendo divorciar-se da mesma, e refazer a sua vida sem a companhia da Ré. 12.–Assim, por um lado, a gravidade e reiteração da conduta da Ré compromete, irremediavelmente, a possibilidade de vida em comum; e, por outro lado, a vida separada que levam o Autor e a Ré, e a vontade do Autor de manter essa vida separada, também não permite reestabelecer qualquer vínculo conjugal; pelo que, é definitiva a ruptura do casamento. Depois de vários adiamentos, teve lugar em 02.06.2016, a Tentativa de conciliação que se não logrou obter, pois ambos os cônjuges persistem no intuito de se divorciar. Não foi igualmente possível a convolação do divórcio sem consentimento do outro cônjuge em divórcio por mútuo consentimento. Pelas partes foi dito que: - Não há filhos menores; - A casa de morada de família fica atribuída ao cônjuge marido; - A cônjuge mulher não prescinde de alimentos no valor de €400,00 mensais, sendo que o A. não concorda com a quantia requerida, pelo que foi proferido despacho notificando a ré para contestar. A Ré contestou, em 05.07.2016, impugnando a factualidade alegada pelo autor e pugnando pela improcedência do pedido tal como formulado na acção, sustentou que o casamento haveria de ser decretado com base na ruptura definitiva do casamento, pretendendo que o divórcio seja decretado nos termos do disposto do artigo 1781º alínea d) do Código Civil. Alegou, a ré, em síntese, que: 1.–O autor tinha relacionamentos amorosos com outras mulheres. 2.–As discussões e desentendimentos surgiam, quando era confrontado pela Ré sobre tais relacionamentos amorosos. 3.–Raramente, o A. tomava as refeições em família. 4.–Sucedeu que, até julho de 2015, quando o A. estava em casa com a Ré, fizeram algumas refeições juntos. 5.–Habitualmente o A. não passava as férias com a Ré, nem com a filha de ambos, nem com os filhos do anterior casamento. 6.–Em boa verdade, o A. foi um marido ausente do lar conjugal. 7.–O A. não comunicava à Ré nem aos seus filhos e filha o período das suas férias, nem as deslocações ao estrangeiro. 8.–Quando já estava no Aeroporto, enviava uma “sms” à Ré. 9.–O casal viveu temporariamente em casas distintas, no entanto até Julho de 2015, passava alguns fins de semana juntos em Lisboa e Azeitão. 10.–Acontece que, em 27 anos de casamento, o A. foi três ou quatro vezes à praia no Verão com a Ré, sendo que quando a Ré confrontava o A, respondia que “não tinha de lhe dar satisfações”. 11.–O A. gritava enraivecidamente, com ataques de fúria, atirava objectos ao chão, pontapeava tudo o que encontrava no seu caminho. 12.–É verdade que o comportamento reiterado do A. causava frequentes discussões entre o casal. 13.–Na sequência dessa discussão, o A. algumas vezes, agrediu a Ré psicológica e fisicamente, tendo a Ré apresentado duas queixas-crime: Proc. 401/15.0GESTB e Proc. 94/16.7GESTB, que correm termos no DIAP de Setúbal – 1ª Secção. 14.–O A. está reformado há cerca de 3 anos do IPSS, trabalha no Grupo …, colabora na empresa RTP e ainda empresário em nome individual – …..  dedica-se à venda de bijutaria e acessórios de moda, em Lisboa. 15.–Ao contrário do que é afirmado pelo A. na p.i. enquanto Repórter Fotográfico faz trabalhos fotográficos com actrizes e modelos, “personalidades e figuras públicas do chamado “Jet 7”, faz também fotografias a outras mulheres. 16.–E ainda, publica fotos de “nus de mulheres” que não são “celebridades”, em ….. e ainda no Facebook. 17.–Na constância do casamento, a Ré ficou extremamente chocada ao tomar conhecimento do teor das mensagens amorosas que o A. recebia de outras mulheres assim como fotos de “nus”. 18.–Ainda durante a vivência em comum, o A. partilha no Facebook uma relação aberta, omitindo o seu estado civil de casado. 19.–A Ré viu ruir o seu projecto de vida em comum que sempre acreditou. 20.–Com esta atitude reiterada do A. a Ré sente-se vexada e humilhada pelo facto de ter sido traída e enganada pelo A, o que atingiu a sua honra e dignidade. 21.–Nem que desde 2009, o Autor e a Ré não partilham o mesmo leito, dormindo em casas separados e em camas separadas. 22.–Acontece que A e a Ré, dormiam separados, porque, quando o A. chegava de madrugada a casa morada de família, queria ver televisão e ler. 23.–Pois o A. durante a noite dava cotoveladas e pontapés provocando nódoas negras nas pernas à Ré. 24.–O A. dizia que o “ressono” da Ré o importunava, sendo que este estava relacionado com a doença de “apneia” da Ré. 25.–Sendo que o A. evitava ter relações sexuais com a Ré. 26.–O casal não tinha vida social activa, porque o A. não procurava companhia da Ré. 27.–Os restantes factos alegados pelo A. são destituídos de fundamento e só atestam o individualismo, egocentrismo e a alegada psicopatia por outras mulheres, que o A. sempre viveu durante o casamento. 28.–Porquanto, na constância do casamento a relação entre o A. e Réu, deteriorou-se, durante a vida em comum mas não foi por culpa do A. 29.–O comportamento do A. comprometeu e muito um casamento que se quer com amizade, companheirismo, partilha da vida a dois e sobretudo respeito, o que não aconteceu por parte do A. 30.–A Ré exerceu a actividade de advogada e trabalhava na RTP. 31.–Sendo que em 2002, rescindiu o seu contrato de trabalho com a RTP, veio a reformar-se em 2009. 32.–Era a Ré quem cuidava da filha ambos, dos filhos do seu marido, fruto do anterior casamento e cuidava da sua mãe que sofre de “alzhaimer”. 33.–Era a Ré que fazia quase todas tarefas domésticas, compras, confeccionava as refeições, e cuidava da educação e estabilidade emocional da filha de ambos e ainda dos filhos do A do anterior casamento. 34.–A Ré sempre foi uma mulher e mãe dedicada, presente, gerindo todas as despesas inerentes à vida familiar e nunca foi gastadora ao contrário do A. foi sempre um marido ausente. 35.–Dos factos alinhados pelo A. não se pode concluir que a situação de ruptura definitiva do casamento tenha sido causada pela ora Ré, ao contrário é a Ré que tem motivos fundamentados para se poder concluir que existe uma situação de ruptura definitiva do casamento. A ré deduziu reconvenção, peticionando que seja decretado o divórcio entre autor e ré, ao abrigo do artigo 1781º alínea d) do Código Civil e invocou ainda, em síntese, para além do referido na contestação: 36.–Conforme já foi referido pela Ré/Reconvinte, desde 2009, o Autor e a Ré não partilham o mesmo leito, dormindo em casas separados e em camas separadas. 37.–O casal viveu temporariamente em casas distintas. 38.–Concretamente até julho de 2015, passavam os fins de semana juntos em Lisboa e Azeitão e quando o A/Reconvindo estava em casa com a Ré/Reconvinte, fizeram algumas refeições juntos. 39.–O A/Reconvindo tinha relacionamentos amorosos com outras mulheres e as discussões e desentendimentos surgiam, quando era confrontado pela Ré/Reconvinte sobre tais relacionamentos amorosos. 40.–Acontece que o A/Reconvindo e a Ré/Reconvinte, dormiam separados, porque, quando o A. chegava de madrugada a casa morada de família, queria ver televisão e ler. 41.–Pois o A/Reconvindo durante a noite dava cotoveladas e pontapés provocando nódoas negras nas pernas à Ré. 42.–O A/Reconvindo. dizia que o “ressono” da Ré/Reconvinte o importunava. 43.–Na verdade, este estava relacionado com a doença de “apneia” Ré/Reconvinte. 44.–O A/Reconvindo evitava ter relações sexuais com a Ré. 45.–Desde logo, os factos não consubstanciam o fundamento apresentado pelo A/Reconvinte na Douta P.I, sob 28º, artigo 1781º do CC alínea a) não pode considerado, o A./Reconvindo e Ré/Reconvinte estão separados de facto desde julho 2015 ao contrário do que consta na PI. 46.–É a Ré/Reconvinte que tem razões e fundamentos para que seja decretado o divórcio, atendendo ao comportamento reiterado do A. 47.–O dever de respeito, significa a consideração que cada um dos cônjuges deve ter pelas liberdades individuais do outro, bem como pela sua integridade física e moral. 48.–A gravidade dos actos repetidos do Reconvindo, justifica a ruptura do casamento. 49.–Logo após 2010 iniciou relações amorosas e sentimentais com outras mulheres. 50.–Na sequência das discussões, o Reconvindo agredia a Reconvinte psicológica e fisicamente. 51.–O A/Reconvindo algumas vezes, regressava a casa a altas horas da madrugada, discutia e agredia verbalmente e fisicamente a Ré/Reconvinte. 52.–Isto quando chegava, porque, por vezes, pernoitava fora de casa, nem avisava a Ré e quando regressava a casa não falava com a Reconvinte. 53.–A Reconvinte, questionava-o sobre onde tinha andado e com quem tinha estado, não respondia. 54.–A estas perguntas, o Reconvindo não respondia, dizia “que não tens nada a ver com isso” e se respondesse “seria dar-te demasiada importância”. 55.–O Reconvindo e insultava, menosprezava e hostilizava a Reconvinte, chamava-lhe de ignorante estúpida, gorda, não sabe fazer nada, não sabe ser mulher. 56.–A Ré/Reconvinte apresentou duas queixas-crime: Proc. 401/15.0GESTB e Proc. 94/16.7GESTB, que correm termos no DIAP de Setúbal – 1ª Secção. 57.–Durante 27 anos a Ré/Reconvinte deu todo o apoio à sua família, seu marido e sua filha, e aos filhos do anterior casamento do Reconvindo 58.–Foi sempre a Reconvinte uma mulher dedicada ao Lar conjugal, passou grande parte do seu casamento sozinha com a sua filha, quer na infância quer na adolescência. 59.–O Reconvindo pelo contrário raramente partilhava as tarefas comuns de um casal e deveres conjugais com o A/Reconvinte. 60.–Todas as situações descritas, foram como são traumatizantes, humilhantes para a Reconvinte e constituem, inegavelmente, fundamento factual de divórcio e comprometem irremediavelmente, pela sua gravidade e reiteração, a possibilidade da vida em comum entre Reconvindo e Reconvinte. 61.–O comportamento do Reconvindo revela a violação dos deveres de respeito, fidelidade e assistência. 62.–A dissolução do casamento, a que só o A. deu causa, provocam uma tristeza, angustia, medo e infelicidade extrema. 63.–A Ré/Reconvinte, contraiu casamento civil, a ruptura do casamento abalou as mais profundas convicções da Reconvinte, cristã, considerava que o casamento era para toda a vida e que a manutenção da família constituía o seu desígnio mais profundo. 64.–Assim, a Ré sonhava e acreditava no casamento duradoiro, para toda a vida, que edificou com amor, carinho e lealdade. 65.–A Ré é uma pessoa sensível e estimada no meio onde vive e onde trabalhava e está profundamente traumatizada por ver acabar um projecto de vida matrimonial, que lhe provocou uma depressão profunda. 66.–Assiste à Reconvinte o direito de exigir o divórcio nos termos dos artigos 1781º alínea d) do Código Civil. 67.–É seu propósito não restabelecer a vida em comum, não se sente amada e sente-se humilhada e violentada. 68.–O Reconvindo violou os deveres de respeito, cooperação, assistência e fidelidade, não mais quer manter um casamento com uma pessoa que se tornou num agressor para a Ré/Reconvinte. 69.–Embora a culpa seja irrelevante para o efeito de decretar o divórcio, não o é como elemento do conceito “ruptura definitiva do casamento”; daí que a questão da violação culposa ou inobservância dos deveres conjugais continua a ser relevante na apreciação da “ruptura definitiva do casamento” consagrada na lei. 70.–O actual regime jurídico do divórcio instituído pela Lei nº. 61/2008 de 31/10 eliminou a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge e alargou os fundamentos objectivos da ruptura conjugal. O Autor replicou, em 30.08.2016, impugnando grande parte do alegado pela ré, e finalizou, requerendo que o pedido reconvencional seja julgado improcedente e que a acção seja julgada procedente, nos termos requeridos na petição inicial e que, a final, seja decretado o divórcio do autor/reconvindo e da ré/reconvinte, nos termos e com os fundamentos invocados na pi.. Em 17.11.2016 foi proferido despacho saneador, dispensada a realização da audiência prévia. Foi identificado como objecto do litígio, a existência de fundamento para que seja decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge e foram enumerados como temas de prova os factos alegados por ambas as partes e referentes à violação dos deveres de respeito, cooperação, coabitação e a cessação da coabitação entre o casal há mais de um ano. Foi levada a efeito a audiência final, com sessões em 21.06.2017 e 26.06.2017. Nesta última sessão a ré requereu a junção de dois documentos, um dos quais um despacho datado de 16.11.2016, proferido no processo 401/15.0GESTB em fase de inquérito no DIAP, no sentido do deferimento de constituição de assistente da ré nesse processo, destinados a esclarecer o Tribunal, relativamente aos factos descritos nos articulados e, ainda relacionados com as datas da separação de facto, bem como a ruptura do vínculo matrimonial. Requereu ainda a ré que, se o Tribunal entendesse por conveniente, se oficiasse ao DIAP para que fosse enviada certidão, na qual constasse a data da queixa e outros elementos que entenda por convenientes, relacionados com os factos descritos nos articulados, invocando a ré desconhecer se o mesmo ainda está em segredo de justiça. O autor respondeu e, para além de invocar ser manifestamente intempestiva tal junção, pois a ré tinha conhecimento do despacho em data anterior à alegada, pugnou pelo indeferimento do requerido, mais alegando não se alcançar o que pretende a R./Reconvinte com tal junção, porquanto não se encontra transitada em julgado qualquer sentença condenatória, pelo que retirar ilações da existência de um processo crime, nomeadamente de um crime público, a prova da prática de actos ilícitos escapa à matéria da competência do Tribunal de Família. Mais salientou o autor que, caso venham tais documentos a ser admitidos, na sua junção aos autos, não deixará o A. de requerer a junção de despacho de arquivamento de outras duas queixas apresentadas pela R./Reconvinte já depois da distribuição dos presentes autos de divórcio e nos quais o A. foi constituído arguido até para exercício do seu direito de defesa. O Tribunal a quo proferiu despacho, indeferindo a junção de documentos pretendidos juntar pela requerida por não serem legalmente admissíveis, invocando: (…) Na verdade, quanto ao primeiro, dele apenas resulta relatada uma reparação de computador e, quanto ao segundo, dele consta que correrá termos um processo de inquérito no qual nada se conhece acerca da bondade dos factos dele constantes ou da falta dela, pois que inexiste ainda decisão transitada em julgado. Quanto ao mais requerido, não vê o Tribunal qualquer relevância com a informação pretendida extrair do DIAP - conclusão a que se chega na exacta ponderação do que anteriormente se afirmou, ou seja, que apenas se iria alcançar uma informação sobre a data da queixa e eventuais factos indiciados, sobre os quais o Tribunal se não pronunciou ainda na sua sede própria. Em 04.07.2017, o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Em face do exposto e por aplicação das mencionadas normas jurídicas, 1.–Julgo procedente a acção e, em conformidade, a)- decreto o divórcio entre Jorge e Helena, por separação de facto do casal por mais de 1 ano consecutivo e b)- declaro dissolvido o casamento civil que entre si celebraram em 30/11/1988. 2.–Julgo improcedente a reconvenção. Custas pela Ré/Reconvinte, que contestou a acção e decaiu na reconvenção. Registe e notifique. Após trânsito, cumpra o artigo 78º do Código de Registo Civil.   Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs, em 22.09.2017, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada. São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i.-  Ora, e salvo o devido respeito andou mal o Tribunal a quo, ao dar como provado, os factos relativos à cessação da vida em comum e que serviram para consideração da existência de uma separação de facto pelo menos desde 2010, como sejam a vida física e afectiva que, desde essa data, cada um vinha vivendo separadamente um do outro. ii.- Ao considerar não demonstrados os factos que autonomamente vinham destinados a provar a ruptura, a Reconvenção irá improceder. iii.-  Não há prova bastante que desde 2009/2010, não fazem refeições juntos, não têm relacionamento sexual, não saem juntos, não passam férias, fins de semana ou feriados juntos. iv.-  A questão essencial, se há fundamento para ser decretado o divórcio por ruptura definitiva, casamento entre Recorrente e Recorrido, artigo 1781º alínea d) outros factos datados de 2015, maus tratos graves e reiterados. v.- De salientar que factos não provados e até figurem ilícitos por perpetrados “entre duas paredes” são de difícil prova. vi.- A Recorrente foi vítima de violência doméstica, A Recorrente apresentou duas queixas-crime: Proc. 401/15.0GESTB e Proc.94/16.7GESTB, que correm termos no DIAP de Setúbal – 1ª Secção. vii.- Sabemos que o casamento se baseia na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges – artigo 1671º do CC. E o artigo 1672º do CC enuncia esses deveres e estabelece que, “os cônjuges estão reciprocamente vinculados por deveres de respeito, coabitação, cooperação e assistência”. viii.- A Recorrente, entende e considerando a prova nos autos, que não se pode concluir que a comunhão de vida entre a Recorrente e o Recorrido foi posta em crise em 2009/2010, com quebra de laços afetivos, ruptura definitiva do casamento não demonstra o fundamento do divórcio conforme pedido pelo Recorrente mas sim em 2015, conforme pedido divórcio conforme artigo 1781 alínea d) na Contestação / Reconvenção. ix.- Desde logo, os factos não consubstanciam o fundamento apresentado pelo Recorrido, na sua Petição, artigo 1781º do CC alínea a), pois estão separados de facto desde Julho de 2015. x.- O Recorrido violou os deveres de respeito, cooperação, assistência e fidelidade, não mais quer manter um casamento com uma pessoa que se tornou num agressor. xi.- Resulta do depoimento das testemunhas, Srª Ana, Srª Adelina, declarações da Recorrente, que discutiam com frequência, por constar que o Recorrido tinha relacionamentos amorosos com outras mulheres e quando era confrontado pela Recorrente agredia psicológica e fisicamente, tais factos graves consubstanciam a violação por parte do Recorrido dos deveres conjugais de fidelidade e respeito. xii.- Embora a culpa seja irrelevante para o efeito de decretar o divórcio, não o é como elemento do conceito “ruptura definitiva do casamento”; daí que a questão da violação culposa ou inobservância dos deveres conjugais continua a ser relevante na apreciação da “ruptura definitiva do casamento” consagrada na lei. xiii.- O actual regime jurídico do divórcio instituído pela Lei nº. 61/2008 de 31/10 eliminou a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro cônjuge e alargou os fundamentos objectivos da ruptura conjugal. xiv.- Conforme Ata de audiência e discussão de julgamento, datada de 26.6.17, a Recorrente requereu ao Douto Tribunal a junção de documentos relacionados com indícios fortes à prática reiterada de violência doméstica e ainda que se oficie o DIAP. xv.- Sendo que o Douto Tribunal andou mal ao indeferiu tal requerimento, afigurasse fulcral para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa o deferimento do Requerimento, nomeadamente “outros factos que levaram à ruptura definitiva e a data dos mesmos.” xvi.- Os depoimentos testemunhais indicam que o Recorrente maltratava fisicamente e psicologicamente a Recorrente, provocando-lhe tristeza, angustia e que se separam em 2015, tal deveria ter sido dado como provado. Pelo que, ao não considerar assim, a Douta Sentença fez um errado julgamento da prova, artigo 685ºB nº 1 a) e b) e nº2 do CPC. xvii.- A prova das discussões, maus tratos físicos e psicológicos do Recorrido sobre a Recorrente, aliada à prova da separação de facto de ambos em 2015, mesmo com duração inferior a 1 (um) ano seriam motivo para a procedência do pedido de divórcio na Contestação / Reconvenção, por outros factos reiterados, por integrarem a previsão legal do artigo 1781º nº 1 d) do CC. xviii.- Mesmo sem a prova, de violência doméstica, indeferida pelo Douto Tribunal, ainda assim subsistem motivos para a procedência do pedido, pois a simples constatação da separação de facto, ainda que por menos de um ano, aliada à prova do propósito da autora de não reatar a relação conjugal com o Recorrido, constituem motivos suficientes para a procedência do pedido de divórcio, tal com consta da sua Contestação com Reconvenção, conforme o artigo. 1781º nº 1 d) do CC. xix.- A Recorrente impugna a matéria dada como provada, conforme Motivação sob nºs 47 a 70. Pede, por isso, a apelante, que o recurso seja julgado procedente e, em consequência, revogada a sentença recorrida e decretado o divórcio entre a Recorrente e Recorrido, conforme pedido na sua Contestação/Reconvenção com os fundamentos do artigo 1781º d) do CC. O autor não apresentou contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO. Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i)- DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA E OS ESPECÍFICOS ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO IMPOSTOS AO RECORRENTE; ii)- DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.  O que implica a análise:      –DOS FUNDAMENTOS LEGAIS DO DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES. III.–FUNDAMENTAÇÃO. A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte: 1.–Autor e Ré contraíram casamento civil em 30/11/1988, sem convenção antenupcial - doc. de fls. 14. 2.–Desse casamento nasceu uma filha, Filipa, maior. 3.–O A. tem 2 filhos do seu anterior relacionamento, os quais ficaram aos cuidados do casal. 4.–A filha comum, Filipa, foi residir com os avós maternos com cerca de 1 ano de idade. 5.–Em toda a convivência do casal, normalmente era o A. quem cozinhava. 6.–O Autor é Jornalista - Repórter Fotográfico. 7.–No exercício da sua profissão, trabalhou habitualmente para diversas revistas de moda e eventos sociais, colaborando também com revistas digitais de fotografia – incluindo no âmbito de projectos próprios. 8.–Nesse exercício, era e é regular efectuar entrevistas e trabalhos fotográficos com personalidades e figuras públicas – designadamente actrizes e modelos. 9.–Nesse exercício, o A. participava com regularidade em eventos sociais, muitas das vezes em período nocturno. 10.–A Ré aceitou sempre com reservas essa proximidade do marido com mulheres famosas e apontou-lhe, por diversas vezes, relacionamentos íntimos com algumas delas. 11.–Tal assunto, quando trazido à conversa, originou frequentes discussões entre o casal. 12.–A Ré trabalhou para a RTP até 2002. 13.–Em 2003, com o casal cada vez mais afastado em termos afectivos, a Ré passou a residir em Azeitão – com a filha, então com 14 anos de idade - e o A. ficou a residir durante a semana na casa que já tinha do anterior casamento e onde residiu com a Ré, em Lisboa. 14.–O A. apenas aos fins de semana ia – não sempre - ter com a Ré e a filha a Azeitão. 15.–O. A. contribuía para as despesas da casa. 16.–Em 2009, a filha Marta saiu de Azeitão para ingressar na Universidade. 17.–Desde data não concretamente apurada, mas não depois de 2009, A. e R. deixaram de partilhar o leito e o A. passou a dormir, nesses fins-de-semana, num anexo da de Azeitão. 18.–Desde data não concretamente apurada, mas não depois de 2010, que não mantêm qualquer relacionamento sexual. 19.–Esses fins-de-semana eram o único período em que partilhavam algumas refeições, feitas pelo A. 20.–Desde o referido período 2009/2010 que deixaram de fazer férias juntos – as quais tinham partilhado apenas 1 ou 2 vezes ao longo do casamento. 21.–O A. deixou de comunicar à Ré os seus períodos de férias. 22.–Deixaram de ter vida social conjunta, saindo cada um com o seu núcleo de amigos e conhecidos. 23.–O A. pernoitava fora de casa sem nada comunicar à Ré. 24.–Durante todo o período do casamento, desde 1988, o Autor e a Ré foram juntos à praia em 3 ou 4 vezes. 25.–Em meados do 2015, por determinação da Ré/Reconvinte, o A. deixou de frequentar a casa de Azeitão – onde não mais voltou com excepção de 1 vez, em 2016, quando foi buscar objectos seus. 26.–E deixou de contribuir para as despesas da casa. 27.–Desde então, o casal já quase não fala entre si. 28.–Nessa casa reside também a mãe da Ré, a quem a Ré presta continuamente cuidados por a sua mãe padecer da síndrome de Alzheimer, com afectação das capacidades para as actividades da vida diária – fls.53 e 58. 29.–A constatação do fracasso do seu casamento provocou na Ré sentimentos de tristeza e angústia. 30.–Após a ruptura de 2015, a Ré procurou psicológico apoio junto de pessoas amigas. 31.–Não existe, nem da parte do A. nem da Ré, pelo menos desde 2010, a vontade em retomar o casamento e a partilha de vida. 32.–A presente acção foi proposta em 29.10.2015. B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. i)- DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA E OS ESPECÍFICOS ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO IMPOSTOS AO RECORRENTE Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui: (…) Sempre que haja sido gravada a prova produzida em audiência, o Tribunal da Relação dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa. Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, sempre poderia este Tribunal da Relação proceder à reapreciação da prova. Vejamos se a recorrente deu observância aos específicos ónus de impugnação legalmente exigidos. No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640º, do Código Processo Civil que: (…) A exigência legal implica, consequentemente, a indicação, pelo recorrente, de forma precisa, clara e determinada, dos concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal de 1ª instância. E, implica ainda a fundamentação dessa sua divergência com expressa referência às provas produzidas, i.e., indicando os pontos concretos de prova eventualmente desconsiderados, ou indevidamente considerados, bem como a indicação dos pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento. E, compreende-se esta rigorosa exigência legal visto que a intenção do legislador ao permitir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não foi consagrar a simples repetição das audiências no Tribunal da Relação, mas detectar e corrigir concretos, apontados e fundamentados erros de julgamento. De resto, e como se defende no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.12.2008 (Pº 08A3489), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt., (…) o que o legislador quis foi proibir a impugnação genérica da decisão da matéria de facto, mediante simples manifestação de discordância. Igualmente se referiu no Ac. STJ de 07.09.2017 (Pº 959/09.2TVLSB.L1.S1) que: No nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspectiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure. Com efeito, o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu ponto de vista, tornam patente um tal erro. Tem, por isso, o recorrente, de explicar e desenvolver os fundamentos que mostram que a decisão de 1ª instância está incorrecta quanto ao julgamento da matéria de facto, explicação que deve consistir na apreciação dos meios de prova que justificam decisão diversa da impugnada, o que implica, necessariamente, a indicação do conteúdo dos meios de prova invocados, a sua relevância e valoração. A exigência da especificação pelo recorrente dos pontos concretos que considera incorrectamente julgados impõem-se para que o recorrido e o tribunal ad quem, que há-de julgar o recurso, fiquem habilitados a conhecer nitidamente o objecto da impugnação, os factos sobre que esta incide. A parte contrária necessita de o saber para exercer o seu direito ao contraditório e porque lhe incumbe, na resposta ao recurso, indicar os depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente; o Tribunal ad quem carece de o saber para poder reapreciar, com segurança e reflexão, o julgamento cuja exactidão se impugna.    Pretende a lei, por conseguinte, ao impor ao recorrente os citados ónus, desmotivar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto, e a sua não observância acarreta a rejeição do recurso – cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 55 e FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 170. Este especial ónus de alegação a cargo do recorrente, deve ser cumprido com o todo o rigor, sendo certo que o ónus de indicar claramente os pontos determinados da matéria de facto que o recorrente reputa de mal julgados, de indicar com precisão os meios de prova que justificam decisão diversa, e de fundamentar a imputação do erro de julgamento da decisão de facto, constitui até uma simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando a própria seriedade do recurso. No caso em apreço, muito embora a apelante pretenda impugnar a matéria de facto, não se mostra ter sido observada a supra mencionada exigência legal prevista no artigo 640º do CPC. Não resulta das conclusões da alegação da recorrente o cumprimento da aludida exigência legal, nem sequer se colhe do corpo alegatório da recorrente, a especificação, de  forma precisa, clara e determinada, dos fundamentos que mostram que a decisão de 1ª instância está incorrecta quanto ao julgamento da matéria de facto, já que não efectua uma concreta apreciação de quais os concretos pontos de facto em que discorda da apreciação do tribunal de 1ª instância e, correspondentemente, quais os respectios meios probatórios que justificam decisão diversa da impugnada, o que, obviamente, pressupõe a indicação do conteúdo desses meios de prova que entende não terem sido devidamente considerados ou que foram erradamente considerados e os que contrariam os invocados pelo Tribunal a quo, a sua relevância e valoração. Acresce que cabia à recorrente o ónus processual de indicar as passagens das gravações desses depoimentos que justificam uma decisão diversa daquela tomada pelo tribunal recorrido, como a lei impõe,  não  bastando,  como é  evidente, indicar  o início  e  o  fim  dos depoimentos, sendo certo que a recorrente identificou três testemunhas que, segundo afirmou, terão abordado a questão da separação entre autor e ré e procedeu a umas esparsas e desconexionadas transcrições de excertos dos depoimentos prestados em julgamento que considerou relevantes para fundamentar a sua discordância, com relação à apreciação efectuada pelo tribunal de 1ª instância, sem que se perceba convenientemente quais os efectivos factos que foram julgados provados que a apelante discorda, ou quais os concretos factos que foram eventualmente julgados não provados que deveriam ter sido dados como provados em resultado dos depoimentos das identificadas testemunhas, por forma a ter em conta, no reexame das provas, tais factos que derivavam dos concretos meios probatórios, em detrimento dos demais meios probatórios e, portanto, da irrelevância da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, e/ou a sua irrazoabilidade, para se poder concluir pela eventual verificação de erro de julgamento. Na verdade, as únicas considerações entendíveis que resultam da alegação de recurso da apelante consistem na sua pretensão de que tivesse sido dado como provado que o autor/apelado “maltratava fisicamente e psicologicamente a recorrente, provocando-lhe tristeza, angústia e que se separaram em 2015”. Ora, como é evidente a alegação de que o autor maltratava física e psicologicamente a ré é matéria manifestamente conclusiva, pelo que nunca poderia ser dada como provada, sem que tivesse sido demonstrada a factualidade concreta e temporalmente definida, sendo que a apelante nem sequer alegou que tal concreta factualidade haja sido esclarecida pelas testemunhas que referenciou. Já quanto à invocada separação, tal resulta do conjunto da factualidade dada como provada – Nºs 16 a 25 da Fundamentação de Facto. De resto, na fundamentação da decisão de facto, o Tribunal a quo justificou - e bem - a não demonstração da alegada “violência física e psicológica”, da forma seguinte: (…) relativamente à alegada violência física e psicológica do A. para com a Ré, o que resultou provado foi que ambos discutiam com frequência – começando um e ripostando o outro. Donde, sendo jurídico-conclusiva a afirmação de violência (art. 17º da contestação), nada suporta tal afirmação para além da invocação de 2 circunstâncias que nada provam, como sejam a dedução de queixas-crime e a pendência de inquéritos. E, quanto ao adjectivo de “gorda”, disse a Ré que tal aconteceu já depois de o A. ter saído definitivamente da casa de Azeitão, após o Verão de 2015, desconhecendo-se o exacto contexto - tal como se não pode relevar para a ruptura o apoio psicológico da amiga, em 2015, porquanto a reflexão sobre o fracasso do seu casamento e o apoio diário e constante que tem de prestar à mãe com Alzheimer afectarão, como é natural, o seu equilíbrio emocional. E não se provou, o que teria sido importante, que o A. tivesse batido na Ré, que se lhe dirigisse nos termos apontados na contestação/reconvenção ou que, solicitado apoio psicológico pela Ré, aquele lho tivesse negado. Ora, como é consabido, consagra o nº 5 do artigo 607º do CPC o princípio da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide segundo a convicção prudente que tenha formado acerca de cada facto, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso esta não pode ser dispensada.       De harmonia com esse princípio, ao qual se contrapõe o princípio da prova legal, as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram no julgador acerca da existência de cada facto, só cedendo às situações de prova legal que se verifiquem, designadamente, tendo em consideração o disposto nos artigos 350º, nº 1, 358º, 371º e 376º todos do Código Civil, nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais. No caso vertente, a prova produzida assentou nos depoimentos das testemunhas ouvidas, pelo que não estando em causa uma prova tarifada, há que considerar que se deverá atender à convicção criada no espírito do juiz, com observância das regras de prudência na apreciação das provas, sendo as mesmas valoradas de acordo com critérios de razoabilidade. E, resulta da fundamentação da matéria de facto em apreço vertida na sentença recorrida, que o Tribunal a quo efectuou uma ponderação de todas as provas produzidas:  os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas aos factos que deu como provados, procedendo, como cumpre, a uma análise crítica e coerente dessas provas. Considerando que está manifestamente em causa uma impugnação genérica da decisão da matéria de facto, mediante simples manifestação de discordância, o que o legislador rejeitou ao impor, a cargo do apelante, os concretos ónus previstos no citado artigo 640º do CPC, a que a recorrente não deu integral cumprimento, pretendendo, ao invés a inclusão de matéria totalmente conclusiva, impedido está este Tribunal da Relação de reponderar a prova produzida em que assentou a decisão recorrida, com relação à matéria impugnada. Sucumbe, por conseguinte, a impugnação da decisão de facto, a qual se mantém nos seus precisos termos. ii)- DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS De harmonia com o disposto no artigo 1781º do Código Civil, são fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: a)-A separação de facto por um ano consecutivo; b)-A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de um ano e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum; c)-A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a um ano; d)-Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento. A presente acção de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges assentou, na sentença recorrida, na ruptura definitiva do casamento, atenta a separação de facto por mais de um ano consecutivo. Como decorre do 1782º do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº 61/2008 de 31 de Outubro, que entrou em vigor em 30.11.2008, entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo 1781º, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges (elemento objectivo) e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer (elemento subjectivo). A referida Lei nº 61/2008, de 31.10, eliminou a culpa como fundamento de divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, tendo consagrado na nossa ordem jurídica o designado modelo de “divórcio constatação da ruptura conjugal”, inspirado na concepção de divórcio unilateral e  potestativo,  em  que  qualquer  um  dos  cônjuges pode  pôr termo ao casamento, com fundamento em factualidade que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do matrimónio, desta forma se tendo abandonado a modalidade de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais, o chamado “divórcio-sanção”. Como se refere, por exemplo, no Ac. STJ de 09.02.2012 (Pº 819/09.7MPRT.P1.S1) a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, limitou-se a aprofundar o modelo “moderno” de casamento, por contraposição ao seu modelo “tradicional”, modelo esse que “desvaloriza o lado institucional e faz do sentimento  dos  cônjuges,  ou  seja,  da  sua  real  ligação  afectiva,  o  verdadeiro fundamento do casamento”, que passa a ser “tendencialmente”, ou, no limite, antes que uma “instituição”, “uma simples associação de duas pessoas, que buscam, através dela, uma e outra, a sua felicidade e a sua realização pessoal”, ideia que justifica e propugna a dissolução jurídica do vínculo matrimonial quando, independentemente da culpa de qualquer dos cônjuges, ele se haja já dissolvido de facto, por se haver perdido, definitivamente, e, sem esperança de retorno, a possibilidade de vida em comum. Com efeito, o chamado divórcio-ruptura, em contraposição ao divórcio-sanção, funda-se em causas objectivas, designadamente a separação de facto, reconhecendo-se que o vínculo matrimonial se pode perder independentemente da causa do fracasso da vida conjugal. Ora, no caso vertente, ficou provado que a autora e o réu haviam contraído casamento em 30.11.1988. Em 2003 passaram a viver em casas separadas - o autor em Lisboa e a ré em Azeitão - e, desde data não concretamente apurada, mas não depois de 2009, autor e ré deixaram de partilhar o leito e, mesmo nos fins de semana em que o autor se deslocava à casa em Azeitão, dormia num anexo da casa, partilhando apenas algumas refeições que eram efectuadas pelo autor. Mais se apurou que o casal, pelo menos, desde 2010, não mantêm qualquer relacionamento sexual, deixaram de fazer férias juntos e de ter vida social conjunta e que, em meados de 2015, o autor nunca mas voltou à casa de Azeitão, excepto uma vez, em 2016, quando ali foi buscar objectos seus - v. Nºs 13 a 25 da Fundamentação de Facto. Mais se provou que nem o autor, nem a ré têm qualquer propósito de restabelecer a vida em comum – v. Nº 31 da Fundamentação de Facto. É certo que se provou que, a total ausência de qualquer contacto entre autor e ré ocorreu em meados de 2015 e que a acção de divórcio foi por este intentada em 29.10.2015. Não se ignora que alguma jurisprudência tem vindo a considerar a superveniência do prazo relativo à separação à data do encerramento da discussão da causa, nos termos do artigo 663º do CPC, com base na prevalência do princípio da actualidade – v. nomeadamente, Acs. STJ de 03.11.2005 (Pº05B2266), e de 06.03.2007 (Pº 07A297); Ac. R.L. de 15.5.2012 (Pº 1017/09.5TMLSB.L1-7) , acessíveis em www.dgsi.pt. Defende, por outro lado, grande parte da doutrina e da jurisprudência que o pressuposto da duração temporal da separação se deve verificar à data da propositura da acção – v. a propósito, ABEL PEREIRA DELGADO, O Divórcio, 1980, 69, FERNANDO BRANDÃO FERREIRA PINTO, Causas do Divórcio, 1980, 122,  TOMÉ D’ALMEIDA RAMIÃO, O Divórcio e Questões Conexas (Regime Jurídico Actual), 2ª ed. 67 a 68,  Acs. STJ de 24.10.2006 (Pº 06B2898); de 10.10.2006 (Pº06A2736) e de 03.10.2013 (Pº 2610/10.9TMPRT.P1.S1); Acs. R.P.de 14.06.2010 (Pº 318/09.7TBCHV.P1), de 15.03.2011 (Pº 5496/09.2TBVFR.P1), e de 29.03.2011 (Pº 1506/09.1TBOA2.P1); Ac. da R.G. de 11.09.2012 (Pº 250/10.1TBMBRG.G1); Ac. R.E. de 21.03.2013 (Pº 292/10.7T2SNS.E1); Acs. da R.L. de 10.02.2011, (Pº 568/09.6TBMFR.L1-2), de 15.05.2012 (Pº 9139/09.6TCLRS.L1-7), de 22.10.2013 (Pº 16/11.1TBHRT.L1-7) e de 17.12.2015 (Pº 425/13.1TMLSB.L1-2), no qual a ora relatora foi ali 1ª adjunta. Sufraga-se, é certo, esta última posição doutrinária e jurisprudencial, por se entender que o pressuposto da duração temporal da separação se deverá verificar à data da propositura da acção. É que, o disposto na alínea a) do artigo 1781.º do CC tem natureza marcadamente substantiva, e mostra-se densificada no n.º 1 do artigo 1782.º do CC, que visa preservar um período de tempo considerado essencial para a consolidação da situação de facto, como que a presumir, juris et de jure, a ruptura definitiva do vínculo conjugal, sem envolver, no entanto, a prova específica ou directa desta, como sucede na hipótese prevista na alínea d) do aludido artigo 1781º. O pressuposto factual consubstanciado na duração daquele prazo assume a natureza de um facto constitutivo do direito potestativo de requerer o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges, essencial para a procedência da acção, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do CC. Sucede que o fundamento de divórcio invocado pelo autor assenta no preceituado na alínea a) do artigo 1781º do Código Civil, e a verdade é que, no caso vertente, e como bem se decidiu na sentença recorrida: (…)  pelo menos desde 2010 se verifica uma flagrante “ausência de comunhão de vida entre os cônjuges” e, embora ambos fossem mantendo o vínculo formal do casamento (quiçá em nome da filha menor, de tradições ou preconceitos sociais), a quebra dos afectos e a vida pessoal que cada um foi seguindo em separado do outro levam-nos a concluir que, pelo menos desde essa data, ambos assumiram o corte no casamento e o firme propósito em o não restabelecer – mais: a Ré disse até na audiência de discussão e julgamento que deixou de gostar do marido logo em 1990 que desde essa data nada mais quis com ele! Ou seja, temos por certa a existência de separação de facto, tal como a lei concebe no artigo 1782º do Código Civil, pelo menos desde 2010. Considera-se, portanto, corroborando-se o decidido na sentença recorrida, que quando o autor intentou a presente acção – 29.10.2015 - a separação de facto entre o casal composto por autor e ré, traduzida na vida física e afectiva que cada um, separadamente, efectuava, já ocorria há muito mais de um ano. De resto, provado também ficou que nem o autor, nem a ré  têm qualquer propósito de restabelecer a vida em comum.                         E, assim sendo, a apelação não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida. As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento em virtude do apoio judiciário de que beneficia. IV.–DECISÃO. Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. As custas do recurso ficam a cargo da recorrente, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento em virtude do apoio judiciário de que beneficia. Lisboa, 10 de Maio de 2018 Ondina Carmo Alves - Relatora Pedro Martins Arlindo Crua