Processo:2260/21.4T8SNT.L1-7
Data do Acordão: 04/12/2023Relator: RUTE LOPESTribunal:trl
Decisão: Meio processual:

1 - Constitui núcleo central do contrato de depósito a custódia da coisa pelo depositário, que a deve restituir no estado em que a mesma se encontrava quando a recebeu. 2 – Um contrato escrito no âmbito do qual as partes acordam em que a ré recolheria o veículo do autor, devidamente identificado com a matrícula, nas suas instalações, onde lhe estava atribuído um lugar específico, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal em dinheiro, sendo da responsabilidade do autor o parqueamento da viatura, não tem no seu núcleo essencial a custódia do veículo pela ré, antes tratando-se se um conteúdo negocial misto de prestação de serviço de recolha de viatura e de locação. 3 - A falta de declaração negocial expressa ou tácita de qualquer das partes no sentido de incluir, no contrato referente à viatura, um motociclo, impede que este seja considerado integrado no contrato inicial. 4 - O parqueamento do motociclo pelo autor no mesmo espaço da viatura objeto do contrato escrito, sem o autor tenha solicitado autorização ou sequer comunicado à ré, e sem que a ré tenha manifestado oposição não configura a vinculação pelas partes a um contrato de depósito do motociclo.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
RUTE LOPES
Descritores
MOTOCICLO FURTO PARQUEAMENTO LOCAÇÃO RECOLHA CONTRATO DE DEPÓSITO
No do documento
RL
Data do Acordão
12/05/2023
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário
1 - Constitui núcleo central do contrato de depósito a custódia da coisa pelo depositário, que a deve restituir no estado em que a mesma se encontrava quando a recebeu. 2 – Um contrato escrito no âmbito do qual as partes acordam em que a ré recolheria o veículo do autor, devidamente identificado com a matrícula, nas suas instalações, onde lhe estava atribuído um lugar específico, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal em dinheiro, sendo da responsabilidade do autor o parqueamento da viatura, não tem no seu núcleo essencial a custódia do veículo pela ré, antes tratando-se se um conteúdo negocial misto de prestação de serviço de recolha de viatura e de locação. 3 - A falta de declaração negocial expressa ou tácita de qualquer das partes no sentido de incluir, no contrato referente à viatura, um motociclo, impede que este seja considerado integrado no contrato inicial. 4 - O parqueamento do motociclo pelo autor no mesmo espaço da viatura objeto do contrato escrito, sem o autor tenha solicitado autorização ou sequer comunicado à ré, e sem que a ré tenha manifestado oposição não configura a vinculação pelas partes a um contrato de depósito do motociclo.
Decisão integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
 
RELATÓRIO
1 - O autor, ora recorrido intentou ação declarativa de condenação com forma de processo comum contra a ré, ora recorrente, pedindo a condenação desta no pagamento das quantias, acrescidas de juros de mora, de €16 000,00 (dezasseis mil euros), respeitante ao valor comercial do motociclo BMW, modelo S 1000 RR, no montante e nunca inferior a €5 000,00 (cinco mil euros), por danos não patrimoniais.
2 - Alegou que celebrou com a Ré um contrato de depósito ficando esta obrigada a guardar o veículo automóvel de que é proprietário mediante o pagamento pelo réu de determinada quantia pecuniária. Posteriormente, comprou um motociclo e passou a guardá-lo no lugar que lhe está destinado para guardar o seu veículo automóvel. O motociclo foi furtado, por falta de cumprimento da ré do dever de vigilância, razão pela qual a ré deve ser ressarcir o autor quer da perda do motociclo, quer do estado de profunda depressão e tristeza profunda, frustração, que se mantêm até aos dias de hoje, que o autor sofreu.
3 - A ré contestou, aceitando a existência da relação contratual com o autor relativamente ao veículo automóvel, afastando a existência do mesmo relativamente ao motociclo, uma vez que ali estava parqueado apenas por cortesia do gerente. Impugnou ainda os valores que o autor atribuiu aos danos. Pediu ainda a condenação do autor como litigante de má fé.
Após julgamento, o tribunal de primeira instância proferiu sentença julgando parcialmente procedente a ação e, consequentemente, condenando a ré, ora recorrente, a pagar ao autor, ora recorrido, as quantias de 9.800,00 euros a título de danos patrimoniais e de 100,00€, a título de danos não patrimoniais.
4 - A ré, ora recorrida, inconformada com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreu. Concluiu as alegações, em suma, da seguinte forma. 
CONCLUSÕES DA RECORRENTE
I.Em 02-11-2005 Autor e Ré celebraram contrato escrito que qualificaram de "contrato de depósito", relativo ao veículo Audi A4 com a matrícula ..-..-TL, mediante o pagamento de contrapartida mensal.
II.Relativamente ao motociclo, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, nada foi acordado entre as partes.
III.O tribunal deu como provados dois factos que inquinam a matéria de direito da rever.
Facto 18:
"O Autor manteve com a Ré uma relação de confiança, respeito, sendo que todos os dias ao deixar os seus veículos (automóvel e motociclo) ã guarda da Ré."
Facto 42:
"Apesar do motociclo não fazer parte do contrato escrito supra mencionado a Ré permite o parqueamento de outros veículos, v.g. motociclo, no mesmo lugar de parqueamento."
IV.Para esta decisão o Tribunal a quo assentou na seguinte motivação:
. O acordo das partes quanto ao alargamento do objeto do contrato inicial.
. O Acordo impugnado nos pontos 3, 4 e 5 do corpo das alegações e sintetizado estas conclusões.
. O depoimento das testemunhas convictas de que era permitido o estacionamento de motociclos no lugar de estacionamento contratado sem necessidade de pagar. Não obstante, a testemunha Pedro, utente mais antigo, depor no sentido de que é habitual um pedido de autorização. O que não colocou o Tribunal em dúvida. As testemunhas não se limitaram a declarar o que viram e ouviram antes emitiram a sua interpretação quanto ao comportamento da Ré designadamente o de não cobrar o valor correspondente à mota e não andar retirar a mota o mesmo sucedendo quanto aos demais naquelas circunstâncias num depoimento "afinado" para transferir o risco para a Ré.
V. Isto posto, o facto 18 deve dar-se por não escrito porque tinha o autor o dever de comunicar à Ré e pedir-lhe autorização para "depositar no lugar reservado ao carro a sua mota de modo a corresponder ao alargamento do objeto do contrato que inicial formalizou com Ré.
VI. Quanto ao facto 42 não foi acordado entre Autor e Ré a alteração do objeto do contrato inicial, de modo a Ré a ficar vinculada à guarda do motociclo no lugar reservado à viatura.
VII. A interpretação do tribunal foi incorreta ao alargar o objeto contratual e nele fazer introduzir o motociclo, violando assim o artigo 1185° do Código Civil.
VIII. O Autor não pediu autorização à Ré para estacionar a mota no espaço reservado à viatura e nunca solicitou à Ré uma adenda ao contrato. 
IX. Por sua vez a Ré teve conhecimento de que o Autor estacionava a mota no lugar de estacionamento da viatura e nada disse ou cobrou, também não tendo mandado retirar do espaço.
X. O Tribunal não pode concluir que esta omissão ou silêncio da Ré se traduza numa vinculação jurídica contratual no sentido do alargamento do objeto do contrato para por via da conduta da Ré imputar a mota ao objeto inicial do contrato e colocar a Ré na assunção do risco pelo prejuízo do furto/roubo por via da referida imputação.
XI. Se alguém tinha o dever de falar seria o Autor pedindo autorização à Ré para no lugar do carro estacionar a mota.
XII. Pelo que a esfera do risco passou a ser por conta do Autor.
XIII. Não tendo o Autor comprovado o pagamento da mota, não suportou o custo equivalente ao que a Ré teria de repor em consequência do desaparecimento da mota, caso estivesse à sua guarda, razão pela qual não poderá a Ré ser condenada a restituir um valor monetário que o Autor não suportou.
XIV. O Autor litiga de má fé ao invocar que adquiriu um motociclo por €16.000,00 quando no momento em que intentou a ação tinha à sua data o valor de € 8.900,00, pelo que deve ser condenado, nos termos do artigo 542° do Código de Processo Civil.
5 - O recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão, assim concluindo, em suma:
- Que deve a recorrente ser condenada no pagamento total do prejuízo sofrido pelo Recorrido €16.000,00 (dezasseis mil euros);
- Que, caso assim não se entenda, deverá ser mantida a decisão proferida pelo tribunal ad quo.
OBJETO DO RECURSO
6 - O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
7 - À luz do exposto, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir o seguinte:
- Impugnação da matéria de facto;
- Erro de julgamento na aplicação do direito.
FUNDAMENTOS DE FACTO
FACTOS JULGADOS PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO
1) O Autor desde 2006, que mantém no parque de estacionamento, sito em ... Agualva - Cacém, explorado pela Ré, um lugar de estacionamento reservado, com segurança/ porteiro e vídeo vigilância.
2) Pelo espaço e segurança, o Autor paga mensalmente a quantia de 72,50€ (setenta e dois euros e cinquenta cêntimos).
3) De 2006 a 2018, o Autor tem utilizado o lugar de estacionamento reservado para estacionar o seu veículo automóvel.
4) Em outubro de 2018 o Autor comprou um motociclo de 230 cm3, de marca BMW, modelo S 1000 RR, com a matrícula ..-LJ-.., com o nº de Chassis WB…, de cor cinza, pelo montante de €8.900,00.
5) Passando a guardar o motociclo no lugar reservado, onde há mais de doze anos guarda o seu veículo automóvel.
6) No dia 20-04-2020, pelas 21:00 horas o Autor deixou o motociclo e o veículo automóvel, no lugar de estacionamento reservado.
7) Pelas 07:15 horas do dia 21-04-2020, o Autor desloca-se ao parque de estacionamento, com o intuito de ir buscar o motociclo para ir trabalhar.
8) Sendo nesse momento que verifica que o motociclo de sua propriedade não está onde o deixou na noite anterior.
9) O Autor percebendo que o seu motociclo havia sido subtraído, chamou a Polícia de Segurança Pública - CM LSB - Divisão Policial de Sintra, denunciando o roubo, dando origem ao Auto de Denúncia NPP: 162940/2020 NUIPC: 000118/20.3 PESNT.
10) Pese embora existam imagens captadas pelo sistema de vídeo vigilância do parque de estacionamento, não foi possível a identificação dos autores da subtração.
11) Na noite da subtração da moto, de acordo com as imagens, às 3:00 horas, T…., que fez a segurança durante a noite, foi retirar a corrente no exterior do Parque que dá acesso à zona das lavagens.
12) As imagens mostram que o motociclo, foi subtraído por três indivíduos, pelas 4:00 horas.
13) As imagens registaram que três indivíduos com a moto saíram por uma porta das traseiras, que dá acesso direto, a uma lavagem automática de carros que pertence ao parque de estacionamento.
14) Após o furto, o autor sentiu-se frustrado e desanimado.
15) Autor usava o motociclo.
16) Em 20.05.2020 as mandatárias do Autora enviaram para a sede da Ré uma carta registada que veio devolvida a 17.06.2022 com a indicação Não Reclamada.
17) Em 24.06.2020 as Ilustres Mandatárias do Autor repetem o envio da carta tendo esta, também, sido devolvida com a mesma indicação de “objeto não reclamado” em 15.07.2020.
18) Autor manteve com a Ré uma relação de confiança, respeito, sendo que todos os dias ao deixar os seus veículos (automóvel e motociclo) à guarda da Ré.
19) A Ré é dona do Parque de Estacionamento que se carateriza por uma garagem de recolha de automóveis, prestando esta Ré um serviço de recolha de automóveis e cobrando por ele.
20) É um edifício constituído por 3 pisos cobertos e 1 piso descoberto num total de 392 lugares.
21) Os 3 pisos cobertos têm lugares destinados a motos e automóveis com altura não superior a 2 metros e outros veículos.
22) Um piso descoberto.
23) Em cada piso há acessos ao exterior quer para veículos quer para peões.
24) O acesso é feito mediante um cartão magnético entregue a cada cliente.
25) Tem um segurança/porteiro.
26) Desde 2000 foi instalado um sistema de vídeo vigilância composto por câmaras dispondo de gravação 24h.
27) O sistema tem por objetivo vigiar as principais entradas e saídas de pessoas e veículos.
28) O principal serviço a prestar pela Autora, através do PARQUE, consiste em facultar lugares para estacionamento de veículos automóveis ligeiros, caravanas, motas e motociclo, duramente as 24h do dia, que em regime de pagamento de horário, quer em regime de utilização personalizada com reserva de espaço e ainda em regime de estacionamento periódico sem reserva de espaço, de acordo com o contrato que celebra com o cliente.
29) A exploração, gestão e administração do parque compete à Ré a qual se obriga a zelar pela higiene, limpeza, conservação e manutenção do mesmo, bem como a preservar a operacionalidade dos equipamentos.
30) No dia 2 de Novembro de 2005 o Autor celebrou com a Ré um contrato qualificado de “Contrato de Depósito” nos termos das Cláusulas, cuja relevância aqui se transcrevem:
30.1     “Primeira
A Primeira Outorgante, (que é a Ré), procederá à recolha do veículo Audi A4 com a matrícula nº ..-..-TL adiante designado por veículo, pertencente ao Segundo Outorgante, nas suas instalações sitas em…Concelho de Sintra.
Segunda
As instalações funcionam 24 horas por dia, todos os dias do ano, sem exceção.
Terceira
Ao veículo identificado na cláusula Primeira, será atribuído o local de parqueamento situado no n° 164 do piso 1, das instalações referidas.
Quinta
Como contrapartida do Deposito, o Segundo Outorgante pagará à Primeira Outorgante a título de renda mensal de 57€ acrescido de igual montante a título de caução, valores que incluem o respetivo IVA à taxa em vigor. O pagamento será efetuado, até ao dia 8 do mês a que referir, podendo o segundo outorgante escolher uma das seguintes modalidades de pagamento: (...)
30.5 Oitava
O presente contrato tem a validade de 30 (TRINTA) dias, sendo sucessivamente renovado por iguais períodos se nenhum dos outorgantes o denunciar até 15 (QUINZE) dias sobre o termo do seu prazo.”
31) No mês seguinte ao da celebração do Contrato, Dezembro de 2005, o Autor de acordo com a Ré e a seu pedido solicitou a modificação do contrato relativo ao atribuído local n° 161 pelo piso 0 (nº 56) passando a pagar €66,50.
32) A mudança de lugar e a alteração do preço deveu-se à melhor acessibilidade para a entra e saída do veículo do parque.
33) preço contratado foi ajustado no tempo, tendo a seguinte evolução:
€68,00 em 2008;
€70,00 em 2010;
€72,50 em 2017;
€75,00 em 2021.
34) Documentos que constituem o preçário geral afixado publicamente no Parque.
35) O Autor desde início do contrato que paga pela guarda e vigilância do seu veículo automóvel Audi A4 com a matrícula ..-..-TL a quantia mensal supra descrita.
36) A entrega da referida viatura era feita sem qualquer formalidade formal, limitando-se o Autor a estacionar o seu veículo no lugar que lhe era destinado sob a vigilância da garagem da Ré.
37) Desde Dezembro de 2005 até hoje o Autor entregou continuamente na garagem da Ré o seu veículo ocupando o lugar de estacionamento n° 56 no piso 0.
38) Levando-o todas as semanas por diversas vezes e em fins-de-semana e aí o voltando a guardar.
39) A Ré sabe que a partir de uma data e em que dias da semana e fins-de- semana o Autor colocou a mota no lugar de estacionamento que tinha por objeto o veículo automóvel Audi A4 com a matrícula ..-..-TL.
40) O Autor sabia que a Ré nos pisos 0 e 1 tinha lugares reservados e delimitados para motas/motociclos.
41) O preço que a Ré cobrava aos seus clientes pela guarda de motociclo/mota no espaço identificado e designado para o seu estacionamento era à data invocada pelo Autor, em 2018 no valor de €37,50.
42) Apesar do motociclo não fazer parte do contrato escrito supra mencionado a Ré permite o parqueamento de outros veículos, v.g. motociclo, no mesmo lugar de parqueamento.
43) A Ré na pessoa do seu Gestor teve conhecimento do desaparecimento do motociclo/mota do Autor ocorrido no dia 21-04-2020.
44) O motociclo/mota estava no lugar de estacionamento reservado ao Audi.
45) O motociclo/mota por vezes esteva parada no lugar 56 encostada à parede e bloqueada pelo automóvel;
46) Outras à frente do veículo automóvel.
47) Na noite anterior ao desaparecimento a mota estava estacionada na traseira do veículo automóvel e não bloqueada entre este e a parede,
48) em modo acessível à sua saída.
49) A mota saiu pela área das lavagens do parque em direção ao descampado que fica na parte anterior à do edifício rumo a uma estrada sem movimento onde estava a viatura que os aguardava e que servia para transportar a mota.
50) O trajeto utilizado para transporte da mota não é no sentido das correntes, mas sim em paralelo às mesmas.
51) Por carta de 14 de Julho de 2020 a ilustre mandatária do Autor solicitou à Ré o envio da “2.ª via do contrato de arrendamento” assinado por esta e pelo seu cliente.
52) Em resposta o Mandatário da Ré comunicou o seguinte:
“Como a Exma. Colega sabe, caberá ao Autor o ónus de alegar e provar facto positivo, no caso o contrato que qualifica de “arrendamento” que tem por objeto a mota BMW furtada. A minha cliente (eventual Ré) não tem de alegar e provar um facto negativo no caso, a inexistência do contrato que tem por objeto a mota furtada.”
OUTROS FACTOS
. Nos termos do acordo escrito celebrado entre as partes em 2 de Novembro de 2005, acima referido, as partes acordaram ainda em limitar a responsabilidade civil da recorrente às coberturas da apólice de seguro celebrada com Seguradora idónea e mediante a aceitação por parte desta de qualquer sinistro que seja participado.
. E em que o contrato assinado não faria incorrer a recorrente em quaisquer deveres de depositário.
. Acordaram também que a recorrente disponibilizaria ao recorrido um cartão que lhe permitia o livre acesso às instalações.
 
8 - É relevante considerar ainda, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que resulta dos autos, designadamente do teor do contrato escrito celebrado entre as partes em 2 de novembro de 2005, o seguinte:
CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO
ENQUADRAMENTO LEGAL RELEVANTE
Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil 
A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Artigo 542.º, do Código de Processo Civil 
1 - Tendo litigado de má fé a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a)  tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão.
Artigo 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Artigo 1022.º, do Código Civil 
Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição
Artigo 1154.º do Código Civil
Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes envolvidas se compromete a proporcionar à outra um determinado resultado do seu trabalho manual ou intelectual, com ou sem retribuição.
Artigo 1185.º, do Código Civil 
O depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida.
QUESTÃO PRÉVIA
9 - Sem que tenha interposto recurso, independente ou subordinado, nas suas contra-alegações, a final, o recorrido pediu que a recorrente seja condenada a pagar-lhe a quantia correspondente ao real prejuízo sofrido, que computa em €16.000,00 (dezasseis mil euros).
10 - Não tendo tal pedido sido submetido à apreciação deste tribunal ad quem, por via do competente recurso, deduzido nos termos do disposto nos artigos 627.º, 629.º, 633.º, 639.º, mas apenas de forma incidental, no final da resposta ao recurso interposto, deverá concluir-se não ter sido interposto verdadeiro recurso da sentença, razão pela qual não pode aquela questão ser conhecida, por extravasar o âmbito da delimitação recursiva a que este tribunal está adstrito (cf. artigos 635.º 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil).
11 - Desta forma, por inexistir fundamento legal para tal, não será conhecida aquela pretensão.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
12 - Pretendendo a parte impugnar a decisão do tribunal de primeira instância quanto à matéria de facto, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);
2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos – n.º 1, al. b);
3) propor a decisão alternativa quanto a cada dos pontos de discordância – n.º 1, alínea c).
13 - É entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência que é aqui consagrado um ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser justificados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância.
14 - Esta exigência de fundamentação não deve ser exponenciada “a ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e de ser negada a reapreciação da matéria de facto (…). Sendo evidente que a previsão deste ónus tem razão de ser, quer para garantir o contraditório, quer para efeito de rigorosa delimitação do objeto de recurso, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, não é compreensível que a verificação do cumprimento de tais ónus se transforme num exercício meramente burocrático” – Cf. Código de Processo Civil anotado citado, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, 3ª ed. Almedina, p. 831.
15 - A análise da exigência deve, pois, ser feita com respeito pelo equilíbrio dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da autorresponsabilidade das partes, de forma a evitar que “a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” - cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed., p. 201.
16- A jurisprudência tem entendido que as exigências deste artigo não se satisfazem com a simples afirmação de que a decisão devia ser diversa, antes exige que a parte afirme e especifique qual a resposta que havia de ser dada em concreto a cada um dos diversos pontos da matéria de facto controvertida e impugnados, pois só desta forma se coloca ao tribunal de recurso uma concreta e objetiva questão para apreciar - (Cf. Ac. TRP de 16.5.2005, Cunha Barbosa, 0550879; Acs STJ de 6.7.2022, P 28533/15, Ramalho Pinto, e  de 5/9/2018, P. 15787/15.8T8PRT.P1.S2 Gonçalves Rocha).
17 - Abrantes Geraldes – Recursos em Processo Civil, Almedina, 2020 (6ª ed), pág. 200/201 entende que:
“A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
18 - No presente caso, a apelante especificou, nos termos legais, os pontos, na sua ótica, incorretamente julgados, bem como aquela que entende ser a matéria de facto provada, face à prova produzida.
19 - O que não indicou, nem nas alegações, nem nas conclusões, foram os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa (aludiu genericamente a depoimentos de testemunhas). E também não deu cumprimento ao n.º 2, al. a), que determina, sob pena de rejeição imediata, a indicação, pelo recorrente, das passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
20 - A recorrente limitou-se a fazer uma alusão genérica à convicção do tribunal, reproduzindo excertos da motivação da sentença recorrida, a fazer uma análise critica dessa motivação e, quanto aos meios de prova que deveriam levar a decisão diversa, limitou-se a indicar genericamente o que disseram as testemunhas cujos depoimentos deveriam, em seu entender, ter sido consideradas pelo tribunal (Cf. pontos 7 a 39 das alegações).
21 - Desta forma, por incumprimento do ónus que se impunha à parte, nos termos do artigo 640.º, n.º 1., al. b) e n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil – indicação das passagens da gravação em que se funda o seu recurso - deve o recurso ser rejeitado nesta parte.
ERRO DE JULGAMENTO NA APLICAÇÃO DO DIREITO
A. Contrato celebrado entre as partes
22 - Nos autos, as partes celebraram um contrato escrito relativamente a um veículo automóvel do recorrido, Audi A4, devidamente identificado. Em data subsequente à celebração desse contrato, o recorrido começou a parquear o motociclo no mesmo espaço destinado ao veículo, sem que a recorrente tenha manifestado oposição.
23 - Face a este contexto factual, o tribunal de primeira instância considerou que “não restam dúvidas de que ainda que o Autor apenas pagasse a mensalidade para a guarda do veículo automóvel, do acordo do qual adveio para uma das partes - a Ré - a obrigação de guardar o motociclo e de o restituir ao Autor é juridicamente qualificável como contrato de prestação de serviços na modalidade de depósito (artigos 1154°, 1156°, 1158.° e 1185.°, do Código Civil)” (ênfase aditada).
24 - De acordo com a decisão recorrida, o tribunal de primeira instância considerou aplicar-se ao motociclo o mesmo contrato que ao veículo automóvel.
25 - A recorrente discorda desta interpretação, sendo esse um dos fundamentos do recurso sobre o qual este tribunal deverá pronunciar-se.
26 - O depósito é definido nos termos do art.º 1185º do Código Civil e caracteriza-se pelo seguinte:
- entrega do depositante ao depositário de coisa, móvel ou imóvel;
- com vista a que o depositário a guarde;
- e restitua quando for exigida.
27 - O contrato de depósito presume-se gratuito, exceto se o depositante fizer do depósito profissão – Cf. artigo 1158.º, ex vi, artigo 1186.º, do Código Civil.
28 - Constitui núcleo central do contrato de depósito a custódia da coisa pelo depositário, que a deve restituir no estado em que a mesma se encontrava quando a recebeu. Os deveres contratuais do depositário – nos termos do artigo 1187.º, do Código Civil: guardar a coisa depositada; avisar o depositante quando saiba de perigo ou ameaça para a coisa; restituir a coisa - estão subordinados a essa finalidade.
29 - Como diz Rui Paulo Coutinho Ataíde, Direito dos Contratos II, Contrato de Depósito, AAFDL 2021, p. 27, é a obrigação de guarda, como dever principal, que distingue este contrato de outras figuras afins em que podem existir deveres de guarda das coisas, mas este dever, nesses contratos, tem uma função instrumental e não, como aqui, principal.
30 - É um contrato   real   quoad   constitutionem:   exige a tradição da coisa para que o contrato se possa considerar constituído o vínculo contratual.
31 - No presente caso, as partes celebraram um contrato escrito, relativo à viatura, que apelidaram de “Contrato de Depósito”.
32 - Sem prejuízo, é pelas declarações negociais que corporizam o contrato que deverá ser aferida a natureza da vinculação das partes, conformando-a a algum ou mais tipos contratuais, nomeados e típicos, ou inominados e atípicos. Não é, assim, vinculativo o título adotado pelos contratantes.
33 - Sobre os contratos celebrados relativamente a veículos estacionados em parques pagos, com particular relevância no exercício interpretativo que nos ocupa, diz Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil XII, Contratos em Especial, 2ª parte, 2018, pp. 753-754, o seguinte:
«Questão candente é a da responsabilidade por danos praticados em automóveis ou em objetos que neles se encontrem, quando eles estejam estacionados em parques pagos. Podem, a esse propósito, ser invocadas cláusulas contratuais gerais e relações contratuais de facto. Também é possível constituir um "contrato de estacionamento" no qual o dever de custódia se poderia inscrever como cláusula acessória. No essencial, propende-se, hoje, para uma distinção entre parques não vigiados e vigiados, Não sendo vigiados, os parques dão apenas origem a uma taxa quando públicos ou a uma renda, quando privados: temos, aqui, uma mera locação de espaço. Nos parques vigiados, há uma combinação de locação com prestação de serviço. A responsabilidade do empresário colocar-se-ia, tão-só, no caso de não-cumprimento dos serviços envolvidos. Todavia, é frequente, nessas hipóteses, a expressa exclusão do dever de vigilância, ainda que sob o título discutível de "exoneração de responsabilidade".» (ênfase aditada).
34 - Rui Paulo Coutinho Ataíde, Direitos dos Contratos, Gestlegal, 2022, p. 160 sugere que, nestes casos, está em causa um contrato misto com elementos de depósito e locação. 
35 - O contrato que analisamos respeitava ao parque de estacionamento explorado pela recorrente, que é um edifício de 3 pisos, com 392 lugares de estacionamento, vigiado (factos provados 1, 20 25 e 26). A ré dedica-se nessa garagem à prestação de um serviço de recolha de automóveis pelo qual cobra (facto provado 19).
36 - O serviço prestado pela ré, através do Parque, consiste em facultar lugares para estacionamento de veículos automóveis ligeiros, caravanas, motas e motociclo, duramente as 24h do dia, que em regime de pagamento de horário, quer em regime de utilização personalizada com reserva de espaço e ainda em regime de estacionamento periódico sem reserva de espaço, de acordo com o contrato que celebra com o cliente (facto 28).
37 - As partes acordaram, relativamente ao veículo Audi A4, objeto do contrato escrito o seguinte:
-  A recorrente procederia à recolha do veículo Audi A4 nas suas instalações, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal em dinheiro por parte do recorrido.
- Atribuíram ao veículo automóvel um lugar de parqueamento específico.
- A responsabilidade civil da recorrente ficaria limitada às coberturas da apólice de seguro celebrada com Seguradora idónea e mediante a aceitação por parte desta de qualquer sinistro que seja participado.
- O contrato assinado não faria incorrer a recorrente em quaisquer deveres de depositário.
38 - Pese embora denominado “contrato de depósito”, não divisamos nas declarações contratuais a assunção pelas partes do núcleo contratual típico do contrato de depósito.
39 - Designadamente, em nenhum momento as partes acordaram que a custódia da viatura tenha sido o objetivo do contrato e excluíram mesmo, de forma expressa, a responsabilidade da recorrente enquanto depositária. Mesmo que se deduza tal custódia da assunção da responsabilidade civil, ela é limitada ao que a Seguradora contratada pela recorrente assumiria, ficando assim excluída a responsabilidade da recorrente, contrariamente ao que o regime do depósito exigiria.
40 - O que as partes assumiram foi que a recorrente prestaria ao recorrido um serviço de recolha de viatura em espaço específico das instalações exploradas pela recorrente, mediante o pagamento de uma contrapartida. Nesse processo de recolha, a recorrente não tinha qualquer participação – o recorrido tinha o lugar atribuído e um cartão de acesso livre às instalações. Era o requerido quem, de forma autónoma retirava e colocava tira a viatura, desde que limite a colocação ao espaço de parqueamento acordado. Não se divisa uma verdadeira entrega da viatura constitutiva do contrato de depósito.
41 - Estamos assim perante um conteúdo negocial misto de prestação de serviço de recolha de viatura e de locação, acordado por escrito, relativamente à viatura Audi A4, do recorrido, no âmbito do qual a recorrente facultava ao recorrido acesso a um espaço específico de parqueamento, para uso exclusivo do recorrido, em instalações fechadas que a recorrente explorava e que mantém limpas, conservadas e sujeitas a vigilância.
42 - A partir de 2018, o recorrido passou a guardar o motociclo junto do veículo, no mesmo espaço de parqueamento, sem que a recorrente, sabendo, tenha manifestado oposição ou exigido ao recorrente o pagamento de qualquer contrapartida adicional. Circunstância, aliás, que seria comum ocorrer (facto 42).
43 - A falta de declaração negocial expressa ou tácita de qualquer das partes nesse sentido, impede que consideremos o motociclo integrado no contrato inicial. A mera tolerância da apelante pode levar-nos, no limite, a considerar que esta não se opôs a que o recorrido utilizasse o espaço de parqueamento locado para aí colocar o motociclo. 
44 - E, na verdade, a assunção do recorrido de que o poderia fazer sem solicitar à recorrente uma alteração ao contrato inicial, induz-nos de forma legítima a concluir que também assim considerou – veja-se que mesmo nas suas contra-alegações o recorrido considera que sempre estacionou o motociclo junto do veículo automóvel, “no lugar de estacionamento atribuído, pelo qual pagava uma mensalidade e que apenas se parqueasse no espaço reservado aos motociclos haveria lugar a pagamento adicional”.
45  - Isto é, também o recorrido entenderia que havia contratado o espaço concreto de parqueamento, no qual poderia parquear o motociclo, sem que devesse pagar valor adicional, porque já pagava pelo espaço.
46 - Destes comportamentos é evidente deduzir que nenhuma das partes se vinculou a um contrato de depósito relativamente ao motociclo – a recorrente, porque apenas tolerou (não se opôs) o parqueamento do motociclo no espaço objeto de contrato relativo à viatura, numa clara assunção de que, desde que o espaço ocupado se limitasse ao locado, toleraria o parqueamento sem pagamento adicional; o recorrido porque parqueou o motociclo, convencido de que o fazia no espaço objeto do contrato celebrado, pelo qual já pagava determinada quantia.
47 - Nas circunstâncias apuradas, o motociclo não foi objeto de qualquer contrato de depósito entre as partes, mas tão só de uma extensão do contrato de locação inicialmente celebrado, para o espaço de parqueamento da viatura, sem que, sequer, a recorrente se tenha vinculado a qualquer dever de vigilância, pois das condutas assumidas pelas partes, nada nos permite concluir nesse sentido.
48 - Em face do exposto e à luz que se mostra apurado, quanto ao que foi acordado pelas partes, a recorrente não pode ser responsabilizada pelo furto do motociclo, razão pela qual deve o recurso ser procedente e a recorrente ser absolvida do pedido, revogando-se, desta forma, a decisão recorrida.
B. Má fé
49 - A apelante pretende que o recorrido seja condenado como litigante de má fé, 
50 - Diz a recorrente que o recorrido litiga de má fé ao invocar que adquiriu um motociclo por €16.000,00 quando no momento em que intentou a ação tinha à sua data o valor de €8.900,00, pelo que deve ser condenado, nos termos do artigo 542° do Código de Processo Civil.
51 - Concordamos com o tribunal de primeira instância de que não estão preenchidos os pressupostos do artigo 542.º, do Código de Processo Civil.
52 - Começamos por considerar que a recorrente não justificou ou fundamentou a integração que fez da conduta do recorrido na litigância de má fé, limitando-se a invocar genericamente que a mesma se verifica pela invocação do facto respeitante ao preço pago pelo motociclo, no confronto com o valor atual do mesmo.
53 - Ora, não se afigura que tal invocação integre uma conduta de má fé processual. Não estamos perante factos contraditórios, nem existe evidência de que tenham sido expressamente invocados factos inverdadeiros. 
54 - Diz Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume II, pág. 263,  que não basta “o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, de tal modo que a simples proposição da ação ou da contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir”.
55 - No presente caso, nada evidencia que o apelado tenha agido judicialmente contra a apelante com má fé, pelo que não deve ser condenado.
CUSTAS
56 - Nos termos do artigo 527.º, do Código Civil, o recorrido deverá suportar as custas, porque vencido.
57 - Na verdade, face à total procedência da presente apelação, é inegável que o recorrido decaiu, devendo por isso suportar as custas do presente recurso (na modalidade de custas de parte).
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, absolver a recorrente dos pedidos formulados.
No mais, mantém-se a decisão do tribunal de primeira instância, designadamente quanto ao pedido relativo à litigância de má fé.
Custas pelo recorrido.
O presente acórdão mostra-se assinado e certificado eletronicamente.
 
Lisboa, 5 de dezembro de 2023
Rute Lopes    
Edgar Taborda Lopes   
Luís Filipe Pires de Sousa

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO 1 - O autor, ora recorrido intentou ação declarativa de condenação com forma de processo comum contra a ré, ora recorrente, pedindo a condenação desta no pagamento das quantias, acrescidas de juros de mora, de €16 000,00 (dezasseis mil euros), respeitante ao valor comercial do motociclo BMW, modelo S 1000 RR, no montante e nunca inferior a €5 000,00 (cinco mil euros), por danos não patrimoniais. 2 - Alegou que celebrou com a Ré um contrato de depósito ficando esta obrigada a guardar o veículo automóvel de que é proprietário mediante o pagamento pelo réu de determinada quantia pecuniária. Posteriormente, comprou um motociclo e passou a guardá-lo no lugar que lhe está destinado para guardar o seu veículo automóvel. O motociclo foi furtado, por falta de cumprimento da ré do dever de vigilância, razão pela qual a ré deve ser ressarcir o autor quer da perda do motociclo, quer do estado de profunda depressão e tristeza profunda, frustração, que se mantêm até aos dias de hoje, que o autor sofreu. 3 - A ré contestou, aceitando a existência da relação contratual com o autor relativamente ao veículo automóvel, afastando a existência do mesmo relativamente ao motociclo, uma vez que ali estava parqueado apenas por cortesia do gerente. Impugnou ainda os valores que o autor atribuiu aos danos. Pediu ainda a condenação do autor como litigante de má fé. Após julgamento, o tribunal de primeira instância proferiu sentença julgando parcialmente procedente a ação e, consequentemente, condenando a ré, ora recorrente, a pagar ao autor, ora recorrido, as quantias de 9.800,00 euros a título de danos patrimoniais e de 100,00€, a título de danos não patrimoniais. 4 - A ré, ora recorrida, inconformada com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreu. Concluiu as alegações, em suma, da seguinte forma. CONCLUSÕES DA RECORRENTE I.Em 02-11-2005 Autor e Ré celebraram contrato escrito que qualificaram de "contrato de depósito", relativo ao veículo Audi A4 com a matrícula ..-..-TL, mediante o pagamento de contrapartida mensal. II.Relativamente ao motociclo, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, nada foi acordado entre as partes. III.O tribunal deu como provados dois factos que inquinam a matéria de direito da rever. Facto 18: "O Autor manteve com a Ré uma relação de confiança, respeito, sendo que todos os dias ao deixar os seus veículos (automóvel e motociclo) ã guarda da Ré." Facto 42: "Apesar do motociclo não fazer parte do contrato escrito supra mencionado a Ré permite o parqueamento de outros veículos, v.g. motociclo, no mesmo lugar de parqueamento." IV.Para esta decisão o Tribunal a quo assentou na seguinte motivação: . O acordo das partes quanto ao alargamento do objeto do contrato inicial. . O Acordo impugnado nos pontos 3, 4 e 5 do corpo das alegações e sintetizado estas conclusões. . O depoimento das testemunhas convictas de que era permitido o estacionamento de motociclos no lugar de estacionamento contratado sem necessidade de pagar. Não obstante, a testemunha Pedro, utente mais antigo, depor no sentido de que é habitual um pedido de autorização. O que não colocou o Tribunal em dúvida. As testemunhas não se limitaram a declarar o que viram e ouviram antes emitiram a sua interpretação quanto ao comportamento da Ré designadamente o de não cobrar o valor correspondente à mota e não andar retirar a mota o mesmo sucedendo quanto aos demais naquelas circunstâncias num depoimento "afinado" para transferir o risco para a Ré. V. Isto posto, o facto 18 deve dar-se por não escrito porque tinha o autor o dever de comunicar à Ré e pedir-lhe autorização para "depositar no lugar reservado ao carro a sua mota de modo a corresponder ao alargamento do objeto do contrato que inicial formalizou com Ré. VI. Quanto ao facto 42 não foi acordado entre Autor e Ré a alteração do objeto do contrato inicial, de modo a Ré a ficar vinculada à guarda do motociclo no lugar reservado à viatura. VII. A interpretação do tribunal foi incorreta ao alargar o objeto contratual e nele fazer introduzir o motociclo, violando assim o artigo 1185° do Código Civil. VIII. O Autor não pediu autorização à Ré para estacionar a mota no espaço reservado à viatura e nunca solicitou à Ré uma adenda ao contrato. IX. Por sua vez a Ré teve conhecimento de que o Autor estacionava a mota no lugar de estacionamento da viatura e nada disse ou cobrou, também não tendo mandado retirar do espaço. X. O Tribunal não pode concluir que esta omissão ou silêncio da Ré se traduza numa vinculação jurídica contratual no sentido do alargamento do objeto do contrato para por via da conduta da Ré imputar a mota ao objeto inicial do contrato e colocar a Ré na assunção do risco pelo prejuízo do furto/roubo por via da referida imputação. XI. Se alguém tinha o dever de falar seria o Autor pedindo autorização à Ré para no lugar do carro estacionar a mota. XII. Pelo que a esfera do risco passou a ser por conta do Autor. XIII. Não tendo o Autor comprovado o pagamento da mota, não suportou o custo equivalente ao que a Ré teria de repor em consequência do desaparecimento da mota, caso estivesse à sua guarda, razão pela qual não poderá a Ré ser condenada a restituir um valor monetário que o Autor não suportou. XIV. O Autor litiga de má fé ao invocar que adquiriu um motociclo por €16.000,00 quando no momento em que intentou a ação tinha à sua data o valor de € 8.900,00, pelo que deve ser condenado, nos termos do artigo 542° do Código de Processo Civil. 5 - O recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão, assim concluindo, em suma: - Que deve a recorrente ser condenada no pagamento total do prejuízo sofrido pelo Recorrido €16.000,00 (dezasseis mil euros); - Que, caso assim não se entenda, deverá ser mantida a decisão proferida pelo tribunal ad quo. OBJETO DO RECURSO 6 - O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC). 7 - À luz do exposto, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir o seguinte: - Impugnação da matéria de facto; - Erro de julgamento na aplicação do direito. FUNDAMENTOS DE FACTO FACTOS JULGADOS PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO 1) O Autor desde 2006, que mantém no parque de estacionamento, sito em ... Agualva - Cacém, explorado pela Ré, um lugar de estacionamento reservado, com segurança/ porteiro e vídeo vigilância. 2) Pelo espaço e segurança, o Autor paga mensalmente a quantia de 72,50€ (setenta e dois euros e cinquenta cêntimos). 3) De 2006 a 2018, o Autor tem utilizado o lugar de estacionamento reservado para estacionar o seu veículo automóvel. 4) Em outubro de 2018 o Autor comprou um motociclo de 230 cm3, de marca BMW, modelo S 1000 RR, com a matrícula ..-LJ-.., com o nº de Chassis WB…, de cor cinza, pelo montante de €8.900,00. 5) Passando a guardar o motociclo no lugar reservado, onde há mais de doze anos guarda o seu veículo automóvel. 6) No dia 20-04-2020, pelas 21:00 horas o Autor deixou o motociclo e o veículo automóvel, no lugar de estacionamento reservado. 7) Pelas 07:15 horas do dia 21-04-2020, o Autor desloca-se ao parque de estacionamento, com o intuito de ir buscar o motociclo para ir trabalhar. 8) Sendo nesse momento que verifica que o motociclo de sua propriedade não está onde o deixou na noite anterior. 9) O Autor percebendo que o seu motociclo havia sido subtraído, chamou a Polícia de Segurança Pública - CM LSB - Divisão Policial de Sintra, denunciando o roubo, dando origem ao Auto de Denúncia NPP: 162940/2020 NUIPC: 000118/20.3 PESNT. 10) Pese embora existam imagens captadas pelo sistema de vídeo vigilância do parque de estacionamento, não foi possível a identificação dos autores da subtração. 11) Na noite da subtração da moto, de acordo com as imagens, às 3:00 horas, T…., que fez a segurança durante a noite, foi retirar a corrente no exterior do Parque que dá acesso à zona das lavagens. 12) As imagens mostram que o motociclo, foi subtraído por três indivíduos, pelas 4:00 horas. 13) As imagens registaram que três indivíduos com a moto saíram por uma porta das traseiras, que dá acesso direto, a uma lavagem automática de carros que pertence ao parque de estacionamento. 14) Após o furto, o autor sentiu-se frustrado e desanimado. 15) Autor usava o motociclo. 16) Em 20.05.2020 as mandatárias do Autora enviaram para a sede da Ré uma carta registada que veio devolvida a 17.06.2022 com a indicação Não Reclamada. 17) Em 24.06.2020 as Ilustres Mandatárias do Autor repetem o envio da carta tendo esta, também, sido devolvida com a mesma indicação de “objeto não reclamado” em 15.07.2020. 18) Autor manteve com a Ré uma relação de confiança, respeito, sendo que todos os dias ao deixar os seus veículos (automóvel e motociclo) à guarda da Ré. 19) A Ré é dona do Parque de Estacionamento que se carateriza por uma garagem de recolha de automóveis, prestando esta Ré um serviço de recolha de automóveis e cobrando por ele. 20) É um edifício constituído por 3 pisos cobertos e 1 piso descoberto num total de 392 lugares. 21) Os 3 pisos cobertos têm lugares destinados a motos e automóveis com altura não superior a 2 metros e outros veículos. 22) Um piso descoberto. 23) Em cada piso há acessos ao exterior quer para veículos quer para peões. 24) O acesso é feito mediante um cartão magnético entregue a cada cliente. 25) Tem um segurança/porteiro. 26) Desde 2000 foi instalado um sistema de vídeo vigilância composto por câmaras dispondo de gravação 24h. 27) O sistema tem por objetivo vigiar as principais entradas e saídas de pessoas e veículos. 28) O principal serviço a prestar pela Autora, através do PARQUE, consiste em facultar lugares para estacionamento de veículos automóveis ligeiros, caravanas, motas e motociclo, duramente as 24h do dia, que em regime de pagamento de horário, quer em regime de utilização personalizada com reserva de espaço e ainda em regime de estacionamento periódico sem reserva de espaço, de acordo com o contrato que celebra com o cliente. 29) A exploração, gestão e administração do parque compete à Ré a qual se obriga a zelar pela higiene, limpeza, conservação e manutenção do mesmo, bem como a preservar a operacionalidade dos equipamentos. 30) No dia 2 de Novembro de 2005 o Autor celebrou com a Ré um contrato qualificado de “Contrato de Depósito” nos termos das Cláusulas, cuja relevância aqui se transcrevem: 30.1     “Primeira A Primeira Outorgante, (que é a Ré), procederá à recolha do veículo Audi A4 com a matrícula nº ..-..-TL adiante designado por veículo, pertencente ao Segundo Outorgante, nas suas instalações sitas em…Concelho de Sintra. Segunda As instalações funcionam 24 horas por dia, todos os dias do ano, sem exceção. Terceira Ao veículo identificado na cláusula Primeira, será atribuído o local de parqueamento situado no n° 164 do piso 1, das instalações referidas. Quinta Como contrapartida do Deposito, o Segundo Outorgante pagará à Primeira Outorgante a título de renda mensal de 57€ acrescido de igual montante a título de caução, valores que incluem o respetivo IVA à taxa em vigor. O pagamento será efetuado, até ao dia 8 do mês a que referir, podendo o segundo outorgante escolher uma das seguintes modalidades de pagamento: (...) 30.5 Oitava O presente contrato tem a validade de 30 (TRINTA) dias, sendo sucessivamente renovado por iguais períodos se nenhum dos outorgantes o denunciar até 15 (QUINZE) dias sobre o termo do seu prazo.” 31) No mês seguinte ao da celebração do Contrato, Dezembro de 2005, o Autor de acordo com a Ré e a seu pedido solicitou a modificação do contrato relativo ao atribuído local n° 161 pelo piso 0 (nº 56) passando a pagar €66,50. 32) A mudança de lugar e a alteração do preço deveu-se à melhor acessibilidade para a entra e saída do veículo do parque. 33) preço contratado foi ajustado no tempo, tendo a seguinte evolução: €68,00 em 2008; €70,00 em 2010; €72,50 em 2017; €75,00 em 2021. 34) Documentos que constituem o preçário geral afixado publicamente no Parque. 35) O Autor desde início do contrato que paga pela guarda e vigilância do seu veículo automóvel Audi A4 com a matrícula ..-..-TL a quantia mensal supra descrita. 36) A entrega da referida viatura era feita sem qualquer formalidade formal, limitando-se o Autor a estacionar o seu veículo no lugar que lhe era destinado sob a vigilância da garagem da Ré. 37) Desde Dezembro de 2005 até hoje o Autor entregou continuamente na garagem da Ré o seu veículo ocupando o lugar de estacionamento n° 56 no piso 0. 38) Levando-o todas as semanas por diversas vezes e em fins-de-semana e aí o voltando a guardar. 39) A Ré sabe que a partir de uma data e em que dias da semana e fins-de- semana o Autor colocou a mota no lugar de estacionamento que tinha por objeto o veículo automóvel Audi A4 com a matrícula ..-..-TL. 40) O Autor sabia que a Ré nos pisos 0 e 1 tinha lugares reservados e delimitados para motas/motociclos. 41) O preço que a Ré cobrava aos seus clientes pela guarda de motociclo/mota no espaço identificado e designado para o seu estacionamento era à data invocada pelo Autor, em 2018 no valor de €37,50. 42) Apesar do motociclo não fazer parte do contrato escrito supra mencionado a Ré permite o parqueamento de outros veículos, v.g. motociclo, no mesmo lugar de parqueamento. 43) A Ré na pessoa do seu Gestor teve conhecimento do desaparecimento do motociclo/mota do Autor ocorrido no dia 21-04-2020. 44) O motociclo/mota estava no lugar de estacionamento reservado ao Audi. 45) O motociclo/mota por vezes esteva parada no lugar 56 encostada à parede e bloqueada pelo automóvel; 46) Outras à frente do veículo automóvel. 47) Na noite anterior ao desaparecimento a mota estava estacionada na traseira do veículo automóvel e não bloqueada entre este e a parede, 48) em modo acessível à sua saída. 49) A mota saiu pela área das lavagens do parque em direção ao descampado que fica na parte anterior à do edifício rumo a uma estrada sem movimento onde estava a viatura que os aguardava e que servia para transportar a mota. 50) O trajeto utilizado para transporte da mota não é no sentido das correntes, mas sim em paralelo às mesmas. 51) Por carta de 14 de Julho de 2020 a ilustre mandatária do Autor solicitou à Ré o envio da “2.ª via do contrato de arrendamento” assinado por esta e pelo seu cliente. 52) Em resposta o Mandatário da Ré comunicou o seguinte: “Como a Exma. Colega sabe, caberá ao Autor o ónus de alegar e provar facto positivo, no caso o contrato que qualifica de “arrendamento” que tem por objeto a mota BMW furtada. A minha cliente (eventual Ré) não tem de alegar e provar um facto negativo no caso, a inexistência do contrato que tem por objeto a mota furtada.” OUTROS FACTOS . Nos termos do acordo escrito celebrado entre as partes em 2 de Novembro de 2005, acima referido, as partes acordaram ainda em limitar a responsabilidade civil da recorrente às coberturas da apólice de seguro celebrada com Seguradora idónea e mediante a aceitação por parte desta de qualquer sinistro que seja participado. . E em que o contrato assinado não faria incorrer a recorrente em quaisquer deveres de depositário. . Acordaram também que a recorrente disponibilizaria ao recorrido um cartão que lhe permitia o livre acesso às instalações. 8 - É relevante considerar ainda, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, que resulta dos autos, designadamente do teor do contrato escrito celebrado entre as partes em 2 de novembro de 2005, o seguinte: CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO ENQUADRAMENTO LEGAL RELEVANTE Artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. Artigo 542.º, do Código de Processo Civil 1 - Tendo litigado de má fé a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta pedir. 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a)  tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar sem fundamento sério o trânsito em julgado da decisão. Artigo 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Artigo 1022.º, do Código Civil Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição Artigo 1154.º do Código Civil Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes envolvidas se compromete a proporcionar à outra um determinado resultado do seu trabalho manual ou intelectual, com ou sem retribuição. Artigo 1185.º, do Código Civil O depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida. QUESTÃO PRÉVIA 9 - Sem que tenha interposto recurso, independente ou subordinado, nas suas contra-alegações, a final, o recorrido pediu que a recorrente seja condenada a pagar-lhe a quantia correspondente ao real prejuízo sofrido, que computa em €16.000,00 (dezasseis mil euros). 10 - Não tendo tal pedido sido submetido à apreciação deste tribunal ad quem, por via do competente recurso, deduzido nos termos do disposto nos artigos 627.º, 629.º, 633.º, 639.º, mas apenas de forma incidental, no final da resposta ao recurso interposto, deverá concluir-se não ter sido interposto verdadeiro recurso da sentença, razão pela qual não pode aquela questão ser conhecida, por extravasar o âmbito da delimitação recursiva a que este tribunal está adstrito (cf. artigos 635.º 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil). 11 - Desta forma, por inexistir fundamento legal para tal, não será conhecida aquela pretensão. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 12 - Pretendendo a parte impugnar a decisão do tribunal de primeira instância quanto à matéria de facto, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de: 1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a); 2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos – n.º 1, al. b); 3) propor a decisão alternativa quanto a cada dos pontos de discordância – n.º 1, alínea c). 13 - É entendimento pacífico da Doutrina e da Jurisprudência que é aqui consagrado um ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser justificados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância. 14 - Esta exigência de fundamentação não deve ser exponenciada “a ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e de ser negada a reapreciação da matéria de facto (…). Sendo evidente que a previsão deste ónus tem razão de ser, quer para garantir o contraditório, quer para efeito de rigorosa delimitação do objeto de recurso, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, não é compreensível que a verificação do cumprimento de tais ónus se transforme num exercício meramente burocrático” – Cf. Código de Processo Civil anotado citado, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, 3ª ed. Almedina, p. 831. 15 - A análise da exigência deve, pois, ser feita com respeito pelo equilíbrio dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da autorresponsabilidade das partes, de forma a evitar que “a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” - cf. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed., p. 201. 16- A jurisprudência tem entendido que as exigências deste artigo não se satisfazem com a simples afirmação de que a decisão devia ser diversa, antes exige que a parte afirme e especifique qual a resposta que havia de ser dada em concreto a cada um dos diversos pontos da matéria de facto controvertida e impugnados, pois só desta forma se coloca ao tribunal de recurso uma concreta e objetiva questão para apreciar - (Cf. Ac. TRP de 16.5.2005, Cunha Barbosa, 0550879; Acs STJ de 6.7.2022, P 28533/15, Ramalho Pinto, e  de 5/9/2018, P. 15787/15.8T8PRT.P1.S2 Gonçalves Rocha). 17 - Abrantes Geraldes – Recursos em Processo Civil, Almedina, 2020 (6ª ed), pág. 200/201 entende que: “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações: a) Falta de conclusão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2, al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. 18 - No presente caso, a apelante especificou, nos termos legais, os pontos, na sua ótica, incorretamente julgados, bem como aquela que entende ser a matéria de facto provada, face à prova produzida. 19 - O que não indicou, nem nas alegações, nem nas conclusões, foram os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa (aludiu genericamente a depoimentos de testemunhas). E também não deu cumprimento ao n.º 2, al. a), que determina, sob pena de rejeição imediata, a indicação, pelo recorrente, das passagens da gravação em que se funda o seu recurso. 20 - A recorrente limitou-se a fazer uma alusão genérica à convicção do tribunal, reproduzindo excertos da motivação da sentença recorrida, a fazer uma análise critica dessa motivação e, quanto aos meios de prova que deveriam levar a decisão diversa, limitou-se a indicar genericamente o que disseram as testemunhas cujos depoimentos deveriam, em seu entender, ter sido consideradas pelo tribunal (Cf. pontos 7 a 39 das alegações). 21 - Desta forma, por incumprimento do ónus que se impunha à parte, nos termos do artigo 640.º, n.º 1., al. b) e n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil – indicação das passagens da gravação em que se funda o seu recurso - deve o recurso ser rejeitado nesta parte. ERRO DE JULGAMENTO NA APLICAÇÃO DO DIREITO A. Contrato celebrado entre as partes 22 - Nos autos, as partes celebraram um contrato escrito relativamente a um veículo automóvel do recorrido, Audi A4, devidamente identificado. Em data subsequente à celebração desse contrato, o recorrido começou a parquear o motociclo no mesmo espaço destinado ao veículo, sem que a recorrente tenha manifestado oposição. 23 - Face a este contexto factual, o tribunal de primeira instância considerou que “não restam dúvidas de que ainda que o Autor apenas pagasse a mensalidade para a guarda do veículo automóvel, do acordo do qual adveio para uma das partes - a Ré - a obrigação de guardar o motociclo e de o restituir ao Autor é juridicamente qualificável como contrato de prestação de serviços na modalidade de depósito (artigos 1154°, 1156°, 1158.° e 1185.°, do Código Civil)” (ênfase aditada). 24 - De acordo com a decisão recorrida, o tribunal de primeira instância considerou aplicar-se ao motociclo o mesmo contrato que ao veículo automóvel. 25 - A recorrente discorda desta interpretação, sendo esse um dos fundamentos do recurso sobre o qual este tribunal deverá pronunciar-se. 26 - O depósito é definido nos termos do art.º 1185º do Código Civil e caracteriza-se pelo seguinte: - entrega do depositante ao depositário de coisa, móvel ou imóvel; - com vista a que o depositário a guarde; - e restitua quando for exigida. 27 - O contrato de depósito presume-se gratuito, exceto se o depositante fizer do depósito profissão – Cf. artigo 1158.º, ex vi, artigo 1186.º, do Código Civil. 28 - Constitui núcleo central do contrato de depósito a custódia da coisa pelo depositário, que a deve restituir no estado em que a mesma se encontrava quando a recebeu. Os deveres contratuais do depositário – nos termos do artigo 1187.º, do Código Civil: guardar a coisa depositada; avisar o depositante quando saiba de perigo ou ameaça para a coisa; restituir a coisa - estão subordinados a essa finalidade. 29 - Como diz Rui Paulo Coutinho Ataíde, Direito dos Contratos II, Contrato de Depósito, AAFDL 2021, p. 27, é a obrigação de guarda, como dever principal, que distingue este contrato de outras figuras afins em que podem existir deveres de guarda das coisas, mas este dever, nesses contratos, tem uma função instrumental e não, como aqui, principal. 30 - É um contrato   real   quoad   constitutionem:   exige a tradição da coisa para que o contrato se possa considerar constituído o vínculo contratual. 31 - No presente caso, as partes celebraram um contrato escrito, relativo à viatura, que apelidaram de “Contrato de Depósito”. 32 - Sem prejuízo, é pelas declarações negociais que corporizam o contrato que deverá ser aferida a natureza da vinculação das partes, conformando-a a algum ou mais tipos contratuais, nomeados e típicos, ou inominados e atípicos. Não é, assim, vinculativo o título adotado pelos contratantes. 33 - Sobre os contratos celebrados relativamente a veículos estacionados em parques pagos, com particular relevância no exercício interpretativo que nos ocupa, diz Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil XII, Contratos em Especial, 2ª parte, 2018, pp. 753-754, o seguinte: «Questão candente é a da responsabilidade por danos praticados em automóveis ou em objetos que neles se encontrem, quando eles estejam estacionados em parques pagos. Podem, a esse propósito, ser invocadas cláusulas contratuais gerais e relações contratuais de facto. Também é possível constituir um "contrato de estacionamento" no qual o dever de custódia se poderia inscrever como cláusula acessória. No essencial, propende-se, hoje, para uma distinção entre parques não vigiados e vigiados, Não sendo vigiados, os parques dão apenas origem a uma taxa quando públicos ou a uma renda, quando privados: temos, aqui, uma mera locação de espaço. Nos parques vigiados, há uma combinação de locação com prestação de serviço. A responsabilidade do empresário colocar-se-ia, tão-só, no caso de não-cumprimento dos serviços envolvidos. Todavia, é frequente, nessas hipóteses, a expressa exclusão do dever de vigilância, ainda que sob o título discutível de "exoneração de responsabilidade".» (ênfase aditada). 34 - Rui Paulo Coutinho Ataíde, Direitos dos Contratos, Gestlegal, 2022, p. 160 sugere que, nestes casos, está em causa um contrato misto com elementos de depósito e locação. 35 - O contrato que analisamos respeitava ao parque de estacionamento explorado pela recorrente, que é um edifício de 3 pisos, com 392 lugares de estacionamento, vigiado (factos provados 1, 20 25 e 26). A ré dedica-se nessa garagem à prestação de um serviço de recolha de automóveis pelo qual cobra (facto provado 19). 36 - O serviço prestado pela ré, através do Parque, consiste em facultar lugares para estacionamento de veículos automóveis ligeiros, caravanas, motas e motociclo, duramente as 24h do dia, que em regime de pagamento de horário, quer em regime de utilização personalizada com reserva de espaço e ainda em regime de estacionamento periódico sem reserva de espaço, de acordo com o contrato que celebra com o cliente (facto 28). 37 - As partes acordaram, relativamente ao veículo Audi A4, objeto do contrato escrito o seguinte: -  A recorrente procederia à recolha do veículo Audi A4 nas suas instalações, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal em dinheiro por parte do recorrido. - Atribuíram ao veículo automóvel um lugar de parqueamento específico. - A responsabilidade civil da recorrente ficaria limitada às coberturas da apólice de seguro celebrada com Seguradora idónea e mediante a aceitação por parte desta de qualquer sinistro que seja participado. - O contrato assinado não faria incorrer a recorrente em quaisquer deveres de depositário. 38 - Pese embora denominado “contrato de depósito”, não divisamos nas declarações contratuais a assunção pelas partes do núcleo contratual típico do contrato de depósito. 39 - Designadamente, em nenhum momento as partes acordaram que a custódia da viatura tenha sido o objetivo do contrato e excluíram mesmo, de forma expressa, a responsabilidade da recorrente enquanto depositária. Mesmo que se deduza tal custódia da assunção da responsabilidade civil, ela é limitada ao que a Seguradora contratada pela recorrente assumiria, ficando assim excluída a responsabilidade da recorrente, contrariamente ao que o regime do depósito exigiria. 40 - O que as partes assumiram foi que a recorrente prestaria ao recorrido um serviço de recolha de viatura em espaço específico das instalações exploradas pela recorrente, mediante o pagamento de uma contrapartida. Nesse processo de recolha, a recorrente não tinha qualquer participação – o recorrido tinha o lugar atribuído e um cartão de acesso livre às instalações. Era o requerido quem, de forma autónoma retirava e colocava tira a viatura, desde que limite a colocação ao espaço de parqueamento acordado. Não se divisa uma verdadeira entrega da viatura constitutiva do contrato de depósito. 41 - Estamos assim perante um conteúdo negocial misto de prestação de serviço de recolha de viatura e de locação, acordado por escrito, relativamente à viatura Audi A4, do recorrido, no âmbito do qual a recorrente facultava ao recorrido acesso a um espaço específico de parqueamento, para uso exclusivo do recorrido, em instalações fechadas que a recorrente explorava e que mantém limpas, conservadas e sujeitas a vigilância. 42 - A partir de 2018, o recorrido passou a guardar o motociclo junto do veículo, no mesmo espaço de parqueamento, sem que a recorrente, sabendo, tenha manifestado oposição ou exigido ao recorrente o pagamento de qualquer contrapartida adicional. Circunstância, aliás, que seria comum ocorrer (facto 42). 43 - A falta de declaração negocial expressa ou tácita de qualquer das partes nesse sentido, impede que consideremos o motociclo integrado no contrato inicial. A mera tolerância da apelante pode levar-nos, no limite, a considerar que esta não se opôs a que o recorrido utilizasse o espaço de parqueamento locado para aí colocar o motociclo. 44 - E, na verdade, a assunção do recorrido de que o poderia fazer sem solicitar à recorrente uma alteração ao contrato inicial, induz-nos de forma legítima a concluir que também assim considerou – veja-se que mesmo nas suas contra-alegações o recorrido considera que sempre estacionou o motociclo junto do veículo automóvel, “no lugar de estacionamento atribuído, pelo qual pagava uma mensalidade e que apenas se parqueasse no espaço reservado aos motociclos haveria lugar a pagamento adicional”. 45 - Isto é, também o recorrido entenderia que havia contratado o espaço concreto de parqueamento, no qual poderia parquear o motociclo, sem que devesse pagar valor adicional, porque já pagava pelo espaço. 46 - Destes comportamentos é evidente deduzir que nenhuma das partes se vinculou a um contrato de depósito relativamente ao motociclo – a recorrente, porque apenas tolerou (não se opôs) o parqueamento do motociclo no espaço objeto de contrato relativo à viatura, numa clara assunção de que, desde que o espaço ocupado se limitasse ao locado, toleraria o parqueamento sem pagamento adicional; o recorrido porque parqueou o motociclo, convencido de que o fazia no espaço objeto do contrato celebrado, pelo qual já pagava determinada quantia. 47 - Nas circunstâncias apuradas, o motociclo não foi objeto de qualquer contrato de depósito entre as partes, mas tão só de uma extensão do contrato de locação inicialmente celebrado, para o espaço de parqueamento da viatura, sem que, sequer, a recorrente se tenha vinculado a qualquer dever de vigilância, pois das condutas assumidas pelas partes, nada nos permite concluir nesse sentido. 48 - Em face do exposto e à luz que se mostra apurado, quanto ao que foi acordado pelas partes, a recorrente não pode ser responsabilizada pelo furto do motociclo, razão pela qual deve o recurso ser procedente e a recorrente ser absolvida do pedido, revogando-se, desta forma, a decisão recorrida. B. Má fé 49 - A apelante pretende que o recorrido seja condenado como litigante de má fé, 50 - Diz a recorrente que o recorrido litiga de má fé ao invocar que adquiriu um motociclo por €16.000,00 quando no momento em que intentou a ação tinha à sua data o valor de €8.900,00, pelo que deve ser condenado, nos termos do artigo 542° do Código de Processo Civil. 51 - Concordamos com o tribunal de primeira instância de que não estão preenchidos os pressupostos do artigo 542.º, do Código de Processo Civil. 52 - Começamos por considerar que a recorrente não justificou ou fundamentou a integração que fez da conduta do recorrido na litigância de má fé, limitando-se a invocar genericamente que a mesma se verifica pela invocação do facto respeitante ao preço pago pelo motociclo, no confronto com o valor atual do mesmo. 53 - Ora, não se afigura que tal invocação integre uma conduta de má fé processual. Não estamos perante factos contraditórios, nem existe evidência de que tenham sido expressamente invocados factos inverdadeiros. 54 - Diz Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, volume II, pág. 263,  que não basta “o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, de tal modo que a simples proposição da ação ou da contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir”. 55 - No presente caso, nada evidencia que o apelado tenha agido judicialmente contra a apelante com má fé, pelo que não deve ser condenado. CUSTAS 56 - Nos termos do artigo 527.º, do Código Civil, o recorrido deverá suportar as custas, porque vencido. 57 - Na verdade, face à total procedência da presente apelação, é inegável que o recorrido decaiu, devendo por isso suportar as custas do presente recurso (na modalidade de custas de parte). DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, absolver a recorrente dos pedidos formulados. No mais, mantém-se a decisão do tribunal de primeira instância, designadamente quanto ao pedido relativo à litigância de má fé. Custas pelo recorrido. O presente acórdão mostra-se assinado e certificado eletronicamente. Lisboa, 5 de dezembro de 2023 Rute Lopes    Edgar Taborda Lopes   Luís Filipe Pires de Sousa