Processo:1458/12.0TVLSB.L2-2
Data do Acordão: 17/05/2017Relator: JORGE VILAÇATribunal:trl
Decisão: Meio processual:

I – Nos termos do art.º 45º, n.º 1, do Código Civil, é aplicável a lei italiana relativa a responsabilidade civil extra-contratual a acidente ocorrido em Itália entre uma viatura portuguesa e uma viatura italiana. II- De acordo com a lei italiana é ressarcível o dano correspondente ao período de imobilização de veículo independentemente da prova dos factos concretos relativos aos prejuízos sofridos pela detentora do veículo sinistrado e com recurso à equidade, bastando a prova da impossibilidade de utilização do veículo. III - O acordo estabelecido entre a ANTRAM e a Associação Portuguesa de Seguros serve como base de referência para fixação da indemnização pela privação do uso de veículo por recurso à equidade.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
JORGE VILAÇA
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS INDEMNIZAÇÃO DIRECTA AO SEGURADO VALOR INDEMNIZATÓRIO
No do documento
RL
Data do Acordão
05/18/2017
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário
I – Nos termos do art.º 45º, n.º 1, do Código Civil, é aplicável a lei italiana relativa a responsabilidade civil extra-contratual a acidente ocorrido em Itália entre uma viatura portuguesa e uma viatura italiana. II- De acordo com a lei italiana é ressarcível o dano correspondente ao período de imobilização de veículo independentemente da prova dos factos concretos relativos aos prejuízos sofridos pela detentora do veículo sinistrado e com recurso à equidade, bastando a prova da impossibilidade de utilização do veículo. III - O acordo estabelecido entre a ANTRAM e a Associação Portuguesa de Seguros serve como base de referência para fixação da indemnização pela privação do uso de veículo por recurso à equidade.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
 
I – Relatório
 
Manuel Brígida & Filhos, Lda.
Instaurou acção sob a forma de processo comum ordinário contra:
Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A.
Alegando, em síntese, o seguinte:
·    Em 6 de Abril de 2011, na A10 – Autostrada dei Fiori – perto de Savona, em Itália, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo da autora e a viatura Fiat Panda, matricula EQ....
·    O proprietário do Fiat Panda havia transferido a sua responsabilidade para a Allianz Itália Spa.
·    A peritagem e subsequente regularização do sinistro ocorreram em Portugal e foi efectuada pela ré.
·    Serem devidas à autora as despesas em que incorreu com o acidente e a indemnização pela privação do uso da viatura.
Concluiu pedindo que seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 92.336,22, acrescida dos juros moratórios vincendos desde a citação até integral pagamento. 
 
Citada regularmente, a ré apresentou contestação, excepcionando a competência dos tribunais portugueses para os termos da acção porquanto esta deveria ter sido intentada em Itália, local onde ocorreu o acidente e a sua legitimidade para os termos da acção porquanto não era seguradora de qualquer dos veículos intervenientes no acidente e a sua intervenção nos processo aconteceu em representação da companhia de seguros italiana que segurava o Fiat Panda; impugnando os danos peticionados; alegando ainda que não são indemnizáveis.
 
A autora respondeu à contestação.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de incompetência internacional e julgada procedente a excepção de ilegitimidade da ré.
Interposto recurso, o Tribunal da Relação julgou a ré parte legítima.
 
Na audiência prévia foi fixada a matéria assente e os temas da prova.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença julgando a acção procedente e condenada a ré no pedido.
 
          Não se conformando com aquela sentença, dela recorreu a ré, que nas suas alegações de recurso formulou as seguintes “CONCLUSÕES:
1ª – O objecto do presente recurso restringe-se a determinar se a ora Recorrente está constituída na obrigação de indemnizar a Autora pela imobilização da viatura “IF” e, a está-lo, qual o montante ressarcitório adequado.
2ª - O acidente a que os autos se reportam ocorreu em Itália e traduziu-se na colisão da viatura “EQ...” com o auto pesado “52- ...” tendo ficado demonstrado que o evento deve ser imputado à viatura italiana.
3ª - A hipótese dos autos é assim claramente uma hipótese de responsabilidade civil extracontratual à qual, por força do nº 1 do artigo 45º do Código Civil, é aplicável a lei italiana.
4ª - Assim, a questão da imobilização controvertida no processo deve ser resolvida à luz dos artigos 2043º, 2054º nº 1 e 2056º do Código Civil Italiano.
5ª - Como na douta sentença recorrida se assinala o artigo 2056º do Código Civil Italiano admite o ressarcimento, em hipótese de responsabilidade civil extracontratual, quer dos lucros cessantes quer dos danos emergentes.
6ª - O dano emergente representa uma diminuição efectiva do património e o lucro cessante uma frustração de benefícios que o lesado esperava fundadamente obter e que só não foram obtidos por causa da lesão.
7ª - Assim, à luz da legislação italiana não estando demonstrada uma frustração de benefícios ou, preferindo-se, um lucro cessante, não há lugar a indemnização a título de imobilização de uma viatura.
8ª - No caso dos autos vem, apenas, demonstrado que: “a) em consequência do referido em A) o veículo IF sofreu danos que determinaram a sua perda total; b) desde a data do acidente a Autora esteve privada da utilização da viatura” (cfr. alínea E) do Ponto 2.1. e alínea N) do Ponto 2.2.).
9ª - Ou seja, não se demonstrou, nem sequer se alegou, qual a efectiva utilização da viatura “IF”, em que dias circulava semanalmente ou mensalmente, qual a receita que a viatura permitia facturar, qual o lucro que da sua circulação resultaria.
10ª - Face ao disposto no artigo 342º nº 1 do Código Civil era sobre a Autora que recaía o ónus da alegação e prova de tais factos, de resto, perfeitamente ao seu alcance pois tratando-se de uma sociedade a movimentação da viatura e a escrituração de receitas e despesas que originava têm de ser anotadas e contabilizadas.
11ª - Em resumo, inexistem situações ou factos concretos que permitam quantificar o dano e este não pode, por total carência de elementos, assentar no prudente arbítrio do julgador.
12ª - Logo, à luz do direito italiano, no caso vertente, não há lugar a indemnização por imobilização da viatura “IF”.
13ª - Não o entendendo assim e douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 2043º, 2054º nº 1 e 2056º do Código Civil Italiano.
14ª - Sem conceder se dirá que mesmo a entender-se que deveria ser aplicado o direito português nem por isso a pretensão da Autora poderia proceder.
15ª - Na verdade a lei portuguesa exige, também, que o lesado prove o dano ou prejuízo que quer ver indemnizado não sendo suficiente alegar e provar privação da viatura impondo-se a demonstração do uso normal que dela é feito, as utilidades de circulação retiradas, os prejuízos causados.
16ª - O que na conclusão anterior se deixa referido é tanto mais patente quanto é certo que a Autora é uma sociedade pelo que a não utilização de uma viatura não se traduz num incómodo mas tão somente, sendo o caso, numa perda de receita e eventualmente de lucro.
17ª - No caso concreto nada se alegou, nem consequentemente nada se provou, pelo que o dano emergente da imobilização não é ressarcível à luz do disposto nos artigos 483º, 562º e 566º do Código Civil Português.
18ª - E não se argumente em sentido contrário que o recurso à tabela ANTRAM colmata a lacuna emergente do ininvocado prejuízo.
19ª - Na verdade, a Autora sabia que que o Acordo ANTRAM não era aplicável ao caso concreto por o acidente ter ocorrido em País estrangeiro, com viatura estrangeira e com o risco de circulação garantido por seguradora estrangeira, pelo que sabia igualmente que se não verificavam os pressupostos do referido Acordo, nem os valores dele constantes, impondo-se-lhe, portanto, que alegasse os factos tendentes a demonstrar os prejuízos da imobilização, o que não fez.
20ª - Finalmente, e sempre por mera cautela e sem conceder, acrescentar-se-á que como se extrai do Ponto 3.1. do Ponto 3: Conceito de Paralisações e Regras de Transito” do ACORDO ANTRAM na indemnização por paralisação não são considerados os sábados, domingos e feriados oficiais.
21ª - Assim, o período a ponderar será de 267 dias e não de 328 dias a eles correspondendo um montante ressarcitório de € 62.875,83.
22ª - Acrescendo que a verba prevista no Acordo ANTRAM por esta não ser aplicável se revela, em equidade, desajustado já que a Autora se limitou a alegar a perda total do veículo não se tendo proposto demonstrar o dano moral sofrido.
23ª - Em equidade o montante ressarcitório não deverá, assim, exceder 1/4 do valor previsto no Acordo ANTRAM, ou seja, € 15.718,95.
24ª - Fixando a indemnização pela imobilização no valor peticionado a douta sentença ora sob recurso violou, portanto, ainda aqui, o disposto nos artigos 483º, 562º e 566º do Código Civil Português.
25ª - Em síntese, sublinha-se que a Recorrida embora reconheça que à hipótese dos autos é aplicável o direito italiano, designadamente os artigos 2043º, 2054º e 2056º do Código Civil Italiano baseou a sua pretensão ressarcitória no que respeita à imobilização no Acordo ANTRAM que não é aplicável ao caso dos autos por apenas vincular a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a Associação Portuguesa de Seguradores e não seguradoras estrangeiras e excluir acidentes ocorridos fora de Portugal e em que intervenham viaturas também elas estrangeiras,  tendo-se abstido de alegar os factos necessários a suportar a sua pretensão.
26ª - Daí que a Ré tenha de ser absolvida, por manifesta falta de prova, do pagamento da indemnização de € 77.240,72 a título de imobilização da viatura “IF”.
27ª - Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso e, em consequência, proferir esse Alto Tribunal Acórdão em que se restrinja a condenação ao pagamento a título de dano emergente de € 15.095,50 e se absolva a Ré, ora Recorrente, do pagamento de € 77.240,72 e seus juros, 
Terminou requerendo, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 651º do Cód. de Proc. Civil de 2013, a junção do documento que acompanha as alegações por se tornar necessário dado que na douta decisão de 1ª Instancia se decidiu aplicar a tabela consagrada pelo ACORDO ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias / Associação Portuguesa de Seguradores.
 
 
          II- Factos
Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:
1)    Em 06 de Abril de 2011, na A10 – Autostrada dei Fiori – perto da localidade de Savonna, em Itália, ocorreu um acidente de viação entre a viatura pesada de mercadorias de marca Volvo, com a matrícula 52- ... e a viatura Fiat Panda, com a matrícula EQ111EC.
2)    O veículo de matrícula IF era detido pela Autora, ao abrigo do Contrato de Locação Financeira nº 1015598, celebrado com o então Banif Go – Instituição Financeira de Crédito, SA, em 27.03.2010.
3)    A Ré representa, em Portugal, a Allianz Itália Spa, ambas seguradoras que integram o grupo Allianz.
4)    A regularização do sinistro referido em A) tem vindo a ser assegurada pela Ré, no âmbito da relação referida em B), tendo sido esta quem efectuou o pagamento da indemnização à locadora, pela perda total de uma das viaturas.
5)    Em consequência do acidente referido em A) o veículo IF sofreu danos que determinaram a sua perda total.
6)    A responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do veículo de matrícula EQ .....encontrava-se transferida para a Allianz Itália, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 069005928, cuja tomadora era Testa – Maria.
7)    Em 22.08.2011, a Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA enviou à Autora a carta junta a fls. 1, cujo teor se dá por reproduzido.
8)    Em 26.08.2011, a Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA enviou à Autora a carta que se junta a fls. 18, onde, para além do mais, a Ré informa a Autora que “Logo que se encontre concluída a instrução do nosso processo, quanto ao apuramento de responsabilidades, de imediato marcaremos posição concreta no que respeita à liquidação ou não dos vossos prejuízos.”
9)    Em 27.02.2012, através de e-mail dirigido ao mandatário da Autora, a Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA vem informar da sua posição em relação ao acidente, para assumir a responsabilidade pelo presente sinistro por conta da nossa representada Allianz Spa.
10) A Ré pagou à empresa locadora (Banif Mais) a quantia de € 60.000,00 €, pela perda total do veículo de matrícula IF.
11) O contrato de locação financeira referido em B) foi rescindido com efeitos a 13-04-2012 tendo a locadora reembolsado a autora do valor de 9.856,34 euros.
12) Entre as datas do acidente e da rescisão do contrato de locação, a autora sempre pagou as rendas à entidade locadora.
13) Desde a data do acidente a autora esteve privada da utilização da viatura.
14) Em consequência do acidente a autora pagou as seguintes despesas:
a) Ida e volta de viatura a Itália, para trazer o veículo sinistrado – 6.690,00 euros;
b) Despesas com remoção, parqueamento da viatura sinistrada – até à viagem de volta a Portugal – e reparação dos danos provocados na auto-estrada pagos inicialmente, pela DLB – Transportes e debitados por esta à autora – 8.405,50 euros.
 
 
          III- Fundamentação
 
Cumpre apreciar e decidir.
 
O objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões da alegação do recorrente, pelo que as questões a conhecer no âmbito do presente recurso são as seguintes:
1.     Obrigação de indemnizar pela imobilização do veículo;
2.     Valor da indemnização. 
 
1.     Obrigação de indemnizar pela imobilização do veículo
 
A situação dos autos reporta-se a um acidente ocorrido em Itália e cuja responsabilidade é imputável a uma viatura italiana.
Não se discute neste recurso que ao acidente dos autos é aplicável a lei italiana sobre responsabilidade civil nos termos do art.º 45º, n.º 1, do Código Civil.
 
O dano em questão causado pela perda do veículo ou perda do seu uso (chamado, em Itália, «danno da fermo tecnico»: «perda de uso do automóvel», ou seja, danos resultantes de veículos não operacionais), resultante da inoperacionalidade ou imobilização do veículo, ou seja, neste caso, como resultado do acidente, o dono do veículo que é privado do seu uso é também abrangido pela lei italiana (art.º 2056º do Código Civil Italiano - CCI) na categoria de ano emergente, consiste variados custos, tais como o valor razoável de uso ou aluguer do carro, enquanto o proprietário é privado de seu uso durante as reparações. Neste caso, o proprietário do carro pode reclamar o pagamento do dano: é um dano patrimonial. Assim, neste caso, é possível aplicar os artigos 2043º e 2056 do Código Civil italiano: mas também o artigo 2697º do mesmo código, no domínio do ónus da prova. O proprietário do carro deve provar os fatos constitutivos do seu direito. O prejuízo causado pela "perda de uso" não é compensável numa base equitativa se o requerente não provar que teve despesas e encargos com substituição do seu veículo, nem forneceu elementos (tais como custos de seguro ou o imposto de circulação) adequados para determinar a extensão do prejuízo sofrido.
Este entendimento foi perfilhado pelo Supremo Tribunal Italiano em 17-07-2015 (processo n.º 1598).
No entanto, não se trata de uma jurisprudência pacífica, na medida em que o mesmo Supremo Tribunal em 04-10-2013 (processo n.º 22687) que entendeu que em caso de impossibilidade do dono do veículo de o utilizar durante o tempo necessário à sua reparação a indemnização pode ser liquidada mesmo na ausência duma prova específica, relevando para tanto o simples facto de o lesado ter sido privado do veículo por um determinado período de tempo, e mesmo prescindindo da demonstração da utilização efectiva para o qual está destinado.
Assim, neste caso admite-se a possibilidade de recurso à equidade para a fixação da indemnização.
Em suma, o regime legal italiano é semelhante ao da lei portuguesa, havendo também divergência na nossa jurisprudência sobre tal questão.
É nosso entendimento de que basta a prova da impossibilidade de utilização do veículo sinistrado durante um determinado período de tempo para haver lugar a reparação do dano respectivo, ou seja, a perda do direito à livre utilização do veículo é ressarcível e essa ressarcibilidade tanto poderá ser a título de dano emergente como de lucro cessante.
Tendo sido feita a prova de privação do uso do veículo após o acidente e até à rescisão do contrato de locação financeira, tanto basta para cumprir com o úns que impende sobre a autora nos termos do art.º 342º, n.º 1, do Código Civil.
Note-se que no caso dos autos trata-se de veículo afecto à actividade da autora.
Assim, concluímos existir o dever de indemnizar a autora por parte da ré.
 
Improcede, portanto, esta primeira questão do recurso.
 
 
2.     Valor da indemnização
 
Encontra-se apurado que após a ocorrência do acidente em 06-04-2011 a autora ficou privada do uso do veículo sinistrado e que se encontrava afecto à sua actividade.
Não ficou demonstrado o prejuízo efectivo da autora pela impossibilidade de utilização do veículo.
Todavia, como já referimos, tal não impede a fixação de indemnização, dada a possibilidade legal de recurso à equidade, que a lei portuguesa, semelhantemente à italiana, permite.
Por isso, destacamos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2012 (publicado em http://www.dgsi.pt - Processo n.º 549/05.9TBCBR-A.C1.S1 - relator Conselheiro Fernando Bento):
"O recurso à facturação e ao lucro médio anterior para determinar os lucros cessantes subsequentes assenta, afinal, numa ficção: a de que o volume de negócios, da facturação e dos custos se mantêm inalterados, que a economia não evolui, etc…
O que, todavia, e como se disse, não significa que devam, sem mais, ser desconsiderados; só que, agora – quer dizer, na imposição normativa da fixação do quantum indemnizatório e na impossibilidade reconhecida de o determinar de modo preciso - com cautelas acrescidas prevenindo as insuficiências da prova e a solução que, por via dessas mesmas insuficiências, decorreria dos critérios gerais e abstractos da norma jurídica, ou seja, a absolvição por falta de prova do montante dos danos, apesar da inquestionabilidade da existência destes.
Por isso prescreve o nº3 do art. 566º CC que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”; por outras palavras, se não for possível determinar o valor exacto dos danos, o tribunal deve julgar segundo a equidade.
O julgamento segundo a equidade pressupõe uma atitude ética e um modo de decisão diferentes do do julgamento segundo a lei; assim, enquanto este, por força da generalidade e abstracção típicas da norma jurídica, se caracteriza por uma postura de indiferença às particularidades concretas do caso a decidir e susceptíveis de lhe conferir uma especial configuração merecedora de consideração normativa, o julgamento baseado na equidade, ao invés, atende aos aspectos particulares do caso que o diferenciam e individualizam perante outros.
Por isso, o julgamento segundo a equidade, valorizando as particularidades do caso concreto, é eminentemente subjectivo e emocional.
E quando o juiz valora equitativamente o dano, fá-lo no uso de um arbítrio discricionário, fixando discricionariamente a medida justa ressarcível; a equidade dirige e enforma essa discricionariedade. Para cumprir esta função, o juiz deve partir de todos os elementos que a prova lhe disponibilizou e de outros que seja possível deduzir da prova e suprir a lacuna da prova da certeza do quantum indemnizatório, estabelecendo ex bono et aequo a medida exacta do dano que o responsável deve satisfazer para o ressarcir (cfr, A. Cupis, El daño, p. 551).
Este quantum do dano a ressarcir não constitui um facto nem o resultado de um julgamento de facto; representa, antes, o resultado de um julgamento jurídico, logo, em função de critérios jurídicos coerentes com as exigências previstas no ordenamento jurídico relativamente ao ressarcimento; a certeza do montante exacto dos danos fixado por equidade não corresponde a um julgamento de facto mas sim a um julgamento de direito (cfr. A. Cupis, ob loc cit.)".
 
Não podemos deixar de referir a razão que assiste, em parte, à apelante no que respeita ao facto de que o acordo ANTRAM ter sido estabelecido com a Associação Portuguesa de Seguros, e que o acidente ocorreu em país estrangeiro e em que foi interveniente viatura de matrícula estrangeira.
Convém referir que a aqui responsável é a ré que se encontra abrangida por tal acordo como consta do Anexo A ao acordo de que juntou cópia.
Mesmo não sendo aplicável directamente tal acordo, o mesmo sempre servirá, como entendeu bem a sentença recorrida, como elemento de referência para a fixação da indemnização na falta de outros elementos de facto mais concretos, mas que servem para a formação de um melhor juízo de equidade e de forma a afastar o mais possível qualquer arbitrariedade na fixação da indemnização. 
Nos termos do acordo ANTRAM "Por paralisação entende-se o período de tempo de imobilização da viatura aguardando peritagem, o período de tempo em que se aguarda disponibilidade dos serviços de reparação na oficina e o período de tempo para reparação dos danos. Não serão compreendidos os sábados, domingos e os feriados oficiais." (artigo 3º, n.º 3, 3.1.) e "No caso de 'Perda Total', o período de imobilização será contado desde a data do acidente até à data em que a Seguradora considere, por escrito, o dano como 'Perda Total'." (citado artigo ponto 3.8).
O valor diário da imobilização previsto no acordo referido para 2011  era de € 235,49 (alegado pela autora e aceite pela ré na contestação).
 
Cabe, todavia, referir que ao utilizar-se como referência o acordo ANTRAM deve o mesmo ser aplicável e atendido em toda a sua extensão, nomeadamente quanto ao cálculo da indemnização e factores excludente, pelo que nesse cálculo se devem excluir, como defende a apelante, os sábados, domingos e feriados oficiais ocorridos no período de paralisação a ressarcir.
Deste modo, o período o número de dias a considerar para efeitos de indemnização é tão só o de 267 dias e não de 328 dias considerados na sentença.
Assiste, assim, razão, pelo menos em parte, à apelante       quanto a esta segunda questão levantada no recurso.
 
Procede, portanto, em parte o presente recurso de apelação.
 
 
IV– Decisão
 
Em face de todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se, em parte, a sentença recorrida, e, consequentemente, decide-se julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. a pagar à autora a quantia de € 77.971,33, correspondentes a € 62.875,83 a título de indemnização pela privação do uso do veículo e € 15.095,50 a título de ressarcimento de despesas efectuadas em resultado directo do acidente.
 
Custas em ambas as instâncias por autora e ré na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 18 de Maio de 2017___________________________
Jorge Vilaça             ___________________________
Vaz Gomes             ___________________________
Jorge Leitão Leal

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório Manuel Brígida & Filhos, Lda. Instaurou acção sob a forma de processo comum ordinário contra: Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. Alegando, em síntese, o seguinte: · Em 6 de Abril de 2011, na A10 – Autostrada dei Fiori – perto de Savona, em Itália, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo da autora e a viatura Fiat Panda, matricula EQ.... · O proprietário do Fiat Panda havia transferido a sua responsabilidade para a Allianz Itália Spa. · A peritagem e subsequente regularização do sinistro ocorreram em Portugal e foi efectuada pela ré. · Serem devidas à autora as despesas em que incorreu com o acidente e a indemnização pela privação do uso da viatura. Concluiu pedindo que seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 92.336,22, acrescida dos juros moratórios vincendos desde a citação até integral pagamento. Citada regularmente, a ré apresentou contestação, excepcionando a competência dos tribunais portugueses para os termos da acção porquanto esta deveria ter sido intentada em Itália, local onde ocorreu o acidente e a sua legitimidade para os termos da acção porquanto não era seguradora de qualquer dos veículos intervenientes no acidente e a sua intervenção nos processo aconteceu em representação da companhia de seguros italiana que segurava o Fiat Panda; impugnando os danos peticionados; alegando ainda que não são indemnizáveis. A autora respondeu à contestação. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de incompetência internacional e julgada procedente a excepção de ilegitimidade da ré. Interposto recurso, o Tribunal da Relação julgou a ré parte legítima. Na audiência prévia foi fixada a matéria assente e os temas da prova. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença julgando a acção procedente e condenada a ré no pedido.           Não se conformando com aquela sentença, dela recorreu a ré, que nas suas alegações de recurso formulou as seguintes “CONCLUSÕES: 1ª – O objecto do presente recurso restringe-se a determinar se a ora Recorrente está constituída na obrigação de indemnizar a Autora pela imobilização da viatura “IF” e, a está-lo, qual o montante ressarcitório adequado. 2ª - O acidente a que os autos se reportam ocorreu em Itália e traduziu-se na colisão da viatura “EQ...” com o auto pesado “52- ...” tendo ficado demonstrado que o evento deve ser imputado à viatura italiana. 3ª - A hipótese dos autos é assim claramente uma hipótese de responsabilidade civil extracontratual à qual, por força do nº 1 do artigo 45º do Código Civil, é aplicável a lei italiana. 4ª - Assim, a questão da imobilização controvertida no processo deve ser resolvida à luz dos artigos 2043º, 2054º nº 1 e 2056º do Código Civil Italiano. 5ª - Como na douta sentença recorrida se assinala o artigo 2056º do Código Civil Italiano admite o ressarcimento, em hipótese de responsabilidade civil extracontratual, quer dos lucros cessantes quer dos danos emergentes. 6ª - O dano emergente representa uma diminuição efectiva do património e o lucro cessante uma frustração de benefícios que o lesado esperava fundadamente obter e que só não foram obtidos por causa da lesão. 7ª - Assim, à luz da legislação italiana não estando demonstrada uma frustração de benefícios ou, preferindo-se, um lucro cessante, não há lugar a indemnização a título de imobilização de uma viatura. 8ª - No caso dos autos vem, apenas, demonstrado que: “a) em consequência do referido em A) o veículo IF sofreu danos que determinaram a sua perda total; b) desde a data do acidente a Autora esteve privada da utilização da viatura” (cfr. alínea E) do Ponto 2.1. e alínea N) do Ponto 2.2.). 9ª - Ou seja, não se demonstrou, nem sequer se alegou, qual a efectiva utilização da viatura “IF”, em que dias circulava semanalmente ou mensalmente, qual a receita que a viatura permitia facturar, qual o lucro que da sua circulação resultaria. 10ª - Face ao disposto no artigo 342º nº 1 do Código Civil era sobre a Autora que recaía o ónus da alegação e prova de tais factos, de resto, perfeitamente ao seu alcance pois tratando-se de uma sociedade a movimentação da viatura e a escrituração de receitas e despesas que originava têm de ser anotadas e contabilizadas. 11ª - Em resumo, inexistem situações ou factos concretos que permitam quantificar o dano e este não pode, por total carência de elementos, assentar no prudente arbítrio do julgador. 12ª - Logo, à luz do direito italiano, no caso vertente, não há lugar a indemnização por imobilização da viatura “IF”. 13ª - Não o entendendo assim e douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 2043º, 2054º nº 1 e 2056º do Código Civil Italiano. 14ª - Sem conceder se dirá que mesmo a entender-se que deveria ser aplicado o direito português nem por isso a pretensão da Autora poderia proceder. 15ª - Na verdade a lei portuguesa exige, também, que o lesado prove o dano ou prejuízo que quer ver indemnizado não sendo suficiente alegar e provar privação da viatura impondo-se a demonstração do uso normal que dela é feito, as utilidades de circulação retiradas, os prejuízos causados. 16ª - O que na conclusão anterior se deixa referido é tanto mais patente quanto é certo que a Autora é uma sociedade pelo que a não utilização de uma viatura não se traduz num incómodo mas tão somente, sendo o caso, numa perda de receita e eventualmente de lucro. 17ª - No caso concreto nada se alegou, nem consequentemente nada se provou, pelo que o dano emergente da imobilização não é ressarcível à luz do disposto nos artigos 483º, 562º e 566º do Código Civil Português. 18ª - E não se argumente em sentido contrário que o recurso à tabela ANTRAM colmata a lacuna emergente do ininvocado prejuízo. 19ª - Na verdade, a Autora sabia que que o Acordo ANTRAM não era aplicável ao caso concreto por o acidente ter ocorrido em País estrangeiro, com viatura estrangeira e com o risco de circulação garantido por seguradora estrangeira, pelo que sabia igualmente que se não verificavam os pressupostos do referido Acordo, nem os valores dele constantes, impondo-se-lhe, portanto, que alegasse os factos tendentes a demonstrar os prejuízos da imobilização, o que não fez. 20ª - Finalmente, e sempre por mera cautela e sem conceder, acrescentar-se-á que como se extrai do Ponto 3.1. do Ponto 3: Conceito de Paralisações e Regras de Transito” do ACORDO ANTRAM na indemnização por paralisação não são considerados os sábados, domingos e feriados oficiais. 21ª - Assim, o período a ponderar será de 267 dias e não de 328 dias a eles correspondendo um montante ressarcitório de € 62.875,83. 22ª - Acrescendo que a verba prevista no Acordo ANTRAM por esta não ser aplicável se revela, em equidade, desajustado já que a Autora se limitou a alegar a perda total do veículo não se tendo proposto demonstrar o dano moral sofrido. 23ª - Em equidade o montante ressarcitório não deverá, assim, exceder 1/4 do valor previsto no Acordo ANTRAM, ou seja, € 15.718,95. 24ª - Fixando a indemnização pela imobilização no valor peticionado a douta sentença ora sob recurso violou, portanto, ainda aqui, o disposto nos artigos 483º, 562º e 566º do Código Civil Português. 25ª - Em síntese, sublinha-se que a Recorrida embora reconheça que à hipótese dos autos é aplicável o direito italiano, designadamente os artigos 2043º, 2054º e 2056º do Código Civil Italiano baseou a sua pretensão ressarcitória no que respeita à imobilização no Acordo ANTRAM que não é aplicável ao caso dos autos por apenas vincular a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a Associação Portuguesa de Seguradores e não seguradoras estrangeiras e excluir acidentes ocorridos fora de Portugal e em que intervenham viaturas também elas estrangeiras,  tendo-se abstido de alegar os factos necessários a suportar a sua pretensão. 26ª - Daí que a Ré tenha de ser absolvida, por manifesta falta de prova, do pagamento da indemnização de € 77.240,72 a título de imobilização da viatura “IF”. 27ª - Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso e, em consequência, proferir esse Alto Tribunal Acórdão em que se restrinja a condenação ao pagamento a título de dano emergente de € 15.095,50 e se absolva a Ré, ora Recorrente, do pagamento de € 77.240,72 e seus juros, Terminou requerendo, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 651º do Cód. de Proc. Civil de 2013, a junção do documento que acompanha as alegações por se tornar necessário dado que na douta decisão de 1ª Instancia se decidiu aplicar a tabela consagrada pelo ACORDO ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias / Associação Portuguesa de Seguradores.           II- Factos Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos: 1) Em 06 de Abril de 2011, na A10 – Autostrada dei Fiori – perto da localidade de Savonna, em Itália, ocorreu um acidente de viação entre a viatura pesada de mercadorias de marca Volvo, com a matrícula 52- ... e a viatura Fiat Panda, com a matrícula EQ111EC. 2) O veículo de matrícula IF era detido pela Autora, ao abrigo do Contrato de Locação Financeira nº 1015598, celebrado com o então Banif Go – Instituição Financeira de Crédito, SA, em 27.03.2010. 3) A Ré representa, em Portugal, a Allianz Itália Spa, ambas seguradoras que integram o grupo Allianz. 4) A regularização do sinistro referido em A) tem vindo a ser assegurada pela Ré, no âmbito da relação referida em B), tendo sido esta quem efectuou o pagamento da indemnização à locadora, pela perda total de uma das viaturas. 5) Em consequência do acidente referido em A) o veículo IF sofreu danos que determinaram a sua perda total. 6) A responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do veículo de matrícula EQ .....encontrava-se transferida para a Allianz Itália, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 069005928, cuja tomadora era Testa – Maria. 7) Em 22.08.2011, a Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA enviou à Autora a carta junta a fls. 1, cujo teor se dá por reproduzido. 8) Em 26.08.2011, a Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA enviou à Autora a carta que se junta a fls. 18, onde, para além do mais, a Ré informa a Autora que “Logo que se encontre concluída a instrução do nosso processo, quanto ao apuramento de responsabilidades, de imediato marcaremos posição concreta no que respeita à liquidação ou não dos vossos prejuízos.” 9) Em 27.02.2012, através de e-mail dirigido ao mandatário da Autora, a Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA vem informar da sua posição em relação ao acidente, para assumir a responsabilidade pelo presente sinistro por conta da nossa representada Allianz Spa. 10) A Ré pagou à empresa locadora (Banif Mais) a quantia de € 60.000,00 €, pela perda total do veículo de matrícula IF. 11) O contrato de locação financeira referido em B) foi rescindido com efeitos a 13-04-2012 tendo a locadora reembolsado a autora do valor de 9.856,34 euros. 12) Entre as datas do acidente e da rescisão do contrato de locação, a autora sempre pagou as rendas à entidade locadora. 13) Desde a data do acidente a autora esteve privada da utilização da viatura. 14) Em consequência do acidente a autora pagou as seguintes despesas: a) Ida e volta de viatura a Itália, para trazer o veículo sinistrado – 6.690,00 euros; b) Despesas com remoção, parqueamento da viatura sinistrada – até à viagem de volta a Portugal – e reparação dos danos provocados na auto-estrada pagos inicialmente, pela DLB – Transportes e debitados por esta à autora – 8.405,50 euros.             III- Fundamentação Cumpre apreciar e decidir. O objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões da alegação do recorrente, pelo que as questões a conhecer no âmbito do presente recurso são as seguintes: 1. Obrigação de indemnizar pela imobilização do veículo; 2. Valor da indemnização. 1. Obrigação de indemnizar pela imobilização do veículo A situação dos autos reporta-se a um acidente ocorrido em Itália e cuja responsabilidade é imputável a uma viatura italiana. Não se discute neste recurso que ao acidente dos autos é aplicável a lei italiana sobre responsabilidade civil nos termos do art.º 45º, n.º 1, do Código Civil. O dano em questão causado pela perda do veículo ou perda do seu uso (chamado, em Itália, «danno da fermo tecnico»: «perda de uso do automóvel», ou seja, danos resultantes de veículos não operacionais), resultante da inoperacionalidade ou imobilização do veículo, ou seja, neste caso, como resultado do acidente, o dono do veículo que é privado do seu uso é também abrangido pela lei italiana (art.º 2056º do Código Civil Italiano - CCI) na categoria de ano emergente, consiste variados custos, tais como o valor razoável de uso ou aluguer do carro, enquanto o proprietário é privado de seu uso durante as reparações. Neste caso, o proprietário do carro pode reclamar o pagamento do dano: é um dano patrimonial. Assim, neste caso, é possível aplicar os artigos 2043º e 2056 do Código Civil italiano: mas também o artigo 2697º do mesmo código, no domínio do ónus da prova. O proprietário do carro deve provar os fatos constitutivos do seu direito. O prejuízo causado pela "perda de uso" não é compensável numa base equitativa se o requerente não provar que teve despesas e encargos com substituição do seu veículo, nem forneceu elementos (tais como custos de seguro ou o imposto de circulação) adequados para determinar a extensão do prejuízo sofrido. Este entendimento foi perfilhado pelo Supremo Tribunal Italiano em 17-07-2015 (processo n.º 1598). No entanto, não se trata de uma jurisprudência pacífica, na medida em que o mesmo Supremo Tribunal em 04-10-2013 (processo n.º 22687) que entendeu que em caso de impossibilidade do dono do veículo de o utilizar durante o tempo necessário à sua reparação a indemnização pode ser liquidada mesmo na ausência duma prova específica, relevando para tanto o simples facto de o lesado ter sido privado do veículo por um determinado período de tempo, e mesmo prescindindo da demonstração da utilização efectiva para o qual está destinado. Assim, neste caso admite-se a possibilidade de recurso à equidade para a fixação da indemnização. Em suma, o regime legal italiano é semelhante ao da lei portuguesa, havendo também divergência na nossa jurisprudência sobre tal questão. É nosso entendimento de que basta a prova da impossibilidade de utilização do veículo sinistrado durante um determinado período de tempo para haver lugar a reparação do dano respectivo, ou seja, a perda do direito à livre utilização do veículo é ressarcível e essa ressarcibilidade tanto poderá ser a título de dano emergente como de lucro cessante. Tendo sido feita a prova de privação do uso do veículo após o acidente e até à rescisão do contrato de locação financeira, tanto basta para cumprir com o úns que impende sobre a autora nos termos do art.º 342º, n.º 1, do Código Civil. Note-se que no caso dos autos trata-se de veículo afecto à actividade da autora. Assim, concluímos existir o dever de indemnizar a autora por parte da ré. Improcede, portanto, esta primeira questão do recurso. 2. Valor da indemnização Encontra-se apurado que após a ocorrência do acidente em 06-04-2011 a autora ficou privada do uso do veículo sinistrado e que se encontrava afecto à sua actividade. Não ficou demonstrado o prejuízo efectivo da autora pela impossibilidade de utilização do veículo. Todavia, como já referimos, tal não impede a fixação de indemnização, dada a possibilidade legal de recurso à equidade, que a lei portuguesa, semelhantemente à italiana, permite. Por isso, destacamos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2012 (publicado em http://www.dgsi.pt - Processo n.º 549/05.9TBCBR-A.C1.S1 - relator Conselheiro Fernando Bento): "O recurso à facturação e ao lucro médio anterior para determinar os lucros cessantes subsequentes assenta, afinal, numa ficção: a de que o volume de negócios, da facturação e dos custos se mantêm inalterados, que a economia não evolui, etc… O que, todavia, e como se disse, não significa que devam, sem mais, ser desconsiderados; só que, agora – quer dizer, na imposição normativa da fixação do quantum indemnizatório e na impossibilidade reconhecida de o determinar de modo preciso - com cautelas acrescidas prevenindo as insuficiências da prova e a solução que, por via dessas mesmas insuficiências, decorreria dos critérios gerais e abstractos da norma jurídica, ou seja, a absolvição por falta de prova do montante dos danos, apesar da inquestionabilidade da existência destes. Por isso prescreve o nº3 do art. 566º CC que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”; por outras palavras, se não for possível determinar o valor exacto dos danos, o tribunal deve julgar segundo a equidade. O julgamento segundo a equidade pressupõe uma atitude ética e um modo de decisão diferentes do do julgamento segundo a lei; assim, enquanto este, por força da generalidade e abstracção típicas da norma jurídica, se caracteriza por uma postura de indiferença às particularidades concretas do caso a decidir e susceptíveis de lhe conferir uma especial configuração merecedora de consideração normativa, o julgamento baseado na equidade, ao invés, atende aos aspectos particulares do caso que o diferenciam e individualizam perante outros. Por isso, o julgamento segundo a equidade, valorizando as particularidades do caso concreto, é eminentemente subjectivo e emocional. E quando o juiz valora equitativamente o dano, fá-lo no uso de um arbítrio discricionário, fixando discricionariamente a medida justa ressarcível; a equidade dirige e enforma essa discricionariedade. Para cumprir esta função, o juiz deve partir de todos os elementos que a prova lhe disponibilizou e de outros que seja possível deduzir da prova e suprir a lacuna da prova da certeza do quantum indemnizatório, estabelecendo ex bono et aequo a medida exacta do dano que o responsável deve satisfazer para o ressarcir (cfr, A. Cupis, El daño, p. 551). Este quantum do dano a ressarcir não constitui um facto nem o resultado de um julgamento de facto; representa, antes, o resultado de um julgamento jurídico, logo, em função de critérios jurídicos coerentes com as exigências previstas no ordenamento jurídico relativamente ao ressarcimento; a certeza do montante exacto dos danos fixado por equidade não corresponde a um julgamento de facto mas sim a um julgamento de direito (cfr. A. Cupis, ob loc cit.)". Não podemos deixar de referir a razão que assiste, em parte, à apelante no que respeita ao facto de que o acordo ANTRAM ter sido estabelecido com a Associação Portuguesa de Seguros, e que o acidente ocorreu em país estrangeiro e em que foi interveniente viatura de matrícula estrangeira. Convém referir que a aqui responsável é a ré que se encontra abrangida por tal acordo como consta do Anexo A ao acordo de que juntou cópia. Mesmo não sendo aplicável directamente tal acordo, o mesmo sempre servirá, como entendeu bem a sentença recorrida, como elemento de referência para a fixação da indemnização na falta de outros elementos de facto mais concretos, mas que servem para a formação de um melhor juízo de equidade e de forma a afastar o mais possível qualquer arbitrariedade na fixação da indemnização. Nos termos do acordo ANTRAM "Por paralisação entende-se o período de tempo de imobilização da viatura aguardando peritagem, o período de tempo em que se aguarda disponibilidade dos serviços de reparação na oficina e o período de tempo para reparação dos danos. Não serão compreendidos os sábados, domingos e os feriados oficiais." (artigo 3º, n.º 3, 3.1.) e "No caso de 'Perda Total', o período de imobilização será contado desde a data do acidente até à data em que a Seguradora considere, por escrito, o dano como 'Perda Total'." (citado artigo ponto 3.8). O valor diário da imobilização previsto no acordo referido para 2011  era de € 235,49 (alegado pela autora e aceite pela ré na contestação). Cabe, todavia, referir que ao utilizar-se como referência o acordo ANTRAM deve o mesmo ser aplicável e atendido em toda a sua extensão, nomeadamente quanto ao cálculo da indemnização e factores excludente, pelo que nesse cálculo se devem excluir, como defende a apelante, os sábados, domingos e feriados oficiais ocorridos no período de paralisação a ressarcir. Deste modo, o período o número de dias a considerar para efeitos de indemnização é tão só o de 267 dias e não de 328 dias considerados na sentença. Assiste, assim, razão, pelo menos em parte, à apelante       quanto a esta segunda questão levantada no recurso. Procede, portanto, em parte o presente recurso de apelação. IV– Decisão Em face de todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se, em parte, a sentença recorrida, e, consequentemente, decide-se julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A. a pagar à autora a quantia de € 77.971,33, correspondentes a € 62.875,83 a título de indemnização pela privação do uso do veículo e € 15.095,50 a título de ressarcimento de despesas efectuadas em resultado directo do acidente. Custas em ambas as instâncias por autora e ré na proporção do respectivo decaimento. Lisboa, 18 de Maio de 2017___________________________ Jorge Vilaça             ___________________________ Vaz Gomes             ___________________________ Jorge Leitão Leal