I - Não é admissível a junção de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes a parte sabia estarem sujeitos a prova. II - A resolução do contrato de arrendamento com fundamento na mora no pagamento da renda, prevista no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil, deve ser efetivada no prazo de três meses a contar do conhecimento do correspondente facto, como resulta das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2, do artigo 1085.º do referido diploma. III - O período de contagem da caducidade de três meses, previsto no artigo 1085.º, n.º 2, do Código Civil tem início com o primeiro incumprimento, independentemente do mês e do ano civil em causa. IV - O termo a quo da contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verifica o conhecimento da situação de mora superior a 8 dias, no pagamento da renda, por mais de 4 vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, período esse que, em caso de sucessivos incumprimentos pelo locatário, se vai como que renovando a cada novo incumprimento (desde que não tenha ainda decorrido um período superior a 12 meses relativamente aos 5 incumprimentos em causa). V - Da compatibilização dos artigos 1075.º, n.º 2, 1041.º, n.º 2, e 1083.º, n.º 4, do Código Civil, ressalta que só existe mora com consequências na relação contratual estabelecida com o senhorio, se o arrendatário não purgar a mora até ao termo dos 8 dias a contar do seu começo, sendo que somente a partir do 9.º dia após a data do vencimento da renda sem que o arrendatário efetue o respetivo pagamento, é que se considera que entra em mora relevante. VI - Se a ordem de transferência bancária for transmitida tão tardiamente que é impossível ao emissário cumprir a sua tarefa no prazo que convém ao devedor, a culpa não é do destinatário, neste caso do senhorio, mas do solvens que elegeu ou instruiu o portador. VII - A mora é suficiente como fundamento de despejo, considerando-se inexigível a manutenção do arrendamento sem necessidade de uma autónoma ponderação sobre a sua gravidade ou as suas consequências, a não ser em situações‑limite submetidas ao controlo do abuso do direito, o que não é manifestamente o caso.
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório 1. CC… – AS…, Lda. interpôs recurso de apelação da sentença proferida no procedimento especial de despejo contra si intentado por LL… e JF…. 2. Os Requerentes formularam o pedido de notificação judicial avulsa da Requerida a comunicar a resolução do contrato de arrendamento que os une, com a consequente restituição do locado aos Requerentes, livre e devoluto de pessoas e bens. Alegaram, em suma, que: - São proprietários da fracção autónoma "B", correspondente ao … (loja) do prédio urbano sito na Estrada …, n.ºs … a … B, Lisboa, inscrita sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de S. Domingos de Benfica, concelho de Lisboa; - Por escritura pública celebrada em 17.12.1970, com início em 1.12.1970, o anterior proprietário deu de arrendamento à Requerida o referido imóvel, com destino a comércio, pela renda mensal atualizada de 417,00 €; - Consta da cláusula 2 do contrato que «A renda é da quantia mensal de sete mil escudos, em dinheiro, moeda corrente, paga adiantadamente em casa do senhorio ou no local que este indicar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito»; - A arrendatária não cumpriu o estabelecido, uma vez que não efetuou os pagamentos das rendas mensais vencidas dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito; - Tendo em consideração as disposições conjugadas dos artigos 1075.º, n.º 2, 1041.º, n.º 2, e 1083.º, n.º 4, do Código Civil, existe fundamento para a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, uma vez que a Requerida liquidou mais de quatro rendas fora do prazo legalmente previsto; - De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, a resolução pelo senhorio, quando fundada em causa prevista no n.º 4 do artigo 1083.º do mesmo diploma, opera por comunicação à contraparte, onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida; - Atenta a mora da Requerida no pagamento atempado das rendas, superior a oito dias, por mais de quatro meses seguidas, considera-se resolvido o contrato de arrendamento em causa; - Em cumprimento das normas legais invocadas, tem a notificação avulsa por finalidade comunicar à Requerida a resolução automática e imediata do contrato de arrendamento, devendo, em consequência, os mesmos proceder à entrega do locado. 3. Após notificação judicial avulsa, a Requerida deduziu oposição. Arguiu, em suma, que: - Como os próprios Requerentes invocam, descrevendo no artigo 5.º do seu articulado de "notificação judicial avulsa" que serve de base ao pedido de despejo, a Requerida, alegadamente, desde 1.1.2017 até 1.2.2018, nunca pagou dentro do prazo; - Ora, assim sendo, decorridos os 12 meses sem que os Requerentes tenham decidido resolver o contrato, precludiu tal possibilidade, tendo em consideração a doutrina e a jurisprudência dominantes (vide, entre outros, o acórdão do TRL de 13.7.2016; - Ademais, quando em 21.4.2018 foi notificada da alegada resolução do contrato, segundo a tese dos Requerentes, que não é a mesma da Requerida, só existia um único mês em incumprimento; - Os Requerentes, que recebem as rendas por transferência bancária, têm conhecimento mensalmente do dia em que a renda entra na sua conta, ou seja, desde janeiro de 2017; - Assim, ocorre a caducidade do direito de resolução decorrido que seja o prazo respetivo, isto é 3 meses a contar do conhecimento do correspondente facto (artigo 1085.º, n.º 2, do Código Civil); - Sem prescindir, de acordo com as datas que os próprios Requerentes referem no artigo 5.º, apenas liquidaram uma renda fora do prazo (novembro de 2017); - Dando como boas as afirmações vertidas pelos Requerentes, todas as rendas entraram na conta dos Requerentes ou no próprio dia (vide dezembro de 2017) ou entre um e cinco dias depois; - Tal facto não é imputável à ora Requerida, ficando a dever-se, outrossim, aos procedimentos bancários de transferência, cujos desfasamentos são da responsabilidade do sistema bancário e não da responsabilidade da ora Requerida que tem uma ordem de transferência bancária permanente; - A Requerida é arrendatária dos Requerentes (e já era do pai e avó dos mesmos) desde os anos 70 (da loja, objeto dos presentes autos e de mais outras lojas), tendo pago sempre as suas rendas, nada devendo aos mesmos até hoje. 4. Os Requerentes apresentaram articulado de resposta à oposição. Argumentaram, em síntese, que: - Ainda que se considere que apenas podem ser considerados os doze meses volvidos em data anterior à da entrada da notificação judicial avulsa, a qual ocorreu em 23.04.2018, ou seja, desde abril de 2017, a mora superior a oito dias do pagamento das rendas por parte da Ré, por mais de quatro meses seguidas ou interpoladas, encontra-se verificada; - De facto, em fevereiro de 2018 (e tomando apenas como início o mês de abril de 2017), encontrava-se já a Ré com o pagamento de dez rendas feito fora de prazo, com exceção da vencida em dezembro de 2017, e não apenas em único mês como afirma a Requerida; - Sendo que, também nos meses seguintes, o pagamento da renda com atraso superior a oito dias veio a ser reiterado pela Requerida, nomeadamente no que respeita aos meses de março e de abril de 2018; - Em momento algum da sua oposição, a Requerida logra comprovar que as rendas em causa terão sido liquidadas dentro do respetivo prazo; - Ainda que assim não fosse, no pagamento da renda da casa por transferência, o banco funciona apenas como simples portador do valor destinado à conta bancária do senhorio; - Não se verifica a caducidade do direito à resolução, sendo que cada uma das rendas vencidas tem autonomia para a contagem do prazo de caducidade. 5. As partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, a convite do Tribunal a quo, atento o desiderato de conhecer do mérito da causa sem necessidade de audiência final. 6. Após, foi proferida sentença, da qual consta o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, e nos termos de direito invocados, o Tribunal julga procedente o pedido de despejo relativo à fracção autónoma “B”, correspondente ao … (loja) do prédio urbano sito na Estrada …, n.º …A e …B, em Lisboa, em virtude de resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, e, em consequência, decide: 1. Conferir autorização para entrada no domicílio, para fins de execução do despejo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.°, n.° 7 da Lei n.° 6/2006, de 27.02, na redacção conferida pela Lei n.° 31/2012, de 14.08. 2. Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais – cf. artigo 527.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil. Valor da acção: € 12.510,00 (cf. artigos 298.°, n.° 1 e 306.°, n.° 2 do CPC)». 7. Não se conformando com o assim decidido, a Requerida interpôs o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «1) Entendemos que se verifica a excepção da caducidade do direito de resolução decorrido que seja o prazo respetivo, isto é 03 meses a contar do conhecimento, sendo que, “incasu”, decorreram mais de 02 anos; 2) A Douta Sentença radica em erro de pressupostos de facto e de direito, bem como se verifica insuficiência da matéria probatória e bem assim deficiente fundamentação dos factos; 3) A Douta Sentença radica em omissão de pronúncia, mormente no que tange à versão/alegações apresentadas pela Ré na sua Oposição; 4) Pelo que não pode a Recorrente conformar-se com o teor da Douta Sentença de que ora se recorre, sentindo-se tremendamente injustiçada. 5) Nesta conformidade, e face a todo o supra exposto, requer-se a Vªs Exªs que seja a Douta Decisão recorrida revogada e substituída por outra que não determine a resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo da Ré, assim se fazendo JUSTIÇA». Com as alegações de recurso, a Recorrente juntou um documento destinado a demonstrar a ordem de transferência mensal dada ao BPI para o pagamento das rendas [a qual será infra apreciada]. 8. Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais suscitam a intempestividade da interposição do recurso, considerando que o prazo legal é de 15 e não de 30 dias e argumentam o seguinte: - Não se encontra precludido/caducado o direito dos Apelados resolverem o contrato de arrendamento com base na falta de pagamento atempado das rendas, por mais de 4 vezes nos últimos 12 meses; - Não se aceita, por ser intempestiva face ao disposto no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, a junção aos autos, em sede de alegações de recurso, de um documento que alegadamente comprova que «a ora Ré tenha dado ordem ao seu Banco para que as transferências tivessem lugar a dia 07 de cada mês (conforme se encontra provado no processo nº …/… a correr termos neste mesmo Tribunal no J… e cuja cópia se junta em anexo como Doc. 01(...)»; - Ainda que se desconsiderem as rendas pagas fora do prazo legalmente previsto anteriormente a abril de 2017, sempre existem mais do que quatro pagamentos efetuados desde tal data e até à data de entrada da notificação judicial avulsa ocorrida em 23.4.2018; - Cada uma das rendas vencidas tem autonomia para a contagem do prazo de caducidade, pelo que em relação a cada uma delas se aplica o disposto no artigo 1085.º, n.º 1, do Código Civil (repare-se que a lei se refere ao pagamento da renda – que não de renda – tanto no n.º 3 como no n.º 4 do artigo 1083.º); - À data da resolução do contrato, não havia operado qualquer caducidade, devendo a sentença ser confirmada na íntegra, negando-se total provimento à pretensão da Apelante; - Caso assim não se entenda, não se alcança que haja insuficiência de prova, sendo impertinente para a presente ação a invocação do historial da relação entre as partes, desde a celebração dos contratos com os primitivos e atuais senhorios até à presente data, tanto mais que, tratando-se de alegação não invocada em sede de oposição (e por isso de questão nova), não poderá ser apreciada; - O que está em discussão é somente o provar (ou não) se as rendas nos meses constantes da tabela acima junta foram ou não foram pagas dentro do prazo legalmente previsto para o efeito de forma a legitimar, ou não, a resolução do contrato por parte dos senhorios; - Prova essa que, conforme já acima referido, não obstante caber à Apelante (abrigo do disposto do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), a mesma não logra produzir; - Não se aceita que fosse obrigação dos Apelados, enquanto senhorios, para além de, em cumprimento com o disposto na lei, aceitar o pagamento da renda dentro do prazo de oito dias depois do vencimento da mesma, ainda ter que alertar/advertir a Apelante para o facto de as rendas estarem a entrar fora de prazo na sua conta ou anuir com tal situação, uma vez que “tinha virado prática”; - A obrigação de cumprimento do prazo (pagamento atempado da renda) apenas à Apelante, enquanto inquilina, incumbe – em conformidade com o disposto nos artigos 406.º, n.º 1 e 762.º, n.º 1, do Código Civil (as obrigações devem ser integral e pontualmente cumpridas pelas partes); - No caso de a renda ser paga por transferência bancária, a cessação da mora só ocorrerá quando o montante monetário correspondente à renda mensal acordada estiver ao dispor do senhorio, no caso aqui Apelados, ou seja, quando tal montante fica disponível na sua conta bancária; - De harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 1083.º do Código Civil, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não lhe sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1084.º. 9. No despacho de admissão do recurso, considerou-se aplicável ao caso o prazo de 30 dias previsto no artigo 638.º, n.º 1 do CPC. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II - Âmbito do recurso de apelação Questão prévia: Com as alegações de recurso, a Recorrente juntou um documento destinado a demonstrar a ordem de transferência mensal dada ao BPI para o pagamento das rendas. Nos termos do disposto no artigo 425.º do CPC, «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento». Por seu turno, estabelece o artigo 651.º, n.º 1, do CPC que «as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância». Como anotam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Coimbra, 2018, p. 426), em comentário ao artigo 425.º do CPC, após o momento do encerramento da discussão da causa em primeira instância «apenas se pode congeminar a junção excecional de documentos nos termos previstos no art. 651º, n.º 1, em sede de recurso de apelação: para além dos documentos que sejam objetiva e subjetivamente supervenientes (…) são admissíveis aqueles cuja necessidade se revelar em função da sentença proferida, o que pode justificar-se perante a imprevisibilidade do resultado (…). Não é admissível a junção com a alegação de recurso de um documento que, ab initio, já era potencialmente útil à apreciação da causa» (negrito e sublinhado nossos). E mais adiante, em comentário ao disposto no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, acrescentam: «A jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado» (obra citada, p. 786). Neste sentido, destacamos o sumário do acórdão do TRL de 18.11.2014 (p. 628113.9TBGRD, in www.dgsi.pt), segundo o qual: «I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1, do CPC e os artigos 425º e e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida no momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. III – Objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjetivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. IV – Neste caso (superveniência subjetiva), é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o critério pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefiguram como atendíveis. V – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da decisão de junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo desde o início revelava ser o thema decidendum.». Estas considerações são inteiramente aplicáveis ao caso vertente, visto que o documento ora apresentado pela Recorrente não é objetiva ou subjetivamente superveniente, nem se tornou necessário em virtude do julgamento proferido na primeira instância – cf. artigos 443.º, n.º 1, e 652.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPC. Em face do exposto, não se deve admitir a junção aos autos documento em apreço, determinando-se o seu desentranhamento, com custas do incidente anómalo que geraram a cargo da Apelante, ao abrigo do disposto nos artigos 527.º do CPC e 7.º, n.ºs 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa ao referido Regulamento. * Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: - Da caducidade do direito da Autora de resolver o contrato de arrendamento; - Da verificação dos requisitos para a resolução do contrato pelo atraso no pagamento das rendas. * III - Fundamentação Fundamentação de facto A) Factos considerados provados na sentença recorrida: 1. Os Requerentes são proprietários da fração autónoma “B”, correspondente ao … (loja) do prédio urbano sito na Estrada …, n.ºs …A e …B, Lisboa, inscrita sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de S. Domingos de Benfica, concelho de Lisboa. 2. Por escritura pública celebrada em 17 de dezembro de 1970, o anterior proprietário declarou dar de arrendamento à Requerida, e esta declarou tomar de arrendamento, a fração autónoma supra identificada, com início em 1 de dezembro de 1970, e com destino a comércio. 3. Do documento de escritura pública referida, consta, como cláusula segunda que «a renda é da quantia mensal de sete mil escudos, em dinheiro, moeda corrente, paga adiantadamente em casa do senhorio ou no local que este indicar no primeiro dia útil do mês anterior àquele que disser respeito». 4. A Ré efetuou, desde janeiro de 2017 a fevereiro de 2018 e por conta das rendas acordadas pelas partes, pagamentos aos Autores nas seguintes datas: – 13 de janeiro de 2017; – 14 de fevereiro de 2017; – 14 de março de 2017; – 12 de abril de 2017; – 12 de maio de 2017; – 13 de junho de 2017; – 13 de julho de 2016; – 15 de agosto de 2016; – 12 de setembro de 2017; – 12 de outubro de 2017; – 20 de novembro de 2017; – 12 de dezembro de 2017; – 12 de janeiro de 2018; – 13 de fevereiro de 2018. 5. Em 23 de abril de 2018, os Autores requereram a notificação judicial avulsa da Ré para a resolução do contrato de arrendamento já referido, com fundamento no não pagamento das rendas no prazo legal, bem como da consequente entrega pela mesma do locado livre e devoluto de pessoas e bens. 6. A Ré recebeu a notificação descrita no dia 5 de maio de 2018. 7. Do escrito «Certidão», emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira consta que foi liquidado o imposto de selo e encontra-se o mesmo pago, relativamente ao contrato de arrendamento supra referido. Inexistem factos não provados na sentença recorrida. Enquadramento jurídico a) Estamos perante um procedimento especial de despejo previsto no artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27.2, meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes. O anterior proprietário da fração autónoma “B”, correspondente ao … (loja) do prédio urbano sito na Estrada …, n.º …A e …B, Lisboa celebrou com a ora Requerida um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, destinado ao comércio desta, tendo os ora Requerentes sucedido ao anterior senhorio, ao adquirirem o direito de propriedade relativamente à fração descrita (cf. artigos 1022.º, 1023.º e 1057.º do Código Civil). A principal obrigação do arrendatário urbano é a de pagar ao senhorio a renda, conforme resulta do disposto no artigo 1038.º, alínea a), do Código Civil (cf. artigos. 406.º, n.º 1, e 762.º, n.º 1, do Código Civil). Ficou estabelecido no contrato em apreço que as rendas deveriam ser pagas até ao 1.º dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, conforme ponto 3. da factualidade provada. No preâmbulo da Proposta de Lei n.º 38/XII, foi anunciado que «o fundamento de resolução do contrato de arrendamento no caso de mora é ainda alargado às situações de atrasos reiterados no pagamento da renda, superiores a oito dias, quando ocorram por quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses. Com esta alteração, obvia-se à manutenção de contratos em que a confiança entre as partes tenha sido quebrada por reiteradas situações de incumprimentos, ainda que, isoladamente, pouco significativos». A consagração desta intenção do legislador foi vertida no n.º 4 do artigo 1083.º do Código Civil, na sequência da inexigibilidade prevista no n.º 3, com a seguinte formulação: é ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte. Trata-se de preceito inovador, introduzido com a novíssima reforma aprovada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto. A Requerida invocou a exceção da caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento pelos Requerentes, alegando, para o efeito, ter decorrido mais de um ano desde o conhecimento por parte dos Requerentes do alegado primeiro incumprimento contratual. A resolução do contrato de arrendamento com fundamento na mora no pagamento da renda, prevista no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil, deve ser efetivada no prazo de três meses a contar do conhecimento do correspondente facto, como resulta das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2, do artigo 1085.º do referido diploma. A Lei n.º 31/2012 introduziu uma alteração relevante quanto à caducidade, ao aditar ao preceito a norma prevista no referido n.º 2, a qual, ao fazer referência expressa aos casos do n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, dissipa dúvidas quanto à aplicação do regime da caducidade em sede de oposição no procedimento especial de despejo. Por outro lado, tendo em vista a dinamização do mercado de arrendamento, reduziu-se de forma substancial o prazo de caducidade geral de um ano para três meses. Tanto neste regime jurídico (artigo 1083.º do Código Civil) como no que o precedeu (artigos 63.º, n.º 2, e 64.º do RAU), a constituição na esfera jurídica do senhorio do direito de resolução do contrato de arrendamento está dependente da mora do arrendatário, o que acontece, no tocante à obrigação de pagamento da renda, sempre que este, por motivo que lhe seja imputável, não fizer esse pagamento (artigo 804.º, n.º 2, do Código Civil). A mora é agora suficiente como fundamento de despejo, considerando-se inexigível a manutenção do arrendamento sem necessidade de uma autónoma ponderação sobre a sua gravidade ou as suas consequências. Como sustentam Januário da Costa Gomes e Cláudia Madaleno, «só em situações-limite é possível o controlo pelo abuso do direito» (in Leis do Arrendamento Urbano, Anotadas, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2014, Almedina, p. 240). A Apelante sustenta que os Apelados receberam as rendas por transferência bancária, pelo que têm conhecimento, mensalmente, do dia em que a renda entra na sua conta, sabendo dos alegados atrasos nos pagamentos. Concluem, deste modo, pela caducidade do direito de resolução decorrido o prazo de três meses a contar do conhecimento do correspondente facto (artigo 1085.º, n.º, 2, do Código Civil), ou seja, desde janeiro de 2017. Os Requerentes responderam que a passagem do período de 12 meses sobre a verificação de um atraso no pagamento da renda apenas elimina esse facto da contabilização para efeitos de resolução, sendo que o início da contagem passa para o incumprimento subsequente, e assim sucessivamente. Vejamos. O acórdão do TRC de 14.2.2012 (p. 629/09.1TBTNV, in www.dgsi.pt), reportando-se à falta de pagamento de rendas, pronunciou-se da seguinte forma, no que tange à caducidade: «1. Enquanto o inquilino não pagar ao senhorio a renda respeitante aos meses em mora e as respectivas indemnizações, o senhorio tem o direito de recusar o pagamento das rendas de meses seguintes. 2. Com o RAU (art. 65.º), e agora com o NRAU (art. 1085.º do CC), o direito potestativo de resolução do contrato de arrendamento caduca se não for exercido no prazo de um ano a contar do facto que lhe serve de fundamento. 3. No caso das violações contratuais repetidas, como é o caso da falta de pagamento da renda, o prazo de caducidade corre separadamente para cada uma delas». Este raciocínio é perfeitamente ajustável ao atraso no pagamento de rendas. Mais recentemente, no acórdão do TRL de 13.7.2016 (p. 12399/15.0T8LSB, in www.dgsi.pt), realça-se que a lei se reporta ao pagamento da renda – que não de renda – tanto no n.º 3 como no n.º 4 do artigo 1083.º do Código Civil, «assim apontando claramente no sentido de o fundamento da resolução ser a mora relativa a concretas rendas, posto o que o prazo de caducidade do direito de resolução se conta a partir da verificação da mora relevante». Seguindo o entendimento desta jurisprudência e da doutrina nela citadas, o período de contagem da caducidade tem início com o primeiro incumprimento, independentemente do mês e do ano civil em causa. Iniciada essa contagem, o fundamento resolutivo verificar‑se-á quando forem contabilizados cinco atrasos, desde que não tenham passado mais de doze meses sobre o primeiro atraso no pagamento das rendas. Como se escreveu na sentença recorrida, o decurso do prazo descrito inutiliza os sucessivos incumprimentos que, em face daquela, deixam de servir de fundamento para a resolução pretendida. E – continua a sentença em análise - «O termo a quo da contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verifica o conhecimento da situação de “mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses”, período esse que, em caso de sucessivos incumprimentos pelo locatário, se vai como que renovando a cada novo incumprimento (desde que, naturalmente, não tenha ainda decorrido um período superior a 12 meses relativamente aos cinco incumprimentos em causa, cf. artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil)». Ora, tendo a Requerida sido notificada da resolução pretendida pelos Requerentes a 5 de maio de 2018 (ponto 6. dos factos provados), ainda não tinham decorrido três meses a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento e que coincide, in casu, com o último pagamento com mora relevante, realizado pela Requerida a 13 de fevereiro de 2018, o qual, somado aos quatro incumprimentos anteriores, de 12 de outubro de 2017, 20 de novembro de 2017, 12 de dezembro de 2017 e 12 de janeiro de 2018, todos dentro do prazo de 12 meses, são invocados como fundamento da resolução do contrato de arrendamento. Verifica-se, pois, que a sentença recorrida não merece qualquer reparo ao concluir acertadamente pela improcedência da exceção da caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento. b) Como vimos, o pagamento das rendas é uma obrigação do locatário, prevista no artigo 1038.º, alínea a), do Código Civil. Resulta do n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil que o senhorio tem, em caso de mora, direito a receber as rendas em atraso bem como uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. O n.º 2 do mesmo artigo prevê um prazo de purgação da mora de oito dias, ao dispor que «cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo». Os oito dias a que se refere o artigo 1041º, n.º 2, do Código Civil são juridicamente irrelevantes, só existindo mora relevante do arrendatário, isto é, mora com consequências na relação contratual estabelecida com o senhorio, se este não proceder ao pagamento da renda até ao termo dos oito dias a contar do seu começo, dispondo desse prazo para purgar a mora sem que daí advenha qualquer consequência (cf. Albertina Pedroso, in A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento urbano, Revista Julgar, n.º 19, pp. 54 e 55). Ora, a constituição do locatário em mora, para efeitos do disposto no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil, inicia-se «a partir do 1º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que (a renda) diga respeito», pois, nos termos do artigo 1075.º, n.º 2, do mesmo diploma, «Na falta de convenção em contrário, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada um das restantes no 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito». Como se lê no citado preceito, não se aplica o disposto no artigo 1084.º, n.ºs 3 e 4, do Código Civil, o que significa que, se o arrendatário se tiver constituído neste tipo de mora no pagamento da renda, não a pode fazer cessar. E nos termos dos artigos 1041.º e 1042.º do Código Civil? É controverso se o fundamento de resolução previsto no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil se mantém no caso de o arrendatário pagar ao senhorio a indemnização de 50% prevista no n.º 1 do artigo 1041.º. Menezes Leitão pronunciou-se no sentido afirmativo, ainda que admita «poder haver abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, caso o senhorio tenha convencido o arrendatário de que a indemnização implicaria da sua parte renúncia ao direito de resolução» - Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 8.ª edição, p. 135. Em sentido diverso se pronunciou Albertina Pedroso, para quem «Fundamento de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio com base na existência de mora superior a oito dias apenas se aplica aos casos em que a mora do arrendatário se mantenha operante aquando da comunicação e não tenha cessado por força do oportuno pagamento da indemnização devida, nos termos dos artigos 1041.º e 1042.º do CC» (A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento urbano, Revista Julgar, n.º 19, p. 57). Na situação em apreço, não resulta dos autos que tenha havido qualquer pagamento, nos termos dos artigos 1041.º e 1042.º do Código Civil. E como contabilizar os oito dias a que se reporta o artigo 1041.º, n.º 2, e o artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil? A primeira sustenta que a constituição do locatário em mora, para efeitos do disposto no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil se inicia «a partir do 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que (a renda) diga respeito», tal como resulta do artigo 1075.º, n.º 2, do mesmo. Neste sentido se pronunciou Gravato de Morais, para quem a não realização da prestação na data fixada gera a constituição do devedor em mora – mora ex re (in Falta de pagamento da renda no Arrendamento Urbano, Coimbra: Almedina, 2010, p. 51). Também Menezes Leitão defende que o prazo previsto no artigo 1041.º, n.º 2, do Código Civil não tem como fim a dilatação do prazo previsto no artigo 1083.º, n.º 4, do referido Código e o mesmo se diga para o n.º 3 do mesmo artigo. Para este Autor, «é manifesto que os prazos coincidem e não se somam» (obra citada, pg. 143). Seguindo esta tese, Albertina Pedroso escreveu que: «Considerando que em face do referido n.º 2, o legislador lhe concede este prazo acrescido de oito dias para fazer cessar a mora em que se encontra, sem as consequências a que alude o n.º 1 do artigo 1041.º do CC, devemos concluir que só existe mora relevante do arrendatário, ou seja, mora com consequências na relação contratual estabelecida com o senhorio, se este não proceder ao pagamento da renda até ao termo dos oito dias a contar do seu começo, dispondo desse prazo para purgar a mora sem que daí advenha qualquer consequência pelo incumprimento do pagamento pontual da renda no dia do respectivo vencimento. Portanto, estabelece o legislador que só depois de decorrido este prazo, ou seja, somente a partir do 9.º dia após a data do vencimento da renda sem que o arrendatário efectue o respectivo pagamento, é que se considera que o mesmo entra em mora relevante, leia-se mora com consequências na vida do contrato de arrendamento». Em consequência: o senhorio só poderá resolver o contrato com base na falta de pagamento das rendas a partir do 9.º dia de mora. Uma segunda tese defende que, ao considerar-se juridicamente irrelevantes os oito dias a que se refere o artigo 1041.º, n.º 2 do Código Civil, só se conta o prazo a que se refere o artigo 1083.º, n.º 4, do mesmo Código findo esse período de tempo, o que significa que o senhorio só poderá resolver o contrato com base na falta de pagamento das rendas a partir do 17.º dia de mora (neste sentido se pronunciou Maria Olinda Garcia, Regime substantivo e processual, Coimbra Editora, 2.ª edição, p. 33). Aderindo à primeira tese, claramente maioritária, analisemos a factualidade provada com auxílio da tabela constante do requerimento dos Apelados. Renda vencidaData limite pagamentoData do pagamento 02/01/201710/01/201713/01/2017 01/02/201709/02/201714/02/2017 01/03/201709/03/201714/03/2017 03/04/201711/04/201712/04/2017 02/05/201710/05/201712/05/2017 01/06/201709/06/201713/06/2017 03/07/201711/07/201713/07/2016 01/08/201709/08/201715/08/2016 01/09/201711/09/201712/09/2017 02/10/201710/10/201712/10/2016 02/11/201710/11/201720/11/2017 04/12/201710/12/201712/12/2017 02/01/201810/01/201812/01/2018 01/02/201809/02/201813/02/2018 Utilizando o esquema apresentado pelos Requerentes, constata-se, que seguindo a tese que subscrevemos, a qual nos parece a mais próxima da intenção do legislador – a da mora relevante a partir do 9.º dia -, todas as rendas foram pagas com atraso. Só seguindo a segunda posição, que aponta para a mora a partir do 17.º dia, assistiria razão à Recorrente, pois, assim estaria em dívida apenas a renda vencida no dia 2.11.2017. Em face do que precede, entendemos que não assiste razão à Apelante/Requerida, a qual não logrou provar que a falta de cumprimento tempestivo da sua obrigação não procedeu de culpa sua, conforme dispõe o artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil. Este entendimento não é abalado pela alegação da Apelante de que qualquer atraso que pudesse ter existido não era a si mesma imputável, mas apenas e antes aos procedimentos bancários de transferência, que poderão ocasionar que tal aconteça, já que era ao BPI que incumbia garantir pelo cumprimento tempestivo da sua obrigação. Como se pode ler no acórdão do TRL de 13.12.2007 (p. 8500/2007-1, in www.dgsi.pt), ao qual aderimos, tal como a sentença recorrida, «se o portador se atrasa ou se a ordem para transferir ou o dinheiro lhes são dados tão tardiamente que é impossível ao emissário cumprir a sua tarefa no prazo que convém ao devedor, a culpa não é do destinatário, neste caso do senhorio, mas do solvens que elegeu ou instruiu o portador». E decorre da análise da tabela, em face das regras da experiência comum, que a ordem de pagamento não terá sido dada pela Requerida em datas anteriores às do vencimento da obrigação de pagamento de cada uma das rendas, de forma a garantir o seu cumprimento atempado e tempestivo, sendo, por isso, os incumprimentos já descritos efetivamente imputáveis à Ré. Acresce que não foram alegados ou demonstrados factos que nos permitam concluir pela figura do abuso do direito, consagrada no artigo 334.º do Código Civil, na conceção objetiva: o excesso patente dos limites impostos pela boa-fé, não se tornando necessário que tenha havido a consciência de se excederem esses limites. Citando Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 6.ª ed., p. 516, «para que haja lugar ao abuso do direito é necessário a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito». Ora, tal contradição não está minimamente demonstrada no caso concreto, pelo que, estando verificados todos os requisitos para a resolução do contrato de arrendamento através de notificação judicial avulsa a que aludem os artigos 9.º, n.º 7, alínea), e 15.º da Lei n.º 6/2006, urge concluir que a sentença recorrida não desrespeitou qualquer princípio ou regra processual ou substantiva, pelo que a apelação deve ser julgada improcedente. * Em face dos fundamentos de facto e de Direito supra explanados, o recurso de apelação deve improceder. Vencida a Apelante/Requerida, as custas do recurso ficam a seu cargo – cf. artigos 527.º, 529.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, do CPC. * IV - Decisão Nestes termos, acordam os Juízes da 2.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em: . Indeferir a junção do documento apresentado com as alegações de recurso, ordenando-se a sua restituição ao Apelante, e condenando-o nas custas do incidente, que se fixam em 1 UC; . Julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida; . Condenar a Apelante/Requerida nas custas do recurso. * Lisboa, 24 de abril de 2019 Gabriela Cunha Rodrigues Arlindo Crua António Moreira
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I - Relatório 1. CC… – AS…, Lda. interpôs recurso de apelação da sentença proferida no procedimento especial de despejo contra si intentado por LL… e JF…. 2. Os Requerentes formularam o pedido de notificação judicial avulsa da Requerida a comunicar a resolução do contrato de arrendamento que os une, com a consequente restituição do locado aos Requerentes, livre e devoluto de pessoas e bens. Alegaram, em suma, que: - São proprietários da fracção autónoma "B", correspondente ao … (loja) do prédio urbano sito na Estrada …, n.ºs … a … B, Lisboa, inscrita sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de S. Domingos de Benfica, concelho de Lisboa; - Por escritura pública celebrada em 17.12.1970, com início em 1.12.1970, o anterior proprietário deu de arrendamento à Requerida o referido imóvel, com destino a comércio, pela renda mensal atualizada de 417,00 €; - Consta da cláusula 2 do contrato que «A renda é da quantia mensal de sete mil escudos, em dinheiro, moeda corrente, paga adiantadamente em casa do senhorio ou no local que este indicar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito»; - A arrendatária não cumpriu o estabelecido, uma vez que não efetuou os pagamentos das rendas mensais vencidas dentro do prazo legalmente estipulado para o efeito; - Tendo em consideração as disposições conjugadas dos artigos 1075.º, n.º 2, 1041.º, n.º 2, e 1083.º, n.º 4, do Código Civil, existe fundamento para a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, uma vez que a Requerida liquidou mais de quatro rendas fora do prazo legalmente previsto; - De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, a resolução pelo senhorio, quando fundada em causa prevista no n.º 4 do artigo 1083.º do mesmo diploma, opera por comunicação à contraparte, onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida; - Atenta a mora da Requerida no pagamento atempado das rendas, superior a oito dias, por mais de quatro meses seguidas, considera-se resolvido o contrato de arrendamento em causa; - Em cumprimento das normas legais invocadas, tem a notificação avulsa por finalidade comunicar à Requerida a resolução automática e imediata do contrato de arrendamento, devendo, em consequência, os mesmos proceder à entrega do locado. 3. Após notificação judicial avulsa, a Requerida deduziu oposição. Arguiu, em suma, que: - Como os próprios Requerentes invocam, descrevendo no artigo 5.º do seu articulado de "notificação judicial avulsa" que serve de base ao pedido de despejo, a Requerida, alegadamente, desde 1.1.2017 até 1.2.2018, nunca pagou dentro do prazo; - Ora, assim sendo, decorridos os 12 meses sem que os Requerentes tenham decidido resolver o contrato, precludiu tal possibilidade, tendo em consideração a doutrina e a jurisprudência dominantes (vide, entre outros, o acórdão do TRL de 13.7.2016; - Ademais, quando em 21.4.2018 foi notificada da alegada resolução do contrato, segundo a tese dos Requerentes, que não é a mesma da Requerida, só existia um único mês em incumprimento; - Os Requerentes, que recebem as rendas por transferência bancária, têm conhecimento mensalmente do dia em que a renda entra na sua conta, ou seja, desde janeiro de 2017; - Assim, ocorre a caducidade do direito de resolução decorrido que seja o prazo respetivo, isto é 3 meses a contar do conhecimento do correspondente facto (artigo 1085.º, n.º 2, do Código Civil); - Sem prescindir, de acordo com as datas que os próprios Requerentes referem no artigo 5.º, apenas liquidaram uma renda fora do prazo (novembro de 2017); - Dando como boas as afirmações vertidas pelos Requerentes, todas as rendas entraram na conta dos Requerentes ou no próprio dia (vide dezembro de 2017) ou entre um e cinco dias depois; - Tal facto não é imputável à ora Requerida, ficando a dever-se, outrossim, aos procedimentos bancários de transferência, cujos desfasamentos são da responsabilidade do sistema bancário e não da responsabilidade da ora Requerida que tem uma ordem de transferência bancária permanente; - A Requerida é arrendatária dos Requerentes (e já era do pai e avó dos mesmos) desde os anos 70 (da loja, objeto dos presentes autos e de mais outras lojas), tendo pago sempre as suas rendas, nada devendo aos mesmos até hoje. 4. Os Requerentes apresentaram articulado de resposta à oposição. Argumentaram, em síntese, que: - Ainda que se considere que apenas podem ser considerados os doze meses volvidos em data anterior à da entrada da notificação judicial avulsa, a qual ocorreu em 23.04.2018, ou seja, desde abril de 2017, a mora superior a oito dias do pagamento das rendas por parte da Ré, por mais de quatro meses seguidas ou interpoladas, encontra-se verificada; - De facto, em fevereiro de 2018 (e tomando apenas como início o mês de abril de 2017), encontrava-se já a Ré com o pagamento de dez rendas feito fora de prazo, com exceção da vencida em dezembro de 2017, e não apenas em único mês como afirma a Requerida; - Sendo que, também nos meses seguintes, o pagamento da renda com atraso superior a oito dias veio a ser reiterado pela Requerida, nomeadamente no que respeita aos meses de março e de abril de 2018; - Em momento algum da sua oposição, a Requerida logra comprovar que as rendas em causa terão sido liquidadas dentro do respetivo prazo; - Ainda que assim não fosse, no pagamento da renda da casa por transferência, o banco funciona apenas como simples portador do valor destinado à conta bancária do senhorio; - Não se verifica a caducidade do direito à resolução, sendo que cada uma das rendas vencidas tem autonomia para a contagem do prazo de caducidade. 5. As partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, a convite do Tribunal a quo, atento o desiderato de conhecer do mérito da causa sem necessidade de audiência final. 6. Após, foi proferida sentença, da qual consta o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, e nos termos de direito invocados, o Tribunal julga procedente o pedido de despejo relativo à fracção autónoma “B”, correspondente ao … (loja) do prédio urbano sito na Estrada …, n.º …A e …B, em Lisboa, em virtude de resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, e, em consequência, decide: 1. Conferir autorização para entrada no domicílio, para fins de execução do despejo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15.°, n.° 7 da Lei n.° 6/2006, de 27.02, na redacção conferida pela Lei n.° 31/2012, de 14.08. 2. Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais – cf. artigo 527.°, n.°s 1 e 2 do Código de Processo Civil. Valor da acção: € 12.510,00 (cf. artigos 298.°, n.° 1 e 306.°, n.° 2 do CPC)». 7. Não se conformando com o assim decidido, a Requerida interpôs o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «1) Entendemos que se verifica a excepção da caducidade do direito de resolução decorrido que seja o prazo respetivo, isto é 03 meses a contar do conhecimento, sendo que, “incasu”, decorreram mais de 02 anos; 2) A Douta Sentença radica em erro de pressupostos de facto e de direito, bem como se verifica insuficiência da matéria probatória e bem assim deficiente fundamentação dos factos; 3) A Douta Sentença radica em omissão de pronúncia, mormente no que tange à versão/alegações apresentadas pela Ré na sua Oposição; 4) Pelo que não pode a Recorrente conformar-se com o teor da Douta Sentença de que ora se recorre, sentindo-se tremendamente injustiçada. 5) Nesta conformidade, e face a todo o supra exposto, requer-se a Vªs Exªs que seja a Douta Decisão recorrida revogada e substituída por outra que não determine a resolução do contrato de arrendamento e consequente despejo da Ré, assim se fazendo JUSTIÇA». Com as alegações de recurso, a Recorrente juntou um documento destinado a demonstrar a ordem de transferência mensal dada ao BPI para o pagamento das rendas [a qual será infra apreciada]. 8. Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nas quais suscitam a intempestividade da interposição do recurso, considerando que o prazo legal é de 15 e não de 30 dias e argumentam o seguinte: - Não se encontra precludido/caducado o direito dos Apelados resolverem o contrato de arrendamento com base na falta de pagamento atempado das rendas, por mais de 4 vezes nos últimos 12 meses; - Não se aceita, por ser intempestiva face ao disposto no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, a junção aos autos, em sede de alegações de recurso, de um documento que alegadamente comprova que «a ora Ré tenha dado ordem ao seu Banco para que as transferências tivessem lugar a dia 07 de cada mês (conforme se encontra provado no processo nº …/… a correr termos neste mesmo Tribunal no J… e cuja cópia se junta em anexo como Doc. 01(...)»; - Ainda que se desconsiderem as rendas pagas fora do prazo legalmente previsto anteriormente a abril de 2017, sempre existem mais do que quatro pagamentos efetuados desde tal data e até à data de entrada da notificação judicial avulsa ocorrida em 23.4.2018; - Cada uma das rendas vencidas tem autonomia para a contagem do prazo de caducidade, pelo que em relação a cada uma delas se aplica o disposto no artigo 1085.º, n.º 1, do Código Civil (repare-se que a lei se refere ao pagamento da renda – que não de renda – tanto no n.º 3 como no n.º 4 do artigo 1083.º); - À data da resolução do contrato, não havia operado qualquer caducidade, devendo a sentença ser confirmada na íntegra, negando-se total provimento à pretensão da Apelante; - Caso assim não se entenda, não se alcança que haja insuficiência de prova, sendo impertinente para a presente ação a invocação do historial da relação entre as partes, desde a celebração dos contratos com os primitivos e atuais senhorios até à presente data, tanto mais que, tratando-se de alegação não invocada em sede de oposição (e por isso de questão nova), não poderá ser apreciada; - O que está em discussão é somente o provar (ou não) se as rendas nos meses constantes da tabela acima junta foram ou não foram pagas dentro do prazo legalmente previsto para o efeito de forma a legitimar, ou não, a resolução do contrato por parte dos senhorios; - Prova essa que, conforme já acima referido, não obstante caber à Apelante (abrigo do disposto do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), a mesma não logra produzir; - Não se aceita que fosse obrigação dos Apelados, enquanto senhorios, para além de, em cumprimento com o disposto na lei, aceitar o pagamento da renda dentro do prazo de oito dias depois do vencimento da mesma, ainda ter que alertar/advertir a Apelante para o facto de as rendas estarem a entrar fora de prazo na sua conta ou anuir com tal situação, uma vez que “tinha virado prática”; - A obrigação de cumprimento do prazo (pagamento atempado da renda) apenas à Apelante, enquanto inquilina, incumbe – em conformidade com o disposto nos artigos 406.º, n.º 1 e 762.º, n.º 1, do Código Civil (as obrigações devem ser integral e pontualmente cumpridas pelas partes); - No caso de a renda ser paga por transferência bancária, a cessação da mora só ocorrerá quando o montante monetário correspondente à renda mensal acordada estiver ao dispor do senhorio, no caso aqui Apelados, ou seja, quando tal montante fica disponível na sua conta bancária; - De harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 1083.º do Código Civil, é inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não lhe sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 1084.º. 9. No despacho de admissão do recurso, considerou-se aplicável ao caso o prazo de 30 dias previsto no artigo 638.º, n.º 1 do CPC. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II - Âmbito do recurso de apelação Questão prévia: Com as alegações de recurso, a Recorrente juntou um documento destinado a demonstrar a ordem de transferência mensal dada ao BPI para o pagamento das rendas. Nos termos do disposto no artigo 425.º do CPC, «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento». Por seu turno, estabelece o artigo 651.º, n.º 1, do CPC que «as partes podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância». Como anotam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Coimbra, 2018, p. 426), em comentário ao artigo 425.º do CPC, após o momento do encerramento da discussão da causa em primeira instância «apenas se pode congeminar a junção excecional de documentos nos termos previstos no art. 651º, n.º 1, em sede de recurso de apelação: para além dos documentos que sejam objetiva e subjetivamente supervenientes (…) são admissíveis aqueles cuja necessidade se revelar em função da sentença proferida, o que pode justificar-se perante a imprevisibilidade do resultado (…). Não é admissível a junção com a alegação de recurso de um documento que, ab initio, já era potencialmente útil à apreciação da causa» (negrito e sublinhado nossos). E mais adiante, em comentário ao disposto no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, acrescentam: «A jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado» (obra citada, p. 786). Neste sentido, destacamos o sumário do acórdão do TRL de 18.11.2014 (p. 628113.9TBGRD, in www.dgsi.pt), segundo o qual: «I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1, do CPC e os artigos 425º e e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida no momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. III – Objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjetivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. IV – Neste caso (superveniência subjetiva), é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o critério pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefiguram como atendíveis. V – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da decisão de junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo desde o início revelava ser o thema decidendum.». Estas considerações são inteiramente aplicáveis ao caso vertente, visto que o documento ora apresentado pela Recorrente não é objetiva ou subjetivamente superveniente, nem se tornou necessário em virtude do julgamento proferido na primeira instância – cf. artigos 443.º, n.º 1, e 652.º, n.º 1, alínea e), ambos do CPC. Em face do exposto, não se deve admitir a junção aos autos documento em apreço, determinando-se o seu desentranhamento, com custas do incidente anómalo que geraram a cargo da Apelante, ao abrigo do disposto nos artigos 527.º do CPC e 7.º, n.ºs 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa ao referido Regulamento. * Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: - Da caducidade do direito da Autora de resolver o contrato de arrendamento; - Da verificação dos requisitos para a resolução do contrato pelo atraso no pagamento das rendas. * III - Fundamentação Fundamentação de facto A) Factos considerados provados na sentença recorrida: 1. Os Requerentes são proprietários da fração autónoma “B”, correspondente ao … (loja) do prédio urbano sito na Estrada …, n.ºs …A e …B, Lisboa, inscrita sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de S. Domingos de Benfica, concelho de Lisboa. 2. Por escritura pública celebrada em 17 de dezembro de 1970, o anterior proprietário declarou dar de arrendamento à Requerida, e esta declarou tomar de arrendamento, a fração autónoma supra identificada, com início em 1 de dezembro de 1970, e com destino a comércio. 3. Do documento de escritura pública referida, consta, como cláusula segunda que «a renda é da quantia mensal de sete mil escudos, em dinheiro, moeda corrente, paga adiantadamente em casa do senhorio ou no local que este indicar no primeiro dia útil do mês anterior àquele que disser respeito». 4. A Ré efetuou, desde janeiro de 2017 a fevereiro de 2018 e por conta das rendas acordadas pelas partes, pagamentos aos Autores nas seguintes datas: – 13 de janeiro de 2017; – 14 de fevereiro de 2017; – 14 de março de 2017; – 12 de abril de 2017; – 12 de maio de 2017; – 13 de junho de 2017; – 13 de julho de 2016; – 15 de agosto de 2016; – 12 de setembro de 2017; – 12 de outubro de 2017; – 20 de novembro de 2017; – 12 de dezembro de 2017; – 12 de janeiro de 2018; – 13 de fevereiro de 2018. 5. Em 23 de abril de 2018, os Autores requereram a notificação judicial avulsa da Ré para a resolução do contrato de arrendamento já referido, com fundamento no não pagamento das rendas no prazo legal, bem como da consequente entrega pela mesma do locado livre e devoluto de pessoas e bens. 6. A Ré recebeu a notificação descrita no dia 5 de maio de 2018. 7. Do escrito «Certidão», emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira consta que foi liquidado o imposto de selo e encontra-se o mesmo pago, relativamente ao contrato de arrendamento supra referido. Inexistem factos não provados na sentença recorrida. Enquadramento jurídico a) Estamos perante um procedimento especial de despejo previsto no artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27.2, meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes. O anterior proprietário da fração autónoma “B”, correspondente ao … (loja) do prédio urbano sito na Estrada …, n.º …A e …B, Lisboa celebrou com a ora Requerida um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, destinado ao comércio desta, tendo os ora Requerentes sucedido ao anterior senhorio, ao adquirirem o direito de propriedade relativamente à fração descrita (cf. artigos 1022.º, 1023.º e 1057.º do Código Civil). A principal obrigação do arrendatário urbano é a de pagar ao senhorio a renda, conforme resulta do disposto no artigo 1038.º, alínea a), do Código Civil (cf. artigos. 406.º, n.º 1, e 762.º, n.º 1, do Código Civil). Ficou estabelecido no contrato em apreço que as rendas deveriam ser pagas até ao 1.º dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito, conforme ponto 3. da factualidade provada. No preâmbulo da Proposta de Lei n.º 38/XII, foi anunciado que «o fundamento de resolução do contrato de arrendamento no caso de mora é ainda alargado às situações de atrasos reiterados no pagamento da renda, superiores a oito dias, quando ocorram por quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses. Com esta alteração, obvia-se à manutenção de contratos em que a confiança entre as partes tenha sido quebrada por reiteradas situações de incumprimentos, ainda que, isoladamente, pouco significativos». A consagração desta intenção do legislador foi vertida no n.º 4 do artigo 1083.º do Código Civil, na sequência da inexigibilidade prevista no n.º 3, com a seguinte formulação: é ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte. Trata-se de preceito inovador, introduzido com a novíssima reforma aprovada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto. A Requerida invocou a exceção da caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento pelos Requerentes, alegando, para o efeito, ter decorrido mais de um ano desde o conhecimento por parte dos Requerentes do alegado primeiro incumprimento contratual. A resolução do contrato de arrendamento com fundamento na mora no pagamento da renda, prevista no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil, deve ser efetivada no prazo de três meses a contar do conhecimento do correspondente facto, como resulta das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2, do artigo 1085.º do referido diploma. A Lei n.º 31/2012 introduziu uma alteração relevante quanto à caducidade, ao aditar ao preceito a norma prevista no referido n.º 2, a qual, ao fazer referência expressa aos casos do n.ºs 3 e 4 do artigo 1083.º do Código Civil, dissipa dúvidas quanto à aplicação do regime da caducidade em sede de oposição no procedimento especial de despejo. Por outro lado, tendo em vista a dinamização do mercado de arrendamento, reduziu-se de forma substancial o prazo de caducidade geral de um ano para três meses. Tanto neste regime jurídico (artigo 1083.º do Código Civil) como no que o precedeu (artigos 63.º, n.º 2, e 64.º do RAU), a constituição na esfera jurídica do senhorio do direito de resolução do contrato de arrendamento está dependente da mora do arrendatário, o que acontece, no tocante à obrigação de pagamento da renda, sempre que este, por motivo que lhe seja imputável, não fizer esse pagamento (artigo 804.º, n.º 2, do Código Civil). A mora é agora suficiente como fundamento de despejo, considerando-se inexigível a manutenção do arrendamento sem necessidade de uma autónoma ponderação sobre a sua gravidade ou as suas consequências. Como sustentam Januário da Costa Gomes e Cláudia Madaleno, «só em situações-limite é possível o controlo pelo abuso do direito» (in Leis do Arrendamento Urbano, Anotadas, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2014, Almedina, p. 240). A Apelante sustenta que os Apelados receberam as rendas por transferência bancária, pelo que têm conhecimento, mensalmente, do dia em que a renda entra na sua conta, sabendo dos alegados atrasos nos pagamentos. Concluem, deste modo, pela caducidade do direito de resolução decorrido o prazo de três meses a contar do conhecimento do correspondente facto (artigo 1085.º, n.º, 2, do Código Civil), ou seja, desde janeiro de 2017. Os Requerentes responderam que a passagem do período de 12 meses sobre a verificação de um atraso no pagamento da renda apenas elimina esse facto da contabilização para efeitos de resolução, sendo que o início da contagem passa para o incumprimento subsequente, e assim sucessivamente. Vejamos. O acórdão do TRC de 14.2.2012 (p. 629/09.1TBTNV, in www.dgsi.pt), reportando-se à falta de pagamento de rendas, pronunciou-se da seguinte forma, no que tange à caducidade: «1. Enquanto o inquilino não pagar ao senhorio a renda respeitante aos meses em mora e as respectivas indemnizações, o senhorio tem o direito de recusar o pagamento das rendas de meses seguintes. 2. Com o RAU (art. 65.º), e agora com o NRAU (art. 1085.º do CC), o direito potestativo de resolução do contrato de arrendamento caduca se não for exercido no prazo de um ano a contar do facto que lhe serve de fundamento. 3. No caso das violações contratuais repetidas, como é o caso da falta de pagamento da renda, o prazo de caducidade corre separadamente para cada uma delas». Este raciocínio é perfeitamente ajustável ao atraso no pagamento de rendas. Mais recentemente, no acórdão do TRL de 13.7.2016 (p. 12399/15.0T8LSB, in www.dgsi.pt), realça-se que a lei se reporta ao pagamento da renda – que não de renda – tanto no n.º 3 como no n.º 4 do artigo 1083.º do Código Civil, «assim apontando claramente no sentido de o fundamento da resolução ser a mora relativa a concretas rendas, posto o que o prazo de caducidade do direito de resolução se conta a partir da verificação da mora relevante». Seguindo o entendimento desta jurisprudência e da doutrina nela citadas, o período de contagem da caducidade tem início com o primeiro incumprimento, independentemente do mês e do ano civil em causa. Iniciada essa contagem, o fundamento resolutivo verificar‑se-á quando forem contabilizados cinco atrasos, desde que não tenham passado mais de doze meses sobre o primeiro atraso no pagamento das rendas. Como se escreveu na sentença recorrida, o decurso do prazo descrito inutiliza os sucessivos incumprimentos que, em face daquela, deixam de servir de fundamento para a resolução pretendida. E – continua a sentença em análise - «O termo a quo da contagem do prazo de caducidade é o momento em que se verifica o conhecimento da situação de “mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses”, período esse que, em caso de sucessivos incumprimentos pelo locatário, se vai como que renovando a cada novo incumprimento (desde que, naturalmente, não tenha ainda decorrido um período superior a 12 meses relativamente aos cinco incumprimentos em causa, cf. artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil)». Ora, tendo a Requerida sido notificada da resolução pretendida pelos Requerentes a 5 de maio de 2018 (ponto 6. dos factos provados), ainda não tinham decorrido três meses a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento e que coincide, in casu, com o último pagamento com mora relevante, realizado pela Requerida a 13 de fevereiro de 2018, o qual, somado aos quatro incumprimentos anteriores, de 12 de outubro de 2017, 20 de novembro de 2017, 12 de dezembro de 2017 e 12 de janeiro de 2018, todos dentro do prazo de 12 meses, são invocados como fundamento da resolução do contrato de arrendamento. Verifica-se, pois, que a sentença recorrida não merece qualquer reparo ao concluir acertadamente pela improcedência da exceção da caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento. b) Como vimos, o pagamento das rendas é uma obrigação do locatário, prevista no artigo 1038.º, alínea a), do Código Civil. Resulta do n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil que o senhorio tem, em caso de mora, direito a receber as rendas em atraso bem como uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento. O n.º 2 do mesmo artigo prevê um prazo de purgação da mora de oito dias, ao dispor que «cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo». Os oito dias a que se refere o artigo 1041º, n.º 2, do Código Civil são juridicamente irrelevantes, só existindo mora relevante do arrendatário, isto é, mora com consequências na relação contratual estabelecida com o senhorio, se este não proceder ao pagamento da renda até ao termo dos oito dias a contar do seu começo, dispondo desse prazo para purgar a mora sem que daí advenha qualquer consequência (cf. Albertina Pedroso, in A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento urbano, Revista Julgar, n.º 19, pp. 54 e 55). Ora, a constituição do locatário em mora, para efeitos do disposto no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil, inicia-se «a partir do 1º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que (a renda) diga respeito», pois, nos termos do artigo 1075.º, n.º 2, do mesmo diploma, «Na falta de convenção em contrário, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada um das restantes no 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito». Como se lê no citado preceito, não se aplica o disposto no artigo 1084.º, n.ºs 3 e 4, do Código Civil, o que significa que, se o arrendatário se tiver constituído neste tipo de mora no pagamento da renda, não a pode fazer cessar. E nos termos dos artigos 1041.º e 1042.º do Código Civil? É controverso se o fundamento de resolução previsto no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil se mantém no caso de o arrendatário pagar ao senhorio a indemnização de 50% prevista no n.º 1 do artigo 1041.º. Menezes Leitão pronunciou-se no sentido afirmativo, ainda que admita «poder haver abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, caso o senhorio tenha convencido o arrendatário de que a indemnização implicaria da sua parte renúncia ao direito de resolução» - Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 8.ª edição, p. 135. Em sentido diverso se pronunciou Albertina Pedroso, para quem «Fundamento de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio com base na existência de mora superior a oito dias apenas se aplica aos casos em que a mora do arrendatário se mantenha operante aquando da comunicação e não tenha cessado por força do oportuno pagamento da indemnização devida, nos termos dos artigos 1041.º e 1042.º do CC» (A resolução do contrato de arrendamento no novo e novíssimo regime do arrendamento urbano, Revista Julgar, n.º 19, p. 57). Na situação em apreço, não resulta dos autos que tenha havido qualquer pagamento, nos termos dos artigos 1041.º e 1042.º do Código Civil. E como contabilizar os oito dias a que se reporta o artigo 1041.º, n.º 2, e o artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil? A primeira sustenta que a constituição do locatário em mora, para efeitos do disposto no artigo 1083.º, n.º 4, do Código Civil se inicia «a partir do 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que (a renda) diga respeito», tal como resulta do artigo 1075.º, n.º 2, do mesmo. Neste sentido se pronunciou Gravato de Morais, para quem a não realização da prestação na data fixada gera a constituição do devedor em mora – mora ex re (in Falta de pagamento da renda no Arrendamento Urbano, Coimbra: Almedina, 2010, p. 51). Também Menezes Leitão defende que o prazo previsto no artigo 1041.º, n.º 2, do Código Civil não tem como fim a dilatação do prazo previsto no artigo 1083.º, n.º 4, do referido Código e o mesmo se diga para o n.º 3 do mesmo artigo. Para este Autor, «é manifesto que os prazos coincidem e não se somam» (obra citada, pg. 143). Seguindo esta tese, Albertina Pedroso escreveu que: «Considerando que em face do referido n.º 2, o legislador lhe concede este prazo acrescido de oito dias para fazer cessar a mora em que se encontra, sem as consequências a que alude o n.º 1 do artigo 1041.º do CC, devemos concluir que só existe mora relevante do arrendatário, ou seja, mora com consequências na relação contratual estabelecida com o senhorio, se este não proceder ao pagamento da renda até ao termo dos oito dias a contar do seu começo, dispondo desse prazo para purgar a mora sem que daí advenha qualquer consequência pelo incumprimento do pagamento pontual da renda no dia do respectivo vencimento. Portanto, estabelece o legislador que só depois de decorrido este prazo, ou seja, somente a partir do 9.º dia após a data do vencimento da renda sem que o arrendatário efectue o respectivo pagamento, é que se considera que o mesmo entra em mora relevante, leia-se mora com consequências na vida do contrato de arrendamento». Em consequência: o senhorio só poderá resolver o contrato com base na falta de pagamento das rendas a partir do 9.º dia de mora. Uma segunda tese defende que, ao considerar-se juridicamente irrelevantes os oito dias a que se refere o artigo 1041.º, n.º 2 do Código Civil, só se conta o prazo a que se refere o artigo 1083.º, n.º 4, do mesmo Código findo esse período de tempo, o que significa que o senhorio só poderá resolver o contrato com base na falta de pagamento das rendas a partir do 17.º dia de mora (neste sentido se pronunciou Maria Olinda Garcia, Regime substantivo e processual, Coimbra Editora, 2.ª edição, p. 33). Aderindo à primeira tese, claramente maioritária, analisemos a factualidade provada com auxílio da tabela constante do requerimento dos Apelados. Renda vencidaData limite pagamentoData do pagamento 02/01/201710/01/201713/01/2017 01/02/201709/02/201714/02/2017 01/03/201709/03/201714/03/2017 03/04/201711/04/201712/04/2017 02/05/201710/05/201712/05/2017 01/06/201709/06/201713/06/2017 03/07/201711/07/201713/07/2016 01/08/201709/08/201715/08/2016 01/09/201711/09/201712/09/2017 02/10/201710/10/201712/10/2016 02/11/201710/11/201720/11/2017 04/12/201710/12/201712/12/2017 02/01/201810/01/201812/01/2018 01/02/201809/02/201813/02/2018 Utilizando o esquema apresentado pelos Requerentes, constata-se, que seguindo a tese que subscrevemos, a qual nos parece a mais próxima da intenção do legislador – a da mora relevante a partir do 9.º dia -, todas as rendas foram pagas com atraso. Só seguindo a segunda posição, que aponta para a mora a partir do 17.º dia, assistiria razão à Recorrente, pois, assim estaria em dívida apenas a renda vencida no dia 2.11.2017. Em face do que precede, entendemos que não assiste razão à Apelante/Requerida, a qual não logrou provar que a falta de cumprimento tempestivo da sua obrigação não procedeu de culpa sua, conforme dispõe o artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil. Este entendimento não é abalado pela alegação da Apelante de que qualquer atraso que pudesse ter existido não era a si mesma imputável, mas apenas e antes aos procedimentos bancários de transferência, que poderão ocasionar que tal aconteça, já que era ao BPI que incumbia garantir pelo cumprimento tempestivo da sua obrigação. Como se pode ler no acórdão do TRL de 13.12.2007 (p. 8500/2007-1, in www.dgsi.pt), ao qual aderimos, tal como a sentença recorrida, «se o portador se atrasa ou se a ordem para transferir ou o dinheiro lhes são dados tão tardiamente que é impossível ao emissário cumprir a sua tarefa no prazo que convém ao devedor, a culpa não é do destinatário, neste caso do senhorio, mas do solvens que elegeu ou instruiu o portador». E decorre da análise da tabela, em face das regras da experiência comum, que a ordem de pagamento não terá sido dada pela Requerida em datas anteriores às do vencimento da obrigação de pagamento de cada uma das rendas, de forma a garantir o seu cumprimento atempado e tempestivo, sendo, por isso, os incumprimentos já descritos efetivamente imputáveis à Ré. Acresce que não foram alegados ou demonstrados factos que nos permitam concluir pela figura do abuso do direito, consagrada no artigo 334.º do Código Civil, na conceção objetiva: o excesso patente dos limites impostos pela boa-fé, não se tornando necessário que tenha havido a consciência de se excederem esses limites. Citando Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 6.ª ed., p. 516, «para que haja lugar ao abuso do direito é necessário a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito». Ora, tal contradição não está minimamente demonstrada no caso concreto, pelo que, estando verificados todos os requisitos para a resolução do contrato de arrendamento através de notificação judicial avulsa a que aludem os artigos 9.º, n.º 7, alínea), e 15.º da Lei n.º 6/2006, urge concluir que a sentença recorrida não desrespeitou qualquer princípio ou regra processual ou substantiva, pelo que a apelação deve ser julgada improcedente. * Em face dos fundamentos de facto e de Direito supra explanados, o recurso de apelação deve improceder. Vencida a Apelante/Requerida, as custas do recurso ficam a seu cargo – cf. artigos 527.º, 529.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, do CPC. * IV - Decisão Nestes termos, acordam os Juízes da 2.ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em: . Indeferir a junção do documento apresentado com as alegações de recurso, ordenando-se a sua restituição ao Apelante, e condenando-o nas custas do incidente, que se fixam em 1 UC; . Julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida; . Condenar a Apelante/Requerida nas custas do recurso. * Lisboa, 24 de abril de 2019 Gabriela Cunha Rodrigues Arlindo Crua António Moreira