O caso trata de um pedido de indemnização por parte da seguradora L..., SA., contra S..., SA., devido a um incêndio que destruiu completamente um veículo segurado. A Autora alegou que o incêndio teve origem em falhas mecânicas e que a Ré, enquanto fabricante, deveria ser considerada responsável pelos danos. A Ré, por sua vez, impugnou os factos e sustentou que uma peritagem não revelou qualquer componente defeituoso no veículo. Em primeira instância, o tribunal considerou não provado que o incêndio tivesse sido causado por defeitos de fabrico e julgou a acção improcedente. A Recorrente apelou da decisão, argumentando que houve incorrecta apreciação da matéria de facto e do direito aplicado. Alegou que testemunhos e elementos periciais demonstravam anomalias no veículo que poderiam ter causado o incêndio. No entanto, a prova pericial não foi conclusiva quanto à origem do fogo, e os depoimentos apontaram fatores como má manutenção do veículo. A capacidade da Recorrente de provar que o incêndio derivou de um defeito específico no veículo foi questionada. O tribunal de apelação observou que, nos termos da lei, era necessário demonstrar a existência do defeito para atribuir responsabilidade ao fabricante. Confirmando a decisão de primeira instância, concluiu-se que a Recorrente não cumpriu o ónus da prova, mantendo-se a absolvição da Ré.
No dia 28 de Setembro de 2015, pelas 08h45, o veículo ..-..-.. circulava na A8 ao Km 53,800, sentido Norte/Sul, quando o condutor foi alertado por outro automobilista sobre problemas no seu veículo. Olhando pelo retrovisor, avistou fumo e, de imediato, reduziu a velocidade. O painel de instrumentos não indicava qualquer anomalia, mas logo surgiram mensagens de 'falha na direção' e 'falha do motor'. Encostou o veículo, saindo de seguida fumo preto do capô. O veículo acabou por incendiar-se por completo.
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório L…, SA., intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra S…, SA. pedindo a condenação da Ré no pagamento de € 22.385,28, acrescidos de juros de mora vencidos, bem como de juros vincendos até integral e efectivo pagamento. A Autora funda a sua pretensão na circunstância de, no exercício da sua actividade seguradora ter segurado a responsabilidade civil obrigatória do veículo ..-..-.. (….), o qual tinha como credor hipotecário a L… -…, S.A, a qual o vendeu à P…, S.A. com quem a Autora celebrou o referido contrato de seguro (que incluía a cobertura facultativa/condição especial 004 referente a danos decorrentes de incêndio, raio ou explosão). Mais acrescenta que a 28 de Setembro de 2015 o referido veículo ardeu na auto-estrada entre Caldas da Rainha e Bombarral, ficando completamente destruído, sendo que a Ré declinou toda e qualquer responsabilidade quanto ao sinistro, alegando que após a realização de peritagem não se verificou qualquer componente defeituoso. A Autora peritou também o veículo, detectando uma série de componentes defeituosos no motor do veículo (moto-ventilador em curto-circuito; casquilho da turbina do compressor fundido ao veio; capas superiores do 2 e 4 cilindros, com sinais de escamação; camisa do 1º cilindro estalada ausência de lubrificação; lamas negras localizadas no cárter e subcarter misturadas com água), que a levam a não ter dúvidas de que o incêndio teve origem numa avaria mecânica proveniente de falha do motor. A título de indemnização pela perda total do veículo de matrícula ..-..-.. e pela regularização do sinistro, a Autora liquidou ao segurado o montante global de € 22.385,28, sendo que a Ré recusou assumir o pagamento desse valor, entendendo não ser por ele responsável. Citada a Ré, veio esta apresentar Contestação: - impugnando a factualidade alegada; - pedindo que seja julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da Autora, nos termos da alínea e) do artigo 577.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 278.º do C.P. C., sendo a Ré absolvida da instância; - caso assim não se entenda, seja julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da Ré, nos termos da alínea e) do artigo 577.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 278.º d C. P C., sendo a Ré absolvida da instância; - caso assim não se entenda, seja julgada totalmente improcedente a presente acção, por não provada, sendo a Ré absolvida da instância. A Autora veio responder as excepções arguidas pela Ré, pugnando pela sua improcedência. Realizou-se Audiência Prévia onde se saneou a acção, se julgaram improcedentes as excepções de ilegitimidade de Autora e Ré, se identificou o litígio, se fixaram os factos assentes, se identificaram os temas de prova e, se admitiram os meios de prova requeridos pelas partes. Realizado o Julgamento foi proferida Sentença na qual se julgou a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, se absolveu a Ré do pedido deduzido pela Autora. É desta decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, a qual pediu a rectificação do que considerou serem três lapsos materiais (Facto 22.º, Facto 20.º, Facto 13.º) O Tribunal a quo considerou apenas a existência de dois desses lapsos materiais (quanto aos Factos 22.º e 13.º), assim os rectificando na Sentença. A Autora apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões: 1ª Entendeu o douto tribunal a quo em julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela A. como não provado, na medida em que não foi feita prova (…) “de que o veículo segurado padecia de defeito de fabrico e, que foi este que a causa do incêndio verificado, terá de improceder a sua pretensão, pelo que, sem mais considerações por despiciendas, a presente acção terá de improceder “in totum”.” 2. Ora, não pode a Recorrente concordar, uma vez que entende que houve, por parte do douto tribunal a quo, uma incorreta apreciação da matéria de facto e interpretação do Direito, razão pela qual vem colocar à sindicância de V. Exas. O presente RECURSO. 3. Houve também uma incorreta apreciação da matéria de facto, impugnando-se a matéria de facto dada como PROVADA nos artigos 5.º, 6.º, 7.º, 20.º e como NÃO PROVADA nos artigos 2.º, 3.º e 4.º, pois que se encontram em contradição com o depoimento da testemunha A…. M…, condutor do veículo seguro à data do evento. 4. A referida testemunha conduzia normalmente o veículo na A8, sem que este tivesse alertado para qualquer avaria, quando, foi alertado por outro condutor que algo se passava com o seu veículo. 5. Na sequência, o condutor do veículo seguro olhou para o painel de instrumentos, o qual não acusava qualquer anomalia, olhou para trás e não viu nada, apenas algum nevoeiro. 6. De seguida, sentiu perda de direção e surgiu no painel de instrumentos do veículo, a mensagem “falha na direção” e “falha de motor”. 7. E de seguida observou fumo e labareda provenientes do capô do veículo. 8. De imediato encostou o veículo à berma e já com dificuldade em virtude da perda de direção e falha no motor, pegou no seu computador, saiu e ligou para o 112. 9. E em menos de 10 minutos o incêndio já tinha terminado e o veículo já tinha sido completamente consumido. 10. Atendendo ao depoimento do condutor do veículo seguro acima transcrito requer-se a V. Exas. a correção dos FACTOS PROVADOS nos artigos 6.º, 7.º e 8.º e integração do art. 2.º dos FACTOS NÃO PROVADOS nos FACTOS PROVADOS, passando a constar dos FACTOS PROVADOS o seguinte: 7. Após ter disso alertado por outro condutor que circulava na A8, o condutor do veículo seguro olhou para o painel de instrumentos, o qual não indicava qualquer anomalia, não detetou algum indício de fumo, apenas algum nevoeiro. 8. Momentos depois sentiu perda de direção e surgiu no painel de instrumentos do veículo os símbolos e mensagem de alerta “falha na direção” e “falha de motor”. 9.Logo de seguida viu fumo e labareda proveniente da frente do veículo (capô). De imediato encostou o veículo à berma, saiu do carro e retirou o seu computador. 10. Em menos de 10 minutos, o veículo ficou completamente destruído pelo incêndio. 11. Desde o início do trajeto até ao local do sinistro, o veículo referido em 1) dos factos provados não registou qualquer anomalia no motor, nem o condutor do veículo detectou algum indício de fumo. 11. O facto provado no art. 13.º padece de lapso de escrita quanto ao ano, devendo ser corrigido, passando a constar 2016, já que aquela data é anterior ao acidente, o que se requer. 12. O facto provado no art. 20.º padece de lapso de escrita quanto ao ano e encontra-se em contradição com os factos provados nos artigos 21.º, 22.º e 23.º dos FACTOS PROVADOS, devendo ser eliminado, o que se requer. 13. Pois, resultou da prova produzida em julgamento, que a Recorrente apenas realizou a peritagem ao veículo após peritagem realizada pela Recorrida, sob pena de o referido veículo perder a garantia. 14. A Recorrida realizou peritagem ao veículo seguro no dia 17 de Fevereiro de 2016. 15. A Recorrida apenas veio se pronunciar sobre o resultado da peritagem que realizou em 18 de Março de 2016. 16. Posteriormente, foi dada à Recorrente a autorização para a desmontagem do veículo pelo proprietário, tendo este sido iniciado em 21 de Março de 2016, cf. Doc. 16.º a) junto com a PI. 17. Acresce que a Recorrida não invoca que o veículo não se encontra abrangido pela garantia em virtude, mas tão-só que o evento não está coberto pela mesma na medida em que não se verificou qualquer componente defeituoso, cf. Doc nº 15 a) e ss não impugnados e juntos com a PI. 18. Face ao exposto, deverá o art. 20º ser eliminado, mantendo-se o art. 22.º, o que se requer. 19. Na perícia efetuada pela Recorrente, foram detetadas diversas anomalias, que a Recorrente não detetou na sua “peritagem”. 20. Foram detetadas as seguintes anomalias 1. motoventilador em curto-circuito, 2. casquilho da turbina do compressor encontrava-se fundido no veio das turbinas, 3. meias capas superiores do 3 e 4 cilindros denotavam escamação, 4. a camisa do 1.º cilindro encontrava-se estalada e o respectivo êmbolo encontrava- -se com o segmento de óleo colado. 5. No subcárter verificou-se resquícios de lamas. 21. O veículo seguro foi adquirido pelo Tomador através de renting, pelo que efetuava todas as revisões e manutenções na marca, isto é, em concessionários autorizados ----, mormente a STA e AJ, que fizeram as revisões da viatura e pela quilometragem o condutor cumpriu os prazos definidos pelo fabricante, cf. Documento 17 junto com a Petição Inicial. 22. Foi também apurado que o veículo tinha um problema de consumo de óleo em excesso, que nunca foi diagnosticado pelas oficinas da ----, que propositadamente negligenciaram. 23. Não é normal um veículo novo necessitar de atestos de óleo fora das manutenções preventivas/programadas. 24. Não é normal um veículo novo, necessitar de óleo de 8000 km em 8000km, cf. Documento n.º 17 junto com a Petição Inicial. Conforme resulta do facto provado no art. 31.º, “Os senhores peritos concluíram que “Dos danos analisados somos da opinião, salvo outra melhor fundamentada, que o incêndio terá tido origem num de dois cenários a) Curtocircuito no motor do ventilador, sendo que neste cenário somos da opinião que terá que ter ocorrido manipulação de fusíveis. 2) Motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso quer por via de falha em injector. Uma vez que o veículo foi levantado anteriormente à conclusão das nossas diligências não nos é assim possível concluir perentoriamente relativamente à origem do incêndio pelo que somos da opinião que deverá ser efectuada uma exposição ao importador da marca com vista ao esclarecimento cabal da ocorrência”. 25. Do exposto resulta, efetivamente que o veículo não se encontrava em conformidade, tanto que se incendiou quando estava em movimento. 26. E andou mal o tribunal a quo ao afirmar que a Recorrente não cumpriu com o ónus da prova quanto à origem do incêndio, tendo-se limitado a hipotéticos cenários plasmados no relatório de peritagem de incêndio, o qual não se encontra concluído na medida em que o veículo foi vendido antes da conclusão do mesmo e sustenta esta posição no Ac. do STJ de 2014, proc. 783/11.2TBMGR.C1.S1 “O incêndio não é, seguramente, um defeito, uma falta de qualidade ou deficiente funcionamento, mas a consequência de um processo causal anterior.” 27. Todavia, no caso do acórdão citado, as circunstâncias do incêndio são completamente distintas. 28. Acresce que, conforme douto Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo 391/09.8YXLSB.L1-1 de 12/04/2011, o ónus da prova está a cargo da Recorrida e não da Recorrente. 29. Tendo andado mal o Tribunal a quo a operar a inversão do ónus da prova. 30. A Recorrente procedeu como lhe competia, alegar e provou a existência de um defeito, no caso as anomalias detetadas no relatório de peritagem (Cf. Factos provados n.º 28) e a existência do incêndio que se encontra aceite pela Recorrida. 31. A Recorrente não tem o ónus de demonstrar a origem do incêndio, cabendo à Recorrida alegar e provar, o que não conseguiu, que o defeito que se manifestou teve causa alheia ao normal funcionamento do bem. 32. Em razão do supra exposto, houve por parte do douto Tribunal a quo uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no art.º 27º nº 1 al. h) do Dec. Lei 291/2007, de 21 de Agosto, art.º 593 do Código Civil, art.º 136 da Lei do Contrato de Seguro e art. 2.º e 3.º do DL 67/2003, de 8 de Abril. 33. Tendo ficado provado que o veículo se incendiou devido a avaria no motor e direção, provocando a sua destruição, deve a Recorrida repor o comprador na situação em que este se encontraria se não tivesse tido lugar a venda da coisa defeituosa. 34. Não fosse o defeito, o incêndio não ocorreria e, por conseguinte, não teriam ocorrido os danos no veículo seguro. 35. Tendo ficado provado (arts. 32, 33, 34 e 35 dos factos provados) que por via do contrato de seguro a ora Recorrente indemnizou o proprietário do veículo seguro e teve despesas no valor de no montante de 22.385,28 €, ao abrigo do disposto nos artigos 27º nº1 al. h) do Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, art.º 136 da Lei do Contrato de Seguro, art.º 593 do Código Civil, nos termos das Condições Gerais, artigos 2.º, 3.º, 4.º, do DL 67/2003, de 8 de abril, o qual regula a Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, do art. 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, Lei de defesa do consumidor, deveria o douto tribunal a quo ter condenado a Recorrida a pagar à ora Recorrente o valor de 22.385,28 €. Deve assim a decisão proferida pelo douto tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida a pagar à ora Recorrente o valor de 22.385,28 €. A Recorrida-Autora apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu que: 1. A convicção do Tribunal para proferir a decisão aqui recorrida baseia-se, e bem, como resulta da motivação, na consideração do teor da prova documental junta, bem como da prova testemunhal produzida, conforme se analisará adiante, pelo que a Recorrida não pode senão discordar da posição adotada pela Recorrente, nomeadamente no que se reporta à matéria de facto dada como provada nos artigos 6º, 7º e 8º e como não provada nos artigos 3º e 4º da sentença proferida. 2. Não obstante a impugnação e tentativa de alteração dos factos dados como provados por parte da Recorrente, a verdade é que os mesmos refletem cabalmente o depoimento prestado pela testemunha A… M…, bem como do doc. 4 junto com a Petição Inicial (Auto de Notícia levantado pela GNR). 3. A testemunha atesta que no dia 28 de setembro de 2015, pelas 08h45 horas, circulava na A8 ao Km 53,800, sentido Norte/Sul concelho de Torres Vedras, aparentemente sem que nada de estranho se passasse, quando foi alertado por outro condutor que algo se passava o com o seu veículo, apontando para a retaguarda do mesmo. 4. Quando a testemunha olhou para o retrovisor viu uma espécie de nevoeiro, olhou novamente para a frente, não aparecia nenhum aviso no painel, mas instantes depois viu fumo, tendo abrandado de imediato. No momento em que estava a encostar, apareceu no painel do veículo o símbolo do motor e perda de direção assistida e, logo de seguida falha de motor. 5. Portanto, conforme se pode verificar, existe uma correspondência evidente entre o depoimento supra transcrito e os factos dados como provados nos artigos 5º, 6º e 7º da sentença do doutro Tribunal a quo. 6. Já no que respeita ao artigo 2º dos factos não provados, a Recorrida concorda com a sua integração nos factos dados como provados, já que o mesmo está em linha com a prova aqui reproduzida. 7. Mais, a Recorrida não se opõe ao pedido de eliminação do artigo 20º dos factos provados formulado pela Recorrente, uma vez que não se terá produzido prova no sentido da existência de um relatório levado a cabo pela Recorrente em janeiro de 2016, e aceita o pedido de correção do lapso de escrita constante do artigo 22º dos factos provados, substituindo-se a data “fevereiro de 2015” por “fevereiro de 2016”, assim como a correção do lapso de escrita previsto no art. 13.º dos factos provados, no qual deverá ler-se “setembro de 2015” e não “setembro de 2016”. 8. Já no que se reporta à questão da garantia invocada pela Recorrente, a mesma não se compreende, por se tratar de um facto dado como provado no artigo 15º dos factos provados que à data do incidente a viatura ainda se encontrava dentro do prazo de garantia (o que não significa, tal como refere a Recorrente, que o incidente em análise estivesse coberto por tal garantia). 9. Prossegue a Recorrente, impugnando a matéria de facto dada como não provada nos artigos 3º e 4º da sentença, na medida em que o Tribunal a quo considerou que não resultou provado no julgamento de primeira instância que o incêndio tenha tido origem numa avaria mecânica proveniente de uma falha de motor do veículo, nem que o incêndio tenha tido origem no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos, conforme havia sido alegado pela Recorrente. 10. Considera a Recorrida que o Tribunal a quo fez uma correta apreciação da prova documental e testemunhal produzida nos autos ao considerar os pontos 3º e 4º como matéria de facto não provada. 11. Desde logo porque da perícia efetuada pela Dekra, a mando da Recorrida, levada a cabo no dia 17 de fevereiro de 2016, ficou concluído que o incêndio terá tido início na parte frontal do veículo e ter-se-á alastrado para a parte traseira, sendo que o motor não apresentava sinais de anomalia interna, apenas danos decorrentes da exposição a altas temperaturas, consequência do incêndio do veículo. 12. Mais conclui o relatório (junto como doc. 3 com a Contestação da Recorrida) no sentido de que o estado avançado de degradação do veículo não permitia determinar a origem nem a causa do incêndio. 13. Não conformada com este desfecho, a Recorrente terá diligenciado pela elaboração de um segundo Relatório Técnico junto da entidade SGS. 14. No seguimento do Relatório Técnico elaborado pela SGS (junto como doc. 18 anexo à PI) procedeu a Recorrente ao envio de uma missiva à Recorrida, datada de 21 de abril de 2017 (junta aos autos como doc. 23 a) da PI), no âmbito da qual imputava a esta última a responsabilidade na produção do acidente. 15. Esta convicção fundava-se no apuramento pela SGS dos seguintes componentes alegadamente defeituosos no veículo: “- Moto-ventilador em curto-circuito (elevado potencial de incêndio); - Casquilho da turbina do compressor estava fundido (gripado) ao respetivo veio (ausência de lubrificação); - Capas superiores dos 3 e 4 cilindros, com sinais de “escamação” (algo estava mal com a lubrificação desta viatura, claramente, existia contaminação do fluido lubrificante); - Camisa do primeiro cilindro estalada (um incêndio não “estala” camisas); - Segmento do êmbolo do primeiro cilindro colado (produz consumo de óleo e combustão incorreta na câmara); - Lamas negras localizadas no cárter e subcárter misturados com água.” 16. Depois de analisar o Relatório Técnico elaborado pela SGS, a Recorrida verificou que as ilações retiradas pela mesma não poderiam ser tidas como corretas e causadoras do incêndio, uma vez que nada mais eram do que consequências do próprio incêndio ou de uma manutenção descuidada da viatura, por um período prolongado. 17. Naturalmente que o incêndio de uma viatura causa numerosos danos e fenómenos nos seus componentes, nomeadamente o curto-circuito do moto-ventilador e a fusão do casquilho da turbina do compressor ao respetivo veio. 18. No que se reporta aos restantes fenómenos/desconformidades identificados no Relatório da SGS, todos parecem estar relacionados com a má lubrificação das peças / falta de óleo, o que revela, à partida, indícios de uma manutenção descuidada da viatura no que toca às mudanças e reposição de óleo necessárias ao bom funcionamento da mesma. 19. Com efeito, no próprio Relatório Técnico elaborado pela SGS é feita referência aos registos de manutenção periódica da viatura, sendo relevado que a mesma manifestava um padrão de consumo de óleo de cerca de um litro a cada 10.000 quilómetros percorridos, aproximadamente. 20. Ora, entre as manutenções de 10 de novembro de 2014 e 21 de maio de 2015, a viatura terá percorrido 23.187 quilómetros sem qualquer registo de atesto de óleo, e entre 21 de maio de 2015 e a data da ocorrência do sinistro, em 28 de setembro de 2015, o veículo terá percorrido cerca de 14.000 quilómetros, novamente sem que tenha havido atesto do óleo. 21. Apesar de o Relatório concluir que terão ocorrido atestos de óleo no motor efetuados fora da rede de reparadores autorizados da ----, tal deve-se às lamas encontradas no motor que, tal como refere a testemunha A…. V…., perito da SGS, são um sintoma de mistura de óleos, que não se misturam (minutos 00:25:56 a 00:26:49). 22.Portanto, das manutenções alegadamente efetuadas, apenas a manutenção de 21 de maio de 2015 foi efetuada num membro da rede da Recorrida, a Auto Industrial, S.A., conforme informação constante da sua base de dados (doc. 4 junto com a Contestação), motivo pelo qual a Recorrida impugnou, desde logo, por desconhecimento, a veracidade da lista de manutenções apresentada como documento 17 da Petição Inicial e alegadas intervenções resultantes dessas manutenções, não tendo a Recorrente sido capaz de demonstrar a sua veracidade. 23.Já no que se refere à questão da pertinência da desmontagem de peças para o rigor das perícias levadas a cabo, foram os depoimentos prestados pelas testemunhas A… C… e M… B… particularmente esclarecedoras, na medida em que afirmam que o incêndio terá ocorrido fora do motor, no seu habitáculo, e não no seu interior, já que este não apresentava indícios de ser a origem do incêndio, nem de mau funcionamento prévio (conforme depoimento de A… C…. minutos 00:16:15 a 00:17:30 e depoimento de M… B… minutos 00:11:09 a 00:11:34) 24. Também a testemunha A… V… refere expressamente que o incêndio não terá começado no motor, mas sim no seu habitáculo (minutos 00:03:54 a 00:04:33), o que corrobora os entendimentos expressos nos depoimentos anteriormente referidos. 25. O Relatório da SGS prossegue, então, para a conclusão de que “o incêndio terá tido origem num de dois cenários: • Curto-circuito no motor do ventilador, sendo que neste cenário somos da opinião que terá que ter ocorrido manipulação de fusíveis. • Motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso quer por via de falha em injetor.” 26. No que se reporta ao primeiro cenário, o mesmo não se afigura possível, na ótica da Recorrida, pelos motivos já expostos supra, bem como pelo facto de o cabo do motor do ventilador estar protegido por um fusível que funde logo que o cabo entra em curto-circuito, ou quando ocorra uma sobrecarga do componente, o que torna mais provável que o curto-circuito seja uma consequência do incêndio do que a sua causa. 27. De qualquer modo, tampouco é concretizado pela SGS no seu relatório, nem no depoimento prestado pelo perito A… V… que tal curto-circuito tenha ocorrido devido a um defeito da viatura, mas antes devido a manipulação de fusíveis, algo a que a Recorrida é totalmente alheia, não sendo um procedimento por si preconizado. 28. No que se reporta ao segundo cenário, em que o motor terá entrado em autoalimentação, o mesmo tampouco se afigura provável na opinião da Recorrida, pelos motivos que se apresentarão em seguida, visto que a autoalimentação do motor se verifica quando o motor começa a trabalhar contínua e interruptamente até “partir”, não obstante o veículo ser, entretanto, desligado. 29. Este fenómeno, quando ocorre, provoca uma aceleração desmesurada no veículo, situação essa que é bastante evidente, verificando-se um aumento exponencial das rotações do veículo, um ruído ensurdecedor e saída de fumo branco pelo tudo de escape, situação esta que não foi mencionada pelo condutor, nem no auto levantado pela GNR aquando do incidente, nem durante o seu testemunho na fase de julgamento dos presentes autos. 30. Não obstante, qualquer que seja a causa de uma eventual autoalimentação do motor, excesso de óleo ou falta do mesmo, este fenómeno nunca pode dar origem a um incêndio. Nesse sentido conclui também a testemunha A… C… (minuto 00:11:37). 31. Acresce que o próprio Relatório apresentado pela SGS é inconclusivo, na medida em que no mesmo se afirma que não foi possível concluir a perícia por a viatura ter sido entregue para salvado pela Recorrente antes de serem terminadas as diligências, não sendo assim possível concluir perentoriamente relativamente à origem do incêndio. 32. Esta posição é confirmada pelo depoimento das testemunhas A… C… (minuto 00:06:31) e A… V… (minutos 00:30:17 a 00:30:53). 33. Uma coisa em que todas as testemunhas suprarreferidas concordaram foi que quanto à possibilidade de o incêndio poder ter sido despoletado por fatores externos, nomeadamente, um objeto ter ficado preso ao catalisador do filtro de partículas no momento que este está a fazer a regeneração, atingindo temperaturas de centenas de graus centígrados (neste sentido o depoimento de A… C… minutos 00:07:31 a 00:08:43, o depoimento de A… V... minutos 00:27:21 a 00:27:49, o depoimento de M… B… minutos 00:12:18 a 00:12:24). 34. Resulta, assim, dos depoimentos transcritos - depoimentos das testemunhas A…, A… V… e M… B…, que: • O incêndio não começou dentro do motor; • O motor não apresentava indícios de mau funcionamento ou defeito de fabrico prévio ao incêndio; • O incêndio pode ter sido despoletado por fatores externos,nomeadamente, quando relacionados com o período em que a viatura efetua a regeneração do filtro de partículas: • A viatura apresentava indícios de uma manutenção descuidada e de utilização de óleo não preconizado pela marca; • A frequência da necessidade de atesto de óleo varia consoante o tipo de condução a que a viatura está sujeita. 35. Como tal, constata-se que, efetivamente, da prova documental e testemunhal produzida não resultou provado que: • O incêndio tenha tido origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo. • O incêndio tenha tido origem no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos. 36. Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao considerar estes dois factos como não provados. 37. Conforme descrito na apreciação do direito feita na sentença proferida, o que está em causa nos presentes autos é a responsabilidade civil contratual da Recorrente, seguradora, perante o seu segurado, face à obrigação por si assumida de indemnizar o beneficiário do seguro pelos danos causados no veículo, em contraposição à questão da responsabilidade por venda de coisa defeituosa. 38. Não obstante ter o Tribunal a quo considerado que a Recorrente estaria sub-rogada nos direitos que ao tomador do seguro assistiriam, por via do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 06 de abril, diferente é a resposta à questão se a Recorrida estaria obrigada a esse pagamento. 39. Dispõe o artigo 913.º do C. Civil que “Se a coisa sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”. 40. Por seu turno, estabelece o artigo 921.º n.º 1 do mesmo diploma legal que “Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador”. 41. Ora, a Recorrente alegou que o incêndio no veículo segurado teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo segurado, mais concretamente no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos. 42. Porém, a mesma não logrou efetuar a prova dessa factualidade e, era sobre a mesma que impedia esse ónus – cfr. artigo 342.º n.º 1 do C. Civil – uma vez que fora do prazo de garantia legal durante o qual opera a inversão do ónus da prova, é a quem alega o defeito que compete fazer a respetiva prova do facto gerador da obrigação de indemnizar. 43. Contrariamente ao que invoca a Recorrente nas suas alegações, não caberia à Recorrida provar que o defeito que se manifestou teve causa alheia ao normal funcionamento do bem. Em primeiro lugar porque não se manifestou qualquer defeito, ocorreu um sinistro, neste caso um incêndio. 44. Os sinistros, bem como os incêndios, não têm necessariamente origem num defeito e era precisamente esta a prova que assistiria à Recorrente: provar que este sinistro, este incêndio, teve origem num defeito de fabrico da viatura. 45. Se coubesse à Recorrida provar a inexistência de um defeito, ou por outra, que o sinistro se deveu a uma causa alheia ao funcionamento do veículo, significaria que estava a operar uma inversão do ónus da prova, o que não se verifica neste caso. 46. Tal prova incumbiria, como tal, à Recorrente, sendo que a mesma não foi capaz de comprovar aquilo que alegou, conforme se demonstrou pela análise da matéria de facto feita na douta sentença, bem como nas presentes contra-alegações. 47. Mais alega a Recorrente que “Importa ainda salientar o DL 67/2003, de 8 de Abril, uma vez que o comprador é considerado consumidor à luz das disposições legais”. 48. Não se compreende de onde é que a Recorrente retira tal entendimento, já que referido DL n.º 67/2003, de 08 de abril, define como consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho. 49. Nesta definição não se encaixa, portanto, a proprietária da viatura, L…., uma empresa que adquiriu a viatura no âmbito da sua atividade profissional, para a celebração de um contrato de locação com a empresa P…. Pelo que deverá, simplesmente, desconsiderar-se toda a argumentação incluída pela Recorrente com recurso às previsões do DL n.º 67/2003, bem como da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, por não se aplicarem ao negócio de compra e venda desta viatura. Questões a Decidir São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[1]), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso. Nas suas Conclusões a Recorrente refere-se aos “artigos” 5.º, 6.º, 7.º e 20.º. Todavia, no decurso das alegações, nos considerandos iniciais, é sobre os artigos 6.º, 7.º e 8.º e 20.º que se pronuncia. Considerando o papel das Conclusões mas também o teor da verão sugerida para os Factos provados, é sobre os Factos 5., 6., 7., 8. e 20. que o Tribunal se pronunciará. In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará: - verificar a matéria dada como provada nos Factos 5., 6., 7., 8. e 20. e da eventual alteração para a redacção sugerida ; - verificar a matéria dada como não provada nos Factos Não Provados n.º 2, 3 e 4 e sua eventual inclusão nos Factos provados; - verificar a quem pertence o ónus da prova da presente acção e se o Direito se mostra correctamente aplicado. Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir. Fundamentação de Facto Releva para a presente decisão a seguinte factualidade: 1 - Os riscos de circulação do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca ----, com a matrícula ..-..-.. encontram-se transferidos para a Autora, nos termos da apólice n.º 8238672. 2. A Autora exerce a indústria de seguros e resseguros em todo o território português e no estrangeiro, nos ramos e modalidades em que estiver autorizada, podendo ainda interessar-se, directa ou indirectamente, em quaisquer negócios ou operações que se relacionem com a exploração da mesma indústria. 3. O veículo referido em 1. tinha como credor hipotecário a L…-…, SA., que vendeu o mesmo à P…-…, S.A, com quem a Autora celebrou o acordo de seguro referido em 1.. 4. Da apólice referida em 1. consta como cobertura facultativa/condição especial 004 “Incêndio, raio ou explosão” com “capital seguro de 420,26 €”. 5. No dia 28 de Setembro de 2015, pelas 08h45 horas, o condutor do veículo referido em 1. A…M… circulava na A8 ao Km 53,800, sentido Norte/Sul concelho de Torres Vedras, quando foi alertado por outro condutor que algo se passava com o seu veículo, apontando para a rectaguarda do mesmo. 6. O condutor do veículo seguro olhou para o retrovisor e viu fumo, tendo abrandado de imediato, olhou para o painel e não verificou qualquer anomalia ou aviso, nem temperatura alterada. 7. No momento em que estava a arranjar sítio para parar, apareceu no painel do veículo referido em 1., o símbolo do motor e perda de direcção assistida e, logo de seguida, falha de motor. 8. Nessa altura, já o veículo estava parado e de imediato surgiu fumo preto a sair do capô. 9. Quando saiu do veículo, verificou que a zona do motor estava em chamas e saía fumo debaixo do veículo referido em 1.. 10. Afastou-se e ligou para o Centro e Controlo das Autoestradas do Atlântico, tendo acorrido ao incêndio os Bombeiros Voluntários do Bombarral e de Torres Vedras que elaborou o relatório de ocorrência. 11. Estiveram no local do incêndio a Autoestradas do Atlântico e a Brigada de Trânsito de Torres Vedras. 12. Em resultado do incêndio, o veículo referido em 1. ficou destruído, resultando na sua perda total. 13. No dia referido em 5. foi o incêndio participado à Autora que abriu o processo de sinistro n.º 31.00.00/40983/2015, com marcação e peritagem para o dia 30 de Setembro de 2015[2]. 14. No decurso do processo de sinistro referido em 13., verificou-se que o veículo referido em 1., com data de matrícula Dezembro de 2013, não tinha dois anos à data referida em 5.. 15. Tratando-se de um veículo que se encontrava ainda ao abrigo da garantia, a peritagem levada a cabo pela Autora entendeu útil que o fabricante ou concessionário do veículo referido em 1. realizasse um parecer quanto às causas do incêndio no veículo seguro. 16. A Autora contactou a Ré no dia 01 de Outubro de 2015, a fim de que a mesma viesse esclarecer se o veículo referido em 1. se encontrava garantido, se tencionavam emitir parecer acerca das causas do incêndio no motor do veículo. 17. A Autora enviou missiva à P… e mail à dona do veículo L…, no sentido de tomar conhecimento se foi accionada a garantia junto da Ré. 18. Soube a Autora, através da dona do veículo, que estaria a accionar a garantia junto da Ré, que esta abriu processo interno com o n.º 1064112814. 19. Às interpelações da dona do veículo sobre as conclusões do processo, a Ré respondia que o processo se encontrava em análise e solicitava mais elementos acerca do sinistro, pretensão sempre atendida. 20. Face à morosidade da Ré em concluir o processo e emitir parecer, a Autora em 2 de Janeiro de 2016 avançou com a realização de uma peritagem técnica de incêndios. 21. No dia 14 de Janeiro de 2016, a Ré pronunciou-se acerca do evento, informando que havia sido aprovada a inspecção ao veículo referido em 1., para além disso informou que, apesar de ainda não haver uma data para a peritagem, o veículo referido em 1. não deveria ser peritado antes da averiguação da Ré, por outra entidade. 22. A Ré procedeu à peritagem à viatura referida em 1. em 17 de Fevereiro de 2016, tendo sido elaborado relatório de peritagem pela empresa Dekra[3]. 23. Após a peritagem da Ré, a Autora providenciou por uma peritagem técnica de incêndio, requerendo a autorização do dono do veículo para desmontagem de linha de escape, depósito de combustível e cabeça do motor. 24. A L…, antes de autorizar a peritagem referida em 23. contactou a Ré a fim de perceber se a sua autorização poderia interferir no processo de conclusão do relatório de peritagem da Ré, ao que esta veio indicar que o veículo não poderia ser objecto de qualquer intervenção até à conclusão do processo. 25. A Ré veio pronunciar-se em 18 de Março de 2016 declinando qualquer responsabilidade quanto ao sinistro, alegando que após a realização de peritagem, não se verificou qualquer componente defeituoso. 26. Foi dada à Autora a autorização para a desmontagem do veículo referido em 1. pelo dono. 27. A responsabilidade pelas revisões e manutenções no veículo eram da L…, S.A., que teve como última intervenção em oficina autorizada pela marca no dia 30.07.2015, não tendo sido detectada nenhuma anomalia no motor. 28. No seguimento de perícia técnica de incêndio efectuada ao veículo a requerimento da Autora, foi detectado: - motoventilador em curto-circuito; - casquilho da turbina do compressor encontrava-se fundido no veio das turbinas; - meias capas superiores do 3 e 4 cilindros denotavam escamação; - a camisa do 1.º cilindro encontrava-se estalada e o respectivo êmbolo encontrava-se com o segmento de óleo colado e - no subcárter verificava-se resquícios de lamas. 29. O foco do incêndio e a maior concentração de calor localizaram-se na zona do compartimento do motor, deslocando-se para a zona do habitáculo e parte traseira do veículo referido em 1.. 30. Antes de ser concluída a peritagem requerida pela Autora, os peritos foram confrontados com a informação de que o salvado havia sido vendido. 31. Os peritos concluíram que “Dos danos analisados somos da opinião, salvo outra melhor fundamentada, que o incêndio terá tido origem num de dois cenários a) Curto-circuito no motor do ventilador, sendo que neste cenário somos da opinião que terá que ter ocorrido manipulação de fusíveis. 2) Motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso quer por via de falha em injector. Uma vez que o veículo foi levantado anteriormente à conclusão das nossas diligências não nos é assim possível concluir peremptoriamente relativamente à origem do incêndio pelo que somos da opinião que deverá ser efectuada uma exposição ao importador da marca com vista ao esclarecimento cabal da ocorrência”[4]. 32. A título de despesas com desmontagens para proceder a peritagem e averiguações, a Autora liquidou o montante de € 561,65. 33. A título de indemnização pela perda total do veículo referido em 1., a Autora liquidou o montante de € 20.625,10. 34. A título de indemnização pelos prejuízos provocados no pavimento da autoestrada, a Autora liquidou o montante de € 1.060. 35. Suportou a Autora o montante de € 700,18 referente ao aluguer de viatura que foi colocado à disposição da sua segurada. 36. A Autora tentou obter da Ré o pagamento das quantias referidas em 32. a 35., tendo-se a tentativa revelado infrutífera. * Como Não Provados o Tribunal a quo considerou os seguintes factos: 1. A desmontagem referida em 26. iniciou-se em 21 de Março de 2016. 2. Desde o início do trajecto até ao local do sinistro, o veículo referido em 1. dos Factos Provados não registou qualquer anomalia no motor, nem o condutor do veículo detectou algum indício de fumo. 3. O incêndio referido em 9. teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo referido em 1.. 4. O incêndio referido em 9. dos Factos Provados teve origem no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos. Apreciação da Matéria de Facto O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[5], nos termos do artigo 640.º n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de: 1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a); 2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c). Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[6], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[7], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[8]. Corrigidos que foram já os lapsos de escrita que existiam nos Factos 13. e 22., e verificadas as Alegações e Conclusões da Autora-Recorrente vejamos em que consiste a divergência desta e se lhe assiste razão. i - Quanto aos Factos 5. a 8. O Tribunal a quo justifica a factualidade que apurou com base “no depoimento da testemunha A…M…, que não conhece nem a A., nem a Ré, mas que era o condutor do veículo melhor identificado nos autos, quando se verificou o incêndio relatado nos autos, aliado aos documentos de fls. 14 verso e 17 verso dos autos que apesar de impugnados, mereceram credibilidade face ao depoimento desta testemunha, quanto aos factos provados nos n.ºs 5 a 12 e 14. Na verdade, esta testemunha relatou que nas circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, conduzia o veículo em apreço que se veio a incendiar. Esclareceu cabalmente todos os momentos e circunstâncias que antecederam o despoletar do incêndio no veículo que conduzia e, o que fez após esse mesmo incêndio, nos termos consignados como provados. Igualmente confirmou as declarações por si prestadas, constantes do auto lavrado pelas autoridades policiais junto aos autos. Acresce, ainda, que esta testemunha referiu expressamente que telefonou para o 112 e, veio o pronto socorro, os bombeiros e a G. N. R.. Este depoimento foi credível, porque esta limitou-se a relatar os factos que presenciou e, em que foi directamente interveniente, sendo certo que não tinha qualquer ligação a qualquer uma das partes”. A Recorrente entende que do depoimento do condutor do veículo seguro, resulta o inverso do estabelecido na matéria de facto dada como PROVADA nos artigos 6.º, 7.º e 8.º. Ouvido o depoimento em causa, constata-se que a factualidade dada como apurada nos Factos impugnados é, com rigor a que resulta do depoimento claro e imparcial do condutor do veículo no momento do incidente. O que consta dos Factos 5. a 8. é – com exactidão – o que esta testemunha descreveu em todos os seus passos, nada havendo a alterar, uma vez que o Tribunal fundamentou bem e não se vislumbram razões válidas para alterar o que quer que seja. ii - Quanto ao Facto Não Provado 2.. Neste aspecto, o Tribunal a quo referiu apenas que “Quanto aos factos não provados, a convicção do tribunal sedimentou-se na circunstância de sobre a mesma não ter sido efectuada prova”. A Recorrente entende que o facto deveria ser dado como provado. A Recorrida aceita que este facto possa transitar para os factos provados. Neste ponto, assiste razão à Recorrente. De facto, ouvido o depoimento da testemunha que conduzia o veículo, dela decorre sem lugar a dúvida razoável que até ao momento em que foi avisado por outro condutor, o referido veículo não deu quaisquer sinais de avaria, anomalia ou fumo. Assim sendo, determina-se que seja eliminado o Facto 2.º dos Factos Não Provados, o qual passará a constar do elenco de Factos Provados, como Facto 8A., com a seguinte redacção: “8A. Desde o início do trajecto até ao local do sinistro, o veículo referido em 1. não registou qualquer anomalia no motor, nem o condutor do veículo detectou indício de fumo”. iii - Quanto ao Facto 20. No que a este ponto respeita, a Recorrente entende que contém um lapso de escrita, que se encontra em contradição com os Factos 21., 22. e 23., motivo pelo qual devia ser eliminado (e mantido o 22.) O Tribunal a quo, sobre a matéria, na Sentença afirmou que para a prova deste Facto se baseou “no documento de fls. 30 verso dos autos, quanto ao facto provado no n.º 20. Na realidade, apesar de impugnado, este documento mereceu credibilidade, pela simples circunstância que no plano da lógica, faz todo o sentido que a comunicação em apreço se tenha verificado naqueles precisos termos”. Quanto à existência do lapso, entretanto, referiu que “não resulta qualquer erro material, tanto mais que corresponde, em parte, ao alegado pela A. (cfr. art. 22.º, da petição inicial), pelo que se indefere o requerido”. Por outro lado, a Recorrida veio dizer que “não se opõe ao pedido de eliminação do artigo 20º dos factos provados formulado pela Recorrente, uma vez que não se terá produzido prova no sentido da existência de um relatório levado a cabo pela Recorrente em janeiro de 2016”. Mas o Tribunal a quo tem razão: o Facto está bem fundamentado, não há contradição alguma, nem se diz que foi produzido qualquer Relatório em Janeiro (avançar com uma peritagem, não é apresentar um relatório), pelo que não há que eliminar o que quer que seja (nomeadamente depois de ser corrigido o lapso na data constante no Facto 22.). Por aqui, portanto, nada há a alterar ao Facto 20.. iv - Quanto aos Factos Não Provados 3.º e 4.º. Já se disse que, quanto a eles, o Tribunal a quo referiu “Quanto aos factos não provados, a convicção do tribunal sedimentou-se na circunstância de sobre a mesma não ter sido efectuada prova”. E acrescentou: “Importa referir, neste âmbito considerado, pese embora os elementos probatórios apresentados, resulta que a causa do incêndio verificado no veículo não se apurou, tudo se limitando a hipotéticos cenários apresentados no caso da peritagem da A., a qual nem sequer pode ser validamente concluída, porque a viatura em causa já tinha ido para abate”. A Recorrente entende que, a sua Peritagem conclui que pela existência de vários componentes do veículo defeituosos e que seriam eles a ter originado o incêndio. E para isso fundamenta-se na circunstância de a manutenção ter sido feita toda em oficinas da marca e no facto de o veículo apresentar um consumo excessivo de óleo (conjugando em termos probatórios, o Relatório Pericial, o depoimento do condutor habitual do veículo e o documento de fls. 17). A Recorrida, por seu turno, refere que a Perícia por si efectuada (pela Dekra) concluiu que o motor não apresentava sinais de anomalia interna, mas apenas danos decorrentes da exposição a altas temperaturas, consequência do incêndio do veículo, sendo que o estado avançado de degradação deste não permitia determinar a origem nem a causa daquele. Certo que a Recorrente, perante estes resultados, diligenciou por outra Peritagem (SGS), para a qual foi autorizada a desmontagem da linha de escape, depósito de combustível entre outros, sendo que esta considerou a existência de vários componentes alegadamente defeituosos no veículo. Só que as ilacções da SGS não são correctas, pois o que é apontado como causa, mais não é que consequência do próprio incêndio ou de uma manutenção descuidada da viatura, por um período prolongado (nomeadamente relacionada com a má lubrificação das peças/falta de óleo), o que se retira do teor dos depoimentos das testemunhas A…C…, A…V…e M…B…. Acresce, quanto aos dois cenários de conclusões da SGS, que o primeiro (Curto-circuito no motor do ventilador - terá que ter ocorrido manipulação de fusíveis), não poderia ter ocorrido, desde logo porque: - o cabo do motor do ventilador está protegido por um fusível que funde logo que o cabo entra em curto-circuito, ou quando ocorra uma sobrecarga do componente (pelo que o curto-circuito não poderia ter ocorrido espontaneamente, mas antes como uma consequência do derretimento da peça, resultante do incêndio já deflagrado); - no que respeita às cablagens e fusíveis no cofre do motor, as evidências encontradas não apontam para a ocorrência de um curto-circuito, mas sim, e conforme inclusivamente referido no Relatório da SGS, para uma manipulação dos fusíveis (um procedimento que só poderia ter ocorrido no âmbito de uma intervenção na rede da marca). O mesmo sucede quanto ao segundo (motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso, quer por via de falha em injetor): quando há autoalimentação do motor este começa a trabalhar contínua e interruptamente até “partir”, não obstante o veículo ser, entretanto, desligado (isso provoca uma aceleração desmesurada no veículo, um ruido ensurdecedor e saída de fumo branco pelo tudo de escape, o que, em momento algum foi descrito pelo condutor), sendo certo que se trata de um fenómeno que não origina incêndio. Por fim, este Relatório é inconclusivo, na medida em que é ele próprio que afirma que não foi possível concluir a perícia por a viatura ter sido entregue para salvado pela Recorrente antes de serem terminadas as diligências, não sendo assim possível concluir peremptoriamente relativamente à origem do incêndio. Assim, no entender da Recorrida, não é possível concluir que o incêndio tenha tido origem no cofre do motor, nem que este apresentasse indícios de mau funcionamento ou defeito de fabrico prévio ao incêndio (o qual pode ter sido espoletado por factores externos), sendo certo que a viatura apresentava indícios de uma manutenção descuidada e de utilização de óleo não preconizado pela marca. Entrando a decidir. Este é um dos pontos fulcrais desta acção: saber se o incêndio referido no Facto 9. teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo referido no Facto 1. e, em concreto, origem no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos. Verificada a totalidade da prova produzida nestes autos (dos Relatórios Periciais e restante documentação escrita[9], aos depoimentos testemunhais prestados em Audiência) cremos que o Tribunal a quo decidiu bem, uma vez que uma resposta positiva, só poderia considerar-se especulativa. De facto, ambos os Relatórios não são conclusivos quanto à origem do incêndio, sendo de assinalar os diferentes momentos em que ocorreram. As conclusões do Relatório da última Perícia (da SGS) - que é aquela que a Recorrente usa para fundamentar o seu Recurso - apontam para a existência de vários defeitos, mas duma forma que tem de se ter como especulativa, pois nem explica como é que as consegue tirar, destrinçando se tais defeitos decorrem do incêndio ou se o provocaram. E com um problema acrescido: é que essas mesmas conclusões são colocadas em causa por esse mesmo Relatório apresentado pela SGS, quando assinala que não foi possível concluir a perícia por a viatura ter sido entregue para salvado pela Recorrente antes de serem terminadas as diligências, não permitindo conclusões peremptórias quanto à origem do incêndio (o que foi reafirmado em audiência, no depoimento da testemunha A… V… - um dos seus Autores). De facto, da prova efectivamente produzida nada resulta no sentido de que até ao momento do incêndio o motor da viatura que se incendiou tivesse algum problema de funcionamento (que a existir sempre teria sido detectado, informado, descrito e contado pela testemunha A… M… que o conduzia habitualmente). Certo que do registo de intervenções de assistência ao veículo incendiado decorre um anormal consumo de óleo, mas isso não autoriza qualquer conclusão quanto à origem do incêndio. Certo ainda que as cinco anomalias detectadas na segunda Perícia (1. motoventilador em curto-circuito; 2. casquilho da turbina do compressor fundido no veio das turbinas; 3. meias capas superiores do 3 e 4 cilindros com escamação; 4. camisa do 1.º cilindro estalada e o respectivo êmbolo com o segmento de óleo colado; 5. resquícios de lamas no subcárter), não permitem nem saber quais as que são consequência do incêndio e quais lhe são anteriores, e muito menos permitem dizer que foi por sua causa que ele ocorreu. E é este salto que não é possível dar, com a seriedade que a apreciação da prova exige. Repare-se, aliás, que esta Perícia aponta depois dois cenários possíveis para a ocorrência do acidente (1 - curto-circuito no motor do ventilador, que implicaria uma manipulação de fusíveis; 2 - motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso, quer por via de falha em injetor). Qualquer deles é puramente especulativo e exigiria prova de outros factos que permitisse tirar conclusões sérias (ninguém falou em manipulação de fusíveis e, quanto ao óleo só sabemos que o veículo tinha um consumo acima do normal, sendo certo que se o problema fosse a autoalimentação, o condutor teria sentido uma aceleração desmesurada no veículo, com um aumento expressivo das rotações do motor, com um ruído ensurdecedor e saída de fumo branco pelo tubo de escape, o que não ocorreu). A isto acresce que ficou em aberto a possibilidade de ter havido uma manutenção deficiente do veículo, com intervenções feitas fora da rede da ora Recorrida, mas que também não permite tirar conclusões no sentido da origem do incêndio (como referiu a testemunha A… C…, períodos longos com muito óleo dentro do motor, não incendeiam o carro, “pode queimar o motor todo por dentro, pode derreter o motor por dentro, mas o carro não incendeia”). Sublinhe-se, por outro lado, que nem sequer a fonte de ignição do incêndio foi apurada e que a primeira Perícia realizada desde logo apurou que não seria possível chegar a conclusões úteis em face do estado de danificação em que o carro ficou com o incêndio (que impedia encontrar uma causa que “levasse a afirmar que o incêndio ocorreu na sequência de um problema do produto”, como assinalou a mesma testemunha A… C…). E se com esta prova documental, já a Recorrente não podia pretender considerar como provados os dois factos em causa, quando ela é concatenada com a apreciação dos depoimentos das testemunhas A… C…, A… V… e M… B… (todos eles imparciais e conhecedores dos factos sobre os quais falaram), essa pretensão ainda fica mais enfraquecida. Repetindo a síntese perfeita constante da fundamentação apresentada na motivação de facto da Sentença em análise “resulta que a causa do incêndio verificado no veículo não se apurou, tudo se limitando a hipotéticos cenários apresentados no caso da peritagem da A., a qual nem sequer pode ser validamente concluída, porque a viatura em causa já tinha ido para abate”. Não há pois nada a alterar ao decidido quanto aos Factos 3. e 4. dos Factos Não Provados. * Fundamentação de Direito A pretensão da Autora é a de que a Ré lhe pague os valores que teve de despender em função do incêndio ocorrido a 28/09/2015, com o veículo matrícula ..-..-.., que estava por si segurado. Esse veículo tinha como credor hipotecário a L…-…, SA., que o vendeu à P…-…, SA., com quem a Autora celebrou o referido acordo de seguro (que cobria danos decorrentes de incêndio, raio ou explosão). Em face da factualidade apurada, o Tribunal a quo, decidiu pela improcedência da acção, orientado pelo seguinte processo de raciocínio: I - na sequência do incêndio ocorrido com o veículo em causa, verificou-se que este ainda se encontrava ao abrigo da garantia por parte da Ré, pelo que a peritagem feita pela Autora entendeu útil que o fabricante ou concessionário do veículo em apreço, realizasse um parecer quanto às causas do incêndio; II - a Ré declinou qualquer responsabilidade quanto ao sinistro por entender – depois de realizar peritagem – inexistir qualquer componente defeituoso no veículo; III - a responsabilidade pelas revisões e manutenções no veículo eram da L…-C…, SA., sendo que a última intervenção em oficina autorizada pela marca ocorreu a dia 30/07/2015, não tendo sido detectada nenhuma anomalia no motor; IV - a segunda perícia de que o veículo foi alvo afirmou não ser possível concluir peremptoriamente relativamente à origem do incêndio; V - a Autora tentou ressarcir-se junto da Ré dos valores que pagou pelas despesas com peritagens, perda do veículo e prejuízos na auto-estrada; VI - o que está em causa nos autos é a responsabilidade civil contratual da seguradora (Autora) perante a sua segurada, face à obrigação por si assumida de indemnizar o beneficiário do seguro pelos danos causados no veículo, associado à questão da responsabilidade por venda de coisa defeituosa; VII - o incêndio em causa conduziu à perda total do veículo segurado e aos danos dados como provados, encontrando-se abrangido pelo contrato de seguro titulado pela apólice n.º 8238672, tendo a Autora satisfeito o seu pagamento; VIII - uma vez que a Autora ficou sub-rogada nos direitos da proprietária do veículo perante quem fosse responsável pelo incêndio (nos termos do artigo 136.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 6 de Abril), haveria de ter resultado provado que este se ficou a dever a defeito no próprio no veículo segurado; IX - a Autora alegou que o incêndio no veículo segurado teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo segurado (mais concretamente no cofre do motor), em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos, mas não logrou provar essa factualidade (prova essa que lhe cabia, por constituir a prova do facto gerador da obrigação de indemnizar), sendo que, não o tendo feito, a acção tem de improceder. Perante este entendimento a Autora-Recorrente recorreu e começou por colocar em causa a factualidade apurada, o que foi já decidido, nada se alterando de relevante (uma vez que o acrescento do Facto 8A. acaba por ser inócuo quanto à pretensão recursória). Mas o Recurso vai mais além e implica também (como atrás se disse), matéria de Direito. Começa, a este nível, por estar em causa o ónus da prova de que o incêndio no veículo segurado teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo (no cofre do motor, em consequência de curto-circuito), provocado por componentes defeituosos. É entendimento da Autora que procedeu como lhe competia, alegar e provar ou a existência de um defeito (no caso, as anomalias detectadas que constam do Facto 28.) e a existência do incêndio (que consta dos Factos 9. a 12.), não tendo de demonstrar a origem do incêndio, cabendo sim à Recorrida alegar e provar (o que não conseguiu), que o defeito que se manifestou teve causa alheia ao normal funcionamento do bem. Assim, estando - nos termos das Condições Gerais da Apólice, do artigo 136.º da Lei do Contrato de Seguro, e do artigo 593.º do Código Civil - sub-rogada nos direitos da sua segurada[10],e porque nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei n.º 291/2007[11], de 21 de Agosto, tem direito de regresso contra “o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude da utilização ou condução de veículos que não cumpram as obrigações legais e caracter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo, na medida em que o acidente tenha sido provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo”, a Recorrente entende-se com direito a receber da Ré (produtora do veículo) as quantias que despendeu por conta do incidente. A esta argumentação a Recorrente ainda acresce que, nos termos do artigo 913.º do Código Civil, ao comprador basta provar o não funcionamento do veículo no período de garantia, sendo que, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, o comprador é considerado consumidor e, nos termos do artigo 4.º, na falta de conformidade do bem com o contrato, tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. Entrando a decidir. A acção está configurada pela Autora como uma acção de responsabilidade civil contratual por venda de coisa defeituosa, por força de um incêndio ocorrido numa viatura fornecida pela Ré (e ainda dentro do prazo de garantia), surgindo a Autora como tal, por ter sido ela enquanto seguradora a ressarcir a L… (beneficiária do seguro). Em face dos factos apurados tem-se como assente que o sinistro que levou à intervenção da Autora originou a perda total do veículo segurado e a uma série de despesas que, face ao contrato de seguro titulado pela apólice n.º 8238672, levaram a que a esta última, neste âmbito, assumisse o seu pagamento e ressarcimento, cabendo agora verificar se, nos termos do artigo 136.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 6 de Abril, tem direito ao reembolso do que despendeu. Para isso, o incêndio haveria de se ter ficado a dever a defeito no próprio veículo segurado. São os artigos 913.º[12] e 921.º[13] do Código Civil, em ligação ao regime resultante do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que começam por estar convocados para análise, sendo certo que, o que era alegado, era que o referido incêndio tivera origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo segurado (no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos). Perguntar-se-á a quem cabia a prova dessa factualidade. E quanto a isso, a posição assumida pelo Tribunal a quo está correcta: nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, à Autora impunha-se o esforço probatório quanto à circunstância de o veículo em causa apresentar defeito. E não um defeito qualquer, mas um defeito que fosse susceptível de originar o incêndio. Esse seria o facto gerador da obrigação de indemnizar. A simples circunstância de estar provado no processo a existência de um incêndio num veículo, não autoriza a conclusão de que tal veículo não apresentava qualidades e desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor possa razoavelmente esperar. Numa situação similar (veículo dentro do prazo de garantia que se incendeia e em que se não provam defeitos ou falta de qualidade das suas peças), o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 20 de Março de 2014[14] (Processo n.º 783/11.2TBMGR.C1.S1-Moreira Alves), considerou que a Ré (produtora do veículo) não poderia ser responsabilizada. E, para chegar a essa conclusão, afirmou que a existência de um “incêndio não é, seguramente, um defeito, uma falta de qualidade ou deficiente funcionamento, mas a consequência de um processo causal anterior”. E se o sumário ora transcrito (e que também foi referido na Sentença sob recurso) é expressivo, o texto que nele se contém é-o ainda mais: “Ora, se é certo que não tinha de demonstrar a causa do defeito, competia-lhe, no entanto, provar o defeito. Acontece que o incêndio não é um defeito, uma falta de qualidade, um deficiente funcionamento, é, antes, a consequência de um processo causal anterior e é no interior desse processo causal que há-de encontrar-se o defeito, isto é, o facto concreto (curto-circuito, ligação mal efectuada, instalação eléctrica com comportamento anormal, etc., etc..), a partir do qual se deduz a falta de qualidade e a inexistência do desempenho que seria, nas circunstâncias, expectável, o que, por sua vez, faz presumir a desconformidade da coisa (automóvel, no caso) com o contrato. Diz ainda o A. que, de um veículo automóvel se espera que não arda, mesmo que imobilizado. É certo que não é suposto que os automóveis se incendeiem, sobretudo quando estão estacionados, com o sistema de ignição desligado, mas a verdade é que tal aconteceu, sem que o A. impute a ocorrência (e prove a imputação) a um específico defeito ou deficiência de funcionamento que, independentemente da prova da sua causa (causa do defeito), e de acordo com as regras da experiência comum e do bom senso, indicie uma falta de qualidade e desempenho anormal, em função do que razoavelmente seria de esperar de uma coisa daquela natureza. Ora, as mesmas regras da experiência comum e o bom senso, revelam que um veículo automóvel, dotado de todas qualidades normais que lhe são características, com desempenho também perfeitamente normal, pode, não obstante, incendiar-se por motivos absolutamente alheios e exteriores ao próprio veículo, designadamente, por acção de terceiro ou caso fortuito. Quer dizer que a ocorrência do incêndio pode ocorrer e ocorre, de facto, na vida real, mesmo na ausência de qualquer defeito ou deficiência de funcionamento. Por isso, do incêndio do veículo, só por si, desacompanhado da prova da existência de defeito (repete-se, o incêndio não consubstancia qualquer defeito) não pode deduzir-se a falta de qualidades e de desempenho habituais a que se refere o nº 2, d) do Artº 2 do D.L. 67/2003, ou a falta de conformidade ou adequação prevista nas alíneas a) b) e c) do preceito. Assim, salvo melhor opinião, entendemos que, provado, pura e simplesmente, o facto incêndio (que, como se disse repetidamente, é uma consequência de um facto anterior, e não um defeito visto que nenhum foi alegado), não ficam densificados quaisquer dos conceitos abertos do Artº 2º do D.L. 67/2003, o mesmo é dizer, não ficam provados os factos índices, ou os factos base da presunção legal, pelo que não pode presumir-se a falta de conformidade do veículo vendido pela Ré ao A., com o respectivo contrato de compra e venda”. Assim, um consumidor, para beneficiar das presunções de não conformidade que o Decreto-Lei n.º 67/2003 consagra, tem de alegar e provar os factos em que presunção assenta, e ainda que tudo ocorreu dentro do prazo de garantia de 2 anos: se se prova apenas que o incêndio consumiu o veículo, apenas se prova a consequência do processo causal, mas não a sua origem e muito menos o putativo defeito que o possa ter originado[15]. A Recorrente entende que a situação em causa neste Acórdão é diferente da dos presentes autos (“as circunstâncias do incêndio são completamente distintas”). É uma conclusão manifestamente exagerada, pois a única diferença relevante tem que ver com o facto de o veículo naquele caso estar estacionado e no presente estar em andamento… Sobre este Acórdão, Pedro Falcão veio entender que se trata de uma decisão acertada do ponto de vista técnico-formal, “ainda que talvez não fique imune a alguma discussão”, uma vez que, na linha do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 04/06/2015 (Processo n.º C-497/13-Froukje Faber contra Autobedrijf Hazet Ochten BV[16]) “e no espírito do «regime avançado na proteção dos consumidores» que o Decreto-Lei n.º 67/2003 institui, deve entender-se que «o consumidor está obrigado a provar a existência da falta [de conformidade, mas] não está obrigado a provar a causa da mesma nem que a sua origem é imputável ao vendedor» (§ 70 — itálico nosso)”, não podendo “exigir-se a um consumidor, cuja especial proteção pressupõe uma vulnerabilidade negocial fundada em boa parte no seu défice de informação e impreparação técnica face ao profissional, que faça tal prova”[17]. A discussão será interessante em termos teóricos, mas, não só a Autora não logrou provar um qualquer defeito que pudesse ter (e não necessariamente que tivesse sido esse o seu elemento efectivamente desencadeador) espoletado o incêndio[18], como - e mais relevante e decisivo - nem sequer pode ser considerada como consumidora para efeitos de poder beneficiar deste regime do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que define como consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho: nessa definição não é possível encaixar, nem a proprietária da viatura, L… (que faz da sua actividade a locação dos veículos), nem a empresa que com esta celebrou o contrato, P… (que o utilizava na sua actividade). O conceito de consumidor exclui do seu âmbito as pessoas colectivas, como se refere expressamente no Acórdão da Relação de Lisboa de 11/02/2020 (Processo n.º 491/11.4 TVLSB.L1-1-Pedro Brighton[19]), sendo que, mesmo usando um critério mais aberto, o próprio Supremo Tribunal de Justiça[20], no Acórdão de 13/07/2017 (Processo n.º 1594/14.9TJVNF.2.G1.S2-Pinto de Almeida), sublinhou que relevante “é que não seja dado ao bem adquirido um uso profissional” [21]. Neste contexto, só podemos concluir que não assiste razão à Autora-Recorrente e que, portanto, lhe cabia o ónus de provar no processo que o incêndio ocorrido estava relacionado e tinha tido origem num qualquer defeito do veículo em causa. Dizia Álvaro de Campos, "Continua o Fernando Pessoa com aquela mania, que tantas vezes lhe censurei, de julgar que as coisas se provam"[22], referência esta que vem a propósito do que sucedeu nos presentes autos, em que a Autora apresentou uma versão dos factos que, a comprovar-se, lhe daria razão, mas que não resultou provada no que respeita à origem do sinistro que a levou a ter de assumir a ocorrência do risco segurado: colocada na posição de Fernando Pessoa, a Autora, julgava conseguir provar o que alegava, mas – efectivamente – não o conseguiu. Assim, e em conformidade com o exposto, porque o Tribunal a quo decidiu bem, fundada e fundamentadamente, a Sentença será confirmada in totum. * DECISÃO Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação, confirmando a Sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente. Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC). * Lisboa, 08 de Março de 2022 Edgar Taborda Lopes Luís Filipe Pires de Sousa José Capacete _______________________________________________________ [1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183. [2] Data rectificada por despacho de 02 de Fevereiro de 2022. [3] Data rectificada por despacho de 02 de Fevereiro de 2022. [4] Mantém-se inalterada esta redacção embora a peritagem em causa não constitua um facto propriamente dito, mas apenas um meio de prova. Conforme bem salienta Tomé Gomes o “teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, sendo de banir dizeres como provado apenas que ‘a testemunha... viu o réu a entrar na casa do autor’ ou, no caso em se discuta a origem de um incêndio, provado apenas que ‘os bombeiros verificaram não existir no local sinais do foco de incêndio’. Estas referências aos meios de prova, quando muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa. Nessa linha, o que se requer é que o julgador assuma uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas. Por exemplo, se o que está em causa é apurar a origem de um incêndio, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto para tal alegado está ou não provado, sendo que a verificação pelos bombeiros de não existir sinais do foco de incêndio é apenas um dos meios de prova nesse sentido. Igualmente, se o que está em discussão é indagar sobre a vontade real, expressa ou tácita, manifestada num contrato escrito, o que tem de ser decidido é se está ou não provada a alegada vontade real, pelo que, muitas vezes, o dar como provado apenas o que consta do documento se traduz numa forma evasiva de julgar aquela questão” (Da Sentença Cível, in O novo processo civil, Caderno V, [em linha], e-book CEJ, 2014, páginas 350-351, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=Z3GENdMOBV8%3d&portalid=30 [consultado a 24/02/2022]). [5] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210. [6] António Abrantes Geraldes, Recursos…, página 200. [7] António Abrantes Geraldes, Recursos…, páginas 201 a 205. [8] António Abrantes Geraldes, Recursos…, páginas 206-207. [9] Contrato de seguro – fls. 11; Proposta de Aluguer Operacional – fls. 12-13; Informação da propriedade do ..-..-.. – fls. 14; Relatório de Ocorrência Bombeiros – fls. 14 verso-15; Auto GNR – fls. 15 verso; Depoimento acidente – fls. 16 verso-17; Relatório SGS – 17 verso-29 e 48-61; Mails Extranet-Autora – fls. 30-31; Mails Autora-Ré – fls. 31-32; Correspondência Ré-P… – fls. 33; Correspondência L…-Autora – fls. 33 verso-46; Histórico Manutenção e Pneus – 47; Pagamento Autora-L… – fls. 62; Pagamento Auto estradas do Atlântico – fls. 63-67; Correspondência Autora-Ré – fls. 68-69; Manual de Assistência e Garantia ---- – fls. 89-116 e 202-229; Histórico de serviços – fls. 121 e 230; Carta Ré-Autora - fls. 230 verso; Relatório Dekra – fls. 117 -120 e 233-236; Apólice – fls. 128-183. [10] O “sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competia”. [11] Que se reporta ao regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. [12] Artigo 913.º Se a coisa sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se- com as devidas adaptações o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. [13] Artigo 921.º 1 - Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador. 2- (…). [14] O qual confirmou um Acórdão da Relação de Coimbra. [15] Como bem refere a Recorrida nas suas Contra-Alegações, “não se manifestou qualquer defeito, ocorreu um sinistro, neste caso um incêndio. Ora, os sinistros, bem como os incêndios, não têm necessariamente origem num defeito e era precisamente esta a prova que assistiria à Recorrente: provar que este sinistro, este incêndio, teve origem num defeito de fabrico da viatura”. [16] Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62013CJ0497&from=PT. [17] Pedro Falcão, O Regime da Venda de Bens de Consumo na Jurisprudência Portuguesa Recente, [em linha], Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 5 (2019), n.º 2, páginas 1649-1670 (1663-1664), disponível em https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2019/2/2019_02_1649_1670.pdf [consultado em 23/02/2022]. [18] Sendo o que consta do Facto 28. manifestamente insuficiente, quer porque não decorre que deles se pudesse originar o incêndio, quer porque não se sabe se decorrem do incêndio ou o antecederam, quer – como remate final – porque esses mesmos peritos desvalorizam estas circunstâncias por não terem podido completar o seu trabalho (Facto.31). [19] No mesmo sentido, RL 12/10/2017 (Processo n.º 6776-15.3T8ALM.L1-8-Isoleta Almeida Costa). [20] Que no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 4/2019, de 12/02/2019 (Processo n.º 2384/08.3TBSTS-D.P1.S1-A-Olinda Garcia, publicado no DR I-A, de 25/09/2019), a propósito de outra matéria (insolvência), claramente deixou expresso que “apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”. [21] Sobre esta matéria, Pedro Cláudio Oliveira Rodrigues dos Santos escreve que a “primeira questão reconduz-se a saber se uma pessoa jurídica pode ser considerada um consumidor. A defesa da noção estrita de consumidor significa que apenas a pessoa singular pode ser consumidor. Os principais motivos para esta orientação são três: As pessoas jurídicas atuam em cumprimento do seu escopo social e, por isso, está afastado um uso privado, ou seja, a função económica das pessoas coletivas abrange apenas os direitos e obrigações necessários ou convenientes para a prossecução dos seus fins, só podendo praticar os atos que visam esta função, pelo que todos esses atos visam a realização de um fim comum e nunca um fim privado – arts. 160.º n.º 1 do CC e 6.º n.º 1 e 4 do CSC; Esta é a conclusão resultante de uma interpretação conforme com a diretiva que exclui as pessoas coletivas como sucede com a generalidade das Diretivas relativas a contratos; e O ato de consumo é um ato de natureza pessoal insusceptível de ser realizado por pessoas jurídicas. Outros autores defendem a posição inversa com os seguintes argumentos: - O elemento literal de interpretação [todo aquele] deixa ampla abertura para permitir a extensão do conceito às pessoas coletivas; - Só se justifica a exclusão caso o fim social da pessoa coletiva for exclusivamente uma atividade económica; - A violação do princípio da especialidade do fim só tem efeitos na validade dos atos praticados; - A razão de ser do conceito de consumidor é proteger quem está numa situação de fragilidade contratual com a contraparte, sendo que este argumento tanto pode ser aplicado a pessoas singulares como coletivas; e - O legislador, ciente da discussão, preferiu não afastar a possibilidade de aplicação do conceito a pessoas coletivas [como esteve previsto no projeto da LDC] como fez a propósito de outros regimes jurídicos. Daqui pode resultar que o art. 2.º n.º 1 da LDC permite a inserção no conceito de consumidor das pessoas, físicas ou jurídicas, que demonstrem “que não dispõem nem devem dispor de competência específica para a transação em causa e desde que a solução se mostre de acordo com a equidade” em termos semelhantes aos que constam do Anteprojeto do Código do Consumidor. Contudo, entendemos que existe um argumento, em sentido inverso, que deve ser ponderado e que pode inverter o curso da argumentação narrada. A Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25/10/2011 relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Directiva 93/13/CEE do Conselho e a Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Directiva 85/577/CEE do Conselho e a Directiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, ainda não totalmente transposta, visa estabelecer uma harmonização mais efectiva da regulação dos direitos dos consumidores, mais concretamente uma harmonização máxima – art. 4.º – e estabelece uma noção de consumidor no seu art. 2.º n.º 1 que abrange apenas as pessoas singulares. Parece que, existindo um propósito de harmonização total, deve entender-se como assumida a noção estrita numa lógica de interpretação conforme ao direito comunitário” (A garantia legal do consumidor na aquisição de bens, [em linha], Dissertação em Ciências Jurídico-Forense na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, páginas 7 a 9, disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/28706/1/A%20garantia%20legal%20do%20consumidor%20na%20aquisicao%20de%20bens.pdf [consultado a 24/02/2022]). Vd., também, Antonio Augusto de Toledo Gaspar, Venda de Bens Defeituosos–Comparação entre o Direito Português e o Direito Brasileiro–A Posição do Consumidor, [em linha], Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa/Escola do Porto, 2018, páginas 22 a 25, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/30197/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Antonio%20Augusto%20de%20Toledo%20Gaspar.pdf [consultado a 24/02/2022]). [22] Citado por Teresa Sobral Cunha, na introdução de O Banqueiro Anarquista, de Fernando Pessoa, Relógio d'Água, 1997, página ix.
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa Relatório L…, SA., intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra S…, SA. pedindo a condenação da Ré no pagamento de € 22.385,28, acrescidos de juros de mora vencidos, bem como de juros vincendos até integral e efectivo pagamento. A Autora funda a sua pretensão na circunstância de, no exercício da sua actividade seguradora ter segurado a responsabilidade civil obrigatória do veículo ..-..-.. (….), o qual tinha como credor hipotecário a L… -…, S.A, a qual o vendeu à P…, S.A. com quem a Autora celebrou o referido contrato de seguro (que incluía a cobertura facultativa/condição especial 004 referente a danos decorrentes de incêndio, raio ou explosão). Mais acrescenta que a 28 de Setembro de 2015 o referido veículo ardeu na auto-estrada entre Caldas da Rainha e Bombarral, ficando completamente destruído, sendo que a Ré declinou toda e qualquer responsabilidade quanto ao sinistro, alegando que após a realização de peritagem não se verificou qualquer componente defeituoso. A Autora peritou também o veículo, detectando uma série de componentes defeituosos no motor do veículo (moto-ventilador em curto-circuito; casquilho da turbina do compressor fundido ao veio; capas superiores do 2 e 4 cilindros, com sinais de escamação; camisa do 1º cilindro estalada ausência de lubrificação; lamas negras localizadas no cárter e subcarter misturadas com água), que a levam a não ter dúvidas de que o incêndio teve origem numa avaria mecânica proveniente de falha do motor. A título de indemnização pela perda total do veículo de matrícula ..-..-.. e pela regularização do sinistro, a Autora liquidou ao segurado o montante global de € 22.385,28, sendo que a Ré recusou assumir o pagamento desse valor, entendendo não ser por ele responsável. Citada a Ré, veio esta apresentar Contestação: - impugnando a factualidade alegada; - pedindo que seja julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da Autora, nos termos da alínea e) do artigo 577.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 278.º do C.P. C., sendo a Ré absolvida da instância; - caso assim não se entenda, seja julgada procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da Ré, nos termos da alínea e) do artigo 577.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 278.º d C. P C., sendo a Ré absolvida da instância; - caso assim não se entenda, seja julgada totalmente improcedente a presente acção, por não provada, sendo a Ré absolvida da instância. A Autora veio responder as excepções arguidas pela Ré, pugnando pela sua improcedência. Realizou-se Audiência Prévia onde se saneou a acção, se julgaram improcedentes as excepções de ilegitimidade de Autora e Ré, se identificou o litígio, se fixaram os factos assentes, se identificaram os temas de prova e, se admitiram os meios de prova requeridos pelas partes. Realizado o Julgamento foi proferida Sentença na qual se julgou a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, se absolveu a Ré do pedido deduzido pela Autora. É desta decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, a qual pediu a rectificação do que considerou serem três lapsos materiais (Facto 22.º, Facto 20.º, Facto 13.º) O Tribunal a quo considerou apenas a existência de dois desses lapsos materiais (quanto aos Factos 22.º e 13.º), assim os rectificando na Sentença. A Autora apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões: 1ª Entendeu o douto tribunal a quo em julgar o pedido de indemnização civil deduzido pela A. como não provado, na medida em que não foi feita prova (…) “de que o veículo segurado padecia de defeito de fabrico e, que foi este que a causa do incêndio verificado, terá de improceder a sua pretensão, pelo que, sem mais considerações por despiciendas, a presente acção terá de improceder “in totum”.” 2. Ora, não pode a Recorrente concordar, uma vez que entende que houve, por parte do douto tribunal a quo, uma incorreta apreciação da matéria de facto e interpretação do Direito, razão pela qual vem colocar à sindicância de V. Exas. O presente RECURSO. 3. Houve também uma incorreta apreciação da matéria de facto, impugnando-se a matéria de facto dada como PROVADA nos artigos 5.º, 6.º, 7.º, 20.º e como NÃO PROVADA nos artigos 2.º, 3.º e 4.º, pois que se encontram em contradição com o depoimento da testemunha A…. M…, condutor do veículo seguro à data do evento. 4. A referida testemunha conduzia normalmente o veículo na A8, sem que este tivesse alertado para qualquer avaria, quando, foi alertado por outro condutor que algo se passava com o seu veículo. 5. Na sequência, o condutor do veículo seguro olhou para o painel de instrumentos, o qual não acusava qualquer anomalia, olhou para trás e não viu nada, apenas algum nevoeiro. 6. De seguida, sentiu perda de direção e surgiu no painel de instrumentos do veículo, a mensagem “falha na direção” e “falha de motor”. 7. E de seguida observou fumo e labareda provenientes do capô do veículo. 8. De imediato encostou o veículo à berma e já com dificuldade em virtude da perda de direção e falha no motor, pegou no seu computador, saiu e ligou para o 112. 9. E em menos de 10 minutos o incêndio já tinha terminado e o veículo já tinha sido completamente consumido. 10. Atendendo ao depoimento do condutor do veículo seguro acima transcrito requer-se a V. Exas. a correção dos FACTOS PROVADOS nos artigos 6.º, 7.º e 8.º e integração do art. 2.º dos FACTOS NÃO PROVADOS nos FACTOS PROVADOS, passando a constar dos FACTOS PROVADOS o seguinte: 7. Após ter disso alertado por outro condutor que circulava na A8, o condutor do veículo seguro olhou para o painel de instrumentos, o qual não indicava qualquer anomalia, não detetou algum indício de fumo, apenas algum nevoeiro. 8. Momentos depois sentiu perda de direção e surgiu no painel de instrumentos do veículo os símbolos e mensagem de alerta “falha na direção” e “falha de motor”. 9.Logo de seguida viu fumo e labareda proveniente da frente do veículo (capô). De imediato encostou o veículo à berma, saiu do carro e retirou o seu computador. 10. Em menos de 10 minutos, o veículo ficou completamente destruído pelo incêndio. 11. Desde o início do trajeto até ao local do sinistro, o veículo referido em 1) dos factos provados não registou qualquer anomalia no motor, nem o condutor do veículo detectou algum indício de fumo. 11. O facto provado no art. 13.º padece de lapso de escrita quanto ao ano, devendo ser corrigido, passando a constar 2016, já que aquela data é anterior ao acidente, o que se requer. 12. O facto provado no art. 20.º padece de lapso de escrita quanto ao ano e encontra-se em contradição com os factos provados nos artigos 21.º, 22.º e 23.º dos FACTOS PROVADOS, devendo ser eliminado, o que se requer. 13. Pois, resultou da prova produzida em julgamento, que a Recorrente apenas realizou a peritagem ao veículo após peritagem realizada pela Recorrida, sob pena de o referido veículo perder a garantia. 14. A Recorrida realizou peritagem ao veículo seguro no dia 17 de Fevereiro de 2016. 15. A Recorrida apenas veio se pronunciar sobre o resultado da peritagem que realizou em 18 de Março de 2016. 16. Posteriormente, foi dada à Recorrente a autorização para a desmontagem do veículo pelo proprietário, tendo este sido iniciado em 21 de Março de 2016, cf. Doc. 16.º a) junto com a PI. 17. Acresce que a Recorrida não invoca que o veículo não se encontra abrangido pela garantia em virtude, mas tão-só que o evento não está coberto pela mesma na medida em que não se verificou qualquer componente defeituoso, cf. Doc nº 15 a) e ss não impugnados e juntos com a PI. 18. Face ao exposto, deverá o art. 20º ser eliminado, mantendo-se o art. 22.º, o que se requer. 19. Na perícia efetuada pela Recorrente, foram detetadas diversas anomalias, que a Recorrente não detetou na sua “peritagem”. 20. Foram detetadas as seguintes anomalias 1. motoventilador em curto-circuito, 2. casquilho da turbina do compressor encontrava-se fundido no veio das turbinas, 3. meias capas superiores do 3 e 4 cilindros denotavam escamação, 4. a camisa do 1.º cilindro encontrava-se estalada e o respectivo êmbolo encontrava- -se com o segmento de óleo colado. 5. No subcárter verificou-se resquícios de lamas. 21. O veículo seguro foi adquirido pelo Tomador através de renting, pelo que efetuava todas as revisões e manutenções na marca, isto é, em concessionários autorizados ----, mormente a STA e AJ, que fizeram as revisões da viatura e pela quilometragem o condutor cumpriu os prazos definidos pelo fabricante, cf. Documento 17 junto com a Petição Inicial. 22. Foi também apurado que o veículo tinha um problema de consumo de óleo em excesso, que nunca foi diagnosticado pelas oficinas da ----, que propositadamente negligenciaram. 23. Não é normal um veículo novo necessitar de atestos de óleo fora das manutenções preventivas/programadas. 24. Não é normal um veículo novo, necessitar de óleo de 8000 km em 8000km, cf. Documento n.º 17 junto com a Petição Inicial. Conforme resulta do facto provado no art. 31.º, “Os senhores peritos concluíram que “Dos danos analisados somos da opinião, salvo outra melhor fundamentada, que o incêndio terá tido origem num de dois cenários a) Curtocircuito no motor do ventilador, sendo que neste cenário somos da opinião que terá que ter ocorrido manipulação de fusíveis. 2) Motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso quer por via de falha em injector. Uma vez que o veículo foi levantado anteriormente à conclusão das nossas diligências não nos é assim possível concluir perentoriamente relativamente à origem do incêndio pelo que somos da opinião que deverá ser efectuada uma exposição ao importador da marca com vista ao esclarecimento cabal da ocorrência”. 25. Do exposto resulta, efetivamente que o veículo não se encontrava em conformidade, tanto que se incendiou quando estava em movimento. 26. E andou mal o tribunal a quo ao afirmar que a Recorrente não cumpriu com o ónus da prova quanto à origem do incêndio, tendo-se limitado a hipotéticos cenários plasmados no relatório de peritagem de incêndio, o qual não se encontra concluído na medida em que o veículo foi vendido antes da conclusão do mesmo e sustenta esta posição no Ac. do STJ de 2014, proc. 783/11.2TBMGR.C1.S1 “O incêndio não é, seguramente, um defeito, uma falta de qualidade ou deficiente funcionamento, mas a consequência de um processo causal anterior.” 27. Todavia, no caso do acórdão citado, as circunstâncias do incêndio são completamente distintas. 28. Acresce que, conforme douto Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo 391/09.8YXLSB.L1-1 de 12/04/2011, o ónus da prova está a cargo da Recorrida e não da Recorrente. 29. Tendo andado mal o Tribunal a quo a operar a inversão do ónus da prova. 30. A Recorrente procedeu como lhe competia, alegar e provou a existência de um defeito, no caso as anomalias detetadas no relatório de peritagem (Cf. Factos provados n.º 28) e a existência do incêndio que se encontra aceite pela Recorrida. 31. A Recorrente não tem o ónus de demonstrar a origem do incêndio, cabendo à Recorrida alegar e provar, o que não conseguiu, que o defeito que se manifestou teve causa alheia ao normal funcionamento do bem. 32. Em razão do supra exposto, houve por parte do douto Tribunal a quo uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no art.º 27º nº 1 al. h) do Dec. Lei 291/2007, de 21 de Agosto, art.º 593 do Código Civil, art.º 136 da Lei do Contrato de Seguro e art. 2.º e 3.º do DL 67/2003, de 8 de Abril. 33. Tendo ficado provado que o veículo se incendiou devido a avaria no motor e direção, provocando a sua destruição, deve a Recorrida repor o comprador na situação em que este se encontraria se não tivesse tido lugar a venda da coisa defeituosa. 34. Não fosse o defeito, o incêndio não ocorreria e, por conseguinte, não teriam ocorrido os danos no veículo seguro. 35. Tendo ficado provado (arts. 32, 33, 34 e 35 dos factos provados) que por via do contrato de seguro a ora Recorrente indemnizou o proprietário do veículo seguro e teve despesas no valor de no montante de 22.385,28 €, ao abrigo do disposto nos artigos 27º nº1 al. h) do Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, art.º 136 da Lei do Contrato de Seguro, art.º 593 do Código Civil, nos termos das Condições Gerais, artigos 2.º, 3.º, 4.º, do DL 67/2003, de 8 de abril, o qual regula a Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, do art. 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, Lei de defesa do consumidor, deveria o douto tribunal a quo ter condenado a Recorrida a pagar à ora Recorrente o valor de 22.385,28 €. Deve assim a decisão proferida pelo douto tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida a pagar à ora Recorrente o valor de 22.385,28 €. A Recorrida-Autora apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu que: 1. A convicção do Tribunal para proferir a decisão aqui recorrida baseia-se, e bem, como resulta da motivação, na consideração do teor da prova documental junta, bem como da prova testemunhal produzida, conforme se analisará adiante, pelo que a Recorrida não pode senão discordar da posição adotada pela Recorrente, nomeadamente no que se reporta à matéria de facto dada como provada nos artigos 6º, 7º e 8º e como não provada nos artigos 3º e 4º da sentença proferida. 2. Não obstante a impugnação e tentativa de alteração dos factos dados como provados por parte da Recorrente, a verdade é que os mesmos refletem cabalmente o depoimento prestado pela testemunha A… M…, bem como do doc. 4 junto com a Petição Inicial (Auto de Notícia levantado pela GNR). 3. A testemunha atesta que no dia 28 de setembro de 2015, pelas 08h45 horas, circulava na A8 ao Km 53,800, sentido Norte/Sul concelho de Torres Vedras, aparentemente sem que nada de estranho se passasse, quando foi alertado por outro condutor que algo se passava o com o seu veículo, apontando para a retaguarda do mesmo. 4. Quando a testemunha olhou para o retrovisor viu uma espécie de nevoeiro, olhou novamente para a frente, não aparecia nenhum aviso no painel, mas instantes depois viu fumo, tendo abrandado de imediato. No momento em que estava a encostar, apareceu no painel do veículo o símbolo do motor e perda de direção assistida e, logo de seguida falha de motor. 5. Portanto, conforme se pode verificar, existe uma correspondência evidente entre o depoimento supra transcrito e os factos dados como provados nos artigos 5º, 6º e 7º da sentença do doutro Tribunal a quo. 6. Já no que respeita ao artigo 2º dos factos não provados, a Recorrida concorda com a sua integração nos factos dados como provados, já que o mesmo está em linha com a prova aqui reproduzida. 7. Mais, a Recorrida não se opõe ao pedido de eliminação do artigo 20º dos factos provados formulado pela Recorrente, uma vez que não se terá produzido prova no sentido da existência de um relatório levado a cabo pela Recorrente em janeiro de 2016, e aceita o pedido de correção do lapso de escrita constante do artigo 22º dos factos provados, substituindo-se a data “fevereiro de 2015” por “fevereiro de 2016”, assim como a correção do lapso de escrita previsto no art. 13.º dos factos provados, no qual deverá ler-se “setembro de 2015” e não “setembro de 2016”. 8. Já no que se reporta à questão da garantia invocada pela Recorrente, a mesma não se compreende, por se tratar de um facto dado como provado no artigo 15º dos factos provados que à data do incidente a viatura ainda se encontrava dentro do prazo de garantia (o que não significa, tal como refere a Recorrente, que o incidente em análise estivesse coberto por tal garantia). 9. Prossegue a Recorrente, impugnando a matéria de facto dada como não provada nos artigos 3º e 4º da sentença, na medida em que o Tribunal a quo considerou que não resultou provado no julgamento de primeira instância que o incêndio tenha tido origem numa avaria mecânica proveniente de uma falha de motor do veículo, nem que o incêndio tenha tido origem no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos, conforme havia sido alegado pela Recorrente. 10. Considera a Recorrida que o Tribunal a quo fez uma correta apreciação da prova documental e testemunhal produzida nos autos ao considerar os pontos 3º e 4º como matéria de facto não provada. 11. Desde logo porque da perícia efetuada pela Dekra, a mando da Recorrida, levada a cabo no dia 17 de fevereiro de 2016, ficou concluído que o incêndio terá tido início na parte frontal do veículo e ter-se-á alastrado para a parte traseira, sendo que o motor não apresentava sinais de anomalia interna, apenas danos decorrentes da exposição a altas temperaturas, consequência do incêndio do veículo. 12. Mais conclui o relatório (junto como doc. 3 com a Contestação da Recorrida) no sentido de que o estado avançado de degradação do veículo não permitia determinar a origem nem a causa do incêndio. 13. Não conformada com este desfecho, a Recorrente terá diligenciado pela elaboração de um segundo Relatório Técnico junto da entidade SGS. 14. No seguimento do Relatório Técnico elaborado pela SGS (junto como doc. 18 anexo à PI) procedeu a Recorrente ao envio de uma missiva à Recorrida, datada de 21 de abril de 2017 (junta aos autos como doc. 23 a) da PI), no âmbito da qual imputava a esta última a responsabilidade na produção do acidente. 15. Esta convicção fundava-se no apuramento pela SGS dos seguintes componentes alegadamente defeituosos no veículo: “- Moto-ventilador em curto-circuito (elevado potencial de incêndio); - Casquilho da turbina do compressor estava fundido (gripado) ao respetivo veio (ausência de lubrificação); - Capas superiores dos 3 e 4 cilindros, com sinais de “escamação” (algo estava mal com a lubrificação desta viatura, claramente, existia contaminação do fluido lubrificante); - Camisa do primeiro cilindro estalada (um incêndio não “estala” camisas); - Segmento do êmbolo do primeiro cilindro colado (produz consumo de óleo e combustão incorreta na câmara); - Lamas negras localizadas no cárter e subcárter misturados com água.” 16. Depois de analisar o Relatório Técnico elaborado pela SGS, a Recorrida verificou que as ilações retiradas pela mesma não poderiam ser tidas como corretas e causadoras do incêndio, uma vez que nada mais eram do que consequências do próprio incêndio ou de uma manutenção descuidada da viatura, por um período prolongado. 17. Naturalmente que o incêndio de uma viatura causa numerosos danos e fenómenos nos seus componentes, nomeadamente o curto-circuito do moto-ventilador e a fusão do casquilho da turbina do compressor ao respetivo veio. 18. No que se reporta aos restantes fenómenos/desconformidades identificados no Relatório da SGS, todos parecem estar relacionados com a má lubrificação das peças / falta de óleo, o que revela, à partida, indícios de uma manutenção descuidada da viatura no que toca às mudanças e reposição de óleo necessárias ao bom funcionamento da mesma. 19. Com efeito, no próprio Relatório Técnico elaborado pela SGS é feita referência aos registos de manutenção periódica da viatura, sendo relevado que a mesma manifestava um padrão de consumo de óleo de cerca de um litro a cada 10.000 quilómetros percorridos, aproximadamente. 20. Ora, entre as manutenções de 10 de novembro de 2014 e 21 de maio de 2015, a viatura terá percorrido 23.187 quilómetros sem qualquer registo de atesto de óleo, e entre 21 de maio de 2015 e a data da ocorrência do sinistro, em 28 de setembro de 2015, o veículo terá percorrido cerca de 14.000 quilómetros, novamente sem que tenha havido atesto do óleo. 21. Apesar de o Relatório concluir que terão ocorrido atestos de óleo no motor efetuados fora da rede de reparadores autorizados da ----, tal deve-se às lamas encontradas no motor que, tal como refere a testemunha A…. V…., perito da SGS, são um sintoma de mistura de óleos, que não se misturam (minutos 00:25:56 a 00:26:49). 22.Portanto, das manutenções alegadamente efetuadas, apenas a manutenção de 21 de maio de 2015 foi efetuada num membro da rede da Recorrida, a Auto Industrial, S.A., conforme informação constante da sua base de dados (doc. 4 junto com a Contestação), motivo pelo qual a Recorrida impugnou, desde logo, por desconhecimento, a veracidade da lista de manutenções apresentada como documento 17 da Petição Inicial e alegadas intervenções resultantes dessas manutenções, não tendo a Recorrente sido capaz de demonstrar a sua veracidade. 23.Já no que se refere à questão da pertinência da desmontagem de peças para o rigor das perícias levadas a cabo, foram os depoimentos prestados pelas testemunhas A… C… e M… B… particularmente esclarecedoras, na medida em que afirmam que o incêndio terá ocorrido fora do motor, no seu habitáculo, e não no seu interior, já que este não apresentava indícios de ser a origem do incêndio, nem de mau funcionamento prévio (conforme depoimento de A… C…. minutos 00:16:15 a 00:17:30 e depoimento de M… B… minutos 00:11:09 a 00:11:34) 24. Também a testemunha A… V… refere expressamente que o incêndio não terá começado no motor, mas sim no seu habitáculo (minutos 00:03:54 a 00:04:33), o que corrobora os entendimentos expressos nos depoimentos anteriormente referidos. 25. O Relatório da SGS prossegue, então, para a conclusão de que “o incêndio terá tido origem num de dois cenários: • Curto-circuito no motor do ventilador, sendo que neste cenário somos da opinião que terá que ter ocorrido manipulação de fusíveis. • Motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso quer por via de falha em injetor.” 26. No que se reporta ao primeiro cenário, o mesmo não se afigura possível, na ótica da Recorrida, pelos motivos já expostos supra, bem como pelo facto de o cabo do motor do ventilador estar protegido por um fusível que funde logo que o cabo entra em curto-circuito, ou quando ocorra uma sobrecarga do componente, o que torna mais provável que o curto-circuito seja uma consequência do incêndio do que a sua causa. 27. De qualquer modo, tampouco é concretizado pela SGS no seu relatório, nem no depoimento prestado pelo perito A… V… que tal curto-circuito tenha ocorrido devido a um defeito da viatura, mas antes devido a manipulação de fusíveis, algo a que a Recorrida é totalmente alheia, não sendo um procedimento por si preconizado. 28. No que se reporta ao segundo cenário, em que o motor terá entrado em autoalimentação, o mesmo tampouco se afigura provável na opinião da Recorrida, pelos motivos que se apresentarão em seguida, visto que a autoalimentação do motor se verifica quando o motor começa a trabalhar contínua e interruptamente até “partir”, não obstante o veículo ser, entretanto, desligado. 29. Este fenómeno, quando ocorre, provoca uma aceleração desmesurada no veículo, situação essa que é bastante evidente, verificando-se um aumento exponencial das rotações do veículo, um ruído ensurdecedor e saída de fumo branco pelo tudo de escape, situação esta que não foi mencionada pelo condutor, nem no auto levantado pela GNR aquando do incidente, nem durante o seu testemunho na fase de julgamento dos presentes autos. 30. Não obstante, qualquer que seja a causa de uma eventual autoalimentação do motor, excesso de óleo ou falta do mesmo, este fenómeno nunca pode dar origem a um incêndio. Nesse sentido conclui também a testemunha A… C… (minuto 00:11:37). 31. Acresce que o próprio Relatório apresentado pela SGS é inconclusivo, na medida em que no mesmo se afirma que não foi possível concluir a perícia por a viatura ter sido entregue para salvado pela Recorrente antes de serem terminadas as diligências, não sendo assim possível concluir perentoriamente relativamente à origem do incêndio. 32. Esta posição é confirmada pelo depoimento das testemunhas A… C… (minuto 00:06:31) e A… V… (minutos 00:30:17 a 00:30:53). 33. Uma coisa em que todas as testemunhas suprarreferidas concordaram foi que quanto à possibilidade de o incêndio poder ter sido despoletado por fatores externos, nomeadamente, um objeto ter ficado preso ao catalisador do filtro de partículas no momento que este está a fazer a regeneração, atingindo temperaturas de centenas de graus centígrados (neste sentido o depoimento de A… C… minutos 00:07:31 a 00:08:43, o depoimento de A… V... minutos 00:27:21 a 00:27:49, o depoimento de M… B… minutos 00:12:18 a 00:12:24). 34. Resulta, assim, dos depoimentos transcritos - depoimentos das testemunhas A…, A… V… e M… B…, que: • O incêndio não começou dentro do motor; • O motor não apresentava indícios de mau funcionamento ou defeito de fabrico prévio ao incêndio; • O incêndio pode ter sido despoletado por fatores externos,nomeadamente, quando relacionados com o período em que a viatura efetua a regeneração do filtro de partículas: • A viatura apresentava indícios de uma manutenção descuidada e de utilização de óleo não preconizado pela marca; • A frequência da necessidade de atesto de óleo varia consoante o tipo de condução a que a viatura está sujeita. 35. Como tal, constata-se que, efetivamente, da prova documental e testemunhal produzida não resultou provado que: • O incêndio tenha tido origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo. • O incêndio tenha tido origem no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos. 36. Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao considerar estes dois factos como não provados. 37. Conforme descrito na apreciação do direito feita na sentença proferida, o que está em causa nos presentes autos é a responsabilidade civil contratual da Recorrente, seguradora, perante o seu segurado, face à obrigação por si assumida de indemnizar o beneficiário do seguro pelos danos causados no veículo, em contraposição à questão da responsabilidade por venda de coisa defeituosa. 38. Não obstante ter o Tribunal a quo considerado que a Recorrente estaria sub-rogada nos direitos que ao tomador do seguro assistiriam, por via do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 06 de abril, diferente é a resposta à questão se a Recorrida estaria obrigada a esse pagamento. 39. Dispõe o artigo 913.º do C. Civil que “Se a coisa sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”. 40. Por seu turno, estabelece o artigo 921.º n.º 1 do mesmo diploma legal que “Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador”. 41. Ora, a Recorrente alegou que o incêndio no veículo segurado teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo segurado, mais concretamente no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos. 42. Porém, a mesma não logrou efetuar a prova dessa factualidade e, era sobre a mesma que impedia esse ónus – cfr. artigo 342.º n.º 1 do C. Civil – uma vez que fora do prazo de garantia legal durante o qual opera a inversão do ónus da prova, é a quem alega o defeito que compete fazer a respetiva prova do facto gerador da obrigação de indemnizar. 43. Contrariamente ao que invoca a Recorrente nas suas alegações, não caberia à Recorrida provar que o defeito que se manifestou teve causa alheia ao normal funcionamento do bem. Em primeiro lugar porque não se manifestou qualquer defeito, ocorreu um sinistro, neste caso um incêndio. 44. Os sinistros, bem como os incêndios, não têm necessariamente origem num defeito e era precisamente esta a prova que assistiria à Recorrente: provar que este sinistro, este incêndio, teve origem num defeito de fabrico da viatura. 45. Se coubesse à Recorrida provar a inexistência de um defeito, ou por outra, que o sinistro se deveu a uma causa alheia ao funcionamento do veículo, significaria que estava a operar uma inversão do ónus da prova, o que não se verifica neste caso. 46. Tal prova incumbiria, como tal, à Recorrente, sendo que a mesma não foi capaz de comprovar aquilo que alegou, conforme se demonstrou pela análise da matéria de facto feita na douta sentença, bem como nas presentes contra-alegações. 47. Mais alega a Recorrente que “Importa ainda salientar o DL 67/2003, de 8 de Abril, uma vez que o comprador é considerado consumidor à luz das disposições legais”. 48. Não se compreende de onde é que a Recorrente retira tal entendimento, já que referido DL n.º 67/2003, de 08 de abril, define como consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho. 49. Nesta definição não se encaixa, portanto, a proprietária da viatura, L…., uma empresa que adquiriu a viatura no âmbito da sua atividade profissional, para a celebração de um contrato de locação com a empresa P…. Pelo que deverá, simplesmente, desconsiderar-se toda a argumentação incluída pela Recorrente com recurso às previsões do DL n.º 67/2003, bem como da Lei n.º 24/96, de 31 de julho, por não se aplicarem ao negócio de compra e venda desta viatura. Questões a Decidir São as Conclusões do(s)/a(s) recorrente(s) que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de atuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, ABRANTES GERALDES[1]), sendo certo que tal limitação já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso. Nas suas Conclusões a Recorrente refere-se aos “artigos” 5.º, 6.º, 7.º e 20.º. Todavia, no decurso das alegações, nos considerandos iniciais, é sobre os artigos 6.º, 7.º e 8.º e 20.º que se pronuncia. Considerando o papel das Conclusões mas também o teor da verão sugerida para os Factos provados, é sobre os Factos 5., 6., 7., 8. e 20. que o Tribunal se pronunciará. In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará: - verificar a matéria dada como provada nos Factos 5., 6., 7., 8. e 20. e da eventual alteração para a redacção sugerida ; - verificar a matéria dada como não provada nos Factos Não Provados n.º 2, 3 e 4 e sua eventual inclusão nos Factos provados; - verificar a quem pertence o ónus da prova da presente acção e se o Direito se mostra correctamente aplicado. Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir. Fundamentação de Facto Releva para a presente decisão a seguinte factualidade: 1 - Os riscos de circulação do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca ----, com a matrícula ..-..-.. encontram-se transferidos para a Autora, nos termos da apólice n.º 8238672. 2. A Autora exerce a indústria de seguros e resseguros em todo o território português e no estrangeiro, nos ramos e modalidades em que estiver autorizada, podendo ainda interessar-se, directa ou indirectamente, em quaisquer negócios ou operações que se relacionem com a exploração da mesma indústria. 3. O veículo referido em 1. tinha como credor hipotecário a L…-…, SA., que vendeu o mesmo à P…-…, S.A, com quem a Autora celebrou o acordo de seguro referido em 1.. 4. Da apólice referida em 1. consta como cobertura facultativa/condição especial 004 “Incêndio, raio ou explosão” com “capital seguro de 420,26 €”. 5. No dia 28 de Setembro de 2015, pelas 08h45 horas, o condutor do veículo referido em 1. A…M… circulava na A8 ao Km 53,800, sentido Norte/Sul concelho de Torres Vedras, quando foi alertado por outro condutor que algo se passava com o seu veículo, apontando para a rectaguarda do mesmo. 6. O condutor do veículo seguro olhou para o retrovisor e viu fumo, tendo abrandado de imediato, olhou para o painel e não verificou qualquer anomalia ou aviso, nem temperatura alterada. 7. No momento em que estava a arranjar sítio para parar, apareceu no painel do veículo referido em 1., o símbolo do motor e perda de direcção assistida e, logo de seguida, falha de motor. 8. Nessa altura, já o veículo estava parado e de imediato surgiu fumo preto a sair do capô. 9. Quando saiu do veículo, verificou que a zona do motor estava em chamas e saía fumo debaixo do veículo referido em 1.. 10. Afastou-se e ligou para o Centro e Controlo das Autoestradas do Atlântico, tendo acorrido ao incêndio os Bombeiros Voluntários do Bombarral e de Torres Vedras que elaborou o relatório de ocorrência. 11. Estiveram no local do incêndio a Autoestradas do Atlântico e a Brigada de Trânsito de Torres Vedras. 12. Em resultado do incêndio, o veículo referido em 1. ficou destruído, resultando na sua perda total. 13. No dia referido em 5. foi o incêndio participado à Autora que abriu o processo de sinistro n.º 31.00.00/40983/2015, com marcação e peritagem para o dia 30 de Setembro de 2015[2]. 14. No decurso do processo de sinistro referido em 13., verificou-se que o veículo referido em 1., com data de matrícula Dezembro de 2013, não tinha dois anos à data referida em 5.. 15. Tratando-se de um veículo que se encontrava ainda ao abrigo da garantia, a peritagem levada a cabo pela Autora entendeu útil que o fabricante ou concessionário do veículo referido em 1. realizasse um parecer quanto às causas do incêndio no veículo seguro. 16. A Autora contactou a Ré no dia 01 de Outubro de 2015, a fim de que a mesma viesse esclarecer se o veículo referido em 1. se encontrava garantido, se tencionavam emitir parecer acerca das causas do incêndio no motor do veículo. 17. A Autora enviou missiva à P… e mail à dona do veículo L…, no sentido de tomar conhecimento se foi accionada a garantia junto da Ré. 18. Soube a Autora, através da dona do veículo, que estaria a accionar a garantia junto da Ré, que esta abriu processo interno com o n.º 1064112814. 19. Às interpelações da dona do veículo sobre as conclusões do processo, a Ré respondia que o processo se encontrava em análise e solicitava mais elementos acerca do sinistro, pretensão sempre atendida. 20. Face à morosidade da Ré em concluir o processo e emitir parecer, a Autora em 2 de Janeiro de 2016 avançou com a realização de uma peritagem técnica de incêndios. 21. No dia 14 de Janeiro de 2016, a Ré pronunciou-se acerca do evento, informando que havia sido aprovada a inspecção ao veículo referido em 1., para além disso informou que, apesar de ainda não haver uma data para a peritagem, o veículo referido em 1. não deveria ser peritado antes da averiguação da Ré, por outra entidade. 22. A Ré procedeu à peritagem à viatura referida em 1. em 17 de Fevereiro de 2016, tendo sido elaborado relatório de peritagem pela empresa Dekra[3]. 23. Após a peritagem da Ré, a Autora providenciou por uma peritagem técnica de incêndio, requerendo a autorização do dono do veículo para desmontagem de linha de escape, depósito de combustível e cabeça do motor. 24. A L…, antes de autorizar a peritagem referida em 23. contactou a Ré a fim de perceber se a sua autorização poderia interferir no processo de conclusão do relatório de peritagem da Ré, ao que esta veio indicar que o veículo não poderia ser objecto de qualquer intervenção até à conclusão do processo. 25. A Ré veio pronunciar-se em 18 de Março de 2016 declinando qualquer responsabilidade quanto ao sinistro, alegando que após a realização de peritagem, não se verificou qualquer componente defeituoso. 26. Foi dada à Autora a autorização para a desmontagem do veículo referido em 1. pelo dono. 27. A responsabilidade pelas revisões e manutenções no veículo eram da L…, S.A., que teve como última intervenção em oficina autorizada pela marca no dia 30.07.2015, não tendo sido detectada nenhuma anomalia no motor. 28. No seguimento de perícia técnica de incêndio efectuada ao veículo a requerimento da Autora, foi detectado: - motoventilador em curto-circuito; - casquilho da turbina do compressor encontrava-se fundido no veio das turbinas; - meias capas superiores do 3 e 4 cilindros denotavam escamação; - a camisa do 1.º cilindro encontrava-se estalada e o respectivo êmbolo encontrava-se com o segmento de óleo colado e - no subcárter verificava-se resquícios de lamas. 29. O foco do incêndio e a maior concentração de calor localizaram-se na zona do compartimento do motor, deslocando-se para a zona do habitáculo e parte traseira do veículo referido em 1.. 30. Antes de ser concluída a peritagem requerida pela Autora, os peritos foram confrontados com a informação de que o salvado havia sido vendido. 31. Os peritos concluíram que “Dos danos analisados somos da opinião, salvo outra melhor fundamentada, que o incêndio terá tido origem num de dois cenários a) Curto-circuito no motor do ventilador, sendo que neste cenário somos da opinião que terá que ter ocorrido manipulação de fusíveis. 2) Motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso quer por via de falha em injector. Uma vez que o veículo foi levantado anteriormente à conclusão das nossas diligências não nos é assim possível concluir peremptoriamente relativamente à origem do incêndio pelo que somos da opinião que deverá ser efectuada uma exposição ao importador da marca com vista ao esclarecimento cabal da ocorrência”[4]. 32. A título de despesas com desmontagens para proceder a peritagem e averiguações, a Autora liquidou o montante de € 561,65. 33. A título de indemnização pela perda total do veículo referido em 1., a Autora liquidou o montante de € 20.625,10. 34. A título de indemnização pelos prejuízos provocados no pavimento da autoestrada, a Autora liquidou o montante de € 1.060. 35. Suportou a Autora o montante de € 700,18 referente ao aluguer de viatura que foi colocado à disposição da sua segurada. 36. A Autora tentou obter da Ré o pagamento das quantias referidas em 32. a 35., tendo-se a tentativa revelado infrutífera. * Como Não Provados o Tribunal a quo considerou os seguintes factos: 1. A desmontagem referida em 26. iniciou-se em 21 de Março de 2016. 2. Desde o início do trajecto até ao local do sinistro, o veículo referido em 1. dos Factos Provados não registou qualquer anomalia no motor, nem o condutor do veículo detectou algum indício de fumo. 3. O incêndio referido em 9. teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo referido em 1.. 4. O incêndio referido em 9. dos Factos Provados teve origem no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos. Apreciação da Matéria de Facto O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[5], nos termos do artigo 640.º n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de: 1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a); 2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c). Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[6], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[7], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[8]. Corrigidos que foram já os lapsos de escrita que existiam nos Factos 13. e 22., e verificadas as Alegações e Conclusões da Autora-Recorrente vejamos em que consiste a divergência desta e se lhe assiste razão. i - Quanto aos Factos 5. a 8. O Tribunal a quo justifica a factualidade que apurou com base “no depoimento da testemunha A…M…, que não conhece nem a A., nem a Ré, mas que era o condutor do veículo melhor identificado nos autos, quando se verificou o incêndio relatado nos autos, aliado aos documentos de fls. 14 verso e 17 verso dos autos que apesar de impugnados, mereceram credibilidade face ao depoimento desta testemunha, quanto aos factos provados nos n.ºs 5 a 12 e 14. Na verdade, esta testemunha relatou que nas circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, conduzia o veículo em apreço que se veio a incendiar. Esclareceu cabalmente todos os momentos e circunstâncias que antecederam o despoletar do incêndio no veículo que conduzia e, o que fez após esse mesmo incêndio, nos termos consignados como provados. Igualmente confirmou as declarações por si prestadas, constantes do auto lavrado pelas autoridades policiais junto aos autos. Acresce, ainda, que esta testemunha referiu expressamente que telefonou para o 112 e, veio o pronto socorro, os bombeiros e a G. N. R.. Este depoimento foi credível, porque esta limitou-se a relatar os factos que presenciou e, em que foi directamente interveniente, sendo certo que não tinha qualquer ligação a qualquer uma das partes”. A Recorrente entende que do depoimento do condutor do veículo seguro, resulta o inverso do estabelecido na matéria de facto dada como PROVADA nos artigos 6.º, 7.º e 8.º. Ouvido o depoimento em causa, constata-se que a factualidade dada como apurada nos Factos impugnados é, com rigor a que resulta do depoimento claro e imparcial do condutor do veículo no momento do incidente. O que consta dos Factos 5. a 8. é – com exactidão – o que esta testemunha descreveu em todos os seus passos, nada havendo a alterar, uma vez que o Tribunal fundamentou bem e não se vislumbram razões válidas para alterar o que quer que seja. ii - Quanto ao Facto Não Provado 2.. Neste aspecto, o Tribunal a quo referiu apenas que “Quanto aos factos não provados, a convicção do tribunal sedimentou-se na circunstância de sobre a mesma não ter sido efectuada prova”. A Recorrente entende que o facto deveria ser dado como provado. A Recorrida aceita que este facto possa transitar para os factos provados. Neste ponto, assiste razão à Recorrente. De facto, ouvido o depoimento da testemunha que conduzia o veículo, dela decorre sem lugar a dúvida razoável que até ao momento em que foi avisado por outro condutor, o referido veículo não deu quaisquer sinais de avaria, anomalia ou fumo. Assim sendo, determina-se que seja eliminado o Facto 2.º dos Factos Não Provados, o qual passará a constar do elenco de Factos Provados, como Facto 8A., com a seguinte redacção: “8A. Desde o início do trajecto até ao local do sinistro, o veículo referido em 1. não registou qualquer anomalia no motor, nem o condutor do veículo detectou indício de fumo”. iii - Quanto ao Facto 20. No que a este ponto respeita, a Recorrente entende que contém um lapso de escrita, que se encontra em contradição com os Factos 21., 22. e 23., motivo pelo qual devia ser eliminado (e mantido o 22.) O Tribunal a quo, sobre a matéria, na Sentença afirmou que para a prova deste Facto se baseou “no documento de fls. 30 verso dos autos, quanto ao facto provado no n.º 20. Na realidade, apesar de impugnado, este documento mereceu credibilidade, pela simples circunstância que no plano da lógica, faz todo o sentido que a comunicação em apreço se tenha verificado naqueles precisos termos”. Quanto à existência do lapso, entretanto, referiu que “não resulta qualquer erro material, tanto mais que corresponde, em parte, ao alegado pela A. (cfr. art. 22.º, da petição inicial), pelo que se indefere o requerido”. Por outro lado, a Recorrida veio dizer que “não se opõe ao pedido de eliminação do artigo 20º dos factos provados formulado pela Recorrente, uma vez que não se terá produzido prova no sentido da existência de um relatório levado a cabo pela Recorrente em janeiro de 2016”. Mas o Tribunal a quo tem razão: o Facto está bem fundamentado, não há contradição alguma, nem se diz que foi produzido qualquer Relatório em Janeiro (avançar com uma peritagem, não é apresentar um relatório), pelo que não há que eliminar o que quer que seja (nomeadamente depois de ser corrigido o lapso na data constante no Facto 22.). Por aqui, portanto, nada há a alterar ao Facto 20.. iv - Quanto aos Factos Não Provados 3.º e 4.º. Já se disse que, quanto a eles, o Tribunal a quo referiu “Quanto aos factos não provados, a convicção do tribunal sedimentou-se na circunstância de sobre a mesma não ter sido efectuada prova”. E acrescentou: “Importa referir, neste âmbito considerado, pese embora os elementos probatórios apresentados, resulta que a causa do incêndio verificado no veículo não se apurou, tudo se limitando a hipotéticos cenários apresentados no caso da peritagem da A., a qual nem sequer pode ser validamente concluída, porque a viatura em causa já tinha ido para abate”. A Recorrente entende que, a sua Peritagem conclui que pela existência de vários componentes do veículo defeituosos e que seriam eles a ter originado o incêndio. E para isso fundamenta-se na circunstância de a manutenção ter sido feita toda em oficinas da marca e no facto de o veículo apresentar um consumo excessivo de óleo (conjugando em termos probatórios, o Relatório Pericial, o depoimento do condutor habitual do veículo e o documento de fls. 17). A Recorrida, por seu turno, refere que a Perícia por si efectuada (pela Dekra) concluiu que o motor não apresentava sinais de anomalia interna, mas apenas danos decorrentes da exposição a altas temperaturas, consequência do incêndio do veículo, sendo que o estado avançado de degradação deste não permitia determinar a origem nem a causa daquele. Certo que a Recorrente, perante estes resultados, diligenciou por outra Peritagem (SGS), para a qual foi autorizada a desmontagem da linha de escape, depósito de combustível entre outros, sendo que esta considerou a existência de vários componentes alegadamente defeituosos no veículo. Só que as ilacções da SGS não são correctas, pois o que é apontado como causa, mais não é que consequência do próprio incêndio ou de uma manutenção descuidada da viatura, por um período prolongado (nomeadamente relacionada com a má lubrificação das peças/falta de óleo), o que se retira do teor dos depoimentos das testemunhas A…C…, A…V…e M…B…. Acresce, quanto aos dois cenários de conclusões da SGS, que o primeiro (Curto-circuito no motor do ventilador - terá que ter ocorrido manipulação de fusíveis), não poderia ter ocorrido, desde logo porque: - o cabo do motor do ventilador está protegido por um fusível que funde logo que o cabo entra em curto-circuito, ou quando ocorra uma sobrecarga do componente (pelo que o curto-circuito não poderia ter ocorrido espontaneamente, mas antes como uma consequência do derretimento da peça, resultante do incêndio já deflagrado); - no que respeita às cablagens e fusíveis no cofre do motor, as evidências encontradas não apontam para a ocorrência de um curto-circuito, mas sim, e conforme inclusivamente referido no Relatório da SGS, para uma manipulação dos fusíveis (um procedimento que só poderia ter ocorrido no âmbito de uma intervenção na rede da marca). O mesmo sucede quanto ao segundo (motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso, quer por via de falha em injetor): quando há autoalimentação do motor este começa a trabalhar contínua e interruptamente até “partir”, não obstante o veículo ser, entretanto, desligado (isso provoca uma aceleração desmesurada no veículo, um ruido ensurdecedor e saída de fumo branco pelo tudo de escape, o que, em momento algum foi descrito pelo condutor), sendo certo que se trata de um fenómeno que não origina incêndio. Por fim, este Relatório é inconclusivo, na medida em que é ele próprio que afirma que não foi possível concluir a perícia por a viatura ter sido entregue para salvado pela Recorrente antes de serem terminadas as diligências, não sendo assim possível concluir peremptoriamente relativamente à origem do incêndio. Assim, no entender da Recorrida, não é possível concluir que o incêndio tenha tido origem no cofre do motor, nem que este apresentasse indícios de mau funcionamento ou defeito de fabrico prévio ao incêndio (o qual pode ter sido espoletado por factores externos), sendo certo que a viatura apresentava indícios de uma manutenção descuidada e de utilização de óleo não preconizado pela marca. Entrando a decidir. Este é um dos pontos fulcrais desta acção: saber se o incêndio referido no Facto 9. teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo referido no Facto 1. e, em concreto, origem no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos. Verificada a totalidade da prova produzida nestes autos (dos Relatórios Periciais e restante documentação escrita[9], aos depoimentos testemunhais prestados em Audiência) cremos que o Tribunal a quo decidiu bem, uma vez que uma resposta positiva, só poderia considerar-se especulativa. De facto, ambos os Relatórios não são conclusivos quanto à origem do incêndio, sendo de assinalar os diferentes momentos em que ocorreram. As conclusões do Relatório da última Perícia (da SGS) - que é aquela que a Recorrente usa para fundamentar o seu Recurso - apontam para a existência de vários defeitos, mas duma forma que tem de se ter como especulativa, pois nem explica como é que as consegue tirar, destrinçando se tais defeitos decorrem do incêndio ou se o provocaram. E com um problema acrescido: é que essas mesmas conclusões são colocadas em causa por esse mesmo Relatório apresentado pela SGS, quando assinala que não foi possível concluir a perícia por a viatura ter sido entregue para salvado pela Recorrente antes de serem terminadas as diligências, não permitindo conclusões peremptórias quanto à origem do incêndio (o que foi reafirmado em audiência, no depoimento da testemunha A… V… - um dos seus Autores). De facto, da prova efectivamente produzida nada resulta no sentido de que até ao momento do incêndio o motor da viatura que se incendiou tivesse algum problema de funcionamento (que a existir sempre teria sido detectado, informado, descrito e contado pela testemunha A… M… que o conduzia habitualmente). Certo que do registo de intervenções de assistência ao veículo incendiado decorre um anormal consumo de óleo, mas isso não autoriza qualquer conclusão quanto à origem do incêndio. Certo ainda que as cinco anomalias detectadas na segunda Perícia (1. motoventilador em curto-circuito; 2. casquilho da turbina do compressor fundido no veio das turbinas; 3. meias capas superiores do 3 e 4 cilindros com escamação; 4. camisa do 1.º cilindro estalada e o respectivo êmbolo com o segmento de óleo colado; 5. resquícios de lamas no subcárter), não permitem nem saber quais as que são consequência do incêndio e quais lhe são anteriores, e muito menos permitem dizer que foi por sua causa que ele ocorreu. E é este salto que não é possível dar, com a seriedade que a apreciação da prova exige. Repare-se, aliás, que esta Perícia aponta depois dois cenários possíveis para a ocorrência do acidente (1 - curto-circuito no motor do ventilador, que implicaria uma manipulação de fusíveis; 2 - motor ter entrado em autoalimentação, quer por via de atesto de óleo em excesso, quer por via de falha em injetor). Qualquer deles é puramente especulativo e exigiria prova de outros factos que permitisse tirar conclusões sérias (ninguém falou em manipulação de fusíveis e, quanto ao óleo só sabemos que o veículo tinha um consumo acima do normal, sendo certo que se o problema fosse a autoalimentação, o condutor teria sentido uma aceleração desmesurada no veículo, com um aumento expressivo das rotações do motor, com um ruído ensurdecedor e saída de fumo branco pelo tubo de escape, o que não ocorreu). A isto acresce que ficou em aberto a possibilidade de ter havido uma manutenção deficiente do veículo, com intervenções feitas fora da rede da ora Recorrida, mas que também não permite tirar conclusões no sentido da origem do incêndio (como referiu a testemunha A… C…, períodos longos com muito óleo dentro do motor, não incendeiam o carro, “pode queimar o motor todo por dentro, pode derreter o motor por dentro, mas o carro não incendeia”). Sublinhe-se, por outro lado, que nem sequer a fonte de ignição do incêndio foi apurada e que a primeira Perícia realizada desde logo apurou que não seria possível chegar a conclusões úteis em face do estado de danificação em que o carro ficou com o incêndio (que impedia encontrar uma causa que “levasse a afirmar que o incêndio ocorreu na sequência de um problema do produto”, como assinalou a mesma testemunha A… C…). E se com esta prova documental, já a Recorrente não podia pretender considerar como provados os dois factos em causa, quando ela é concatenada com a apreciação dos depoimentos das testemunhas A… C…, A… V… e M… B… (todos eles imparciais e conhecedores dos factos sobre os quais falaram), essa pretensão ainda fica mais enfraquecida. Repetindo a síntese perfeita constante da fundamentação apresentada na motivação de facto da Sentença em análise “resulta que a causa do incêndio verificado no veículo não se apurou, tudo se limitando a hipotéticos cenários apresentados no caso da peritagem da A., a qual nem sequer pode ser validamente concluída, porque a viatura em causa já tinha ido para abate”. Não há pois nada a alterar ao decidido quanto aos Factos 3. e 4. dos Factos Não Provados. * Fundamentação de Direito A pretensão da Autora é a de que a Ré lhe pague os valores que teve de despender em função do incêndio ocorrido a 28/09/2015, com o veículo matrícula ..-..-.., que estava por si segurado. Esse veículo tinha como credor hipotecário a L…-…, SA., que o vendeu à P…-…, SA., com quem a Autora celebrou o referido acordo de seguro (que cobria danos decorrentes de incêndio, raio ou explosão). Em face da factualidade apurada, o Tribunal a quo, decidiu pela improcedência da acção, orientado pelo seguinte processo de raciocínio: I - na sequência do incêndio ocorrido com o veículo em causa, verificou-se que este ainda se encontrava ao abrigo da garantia por parte da Ré, pelo que a peritagem feita pela Autora entendeu útil que o fabricante ou concessionário do veículo em apreço, realizasse um parecer quanto às causas do incêndio; II - a Ré declinou qualquer responsabilidade quanto ao sinistro por entender – depois de realizar peritagem – inexistir qualquer componente defeituoso no veículo; III - a responsabilidade pelas revisões e manutenções no veículo eram da L…-C…, SA., sendo que a última intervenção em oficina autorizada pela marca ocorreu a dia 30/07/2015, não tendo sido detectada nenhuma anomalia no motor; IV - a segunda perícia de que o veículo foi alvo afirmou não ser possível concluir peremptoriamente relativamente à origem do incêndio; V - a Autora tentou ressarcir-se junto da Ré dos valores que pagou pelas despesas com peritagens, perda do veículo e prejuízos na auto-estrada; VI - o que está em causa nos autos é a responsabilidade civil contratual da seguradora (Autora) perante a sua segurada, face à obrigação por si assumida de indemnizar o beneficiário do seguro pelos danos causados no veículo, associado à questão da responsabilidade por venda de coisa defeituosa; VII - o incêndio em causa conduziu à perda total do veículo segurado e aos danos dados como provados, encontrando-se abrangido pelo contrato de seguro titulado pela apólice n.º 8238672, tendo a Autora satisfeito o seu pagamento; VIII - uma vez que a Autora ficou sub-rogada nos direitos da proprietária do veículo perante quem fosse responsável pelo incêndio (nos termos do artigo 136.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 6 de Abril), haveria de ter resultado provado que este se ficou a dever a defeito no próprio no veículo segurado; IX - a Autora alegou que o incêndio no veículo segurado teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo segurado (mais concretamente no cofre do motor), em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos, mas não logrou provar essa factualidade (prova essa que lhe cabia, por constituir a prova do facto gerador da obrigação de indemnizar), sendo que, não o tendo feito, a acção tem de improceder. Perante este entendimento a Autora-Recorrente recorreu e começou por colocar em causa a factualidade apurada, o que foi já decidido, nada se alterando de relevante (uma vez que o acrescento do Facto 8A. acaba por ser inócuo quanto à pretensão recursória). Mas o Recurso vai mais além e implica também (como atrás se disse), matéria de Direito. Começa, a este nível, por estar em causa o ónus da prova de que o incêndio no veículo segurado teve origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo (no cofre do motor, em consequência de curto-circuito), provocado por componentes defeituosos. É entendimento da Autora que procedeu como lhe competia, alegar e provar ou a existência de um defeito (no caso, as anomalias detectadas que constam do Facto 28.) e a existência do incêndio (que consta dos Factos 9. a 12.), não tendo de demonstrar a origem do incêndio, cabendo sim à Recorrida alegar e provar (o que não conseguiu), que o defeito que se manifestou teve causa alheia ao normal funcionamento do bem. Assim, estando - nos termos das Condições Gerais da Apólice, do artigo 136.º da Lei do Contrato de Seguro, e do artigo 593.º do Código Civil - sub-rogada nos direitos da sua segurada[10],e porque nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei n.º 291/2007[11], de 21 de Agosto, tem direito de regresso contra “o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude da utilização ou condução de veículos que não cumpram as obrigações legais e caracter técnico relativamente ao estado e condições de segurança do veículo, na medida em que o acidente tenha sido provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo”, a Recorrente entende-se com direito a receber da Ré (produtora do veículo) as quantias que despendeu por conta do incidente. A esta argumentação a Recorrente ainda acresce que, nos termos do artigo 913.º do Código Civil, ao comprador basta provar o não funcionamento do veículo no período de garantia, sendo que, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, o comprador é considerado consumidor e, nos termos do artigo 4.º, na falta de conformidade do bem com o contrato, tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. Entrando a decidir. A acção está configurada pela Autora como uma acção de responsabilidade civil contratual por venda de coisa defeituosa, por força de um incêndio ocorrido numa viatura fornecida pela Ré (e ainda dentro do prazo de garantia), surgindo a Autora como tal, por ter sido ela enquanto seguradora a ressarcir a L… (beneficiária do seguro). Em face dos factos apurados tem-se como assente que o sinistro que levou à intervenção da Autora originou a perda total do veículo segurado e a uma série de despesas que, face ao contrato de seguro titulado pela apólice n.º 8238672, levaram a que a esta última, neste âmbito, assumisse o seu pagamento e ressarcimento, cabendo agora verificar se, nos termos do artigo 136.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 6 de Abril, tem direito ao reembolso do que despendeu. Para isso, o incêndio haveria de se ter ficado a dever a defeito no próprio veículo segurado. São os artigos 913.º[12] e 921.º[13] do Código Civil, em ligação ao regime resultante do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que começam por estar convocados para análise, sendo certo que, o que era alegado, era que o referido incêndio tivera origem numa avaria mecânica proveniente da falha do motor do veículo segurado (no cofre do motor, em consequência de curto-circuito provocado por componentes defeituosos). Perguntar-se-á a quem cabia a prova dessa factualidade. E quanto a isso, a posição assumida pelo Tribunal a quo está correcta: nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, à Autora impunha-se o esforço probatório quanto à circunstância de o veículo em causa apresentar defeito. E não um defeito qualquer, mas um defeito que fosse susceptível de originar o incêndio. Esse seria o facto gerador da obrigação de indemnizar. A simples circunstância de estar provado no processo a existência de um incêndio num veículo, não autoriza a conclusão de que tal veículo não apresentava qualidades e desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor possa razoavelmente esperar. Numa situação similar (veículo dentro do prazo de garantia que se incendeia e em que se não provam defeitos ou falta de qualidade das suas peças), o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 20 de Março de 2014[14] (Processo n.º 783/11.2TBMGR.C1.S1-Moreira Alves), considerou que a Ré (produtora do veículo) não poderia ser responsabilizada. E, para chegar a essa conclusão, afirmou que a existência de um “incêndio não é, seguramente, um defeito, uma falta de qualidade ou deficiente funcionamento, mas a consequência de um processo causal anterior”. E se o sumário ora transcrito (e que também foi referido na Sentença sob recurso) é expressivo, o texto que nele se contém é-o ainda mais: “Ora, se é certo que não tinha de demonstrar a causa do defeito, competia-lhe, no entanto, provar o defeito. Acontece que o incêndio não é um defeito, uma falta de qualidade, um deficiente funcionamento, é, antes, a consequência de um processo causal anterior e é no interior desse processo causal que há-de encontrar-se o defeito, isto é, o facto concreto (curto-circuito, ligação mal efectuada, instalação eléctrica com comportamento anormal, etc., etc..), a partir do qual se deduz a falta de qualidade e a inexistência do desempenho que seria, nas circunstâncias, expectável, o que, por sua vez, faz presumir a desconformidade da coisa (automóvel, no caso) com o contrato. Diz ainda o A. que, de um veículo automóvel se espera que não arda, mesmo que imobilizado. É certo que não é suposto que os automóveis se incendeiem, sobretudo quando estão estacionados, com o sistema de ignição desligado, mas a verdade é que tal aconteceu, sem que o A. impute a ocorrência (e prove a imputação) a um específico defeito ou deficiência de funcionamento que, independentemente da prova da sua causa (causa do defeito), e de acordo com as regras da experiência comum e do bom senso, indicie uma falta de qualidade e desempenho anormal, em função do que razoavelmente seria de esperar de uma coisa daquela natureza. Ora, as mesmas regras da experiência comum e o bom senso, revelam que um veículo automóvel, dotado de todas qualidades normais que lhe são características, com desempenho também perfeitamente normal, pode, não obstante, incendiar-se por motivos absolutamente alheios e exteriores ao próprio veículo, designadamente, por acção de terceiro ou caso fortuito. Quer dizer que a ocorrência do incêndio pode ocorrer e ocorre, de facto, na vida real, mesmo na ausência de qualquer defeito ou deficiência de funcionamento. Por isso, do incêndio do veículo, só por si, desacompanhado da prova da existência de defeito (repete-se, o incêndio não consubstancia qualquer defeito) não pode deduzir-se a falta de qualidades e de desempenho habituais a que se refere o nº 2, d) do Artº 2 do D.L. 67/2003, ou a falta de conformidade ou adequação prevista nas alíneas a) b) e c) do preceito. Assim, salvo melhor opinião, entendemos que, provado, pura e simplesmente, o facto incêndio (que, como se disse repetidamente, é uma consequência de um facto anterior, e não um defeito visto que nenhum foi alegado), não ficam densificados quaisquer dos conceitos abertos do Artº 2º do D.L. 67/2003, o mesmo é dizer, não ficam provados os factos índices, ou os factos base da presunção legal, pelo que não pode presumir-se a falta de conformidade do veículo vendido pela Ré ao A., com o respectivo contrato de compra e venda”. Assim, um consumidor, para beneficiar das presunções de não conformidade que o Decreto-Lei n.º 67/2003 consagra, tem de alegar e provar os factos em que presunção assenta, e ainda que tudo ocorreu dentro do prazo de garantia de 2 anos: se se prova apenas que o incêndio consumiu o veículo, apenas se prova a consequência do processo causal, mas não a sua origem e muito menos o putativo defeito que o possa ter originado[15]. A Recorrente entende que a situação em causa neste Acórdão é diferente da dos presentes autos (“as circunstâncias do incêndio são completamente distintas”). É uma conclusão manifestamente exagerada, pois a única diferença relevante tem que ver com o facto de o veículo naquele caso estar estacionado e no presente estar em andamento… Sobre este Acórdão, Pedro Falcão veio entender que se trata de uma decisão acertada do ponto de vista técnico-formal, “ainda que talvez não fique imune a alguma discussão”, uma vez que, na linha do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 04/06/2015 (Processo n.º C-497/13-Froukje Faber contra Autobedrijf Hazet Ochten BV[16]) “e no espírito do «regime avançado na proteção dos consumidores» que o Decreto-Lei n.º 67/2003 institui, deve entender-se que «o consumidor está obrigado a provar a existência da falta [de conformidade, mas] não está obrigado a provar a causa da mesma nem que a sua origem é imputável ao vendedor» (§ 70 — itálico nosso)”, não podendo “exigir-se a um consumidor, cuja especial proteção pressupõe uma vulnerabilidade negocial fundada em boa parte no seu défice de informação e impreparação técnica face ao profissional, que faça tal prova”[17]. A discussão será interessante em termos teóricos, mas, não só a Autora não logrou provar um qualquer defeito que pudesse ter (e não necessariamente que tivesse sido esse o seu elemento efectivamente desencadeador) espoletado o incêndio[18], como - e mais relevante e decisivo - nem sequer pode ser considerada como consumidora para efeitos de poder beneficiar deste regime do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, que define como consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho: nessa definição não é possível encaixar, nem a proprietária da viatura, L… (que faz da sua actividade a locação dos veículos), nem a empresa que com esta celebrou o contrato, P… (que o utilizava na sua actividade). O conceito de consumidor exclui do seu âmbito as pessoas colectivas, como se refere expressamente no Acórdão da Relação de Lisboa de 11/02/2020 (Processo n.º 491/11.4 TVLSB.L1-1-Pedro Brighton[19]), sendo que, mesmo usando um critério mais aberto, o próprio Supremo Tribunal de Justiça[20], no Acórdão de 13/07/2017 (Processo n.º 1594/14.9TJVNF.2.G1.S2-Pinto de Almeida), sublinhou que relevante “é que não seja dado ao bem adquirido um uso profissional” [21]. Neste contexto, só podemos concluir que não assiste razão à Autora-Recorrente e que, portanto, lhe cabia o ónus de provar no processo que o incêndio ocorrido estava relacionado e tinha tido origem num qualquer defeito do veículo em causa. Dizia Álvaro de Campos, "Continua o Fernando Pessoa com aquela mania, que tantas vezes lhe censurei, de julgar que as coisas se provam"[22], referência esta que vem a propósito do que sucedeu nos presentes autos, em que a Autora apresentou uma versão dos factos que, a comprovar-se, lhe daria razão, mas que não resultou provada no que respeita à origem do sinistro que a levou a ter de assumir a ocorrência do risco segurado: colocada na posição de Fernando Pessoa, a Autora, julgava conseguir provar o que alegava, mas – efectivamente – não o conseguiu. Assim, e em conformidade com o exposto, porque o Tribunal a quo decidiu bem, fundada e fundamentadamente, a Sentença será confirmada in totum. * DECISÃO Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação, confirmando a Sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente. Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC). * Lisboa, 08 de Março de 2022 Edgar Taborda Lopes Luís Filipe Pires de Sousa José Capacete _______________________________________________________ [1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183. [2] Data rectificada por despacho de 02 de Fevereiro de 2022. [3] Data rectificada por despacho de 02 de Fevereiro de 2022. [4] Mantém-se inalterada esta redacção embora a peritagem em causa não constitua um facto propriamente dito, mas apenas um meio de prova. Conforme bem salienta Tomé Gomes o “teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, sendo de banir dizeres como provado apenas que ‘a testemunha... viu o réu a entrar na casa do autor’ ou, no caso em se discuta a origem de um incêndio, provado apenas que ‘os bombeiros verificaram não existir no local sinais do foco de incêndio’. Estas referências aos meios de prova, quando muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa. Nessa linha, o que se requer é que o julgador assuma uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas. Por exemplo, se o que está em causa é apurar a origem de um incêndio, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto para tal alegado está ou não provado, sendo que a verificação pelos bombeiros de não existir sinais do foco de incêndio é apenas um dos meios de prova nesse sentido. Igualmente, se o que está em discussão é indagar sobre a vontade real, expressa ou tácita, manifestada num contrato escrito, o que tem de ser decidido é se está ou não provada a alegada vontade real, pelo que, muitas vezes, o dar como provado apenas o que consta do documento se traduz numa forma evasiva de julgar aquela questão” (Da Sentença Cível, in O novo processo civil, Caderno V, [em linha], e-book CEJ, 2014, páginas 350-351, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=Z3GENdMOBV8%3d&portalid=30 [consultado a 24/02/2022]). [5] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210. [6] António Abrantes Geraldes, Recursos…, página 200. [7] António Abrantes Geraldes, Recursos…, páginas 201 a 205. [8] António Abrantes Geraldes, Recursos…, páginas 206-207. [9] Contrato de seguro – fls. 11; Proposta de Aluguer Operacional – fls. 12-13; Informação da propriedade do ..-..-.. – fls. 14; Relatório de Ocorrência Bombeiros – fls. 14 verso-15; Auto GNR – fls. 15 verso; Depoimento acidente – fls. 16 verso-17; Relatório SGS – 17 verso-29 e 48-61; Mails Extranet-Autora – fls. 30-31; Mails Autora-Ré – fls. 31-32; Correspondência Ré-P… – fls. 33; Correspondência L…-Autora – fls. 33 verso-46; Histórico Manutenção e Pneus – 47; Pagamento Autora-L… – fls. 62; Pagamento Auto estradas do Atlântico – fls. 63-67; Correspondência Autora-Ré – fls. 68-69; Manual de Assistência e Garantia ---- – fls. 89-116 e 202-229; Histórico de serviços – fls. 121 e 230; Carta Ré-Autora - fls. 230 verso; Relatório Dekra – fls. 117 -120 e 233-236; Apólice – fls. 128-183. [10] O “sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competia”. [11] Que se reporta ao regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. [12] Artigo 913.º Se a coisa sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que se destina, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se- com as devidas adaptações o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. [13] Artigo 921.º 1 - Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador. 2- (…). [14] O qual confirmou um Acórdão da Relação de Coimbra. [15] Como bem refere a Recorrida nas suas Contra-Alegações, “não se manifestou qualquer defeito, ocorreu um sinistro, neste caso um incêndio. Ora, os sinistros, bem como os incêndios, não têm necessariamente origem num defeito e era precisamente esta a prova que assistiria à Recorrente: provar que este sinistro, este incêndio, teve origem num defeito de fabrico da viatura”. [16] Disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62013CJ0497&from=PT. [17] Pedro Falcão, O Regime da Venda de Bens de Consumo na Jurisprudência Portuguesa Recente, [em linha], Revista Jurídica Luso-Brasileira, Ano 5 (2019), n.º 2, páginas 1649-1670 (1663-1664), disponível em https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2019/2/2019_02_1649_1670.pdf [consultado em 23/02/2022]. [18] Sendo o que consta do Facto 28. manifestamente insuficiente, quer porque não decorre que deles se pudesse originar o incêndio, quer porque não se sabe se decorrem do incêndio ou o antecederam, quer – como remate final – porque esses mesmos peritos desvalorizam estas circunstâncias por não terem podido completar o seu trabalho (Facto.31). [19] No mesmo sentido, RL 12/10/2017 (Processo n.º 6776-15.3T8ALM.L1-8-Isoleta Almeida Costa). [20] Que no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 4/2019, de 12/02/2019 (Processo n.º 2384/08.3TBSTS-D.P1.S1-A-Olinda Garcia, publicado no DR I-A, de 25/09/2019), a propósito de outra matéria (insolvência), claramente deixou expresso que “apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”. [21] Sobre esta matéria, Pedro Cláudio Oliveira Rodrigues dos Santos escreve que a “primeira questão reconduz-se a saber se uma pessoa jurídica pode ser considerada um consumidor. A defesa da noção estrita de consumidor significa que apenas a pessoa singular pode ser consumidor. Os principais motivos para esta orientação são três: As pessoas jurídicas atuam em cumprimento do seu escopo social e, por isso, está afastado um uso privado, ou seja, a função económica das pessoas coletivas abrange apenas os direitos e obrigações necessários ou convenientes para a prossecução dos seus fins, só podendo praticar os atos que visam esta função, pelo que todos esses atos visam a realização de um fim comum e nunca um fim privado – arts. 160.º n.º 1 do CC e 6.º n.º 1 e 4 do CSC; Esta é a conclusão resultante de uma interpretação conforme com a diretiva que exclui as pessoas coletivas como sucede com a generalidade das Diretivas relativas a contratos; e O ato de consumo é um ato de natureza pessoal insusceptível de ser realizado por pessoas jurídicas. Outros autores defendem a posição inversa com os seguintes argumentos: - O elemento literal de interpretação [todo aquele] deixa ampla abertura para permitir a extensão do conceito às pessoas coletivas; - Só se justifica a exclusão caso o fim social da pessoa coletiva for exclusivamente uma atividade económica; - A violação do princípio da especialidade do fim só tem efeitos na validade dos atos praticados; - A razão de ser do conceito de consumidor é proteger quem está numa situação de fragilidade contratual com a contraparte, sendo que este argumento tanto pode ser aplicado a pessoas singulares como coletivas; e - O legislador, ciente da discussão, preferiu não afastar a possibilidade de aplicação do conceito a pessoas coletivas [como esteve previsto no projeto da LDC] como fez a propósito de outros regimes jurídicos. Daqui pode resultar que o art. 2.º n.º 1 da LDC permite a inserção no conceito de consumidor das pessoas, físicas ou jurídicas, que demonstrem “que não dispõem nem devem dispor de competência específica para a transação em causa e desde que a solução se mostre de acordo com a equidade” em termos semelhantes aos que constam do Anteprojeto do Código do Consumidor. Contudo, entendemos que existe um argumento, em sentido inverso, que deve ser ponderado e que pode inverter o curso da argumentação narrada. A Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25/10/2011 relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Directiva 93/13/CEE do Conselho e a Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Directiva 85/577/CEE do Conselho e a Directiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, ainda não totalmente transposta, visa estabelecer uma harmonização mais efectiva da regulação dos direitos dos consumidores, mais concretamente uma harmonização máxima – art. 4.º – e estabelece uma noção de consumidor no seu art. 2.º n.º 1 que abrange apenas as pessoas singulares. Parece que, existindo um propósito de harmonização total, deve entender-se como assumida a noção estrita numa lógica de interpretação conforme ao direito comunitário” (A garantia legal do consumidor na aquisição de bens, [em linha], Dissertação em Ciências Jurídico-Forense na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, páginas 7 a 9, disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/28706/1/A%20garantia%20legal%20do%20consumidor%20na%20aquisicao%20de%20bens.pdf [consultado a 24/02/2022]). Vd., também, Antonio Augusto de Toledo Gaspar, Venda de Bens Defeituosos–Comparação entre o Direito Português e o Direito Brasileiro–A Posição do Consumidor, [em linha], Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa/Escola do Porto, 2018, páginas 22 a 25, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/30197/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Antonio%20Augusto%20de%20Toledo%20Gaspar.pdf [consultado a 24/02/2022]). [22] Citado por Teresa Sobral Cunha, na introdução de O Banqueiro Anarquista, de Fernando Pessoa, Relógio d'Água, 1997, página ix.